O dia em que a União Europeia acabou — 22 de Setembro de 2022

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 17/03/2023)

A História é em boa parte pontuada pelos acontecimentos que marcam o fim de uma dada ordem política. O império Romano findou em 476 quando o bárbaro Odoacro foi nomeado rei de Roma e enviou as insígnias imperiais ao imperador Zenão do império do romano do Oriente. O antigo regime feudal europeu terminou com a tomada da Bastilha, a emergência da Inglaterra como potencia mundial, a passagem de uma potência continental para uma marítima começou com a derrota de Napoleão em Waterloo, o fim do império britânico aconteceu com a independência da Índia, o início do império americano ocorreu com o lançamento das bombas nucleares no Japão e com o dobrar do cerviz do imperador a reconhecer a derrota perante a devastação.

A União Europeia, uma entidade que vinha desde o final da II Guerra a fazer o seu caminho mais ou menos autónomo, reconhecendo que a Europa deixara de ser o centro do mundo em boa parte pelas suas guerras civis — duas guerras mundiais só no século XX — e que seria sensato aceitar um equilíbrio de poderes entre os europeus, defrontou sempre um inimigo concreto: os Estados Unidos. Vários dirigentes americanos perguntaram ao longo dos anos o que era isso da Europa, se tinha telefone. Os Estados Unidos nunca aceitaram uma entidade política soberana europeia! E é esta recusa de aceitar a soberania da União Europeia e de cada um dos seus estados que determina e explica a política americana desde as primeiras tentativas de criar mecanismos de integração política, social e económica, a CECA, o Mercado Comum, a CEE. Quanto a deixar que a soberania europeia dispusesse de um aparelho militar que sustentasse as suas políticas, nem pensar! A relação dos EUA com a Europa foi sempre de tipo colonial! Como o foi no Médio Oriente e na América Latina. Os Estados Unidos assumiram o estatuto de soberanos mundiais. Agitaram perigos, inventaram inimigos, ocuparam territórios.

Que os Estados Unidos tenham lançado um poderoso bombardeamento de manipulação a bramar que a Rússia invadira um país soberano (no caso liderado por uma oligarquia que eles lá haviam colocado) faz parte do modo de exercer o poder totalitário: o que é permitido ao senhor não o é ao servo! Também faz parte do principio da invasão do Oeste americano, tem a tem a força estabelece a lei. Os EUA penduraram no seu peito a estrela do xerife! Não são acusações, nem julgamentos morais, são factos!

A aceitação do facto teve e tem como consequência que os europeus se habituaram à servidão. Nenhum político europeu chega a um lugar relevante se não jurar fidelidade ao Padrinho. A Mafia também é um bom modelo para caraterizar as relações com a América. Esta “rendição” europeia teve a qualidade de fazer os europeus considerarem os serviços domésticos uma atividade nobre e o abanar das orelhas um gesto de afirmação. Os Estados Unidos mandam os europeus olhar para a ponta do dedo e os europeus olham para a ponta do dedo. As leis que impõem aos outros não se lhes aplicam. Nem os conceitos. A soberania é um dos conceitos com que eles humilham os europeus, como o dono de um cão faz atirando um pau para ele ir servilmente buscar e trazer-lhe à mão. Para os Estados Unidos, Cuba, Granada, o Chile, o Brasil, o Iraque, o Afeganistão, a Líbia não têm direito a soberania. São invadidos ou sabotados. Já a Ucrânia foi elevada à qualidade de soberania absoluta e inviolável.

Mas, ainda assim, os europeus foram encolhendo os ombros e disfarçando, considerando que estávamos a assistir a perversidades de uma potencia colonial sobre colónias, vizinhos turbulentos. Os europeus recorriam ao seu material genético colonial e atribuíam essas atitudes a um dever de civilização a povos do Terceiro Mundo.

A 22 de Fevereiro de 2022, os europeus, os que ainda não têm o cachaço completamente calejado pela canga, viram o império arrombar-lhes a porta da soberania sem um com licença! (A velha reflexão de Brecht: vieram buscar os judeus e eu não era judeu, depois os comunistas, depois os democratas… e agora entraram-me em casa!)

Os EUA impuseram à Europa o envolvimento num conflito com a Rússia a pretexto da gravíssima ofensa da soberania da Ucrânia, um Estado cujo regime eles criaram. Para impor essa intervenção entenderam conveniente dar uma lição de domínio ao mais importante estado europeu: a Alemanha. Atacaram a soberania da Alemanha (um aliado), destruindo-lhe uma infraestrutura essencial, que o estado alemão havia decidido construir e, mais ainda, porque estava no caminho, atacar a soberania de outro estado europeu, a Suécia, realizando uma sabotagem nas suas águas territoriais e, mais ainda violando a soberania europeia e o seu modo de vida, causaram deliberadamente um desastre ambiental de dimensões desconhecidas e que ninguém, nem os serviçais locais, os ribeirinhos do Mar Báltico, se atrevem a reclamar, nem num murmúrio.

Todas as pessoas e todas as entidades recebem o tratamento que deixam que lhes façam. Os dirigentes europeus, no caso o chanceler alemão e a presidente da Comissão Europeia, se tivessem uma gota de caráter teriam respondido a Joe Biden quando ele proibiu a entrada em funcionamento do gasoduto Northern 2, a 7 de Fevereiro de 2022, na Casa Branca, na cara de um servo chamado Sholz e este pobre diabo alemão ficou mudo – como o genro que vive à conta da mulher e apanha um raspanete do sogro -, e a soberania europeia ficou como o gasoduto: em estilhaços. Perante esta abdicação (humilhante) nenhum dos grandes atores da cena internacional terá, doravante, qualquer consideração pela UE.

A irrelevância europeia, que se traduz também em negócios, em criação de riqueza, em participação nos grandes projetos do futuro foi a enterrar com o senhor Sholz a fazer de gato pingado e a dona Ursula a fazer de beata que lê os responsos fúnebres.

O que se esperava que alguém que fosse mais que uma lesma dissesse a Biden seria: É um assunto que me diz respeito. Eu também não me pronuncio sobre a exploração que o seu governo faz de petróleo no Alasca, nem das consequências da produção através das rochas oleosas. A Alemanha respeita a soberania dos EUA e exige que os EUA respeitem a nossa soberania. Elementar.

Há poucos dias, numa visita a Washington, a senhora que faz em Bruxelas o papel de moço de recados que Zelenski representa em Kiev agradecia a Biden ele ter mandado para a Europa o gaz e o petróleo resultante do caríssimo processo de fracking que substituiu o barato russo, esquecendo-se de dizer que ao dobro do preço e a que custos ambientais!

A União Europeia, entidade soberana, com alguma autonomia no mundo terminou quando uma unidade da US Navy’s Diving and Salvage Center colocou os explosivos C4 junto ao pipeline, em águas territoriais suecas. Sabe-se hoje através da recente publicação da investigação do jornalista Seymour Hersh que o planeamento da operação começara nove meses antes: «A decisão de Biden sabotar os pipelines foi tomada depois de nove meses de reuniões secretas no Conselho Nacional de Segurança em Washington para definir a melhor maneira de atingir o objetivo. Desde sempre a questão não foi SE a missão deveria realizar-se, mas como a realizar sem evidências flagrantes dos autores.»

Interrogado sobre as consequências de uma crise de energia na Europa, o ministro Americano dos negócios estrangeiros, Blinken, respondeu: “Foi uma tremenda oportunidade para de uma vez por todas afastarmos a dependência dos europeus da Rússia!” Mais recentemente, Victoria Nuland, uma oficial da CIA que coordenou o golpe em Kiev que levaria Zelenski ao poder, a que declarou perante as dúvidas do embaixador americano a propósito da posição europeia: «Quero que a U E se foda!» e é hoje subsecretária de estado, expressou a sua satisfação pelas notícias da sabotagem do pipeline. “ A Administração está muito feliz por saber que o Nord Stream 2 é agora um bocado de ferro velho no fundo do mar!”

É com estes sérios defensores da soberania dos outros estados que estamos a defender a soberania do Zelenski na Ucrânia.

A União Europeia está no mesmo fundo do mar e nas mesmas condições do ferro velho do Nord Stream 2.


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Perder o medo!

(Hugo Dionísio, in Canal Factual, 15/03/2023)

Em Portugal fala-se grosso…

Diz o Presidente da AR, de um país que nem os impostos pode alterar, o Dr. Santos Silva, qualquer coisa como: “ou a China se comporta, ou leva com sanções”! Faz lembrar aqueles bullys da escola, tão agressivos quanto pequenos, mas que falam com voz grossa, no pressuposto de que têm as costas protegidas por quem julgam poder fazê-lo.

Todos sabemos quem SS julga possuir dimensão para tal! Todos sabemos em quem depositam, os micro poderosos europeus, as suas expectativas de segurança. Todos sabemos também, por conta de quem operam e como chegam onde chegam. Vejamos um caso paradigmático e na ordem do dia. A Excelentíssima Presidente da Geórgia, de seu nome Salomé Zourabishvili – ver  aqui -, nasceu em França, e tem ampla experiência governativa… Em França! Passou por todos os sítios que davam jeito à… França! Um deles, como embaixadora, na Geórgia, a cargo da… França! Agora comparem esta situação com a dos suspeitos do costume, em cujo país só pode concorrer ao cargo quem lá nasceu! Estão a ver a coincidência?

Mas, se o currículo vitae nos remete para os interesses que representa, por decorrência, entendemos qual foi a utilidade da “revolução das Rosas”, levada a cabo em 2003, mais uma das “coloridas”, encetadas pela CIA e pela U E. Este, infelizmente não é caso inédito. Que tal o caso de Natalie Jaresko? Nascida nos EUA, Ministra das Finanças da Ucrânia  pós Maidan, tendo estado apontada ao cargo de Primeira Ministra do país? Não acreditam? É tão escandaloso que a BBC o noticiou… Em 2014! Agora, nunca o fariam – ver aqui.

Mas também não era caso único. A eminente economista Aivaras Abromavicius, nacional da… Lituânia, foi ministra da economia e Aleksandre Kvitashvili, nacional da Geórgia, serviu, no mesmo executivo, como ministro da saúde. Todos com cidadania atribuída por Poroshenko. Que tal a “soberania” da Ucrânia?

Não se pense é que, por serem da nacionalidade respectiva, alguma coisa muda. Há gente que não tem pátria e a nação que representam não é a sua. Temos cá disso a dar com um pau, já desde a revolução de 1383-85. E a falarem “grosso”.

Estes breves exemplos, repercutidos por todas as dependências imperiais, desde tempos imemoriais, demonstram bem, de que fintas “democráticas” tanto se fala, e que “soberania” cabe a tais países, para decidirem o seu futuro. Esta factualidade demonstra, também, a razão pela qual tantos são atacados por não aceitarem tais regras “democráticas” e de defesa da “liberdade” e dos “direitos humanos”.

Por outro lado, percebendo para quem e por conta de quem operam, também entendemos a razão pela qual tão subdimensionados pigmeus políticos, se dão ao luxo de falar grosso com gente de porte. Afinal, não é na soberania do seu país que se suportam – porque sabem não o poder fazer -, mas na de outro.

Enquanto, por cá, queremos perseguir navios, com barcos que metem água e sem manutenção, os outros querem ganhar uma guerra sem possuírem uma base industrial capaz, sem munições armazenadas e usando um exército mandatado, formado por uma espinha dorsal, que mais não é, que uma bafienta iteração das SS. A este respeito, o que dizer da condecoração, pelo comediante que “serve” como presidente, de uma brigada militar, com o título honorífico “Edelweiss”, em memória de uma outra do III.º Reich? (Ver  aqui).

Se os factos – apenas factos – relatados anteriormente, constituem parte importante desta guerra, apelidada de “híbrida” (como tenho dúvidas quanto a este conceito, ndr.), em que uns vencem na propaganda e na mentira; outros, vão transformando, irremediavelmente, a substância, todos os dias, percorrendo novos passos, no sentido de uma mudança, cuja invisibilidade não poderá ser mantida, por muito mais tempo.

Enquanto uns falam de guerra fria, contenção deste e daquele país, derrota daquele e do outro, embargo do próximo, bloqueio de mais um e “pacotes” de sanções, atiradas contra as “autocracias”, normalizando a violência … Outros, os “autocratas”, tentam contruir um mundo onde todos caibam, aproximando as partes mais imprevisíveis, ultrapassando o centenário e bem ocidental esquema do dividir para reinar, normalizando o diálogo.

Claro que, para o comum dos cidadãos europeus, não cabe na cabeça que, outros países que não os “seus” (mas nos quais não mandam), possam estar a construir um mundo diferente, mais livre, porque mais soberano, mais inclusivo, porque baseado na igualdade e potencialmente mais democrático, porque constituído por países livres para fazerem as suas escolhas.

Afinal, o complexo de superioridade, lavrado ao longo de centenas de anos, é de tal forma profundo – enraizado nas velhinhas cruzadas -, que é impensável que qualquer problema, por mais remoto que seja o local, não seja causado por outros e não tenha de ser resolvido por estes. Só que, o mundo funciona ao contrário!

Daí que, nos dias que correm, pela importância do facto e se jornalismo houvesse, no nosso éter comunicacional, estar-se-ia, não apenas a noticiar, como a celebrar, a aproximação entre o Irão e a Arábia Saudita – ver aqui -,  promovida… pela China! E veremos como ficará a guerra do Iémen, patrocinada e fomentada pelos EUA contra o Irão.

Há uns meses escrevi que o fio condutor da China aproximava os países, entre os quais estes dois – ver aqui -, uma vez que, o Irão entrou na Organização de Cooperação de Xangai, quer entrar nos BRIC+, tal como a Arábia Saudita, e, ambos, estão envolvidos na BRI. Os negócios potenciais com a China são de tal forma vantajosos que, não deixariam de constituir um importante vector de aproximação. E com esta aproximação, conseguida após 4 dias de conversações, resolvem-se grande parte dos problemas no Médio Oriente, para desagrado dos promotores do dividir para reinar.

Dizer que, já a federação russa havia aproximado Turquia, Irão e Síria, também é importante, pois ajuda a demonstrar que os que são apresentados como agressores, afinal têm funcionado como agentes de conciliação de interesses, fugindo aos jogos da chantagem e opressão utilizados pelo Ocidente, segundo os quais, para alguém ganhar, um tem de perder. Foi sempre assim em tudo.

É a guerra na Ucrânia que só acaba com a “derrota total da Rússia”; só há acordo com o Irão se este prescindir do seu programa de mísseis; só há acordo na Síria se Assad sair; só acaba o bloqueio a Cuba se a revolução socialista acabar; só se retiram as sanções à Venezuela se a revolução bolivariana acabar; só retiramos a pressão sobre a China se o Partido Comunista for desmantelado… E por aí fora, num desfile interminável de exigências que só acaba com a submissão mais absoluta, bem acompanhada dos ministros, corporações, 0NG’s, comunicação social e organizações ocidentais, as quais visam garantir que aquele país nunca mais se levanta pelos seus pés. Tudo isto devidamente disfarçado de “democracia” e “liberdade”.

Entretanto, John Kirby não podia dar um sorriso mais amarelo, quando se referiu a esta aproximação das partes, dizendo que “tudo o que possa servir a paz na região…” Só que… Isto vem de quem, há uns anos, tinha como projecto de paz, para o médio oriente, a tomada de sete países muçulmanos em cinco anos – ver aqui. Tudo para a anular o antagonismo à única ameaça de paz na região, que se chama: entidade sionista do apartheid Israelita.

Mas o sorriso amarelo de Kirby tinha, ainda, outro motivo: a afirmação da China como agente liderante das relações internacionais, pela via da paz e da diplomacia, ao invés da auto-apregoada “guerra fria” ocidental. Eu pergunto-me sobre quantas doses de soporífero mediático são necessárias para um espectador ocidental considerar aceitáveis termos como “conter a China”, “bloquear o acesso da China ao Pacífico”, “guerra comercial à China”, “derrotar no campo de batalha” … Tudo linguagem belicista em relação a países que não atacaram nenhum país ocidental.

E se o soporífero funciona por cá, lá por fora já está tudo bem acordado. Este mundo alternativo que começa a surgir, e que deixa o Ocidente cada vez mais enfraquecido e isolado – entretanto entrado em autofagia -, olha para os EUA, não como líderes do que quer que seja, mas como o que realmente são, uma entidade opressora.

Mas, se na aparência da comunicação social dominante e entre os funcionários políticos arregimentados, a liderança mundial dos EUA e da sua “ordem baseada em regras”, constitui um facto incontestável; lá, onde as decisões tomadas, já não é bem assim! Afinal, o relatório anual de inteligência dos EUA já assume muitas destas realidades (ver aqui), o que não deixará de fazer com que muitos entrem em estado de pânico.

Este estado de pânico é semelhante ao que sucede quando um puto mimado ouve a palavra “não”! Primeiro entra em histeria, depois em pânico, por fim, em hiperventilação. Nessa altura desata a disparar para todo o lado, com “revoluções coloridas”, dez pacotes de sanções, abertura de dependências de ONG’s da CIA e frentes de guerra por encomenda.

Passada a fase do pânico, mas mantendo a histeria, estes adolescentes mimados iniciam um processo de açambarcamento, traduzido em ciclos de acumulação que visam pilhar internamente o que ainda há a pilhar. Eis o que nos está a acontecer agora, primeiro com o “subprime”, depois a dívida soberana, o Covid, a guerra, a “guerra fria” e agora um “subprime” tecnológico, em que o dinheiro é tão virtual como no primeiro. Uma dolorosa autofagia.

Alguma coisa os outros hão-de estar a fazer bem, comportando-se como adultos. Conversando em vez do bullying, comerciando em vez da pilhagem. É uma espécie de aplicação harmónica do Yin e do Yang à sociedade das nações não beligerantes, tornando-se, talvez, a base do que serão as nações unidas do futuro. Sem conselhos de segurança com uns que são mais iguais que outros.

É interessante observar que a opressão, imposta pelos EUA e suas dependências às restantes nações, produz uma realidade tão difícil e contraditória, capaz de forjar os melhores quadros políticos de que o mundo hoje usufrui. Ao invés, a realidade normalizada, estereotipada, em que vive a população ocidental, com os seus filtros e máscaras, em relação aos antagonismos – cada vez mais profundos -, tem produzido os mais tristes, irresponsáveis e incompetentes quadros de que há memória. Julgo que desta armadilha qualitativa, deste sistema de pilhagem já não sairá. Quem tem qualidade não governa, nem pode governar; quem pode governar, não governa, porque não tem qualidade. Resta o seguidismo, a cópia e a mimetização dos seus fúteis ídolos corporativos.

E para os que acusam os outros, de serem – ou quererem ser – Impérios… Eu deixo a questão: quantos países foram embargados, invadidos, sancionados, chantageados, ingeridos ou “revolucionados” por não aceitarem as propostas negociais em causa? Quantos foram obrigados, à revelia da sua vontade, a entrarem neste processo transformador?

Por que razão, a maioria das nações mundiais tende a querer negociar, com uns, e, a fugir dos outros? Burrice? Medo? Cobardia? Seguidismo? Sabujice? Ganância? Futilidade?

O que nos escondem, nas sociedades da “democracia” e dos “direitos humanos”, já para os outros se tornou evidente, há muito. Os EUA, e suas dependências ocidentais, já não podem “falar grosso” com ninguém! Os povos mundiais estão a perder o medo, e ai de quem oprime quando os povos perdem o medo!

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Polónia — a raposa no galinheiro

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 14/03/2023)

A Polónia está a caminho de se tornar a maior e mais sofisticada potência militar não nuclear da Europa. A militarização da Polónia não se baseia apenas, nem no essencial, na preparação para quaisquer ameaças que venham do Kremlin, mas reflete uma estratégia de ocupar o centro do poder na Europa Central e servir de ponta de lança do plano de longo prazo enunciado por Zbigniew Brzezinski, Conselheiro de Defesa dos Estados Unidos, há vinte e cinco anos, após o fim da URSS, na Conclusão do seu livro: «The Grand Chessboard»: Está na hora de os Estados-Unidos formularem e porem em prática uma geoestratégia de longo prazo na Eurásia. Esta necessidade resulta de duas realidades: A América é doravante a única superpotência mundial e a Eurásia é o palco principal do planeta (… ) A estabilidade da supremacia dos EUA sobre o mundo dependerão do modo como os EUA souberem manipular ou souberem satisfazer os principais atores geoestratégicos no tabuleiro. (…) O centro da Eurásia — espaço compreendido entre a Europa e a China só continuará a ser um “buraco negro” enquanto a Rússia não tiver resolvido os seus conflitos e decidido qual a sua atitude na cena internacional… Este livro tem como subtítulo «American Primacy and Its Geostrategic Imperatives» (1997) — A supremacia americana e os seus imperativos estratégicos.

A militarização e a americanização da Polónia é, tal como a guerra provocada na Ucrânia, uma jogada no xadrez pelo domínio da Ásia Central por parte dos Estados Unidos no seu conflito com a Rússia, impedindo-a de estabelecer alianças com a Europa Ocidental através de relações privilegiadas com a Alemanha. A Rússia tinha como estratégia uma aliança com a Europa através da Alemanha (que para a Rússia era a Europa), os Estados Unidos têm como estratégia utilizar a Polónia para impedir essa aliança, pressionar e desgastar a Rússia, de modo a impedir a constituição de um poder — de uma superpotência que pudesse constituir o terceiro vértice de um triângulo de que os outros dois seriam os EUA e a China.

O governo de Angela Merkel estava ciente destas estratégias e destes conflitos de interesses. No Verão de 2022, na sequência de um longo processo, a Alemanha aprovou a maior despesa para o aparelho militar nos últimos 83 anos, isto é, desde o nazismo, da ordem dos 100 mil milhões de Euros, o que representa 2% do seu orçamento. Aumentará as suas despesas militares dos 50 mil milhões anuais de euros para 70 mil milhões e com este plano a Alemanha pretendia ser a maior potencia militar europeia. Esta era a intenção dos dirigentes alemães que, para não ofenderem os Estados Unidos, lhes iriam comprar o material, incluindo o que a Alemanha fabrica ou isoladamente ou através de consórcios. A Alemanha aceitava enfraquecer a indústria militar europeia — que constrói aviões de combate e de transporte (Eurofighter e A-400, helicópteros — Eurocopter), navios e submarinos, por exemplo, a troco de os americanos os deixarem ser o pivô da Europa.

Mas para o papel de guarda avançada na Europa Central, os Estados Unidos tinham outra peça de serventia mais fiável e submissa: a Polónia.

No início de 2023 a Polónia anunciou o seu programa de militarização e americanização com a maior aquisição de armas convencionais americanas da história. Este mês de Março, Varsóvia assinou um contrato de US$ 4,75 mil milhões em mísseis Patriot, lançou as bases para sua maior compra de tanques de todos os tempos, encomendando 250 tanques M1 Abrahms dos EUA. Comprou 180 Carros de Combate K2 à Coreia do Sul, e outros 400 até 2030. Além disso, a Polônia comprou 48 aeronaves de ataque FA50, 1.400 Blindados de combate de Infantaria, aumentará os seus efetivos para 400.000 e atribuirá entre 3% e 4% do seu orçamento em despesas militares No curto prazo, a Polónia adquiriu 500 HIMARS dos EUA.

Para além destas aquisições de armamento convencional americano — com os consequentes benefícios para o complexo militar industrial dos EUA e para a sua balança comercial, a Polónia ratificou a presença permanente do 5º Corpo do Exército dos EUA, aceitou a instalação de bases para armamento nuclear e estreitou os laços crescentes com os militares britânicos, os tradicionais agentes dos EUA na Europa.

A opção da Polónia pelos Estados Unidos merece ser analisada e ajuda a perceber o mundo no curto e médio prazo. A primeira conclusão a tirar desta opção da Polónia pela estratégia dos EUA é que a União Europeia com estes membros não necessita de inimigos para se tornar irrelevante e até sem qualquer préstimo, para ser um pequeno casino de burgueses decadentes.

A Polónia é um estado-nação muito recente, surge em 1918, na sequência de reorganização europeia após a IGG, enquanto entidade politica com os atributos de um estado-nação do tipo europeu ocidental. Antes os territórios e os povos haviam estado envolvidos nas turbulências das relações entre a Rússia e a Prússia, e também das guerras napoleónicas.

A integração da Polónia como estado vassalo de primeira linha dos EUA, a par da Inglaterra, merece reflexão aos outros estados da união Europeia e aos dirigentes desta, se tivessem engenho para tal. Devemos interrogarmo-nos, os europeus ocidentais, os europeus mediterrânicos, que União é esta em que alguns dos seus membros preferem estar debaixo do domínio dos EUA do que participar no esforço coletivo europeu de desenvolver um espaço político e social de defesa de direitos e de solidariedade, fora das imposições estratégicas da maior e mais agressiva potência imperial? Outra questão que a americanização e militarização da Polónia coloca é da posição da Alemanha, o “motor da Europa”. A militarização da Polónia significa que os Estados Unidos criaram um contraponto aos alemães, um estado-polícia que limitará a autonomia política e estratégica dos alemães (que já era pouca). Condicionada pelo poderio militar da Polónia, a Alemanha perderá acesso aos grandes mercados e aos grandes negócios na Europa e no mundo, com as consequências previsíveis no seu desempenho económico. A melhor estratégia para reduzir a Europa a um subúrbio americano é manietar a Alemanha, debilitá-la economicamente. É um dos papéis que os EUA atribuíram à Polónia. O outro é, obviamente, servir de guarda avançada na Eurásia. Para os EUA a eleição da Polónia como o seu xerife local tem ainda a vantagem de esta não pertencer à zona euro e ser, portanto, muito mais permeável às estratégias do dólar para se manter como moeda de troca mundial!

A Polónia tem todo o direito de defender o que considera serem os seus interesses, mas os europeus de outros estados e a União Europeia (o que resta dela) também, e não é aceitável (porventura a UE já aceita tudo) que estes tenham no seu seio quem apenas utiliza a União em seu proveito (uma vaca leiteira), sujeitando-se ao domínio de uma entidade estranha e não em se integrar num esforço comum europeu.

O alargamento da U E a todo o vapor promovido pela Inglaterra (por Blair, o serviçal sorridente) foi efetuado para dar estes resultados. Esta U E, com a Polónia a fazer o papel de grupo Wagner dos EUA, é um corpo em decomposição. É altura de pensar numa outra entidade que agrupe os estados ocidentais — uma entidade mais pequena, mais coesa, mais autónoma. A realidade é a existência de várias Europas. A Polónia e a Alemanha demonstram-no e estes programas de militarização de acordo com a estratégias dos EUA de satelizarem os estados europeus conduzem a um confronto que os favorece dentro do principio de dividir para reinar.

Para já, no Leste europeu, temos dois grandes estados historicamente inimigos poderosamente armados e a servirem interesses divergentes. Uma bela mecha para incendiar uma fogueira. A Leste, nada de novo…

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