(Hugo Dionísio, in Facebook, 18/04/2023)

Tivesse eu a capacidade de sujeitar o Primeiro-ministro António Costa a perguntas e, entre muitas outras questões, colocar-lhe-ia, desde logo, as seguintes:
Face às últimas revelações relativas aos documentos do Pentágono, o que tem ele a dizer sobre o facto de um dos nossos principais aliados vigiar, escutar e monitorizar os órgãos de soberania de países seus aliados? Será isto compatível com uma relação transparente, alicerçada na confiança mútua, na cooperação e na partilha de valores? Será aceitável, em democracia, um estado arrogar-se do direito de vigiar os outros, para que possa saber o que pensam na sua intimidade? Como é possível confiar num aliado destes?
Face às últimas revelações de Elon Musk, numa entrevista à comunicação social, em que revela – e provou documentalmente através dos Twitter files – que os serviços de segurança e vigilância dos EUA praticam uma vigilância intrusiva que abrange todos os utilizadores, americanos e não americanos, utilizando as redes sociais americanas para o efeito; que medidas está o governo a tomar para proteger o direito à privacidade e o direito a opormo-nos à sujeição e à vigilância por parte de regimes políticos estrangeiros?
Não considera o senhor Primeiro-ministro que a vigilância dos nossos cidadãos, por parte de uma potência estrangeira, mesmo que aliada, para além da violação constitucional em matéria de direitos de personalidade, representa também um ataque direto à nossa soberania nacional? Como avalia, no quadro de um sistema democrático, a vigilância absoluta – de metadados e dados pessoais -, de todos os utilizadores das redes sociais?
Tenho a certeza de que o máximo que obteria destas perguntas seria uma rotunda e genérica remissão para: “a União Europeia está a trabalhar no sentido de acautelar possíveis violações desse tipo”… A União Europeia…. Pois. Aquela organização cujos emissários vão ao Sul Global repetir – ipsis verbis – os discursos da Casa Branca.
A divulgação dos documentos do Pentágono, por Jack Teixeira, demonstra em si todo o jogo que está em andamento. A narrativa substitui a realidade. A realidade é uma, a leitura que os EUA fazem da realidade é outra, a informação que proporcionam aos seus “aliados” é ainda outra e, a informação que providenciam à comunicação social que dominam completamente, é o inverso da realidade que constatam. Ouçam uma qualquer TV a referir-se a assuntos de interesse dos EUA – o que é difícil de separar dos demais -, interpretem tudo ao contrário e… ficarão muito mais próximos da realidade.
E a metodologia funciona tão bem que, aplicada aos documentos vazados, atinge a perfeição: a imprensa do regime e alinhada com o regime corrupto de Zelensky consegue fazer um circo enorme em torno dos documentos; mostra a detenção do delator; discute porque o fez ou não fez; refletem horas sobre como o fez… Agora, pense-se… No meio disto tudo, o que é que eles não dizem? Sobre o que é que não falam? O que é que não escrutinam? O conteúdo!
Querem um exemplo paradigmático do que é, na era do capitalismo de vigilância, o papel da comunicação social? Aqui está um exemplo concreto: desviar as atenções, encaminhando-as para onde não causam problemas, ou para onde pretende a propaganda do regime. Neste caso, não falaram das mentiras sobre a guerra, nada referem sobre a vigilância a que os EUA sujeitam os seus principais aliados, nem uma palavra sobre a contratação do New York Times e do Wall Street Journal, para que dominassem a narrativa e “ajudassem” a apanhar o delator, nem uma palavra sobre a informação que os EUA escondem dos seus aliados… Enfim… Tudo o que importaria discutir, no quadro de um regime que se diz democrático… Nada. Fossem estas revelações sobre a Rússia ou a China, e estaríamos já na 3ª guerra mundial de tipo “quente”.
Guerra que já começou! Se estas revelações nos comprovam algo – não nos trazem nada que não tivéssemos tantas vezes deduzido a partir da própria prática dos factos -, é que o nosso país e a Europa, em geral, se encontram amordaçados por um aliado que domina a informação, o discurso e o pensamento. E quando alguém não aceita, praticam atos de assédio e violência moral. No caso do Chipre, Hungria e outros, chega-se mesmo à coerção física, com a sujeição a sanções – sanções aos próprios aliados -, caso resistam a entregar armas à Ucrânia. Contudo, para fora, está tudo muito unido. Tão unido como em qualquer ditadura esquizofrénica e paranoica: à custa da repressão, da chantagem e do medo!
Tal é o horror à liberdade dos povos, à autodeterminação, à independência e autonomia, que basta ouvir um qualquer comentador na CNN ou Fox, para ouvirmos coisas como “ajudámos Lula da Silva e agora une-se à China”; “apoiámos o México e agora unem-se à China”; “suportamos a Europa, e Macron une-se à China”. Ou seja, não valendo aqui a pena, sequer, discutir o que entendem por “ajudar”, “apoiar” ou “suportar”, penso que todos ficamos a entender como esta gente olha para o mundo, considerando-o como algo que é seu, por um qualquer direito natural, que consigo identificar, mas cuja legitimidade me escapa.
E, com as informações que vamos obtendo, aqui e ali, sobre o estado paranoico, bipolar e esquizofrénico da elite neoliberal e neoconservadora e seus capachos, conclui-se que existe um tema que faz esta gente entrar em colapso nervoso. A China. Julgo mesmo que, a China, por variadas razões, os coloca em maior colapso e histeria, do que os colocava a URSS. Ao contrário da superpotência soviética, a China joga no mesmo campo e não num campo paralelo. E joga mais alto.
Por exemplo, em África, o papel da China, na elevação das condições de vida e desenvolvimento, tem sido tal, que com eles, a autoestima e amor-próprio voltaram a nascer. Passou a ser uma comédia diária assistir aos enviados “especiais” do Ocidente serem enxovalhados, envergonhados e desmentidos, presencialmente, olhos nos olhos, por quem eles achavam ser de uma categoria inferior. Por quem eles achavam poder comprar com umas meras missangas. A tal ponto que Kamala Harris, num discurso vazio de propostas concretas, promete 100 milhões de dólares de investimento para três países. Depois dos biliões investidos em infraestruturas vitais que representam a grande oportunidade de África se desenvolver, a resposta só pôde ser uma: agora trouxeram as missangas, quando é que trazem o ouro?
E tal é a psicose, a identificação de inimigos no revirar das pedras – típica de certos tipos de regime – que esta matéria me leva a outra questão, a qual gostaria de ver respondida pelo senhor Primeiro-ministro António Costa:
Está de acordo com o desacoplamento da nossa economia em relação à chinesa? O que está a ser preparado para substituir a mais do que previsível separação entre a economia chinesa e europeia, sob as ordens da Casa Branca? Vai perguntar ao povo português, se, tal como sucedeu com a economia russa, está preparado para prescindir de um dos maiores investidores e parceiros comerciais? Vai perguntar ao povo português se vai querer enviar milhões de euros em armas para “ajudar” Taiwan? O povo português vai ser consultado sobre a guerra em que entraremos, necessariamente e por ordem da Casa Branca, com a China, nomeadamente em Taiwan?
Ó senhor Primeiro-ministro, não me diga que não sabe que, nos dias de hoje, nos EUA, só se fala em guerra com a China, e no “dever” que os europeus têm de ajudar o sempre disponível e solidário aliado americano. Não me diga que ainda não constatou que a Europa não tem vontade própria e que faz tudo, em dobro, desde que venha da Casa Branca!
Não me diga que não sabe que Taiwan é o “all-in” no jogo de Washington. Se a Ucrânia era uma manobra tática para desviar recursos, Taiwan é o tudo ou nada. E não me diga que não sabe que, um conflito deste tipo, envolvendo – como sempre – o “nosso” principal aliado atlântico, não deixará de produzir roturas profundas, nomeadamente como os nossos povos irmãos, como o brasileiro, angolano ou moçambicano, que não se reveem e se afastarão, como o diabo foge da cruz, deste conflito.
Quando vierem as mentiras sobre invasões, genocídios, ameaças e ingerências que os outros não praticaram; quando vierem as narrativas, ainda mais aterrorizantes e desumanizadoras; quando todos estiverem instilados pelo ódio e pelo medo, pela paranoia e histeria; quando não for permitido pensar diferente e tudo for censurado, do Tik-Tok à CGTN… Como sucedeu agora com a Rússia…
Senhor Primeiro-ministro? Ainda vai dizer que vivemos em democracia?
Como eu gostaria que dissesse e me fizesse acreditar, pelo exemplo da retidão e da luta justa, que estes meus receios são apenas devaneios dos teóricos da conspiração.
Será isto a uma conspiração, Senhor Primeiro-ministro?
Texto excelente sobre o momento que estamos a viver. De uma lógica irrepreensível. A merecer ampla divulgação porque poe completamente a nú os propósitos do império americano e a apagada e vil tristeza de uma Europa que nem parece perceber que se transformou numa reles vassala, sem vontade própria, sem qualquer preocupação em defender os legítimos interesses dos seus povos. Nunca esperei, nem nos meus piores pesadelos, que descesse tao baixo!!!
Excelente texto, o Hugo Dionísio é sempre exemplar na forma e no conteúdo.
Vinha comentar o mesmo, portanto subscrevo o teu comentário.
Portugal não é um país soberano, não é uma democracia representativa, não tem liberdade de imprensa, o povo comum não tem acesso à verdade, não cumpre a sua própria Constituição, escolheu ser vassalo de aliados genocidas e nazis, e está num grupo oligárquico sem futuro num Mundo Multipolar.
De dia, o povinho vai à praia no seu popó e acha que está tudo bem, mas não está. A noite vem aí, é escura e longa. Não sei se afinal haverá luar…
R 1: Compreenda que, quando os aliados estão povoados com Hugos Dionísios, é melhor tomar cuidados.
R 2 – Pois entende a privatização da EDP e da REN como um acoplamento com a China? Saiba que isso foi o resultado de termos sido copulados por políticas idiotas e não um qualquer acoplamento.
R 3 – Vivemos um projecto de democracia burguesa, ainda numa fase de não plena realização uma vez que, os valores burgueses da honestidade, da análise comparativa ponderada, da vergonha nas trombas, ainda não foram completamente adquiridos, como se pode verificar por boa parte das suas palavras.
R 4 – Conspirações? Sempre as houve e haverá.
No presente note a conspiração que está em curso para enaltecer tudo o que é de mais opressor do pensamento e das liberdades individuais.
Os podres do poder americano conhecem-se e são expostos.
Já os da Rússia, China, Irão e outros, são silenciados por miseráveis conspiradores anti-democráticos.
O caso envolve, mais do que ideologia, um profundo ressentimento dos orfãos soviéticos, a par da bovina aceitação dos adoradores dos poderes absolutos que, deles esperam poderem garantir-lhes vingar as suas frustações.
Não te trates, que não é preciso…
Eu cá, filosoficopoliticamente (não sei se a palavra existe, mas soa-me bem, pronto) falando, acho que a principal ameaça aos EUA é capaz de se encontrar, não numa qualquer China, como se ouve dizer por aí, mas, isso sim, dentro da própria casa:
«EUA – Jovem de 20 anos morta a tiro depois de grupo de amigos se enganar no caminho e se aproximar de casa errada. Grupo procurava casa de um amigo, mas a falta de rede levou-os a enganar-se no caminho e a entrar na propriedade errada. O dono recebeu-os a tiro e matou uma das jovens, de 20 anos»;
«EUA – Homem baleou um jovem de 16 anos na cidade de Kansas City, Missouri, por este se ter enganado na porta onde ia buscar os irmãos»;
…
Em suma: confiarão de tal maneira uns nos outros, que sentem necessidade de andar armados e à pequena desconfiança…pimba!…pimba!…pimba!
* Um programa de computador pode até saber a diferença entre um carapanã e um parakanã (perguntei ao ChatGPT, obviamente, acertou), pode até escrever um lead e organizar um texto compreensível.
Mas ele não conseguirá captar e explicar ao leitor uma realidade oculta que só vem à tona depois de muitas perguntas feitas a muitas pessoas e depois da leitura de muitos documentos de acesso restrito – nisso continuarei acreditando até que um robot me prove o contrário, o que, aliás, parece ser só uma questão de tempo.
Enquanto esse momento não chega, seguimos na estrada sempre que possível *
@rubens_valente, em terras de yanomamis
Calminha amigo JgMenos, tem calma, que a malta tem-se vindo a organizar e realmente as tuas afirmações deixam muito a desejar. Por isso, vai lá bater o coro ao embaixador da treta, vai chamar anti democrático a outros. Topas, ou queres que te faça um desenho?