Bilderberg: A Câmara Corporativa global

(Hugo Dionísio, in Facebook, 25/05/2023)

As contradições entre o discurso proferido e a prática são tão presentes e monstruosas que, como uma qualquer mobília caseira, por elas passa o povo sem as ver, seguro que está de que, mesmo não as olhando, elas, inamovíveis, inexoráveis, incontornáveis, se encontram lá, intocadas, ocultadas pela indiferença de uns, pela cobardia de muitos e pela ignorância, de outros. É assim! É pelo peso excessivo da sua presença, que as ameaçadoras contradições, que tão árdua e crescentemente moldam as nossas vidas, são mantidas secretas.

Olhar para estas contradições é penoso, revoltante e tortuoso. O olhar deixa-nos revoltados, primeiro, para depois vir a amargura, a frustração, a depressão e, por fim, a indiferença causada pela sensação de impotência. Esta sensação de impotência também pode, no ignorante – sem culpa assim tornado -, ser transformada em ódio, regra geral, contra os menos culpados, contra os elos mais fracos de uma realidade que oprime de forma directa, mas também subliminar… Uma opressão que tantas vezes deixa escondida a sua origem real, a sua natureza e a sua causa. As consequências esmagam-nos com a sua realidade concreta, mas são as causas que oprimem.

É assim que sinto o que se passou em Lisboa, por estes dias, com a realização da 69ª sessão do Bilderberg. Antes totalmente secreto, não foi sem ameaça e vítimas que se tornou visível. Mas, uma vez mais, “visível”, não significa “reconhecível” ou “identificável” em relação ao que realmente é. Uma vez mais, o Bilderberg é uma das causas da contradição que nos esmaga.

O Bilderberg, assim chamado porque nasceu no Hotel Bilderberg nos Países Baixos, por iniciativa das pessoas mais ricas e influentes do mundo. À data, desse mundo constavam gente importante como a coroa britânica, neerlandesa, gente do clube de Roma e muitos outros, tratando-se de um clube restrito que constitui, na prática, a Câmara Corporativa do Império anglo-saxónico, conjugando os mais importantes interesses políticos dos partidos da governação (ministros presentes e futuros), os mais relevantes interesses económicos, comunicação social e defesa. A Indústria, hoje, ocupa um lugar pouco importante, tendo sido trocada pelas tecnológicas da internet.

Gente eleita pelo poder que o dinheiro compra dedica-se, durante alguns dias, a discutir o domínio do mundo e a sua repartição pelos interessados aí representados. Qualquer sinal de democracia é uma mera miragem ou utopia irrealizável. A democracia liberal, na sua forma milenar, garante a eleição dos mais fidedignos governantes que o dinheiro consegue comprar e a comunicação social promover, não mais sendo do que o instrumento histórico que garante um reinado sem convulsões, estabilizadas e desarmadas que ficam nas mentes e nas massas.

Para se ter uma ideia do “peso” real destas coisas da “democracia”, de Mário Soares para cá, apenas Passos Coelho não foi pré-aprovado pelo Bilderberg! Nada que não se tenha resolvido com uma presença após a eleição. Mas este facto marca tanto que, Passos não tem poiso nas mais importantes estruturas do poder ocidental. Para além dos Primeiros-ministros, já lá foram receber a bênção imperial e a cassette ideológica muitas outras figuras, de Medina a Rio, passando por Portas e muitos outros possíveis governadores. Apenas contam os dispostos a prosseguir o reinado neoliberal. Ninguém mais. Os identitários, que também os cá temos, disfarçados de “esquerda radical” fazendo o trabalho do Império, ficam na Open Society de George Soros. A Iniciativa Liberal está hoje representada também, através dos CEO’s  do costume.

Passar pelo Bilderberg significa a iniciação nas coisas dos Deuses, significa sair da maralha que constitui o comum dos mortais, o acesso aos segredos divinos. E não se pense que é porta aberta a qualquer um que o consiga. Implica passar por determinados locais, principalmente durante a fase de estudo, pois são esses locais que garantem a formação (ou formatação) de ouro, platina ou diamante. Não acreditem quando vos disserem que um determinado “jovem” levantou (raise) milhões em investimento para uma start-up. Esse “jovem” teve de passar por determinados locais, ou não lhe colocam o dinheiro nas mãos. Desculpem revelar-vos que as portas do Olimpo não são igualitárias!

Para se ter uma ideia da importância destas coisas, este ano discute-se a Ucrânia, claro, a desdolarização, como não poderia deixar de ser, a “liderança” dos EUA no Mundo (não lhes chega o Ocidente), inteligência artificial para nos invadir as mentes, a China, India e Rússia, como factores dissonantes…

Se há guerra mundial; se o regime neonazi do comediante louco continua a receber armas, mercenários africanos e árabes a quem prometem dinheiro e cidadania europeia; se o regime que ocupa a Ucrânia continua a receber biliões dos nossos impostos; se o tik-tok é proibido – e com ele o acesso da China às coisas das mentes, do conhecimento e do dinheiro; se os nossos dados pessoais continuam ao dispor da CIA e FBI; se a soberania dos Estados-membros da EU se continua a degradar; se a EU continua a comportar-se como uma região administrativa do estado de Washington DC; se a inteligência artificial é colocada ao serviço da Humanidade ou dos interesses económicos… Entre outras decisões importantes, é ali que encontram a resposta que lhe trilha o caminho subsequente, mais tarde constatável nos “actos” de Úrsula, nas prioridades de Costa, nos ataques de Montenegro, nas efabulações da IL, na propaganda de Portas ou nos achaques de Costa. Nada sai fora da caixa, nem um milímetro…

O site noticioso http://www.epoch.com divulgou a lista de presentes. Entre as gentes da NATO, Comissão Europeia, Casa Branca e muitos ministros, é só escolherem entre banqueiros, CEO’s de tecnológicas, barões da comunicação social e jornalistas (os futuros directores de redacção é aqui que recebem a confirmação de um estrelato programado e recebem a medalha da ordem da propaganda do império), dissidentes russos, chineses e turcos, grandes firmas de advogados, todos, todos, mas mesmos todos, apenas do Ocidente.  De Portugal a lista é a seguinte:

•            Pinto Balsemão (o pólo de contacto para o país)

•            Durão Barroso (não há maior servidor que este!!!)

•            José Luis Arnaut

•            Duarte Moreira da “Zero Partners” (consultoria financeira)

•            Nuno Sebastião da Feedzai (start-up’s tecnológicas, unicórnios e outras formas de exploração)

•            Miguel Stilwell de Andrade da EDP

•            Filipe Silva da Galp

O quê? Acham que se chega a “CEO” de uma coisas destas, a “partner” de uma coisa daquelas, a ministeriável de um país da NATO, sem a devida bênção de quem realmente detém o poder de criar e destruir, com sanções, embargos, guerras e bloqueios tudo o que vive, nasce, cresce e morre? Acordem, que o processo é muito “democrático”. É esta a “eleição” que realmente conta! Quem ganhar esta “eleição”, passa a poder ganhar as outras todas!

Como? Sim… É esta verdadeira “eleição original”, uma primária a sério, que conta. Ganhando esta, um servidor fica capacitado para receber os milionários apoios financeiros, humanos e logísticos que compram tempo de antena nas TV’s, horas de comentário em hora nobre, convites para conferências e seminários televisionados, avenças em programas de encher chouriços e boa imprensa… Todo um exército a louvar as suas qualidades enquanto “eleito”. Esta “eleição”, a par de outras, como a da ida a Davos, funciona como um sinal apenas reconhecível pelos da mesma espécie. Todos os membros da matilha recebem o sinal, reconhecem-no e sabem como se comportar face ao mesmo. A partir daí, nasce um novo génio da lâmpada que nos passa a ofuscar a vida. Em vez de concretizar desejos, impede-os de se concretizarem. E o facto é que, a cada eleição, o povão afaga a lâmpada e sai sempre a mesma magia: o fim dos seus desejos e a constatação da terrível realidade.

Eis o que significa a “democracia” liberal. Lamento desiludir-vos… Mas, se pensavam que aquelas directivas comunitárias que se discutem no Parlamento Europeu, aquelas iniciativas da Comissão Europeia de que Úrsula tanto se orgulha e tantas agendas para isto e para aquilo que são aplicadas, as “recomendações” do semestre europeu, vinham mesmo do povo, como numa democracia, ou dos representantes do povo, como numa democracia representativa…. Lamento desiludir-vos, uma vez mais. Perante vós apenas tendes servidores e todos os “valores” europeus, não passam de buracos negros vazios de vida que nos sugam para a morte e a desgraça. A governação não passa de um processo de aplicação de regras estandardizadas que têm de ser seguidas, sob pena de punição severa.

Para terem uma ideia da forma como esta gente olha para o mundo e para os seres humanos que têm o “azar” de não pertencerem a esta meia dúzia de brancos iluminados, aqui ficam dois exemplos:

•            Na Inglaterra os migrantes passaram a ser monitorizados 24/7 com pulseiras electrónicas como um qualquer cão que leva o chip. A gravidade assume proporções olímpicas quando o Primeiro-Ministro deste país, de ascendência indiana, permite a privatização das políticas de migração, o que levou cinco empresas do sector a afirmarem esta bela coisa: Multimilionário não é sinónimo de “livre”, muito pelo contrário;

•            Na Florida (EUA) os cidadãos chineses foram proibidos, por lei, de comprarem propriedade (imobiliária, participações sociais em empresas, por exemplo), apenas e só por serem chineses. Isto acontece num estado governado por um descendente de migrantes Italianos. Se és chinês, levas com um carimbo da foice e martelo e… A ver vamos onde chega. Se não chegará onde tantas vezes já se chegou na história humana.

Isto são apenas dois exemplos do nível de traição de que esta gente é capaz. Depois falam do “crédito social” experimental na China. Mas poderíamos ir mais longe, nomeadamente a tudo o que é feito que nos trama as vidas (privatizações, PPP’s, perdões e isenções fiscais, concessões de exploração, reformas laborais, reformas dos serviços públicos, etc…), tudo sob a bandeira da “democracia” e “liberdade”, para acabarmos, todos os dias, mais prisioneiros da indigência.

Todos os dias acordamos um pouco mais pobres, todos os dias, pelo menos de há 20 anos a esta parte!Podem agradece-lo também ao Bilderberg e aos vossos milionários preferidos! Tudo é negociado na Câmara Corporativa Global.


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Sr. Primeiro-ministro, será isto uma conspiração?

(Hugo Dionísio, in Facebook, 18/04/2023)

Tivesse eu a capacidade de sujeitar o Primeiro-ministro António Costa a perguntas e, entre muitas outras questões, colocar-lhe-ia, desde logo, as seguintes:

Face às últimas revelações relativas aos documentos do Pentágono, o que tem ele a dizer sobre o facto de um dos nossos principais aliados vigiar, escutar e monitorizar os órgãos de soberania de países seus aliados? Será isto compatível com uma relação transparente, alicerçada na confiança mútua, na cooperação e na partilha de valores? Será aceitável, em democracia, um estado arrogar-se do direito de vigiar os outros, para que possa saber o que pensam na sua intimidade? Como é possível confiar num aliado destes?

Face às últimas revelações de Elon Musk, numa entrevista à comunicação social, em que revela – e provou documentalmente através dos Twitter files – que os serviços de segurança e vigilância dos EUA praticam uma vigilância intrusiva que abrange todos os utilizadores, americanos e não americanos, utilizando as redes sociais americanas para o efeito; que medidas está o governo a tomar para proteger o direito à privacidade e o direito a opormo-nos à sujeição e à vigilância por parte de regimes políticos estrangeiros?

Não considera o senhor Primeiro-ministro que a vigilância dos nossos cidadãos, por parte de uma potência estrangeira, mesmo que aliada, para além da violação constitucional em matéria de direitos de personalidade, representa também um ataque direto à nossa soberania nacional? Como avalia, no quadro de um sistema democrático, a vigilância absoluta – de metadados e dados pessoais -, de todos os utilizadores das redes sociais?

Tenho a certeza de que o máximo que obteria destas perguntas seria uma rotunda e genérica remissão para: “a União Europeia está a trabalhar no sentido de acautelar possíveis violações desse tipo”… A União Europeia…. Pois. Aquela organização cujos emissários vão ao Sul Global repetir – ipsis verbis – os discursos da Casa Branca.

A divulgação dos documentos do Pentágono, por Jack Teixeira, demonstra em si todo o jogo que está em andamento. A narrativa substitui a realidade. A realidade é uma, a leitura que os EUA fazem da realidade é outra, a informação que proporcionam aos seus “aliados” é ainda outra e, a informação que providenciam à comunicação social que dominam completamente, é o inverso da realidade que constatam. Ouçam uma qualquer TV a referir-se a assuntos de interesse dos EUA – o que é difícil de separar dos demais -, interpretem tudo ao contrário e… ficarão muito mais próximos da realidade.

E a metodologia funciona tão bem que, aplicada aos documentos vazados, atinge a perfeição: a imprensa do regime e alinhada com o regime corrupto de Zelensky consegue fazer um circo enorme em torno dos documentos; mostra a detenção do delator; discute porque o fez ou não fez; refletem horas sobre como o fez… Agora, pense-se… No meio disto tudo, o que é que eles não dizem? Sobre o que é que não falam? O que é que não escrutinam? O conteúdo!

Querem um exemplo paradigmático do que é, na era do capitalismo de vigilância, o papel da comunicação social? Aqui está um exemplo concreto: desviar as atenções, encaminhando-as para onde não causam problemas, ou para onde pretende a propaganda do regime. Neste caso, não falaram das mentiras sobre a guerra, nada referem sobre a vigilância a que os EUA sujeitam os seus principais aliados, nem uma palavra sobre a contratação do New York Times e do Wall Street Journal, para que dominassem a narrativa e “ajudassem” a apanhar o delator, nem uma palavra sobre a informação que os EUA escondem dos seus aliados… Enfim… Tudo o que importaria discutir, no quadro de um regime que se diz democrático… Nada. Fossem estas revelações sobre a Rússia ou a China, e estaríamos já na 3ª guerra mundial de tipo “quente”.

Guerra que já começou! Se estas revelações nos comprovam algo – não nos trazem nada que não tivéssemos tantas vezes deduzido a partir da própria prática dos factos -, é que o nosso país e a Europa, em geral, se encontram amordaçados por um aliado que domina a informação, o discurso e o pensamento. E quando alguém não aceita, praticam atos de assédio e violência moral. No caso do Chipre, Hungria e outros, chega-se mesmo à coerção física, com a sujeição a sanções – sanções aos próprios aliados -, caso resistam a entregar armas à Ucrânia. Contudo, para fora, está tudo muito unido. Tão unido como em qualquer ditadura esquizofrénica e paranoica: à custa da repressão, da chantagem e do medo!

Tal é o horror à liberdade dos povos, à autodeterminação, à independência e autonomia, que basta ouvir um qualquer comentador na CNN ou Fox, para ouvirmos coisas como “ajudámos Lula da Silva e agora une-se à China”; “apoiámos o México e agora unem-se à China”; “suportamos a Europa, e Macron une-se à China”. Ou seja, não valendo aqui a pena, sequer, discutir o que entendem por “ajudar”, “apoiar” ou “suportar”, penso que todos ficamos a entender como esta gente olha para o mundo, considerando-o como algo que é seu, por um qualquer direito natural, que consigo identificar, mas cuja legitimidade me escapa.

E, com as informações que vamos obtendo, aqui e ali, sobre o estado paranoico, bipolar e esquizofrénico da elite neoliberal e neoconservadora e seus capachos, conclui-se que existe um tema que faz esta gente entrar em colapso nervoso. A China. Julgo mesmo que, a China, por variadas razões, os coloca em maior colapso e histeria, do que os colocava a URSS. Ao contrário da superpotência soviética, a China joga no mesmo campo e não num campo paralelo. E joga mais alto.

Por exemplo, em África, o papel da China, na elevação das condições de vida e desenvolvimento, tem sido tal, que com eles, a autoestima e amor-próprio voltaram a nascer. Passou a ser uma comédia diária assistir aos enviados “especiais” do Ocidente serem enxovalhados, envergonhados e desmentidos, presencialmente, olhos nos olhos, por quem eles achavam ser de uma categoria inferior. Por quem eles achavam poder comprar com umas meras missangas. A tal ponto que Kamala Harris, num discurso vazio de propostas concretas, promete 100 milhões de dólares de investimento para três países. Depois dos biliões investidos em infraestruturas vitais que representam a grande oportunidade de África se desenvolver, a resposta só pôde ser uma: agora trouxeram as missangas, quando é que trazem o ouro?

E tal é a psicose, a identificação de inimigos no revirar das pedras – típica de certos tipos de regime – que esta matéria me leva a outra questão, a qual gostaria de ver respondida pelo senhor Primeiro-ministro António Costa:

Está de acordo com o desacoplamento da nossa economia em relação à chinesa? O que está a ser preparado para substituir a mais do que previsível separação entre a economia chinesa e europeia, sob as ordens da Casa Branca? Vai perguntar ao povo português, se, tal como sucedeu com a economia russa, está preparado para prescindir de um dos maiores investidores e parceiros comerciais? Vai perguntar ao povo português se vai querer enviar milhões de euros em armas para “ajudar” Taiwan? O povo português vai ser consultado sobre a guerra em que entraremos, necessariamente e por ordem da Casa Branca, com a China, nomeadamente em Taiwan?

Ó senhor Primeiro-ministro, não me diga que não sabe que, nos dias de hoje, nos EUA, só se fala em guerra com a China, e no “dever” que os europeus têm de ajudar o sempre disponível e solidário aliado americano. Não me diga que ainda não constatou que a Europa não tem vontade própria e que faz tudo, em dobro, desde que venha da Casa Branca!

Não me diga que não sabe que Taiwan é o “all-in” no jogo de Washington. Se a Ucrânia era uma manobra tática para desviar recursos, Taiwan é o tudo ou nada. E não me diga que não sabe que, um conflito deste tipo, envolvendo – como sempre – o “nosso” principal aliado atlântico, não deixará de produzir roturas profundas, nomeadamente como os nossos povos irmãos, como o brasileiro, angolano ou moçambicano, que não se reveem e se afastarão, como o diabo foge da cruz, deste conflito.

Quando vierem as mentiras sobre invasões, genocídios, ameaças e ingerências que os outros não praticaram; quando vierem as narrativas, ainda mais aterrorizantes e desumanizadoras; quando todos estiverem instilados pelo ódio e pelo medo, pela paranoia e histeria; quando não for permitido pensar diferente e tudo for censurado, do Tik-Tok à CGTN… Como sucedeu agora com a Rússia…

Senhor Primeiro-ministro? Ainda vai dizer que vivemos em democracia?

Como eu gostaria que dissesse e me fizesse acreditar, pelo exemplo da retidão e da luta justa, que estes meus receios são apenas devaneios dos teóricos da conspiração.

Será isto a uma conspiração, Senhor Primeiro-ministro?


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O ricochete da múmia

(José Goulão, in AbrilAbril, 25/08/2022)


Pelosi e os outros participantes na romaria da moda a Taipé violam muito mais do que uma norma de boa educação ao deslocarem-se a casa de alguém sem ser convidados.


A visita provocatória da múmia política norte-americana Nancy Pelosi a Taiwan esfumou-se num ápice na enxurrada de mensagens que alimenta a propaganda global.

Pelosi, uma eminência parda da seita neoconservadora que assumiu as rédeas do partido único do regime norte-americano, teve a ideia de escrever um guião arcaico de Hollywood, uma fita de Far West (de Far East, neste caso), para tentar conter a derrocada eleitoral que ameaça os democratas e os neoconservadores democratas e republicanos na consulta parcial para o Congresso a realizar em Novembro próximo.

Imaginou que durante um passeio caprichoso nas barbas de um grande inimigo a mocinha cairia em mão de índios malvados e então a heróica cavalaria iria salvá-la para mostrar quem continua a mandar nas pradarias globais, obrigando os indígenas a morder o pó da derrota. Finalmente, uma grande vitória dos cowboys susceptível de fazer esquecer a vergonha das campanhas no Afeganistão, na Síria e agora na Ucrânia.

Os índios, porém, não respeitaram o roteiro. Em vez de darem luta, como é da tradição, acobardaram-se e limitaram-se a enviar mensagens de fumo ameaçadoras, é certo, mas inconsequentes para a fabricação da pretendida imagem de heroicidade. A mocinha, um pouco desgastada para estes papéis tal como o seu chefe do clã gerontocrata, deu o passeio, recitou as barbaridades canónicas, regressou serenamente a casa e a cavalaria não teve de recorrer às munições. Uma vitória com resultados pífios, mas ainda suficientes para mostrar quem fala mais grosso e quem manda.

Seja por esta relativa insuficiência ou porque as ameaças por sinais de fumo e postas parcialmente em prática merecem, afinal, ser levadas a sério, a delegação do Congresso norte-americano que dias depois seguiu as pisadas de Pelosi até Taiwan resolveu ser mais discreta, ou mesmo clandestina, para continuar a missão conspirativa.

Entretanto, uma ministra-adjunta de um anão báltico resolveu imitar os patrões para fazer em Taipé «exigências» ao governo de Pequim como uma pulga que ameaça um elefante pulando no dorso de um dinossauro. A criatividade de La Fontaine foi insuficiente para antecipar algumas bizarrias do mundo actual.

Uma única nação chinesa

Taiwan é parte da China. Existe uma única China como reconhecem as Nações Unidas e os próprios Estados Unidos através de três documentos conjuntos assinados com Pequim. A China Popular e Taipé reconheceram em 1992 a existência de «uma única nação chinesa», decisão que tem um peso absoluto à escala planetária e se insere na política de «um país dois sistemas», um pilar da reintegração de Macau e Hong Kong na República Popular da China. Poucas situações que internacionalmente ainda são consideradas polémicas ficaram tão esclarecidas como esta, por ser obra das partes directamente envolvidas e sem intermediários. Não sobraram dúvidas: Taiwan é território da China e um assunto exclusivamente chinês.

Pelosi e os outros participantes na romaria da moda a Taipé violam muito mais do que uma norma de boa educação ao deslocarem-se a casa de alguém sem ser convidados. Têm responsabilidades, representam Estados e instituições oficiais, vão dar alento a posições políticas e militares que afrontam as normas nacionais e internacionais sobre a unidade chinesa. Foram dar gás às correntes intrinsecamente beligerantes que, graças sobretudo aos apoios estrangeiros, com os Estados Unidos à cabeça, se batem pela independência de Taiwan.

Nos termos das normas internacionais seria difícil ao regime de Washington – e à própria União Europeia, que também não é inocente nesta matéria – explicar como se conjugam os compromissos sobre a existência de uma «única China» e os apoios oficiosos e conspirativos aos independentistas de Taiwan, de que a actual presidente Tsai Ing-wen é uma representante. As suas tendências separatistas não se manifestam tão abertamente como desejaria porque dois terços da população se consideram chineses «de uma só nação»; tal como dois terços qualificaram a visita de Pelosi como «desestabilizadora».

Para os Estados Unidos, porém, a contradição entre a teoria e a prática em relação a Taiwan nada tem de incongruente e até de absurdo quando se pensa o mundo em termos de «ordem internacional baseada em regras» na qual as decisões imperiais avulsas tomadas em Washington se sobrepõem ao direito internacional e aos compromissos internacionais assumidos ao nível estatal.

A assinatura do presidente dos Estados Unidos em documentos bilaterais, multilaterais e em tratados internacionais deixou de funcionar como garantia à luz das práticas actuais de Washington. Não admira, por isso, que os presidentes da China e da Rússia coincidam na opinião segundo qual «não faz sentido esperar que os Estados Unidos respeitem a diplomacia e o direito internacional».

Fascismo e «liberais»

A propósito da visita de Pelosi foi frequente ouvir e ler que Taiwan é o território «mais livre entre os livres». Nada como martelar um soundbite como ponto de partida para uma mistificação.

A propaganda deixou de olhar a meios. A casta dirigente secessionista de Taiwan é a herdeira política do regime implantado pelo Kuomintang, a organização do ditador Chiang Kai-shek derrotada em 1949 pelo Exército de Libertação Popular da China e reagrupada em Taiwan, como último reduto, com o apoio dos fascistas japoneses derrotados na Segunda Guerra Mundial.

O regime ditatorial de Chiang Kai-shek foi apoiado pela CIA e a sua antecessora OSS, além de outros serviços secretos ocidentais, principalmente os britânicos, que ainda não tinham perdido (será que já perderam?) as ilusões de uma China colonizada e miserável como no século XIX e princípio do século XX.

O regime de Taiwan e o próprio Chang Kai-chek hospedaram a Liga Anticomunista dos Povos da Ásia, organização fundada pela OSS/CIA a seguir à Segunda Guerra Mundial, depois transformada em Liga Anticomunista Mundial, a que se juntou como dirigente o nazi ucraniano Yaroslav Stetsko, colaboracionista de Hitler, protegido dos Estados Unidos e um dos venerados antecessores dos nazis que constituem a coluna vertebral do actual regime de Kiev.

A questão de Taiwan tem, afinal, afinidades mais profundas e mais antigas com o totalitarismo nacionalista ucraniano; actualmente convergem numa plataforma dos esforços imperiais para travarem a ordem multipolar de que a Rússia e a China são pilares.

A Liga Anticomunista Mundial, com sede em Taiwan, serviu de apoio às manobras terroristas do regime de Washington para implantação de governos fascistas na Ásia e na América do Sul. Posteriormente, no início dos anos noventa do século passado, travestiu-se em Liga Mundial para a Liberdade e a Democracia, financiada pelos serviços secretos de Taiwan e mantendo a sede nesta ilha.

Tal como a criação da Liga Anticomunista Mundial foi financiada por criminosos de guerra japoneses que fundaram o Partido Liberal – o partido-Estado que coloniza o Japão a rogo dos Estados Unidos – a Liga Anticomunista converteu-se ao «liberalismo». Como observamos nos tempos que correm, cada vez com maior evidência, o «fascismo» e o «liberalismo» casam muito bem, um é a conveniente transformação semântica do outro, a mentalidade fascista impõe-se gradualmente através de mecanismos de condicionamento das sociedades conjugados com as aparências e as formalidades da democracia e da liberdade. Uma significativa demonstração dessa realidade é o facto de os «liberais» ou «democratas progressistas» da actual presidente, no poder em Taipé, serem na prática ainda mais secessionistas do que o Kuomintang oficial, na «oposição».

No tal território de Taiwan «mais livre entre os livres» a actual presidente não deixa, portanto, de ser uma herdeira política do fascista Chiang Kai-shek e, como tal, acarinhada pelas instituições norte-americanas e do chamado Ocidente. Um apoio político e militar cada vez mais interventivo, fazendo cair por terra as proclamações de respeito pelo princípio de «uma só nação chinesa».

Armar brutalmente Taiwan, como acontece sob os nossos olhos na Ucrânia, traduz inequivocamente uma provocação e uma perspectiva de guerra.

A cowboiada de Pelosi e a romaria de outros valentões ocidentais rumo a Taipé são actos inseridos nessa operação; os quais, por mais «defensivos» e «solidários» que sejam apresentados, tentam acender um qualquer rastilho servindo de pretexto para uma declaração de independência, início de um confronto de consequências imprevisíveis.

A resposta está em curso

Pequim não se guia por roteiros de Hollywood e dita o seu próprio tempo para a política e a diplomacia, ignorando agendas alheias.

Houve resposta imediata à provocação de Pelosi, a realização de exercícios militares de grande poder e envergadura, mas não aquela que Washington pretendia para consumo global. Um desvio do avião em que a senhora viajava, susceptível de ser apresentado como «sequestro», ou mesmo «rapto», a que se seguiria uma histérica campanha global de propaganda (como os nossos «especialistas» estariam ansiosos…) seriam o desfecho mais desejado. E o que mais adiante se veria como manobra de diversão para os problemas da NATO na Ucrânia e incentivo às ambições dos democratas de Washington na perspectiva das eleições de Novembro.

Ser apoucado por ter «mordido o pó da derrota» ou não passar de um «tigre de papel» foi o menor dos incómodos do governo de Pequim.

A provocação de Pelosi, porém, vai ter resposta – já está a ter. Colectando declarações de dirigentes chineses e da imprensa oficial ou oficiosa de Pequim percebe-se que a reacção está em curso e não ficará pelas medidas assumidas na crise de 1996 – em que a República Popular da China não tinha o poder político, diplomático, militar e, sobretudo, económico de que dispõe actualmente. Muita água passou sob as pontes desde então, para o engrandecimento chinês e também no sentido do aprofundamento da crise norte-americana e imperial.

O jornal oficioso chinês Global Times considerou, em editorial, que a provocação de Pelosi será «um ponto de viragem na posição da China em relação aos Estados Unidos».

E Ding Gang, editorialista sénior do jornal oficial Diário do Povo escreveu que «o resultado será que a defesa da China contra as provocações ofensivas dos Estados Unidos se transformará num contra-ataque estratégico».

Para o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, «a

reunificação de Taiwan com o continente é uma inevitabilidade histórica». Palavras que o «Livro Branco» do Gabinete de Taiwan no governo de Pequim completa declarando que «agora passámos a um estado de coisas qualitativamente novo e a resolução da “questão de Taiwan” está activamente em movimento».

Se os Estados Unidos e os países satélites deduzirem que estas posições não passam de um bluff de Pequim estarão a cometer um erro crasso.

Os exercícios militares realizados nos dias posteriores à provocação de Pelosi revelaram traços efectivamente novos na situação regional e na aplicação do princípio oficial de que a questão de Taiwan é um assunto interno chinês e no qual «nenhum país é juiz». As manobras das forças armadas chinesas demonstraram que Pequim pode fazer um bloqueio total e durante o tempo que quiser à ilha e no Estreito da Formosa – o que, neste caso, aconteceu apenas durante algumas horas mas já com impacto na vida do território; a imprensa oficiosa chinesa sublinhou significativamente que os exercícios realizados, e que podem acontecer com muito maior frequência do que até agora, afirmam os princípios de que não existem águas internacionais no Estreito da Formosa, são exclusivamente chinesas, e que Pequim não reconhece a «linha mediana» ou quaisquer limites fronteiriços que possam ser invocados por Taiwan.

«As contramedidas visam fundamentalmente promover o processo de reunificação nacional», escreve o Global Times em editorial. As instituições nacionais foram entretanto encorajadas a acelerar a unificação da ilha com o continente, devendo elaborar um cronograma para a respectiva concretização e estabelecer a “tolerância zero” para actividades secessionistas.

As acções definidas por Pequim depois da visita de Pelosi incluem pela primeira vez sanções que atingem directamente Taiwan e os seus patrocinadores norte-americanos.

Em relação à ilha, a China cancelou a exportação de areia, decisão com efeitos pesados em termos económicos. Taiwan é um território eminentemente rochoso e a importação de areia do continente representa 90% das necessidades da construção civil e de sílica, elemento fundamental na produção de chips ou semicondutores, actividade estratégica para a economia da ilha. Os preços do imobiliário vão subir em flecha; Taiwan pode importar areia de outros mercados, forçosamente bastante mais longínquos, implicando preços de frete muito mais elevados.

Às restrições impostas à indústria de semicondutores soma-se o facto de a China Popular ter deixado de importar 300 mil milhões de chips, substituídos por produção própria e tecnologicamente avançada – significando esse facto que Taiwan, Coreia do Sul e Japão terão de encontrar novos clientes. O contexto é delicado: talvez também por isso Tóquio e, sobretudo, Seul foram reservados em relação às visitas de Pelosi. O presidente e o primeiro-ministro da Coreia do Sul estiveram indisponíveis para recebê-la.

A China deixou também de importar peixe e fruta de Taiwan. O território perdeu aquele que é de longe o seu maior mercado nos dois sectores.

Os bloqueios marítimos e do espaço aéreo passarão a ser mais frequentes, segundo as autoridades de Pequim, afectando a vida na ilha e também a navegação comercial no Estreito da Formosa. Este ano, segundo responsáveis do sector citados pela estação Al-Jazeera, cerca de metade das frotas de contentores do mundo e 90% dos seus maiores navios passaram pelo Estreito da Formosa. A imprensa chinesa salienta que os exercícios militares frequentes demonstrarão que Pequim tem a capacidade de provocar uma enorme interrupção nos fluxos comerciais globais se assim o desejar.

Elbridge Colby, ex-militar de alto escalão do Pentágono, comentou ao mesmo meio de comunicação que no caso de isso acontecer os Estados Unidos poderão «desafiar o bloqueio», o que significaria una intervenção em águas territoriais chinesas. De novo a cavalaria pronta a entrar em acção, provavelmente sem pesar as consequências e o respectivo impacto global. Quanto a isso o Gabinete de Taiwan no governo de Pequim limita-se a declarar que «só seremos forçados a tomar medidas drásticas para responder às provocações de elementos separatistas ou forças externas se elas cruzarem as nossas linhas vermelhas». Embora estas não tenham sido pormenorizadas, uma delas será, certamente, qualquer iniciativa no sentido da independência de Taiwan.

As sanções chinesas em relação aos Estados Unidos incluem o corte da cooperação em termos militares e do combate às alterações climáticas e também a aceleração dos processos em curso de cooperação euroasiática no sentido de substituir o dólar como «moeda internacional».

Pode acontecer ainda, segundo declarações veladas de Pequim, que a empresa chinesa CATL, maior fabricante mundial de sistemas de combustível e de baterias de iões de lítio para veículos, instrumentos eléctricos e tecnologia digital de comunicação, adie indefinidamente a construção de uma fábrica nos Estados Unidos avaliada em cinco mil milhões de dólares e susceptível de criar dez mil postos de trabalho. Uma notícia nada agradável sobretudo para a Tesla de Elon Musk e a Ford.

Percebe-se que nada será como dantes na sequência da aventura de Pelosi em Taipé, como Pequim advertira repetidamente por antecipação. “Agora passámos a um estado de coisas completamente novo”, lê-se no “Livro Branco” do Gabinete de Taiwan no governo de Pequim.

No entanto, a presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, hoje ainda uma influente e manobradora múmia política com uma vasta carreira de corrupção, conspiração e intervencionismo atrás de si, preferiu «desembarcar sorrateiramente na ilha chinesa de Taiwan como um ladrão, detonando a crise que lançou sobre a situação no Estreito de Taiwan e nos laços entre os Estados Unidos e a China», escreveu o Global Times em editorial.

Na espuma dos dias em que vegeta a comunicação/propaganda globalista a história da visita de Pelosi a Taiwan já é história. Pequim «mordeu o pó da derrota» aos pés do império, Biden e a sua troupe irresponsável de neocons cantou vitória.

A hora da China não se rege, porém, pela de Washington. Pequim já fez saber o suficiente para se perceber que a provocação da múmia fará ricochete e que o ricochete já começou.

Então, perante os inevitáveis resultados, os 15% que julgam ter o mundo na mão provavelmente dir-se-ão surpreendidos, escandalizados, revoltados. Ainda não perceberam, de facto, que numa ordem internacional em mudança os actos gratuitos e agressivos têm agora consequências imprevisíveis para os seus horizontes tacanhos.


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