A falência total do projecto transatlântico

(Por Ricardo Nuno Costa, in Geopol.pt, 15/03/2023)

Três mega-falências no espaço de 5 dias: O que se pode esperar? – Uma dobragem da aposta!


Os acontecimentos mundiais das últimas semanas evidenciam a falência total do projecto transatlântico que vem cambaleando em redor de um sistema dólar-euro-libra sem real sustento físico, em virtude de um mundo multipolar que já nasceu e que começa a dar os primeiros passos ancorado na riqueza de bens tangíveis. Tudo isto terá consequências civilizacionais não vistas pelo menos desde o advento da Indústria há 200 anos. Infelizmente para nós na Europa, que fomos metidos numa relação tóxica e subalterna, na qual somos usados como peões para os jogos geopolíticos maquinados pelo elo forte, do outro lado do Atlântico.

Os Estados Unidos, esse país que deve a si mesmo mais de 130% do seu PIB sem incluir os derivados financeiros estimados em mais do dobro daquela quantidade, ao invés de começar a fazer os trabalhos de casa para sanar a sua economia, continua a dobrar apostas, em conformidade com o que as suas classes dirigentes têm baseado a sua economia de casino nos últimos 50 anos.

Jerome Powell, o presidente da FED a quem Biden deu carta branca para “fazer o que tenha que ser feito” para parar a tendência inflacionária inexorável, voltou a subir as taxas de juro a semana passada, já em 4.75%. Novas rondas de aumentos deverão colocar a taxa base em não menos de 6% até o final do ano. Um pesadelo para quem contraiu dívidas, e uma situação incomportável para os detentores de títulos de tesouro americanos, em especial o Japão e a China.

Pequim já não fala manso acerca dos jogos desestabilizadores dos EUA no Pacífico. Ontem um dos porta-vozes do MNE chinês acusou os EUA, o Reino Unido e a Austrália de terem ido «longe demais num caminho errado e perigoso» com o recente acordo de fornecimento de 8 submarinos nucleares a Camberra, feito à revelia do princípio da indivisibilidade da segurança e conduzindo uma corrida armamentista na região. Já antes avisara que não toleraria que Washington se metesse nos temas internos chineses, leia-se na ilha de Taiwan.

Enquanto isso, nos EUA esfumaram-se três bancos, entre os quais o Silicone Valley Bank, a segunda maior falência bancária do país e a maior do sector das novas tecnologias. A falência do Signature Bank, banco comercial dedicado sobretudo a investimentos, créditos imobiliários, hipotecas e criptomoeadas, é a terceira maior da história dos EUA. E o Silvergate Bank, mais conhecido pela sua ligação ao mercado de criptomoedas e à também recentemente falida FTX do grande aldrabão até então apresentado como um “exemplar jovem empreendedor de sucesso da era digital”, Sam Bankman-Fried. Três megafalências no espaço de 5 dias!

Estaremos então ante uma crise financeira de maior alcance que qualquer anterior, que alia o pior da bolha “dot com” de 2000 à crise de 2007-08 com origem no sector imobiliário dos EUA, replicada fortemente na Europa. Começou a queda em dominó esperada, e já anunciada por quem sabia, antes do episódio “coronário” inventado logo após a grotesca e muito pouco noticiada participação da FED na crise dos empréstimos “overnight”, em setembro de 2019. Até onde vai alcançar a explosão do capitalismo financeiro? Estejamos alerta!

Entretanto a diplomacia chinesa juntou à mesa dois dos maiores produtores de petróleo do mundo, Irão e Arábia Saudita, que reataram relações após mais de uma década de incompatibilidades em redor das primaveras árabes delineadas em Washington e Londres. É o virar da página em relação àquele hediondo episódio que desestabilizou o Médio Oriente, com sérias consequências também para o equilíbrio demográfico da Europa.

E o nosso continente? O chanceler Scholz viajou há um par de semanas a Washington envolto num grande secretismo, dias antes de que nos EUA e Alemanha os grandes meios de comunicação lançassem duas versões alternativas e sumamente inverossímeis dos atentados terroristas do Nord Stream, que lavam as mãos de Biden e dos EUA daquele grande constrangimento na Alemanha e Europa.

Soube-se mais tarde que o octagenário da Casa Branca deu também ordens inequívocas para que Scholz hostilizasse a China por meio de sanções. Não bastasse a Alemanha ter caído na grande disparate de entrar numa guerra económica com o seu principal fornecedor de energia em prol da sua subordinada relação transatlântica, e agora assoma-se ao fatal equívoco de romper laços com o seu maior parceiro económico, com o qual tem uma balança comercial positiva.

Quando Biden foi informado que a China estava muito adiantada na tecnologia de microchips no Verão passado, rapidamente ameaçou sancionar todo o tipo de fornecedores europeus àquela indústria chinesa, garantindo então no seu Twitter que «o futuro da indústria dos microchips vai ser feito na América!». Só a holandesa ASML terá perdido quase dois mil milhões de dólares em contratos com a China. Na limitada concepção exclusivista e hegemónica tipicamente anglo-saxónica de Biden, não há espaço para dois ou mais actores no domínio da tecnologia. Nem que para tal tenha que esmagar os interesses comerciais dos seus aliados.


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EUA provocam tumulto na Geórgia para abrir nova frente contra a Rússia

(Por Brian Berletic*, in Geopol.pt, 13/03/2023)

Já em 2003, o governo dos Estados Unidos patrocinou a mudança de regime na Geórgia


Não é coincidência que, enquanto Washington faz uma guerra por procuração contra a Rússia na Ucrânia, os conhecidos focos de problemas noutros pontos da periferia da Rússia tenham voltado a incendiar-se. Na região do Cáucaso, na nação da Geórgia, começaram os protestos, visando o actual governo e tentando obstruir uma lei de transparência destinada a expor e gerir o próprio tipo de interferência americana e europeia que impulsiona os protestos.

A BBC, no seu artigo, “A Geórgia protesta: A polícia empurra os manifestantes de volta do parlamento”, afirmaria:

«A polícia utilizou canhões de água e gás lacrimogéneo contra manifestantes na capital da Geórgia, Tbilisi, por uma segunda noite. As multidões estão zangadas com uma lei controversa de estilo russo, que classificaria grupos não governamentais e de meios de comunicação como “agentes estrangeiros” se recebessem mais de 20% dos seus fundos do estrangeiro.»

O artigo também dizia:

«Uma lei semelhante na Rússia tem sido utilizada para limitar severamente a liberdade de imprensa e suprimir a sociedade civil. “Pensamos que o nosso governo está sob influência russa e isso é muito mau para o nosso futuro”, disse Lizzie, um dos muitos estudantes que participaram nos protestos.»

No entanto, é bastante claro que por “sociedade civil”, a BBC está a referir-se a grupos de oposição patrocinados pelo Ocidente activos na Geórgia desde o colapso da União Soviética. Para além da ironia dos grupos de oposição patrocinados pelo Ocidente que se queixam da “influência russa” quando eles próprios são produtos da influência EUA-Europa, os protestos procuram especificamente obstruir as tentativas da Geórgia de proteger a sua soberania de Washington, Londres, e a influência injustificada de Bruxelas.

A BBC tenta lançar dúvidas sobre as motivações do governo georgiano para aprovar leis destinadas a expor o financiamento estrangeiro dentro do espaço político e mediático da Geórgia.

O artigo afirma:

«O presidente do Sonho Georgiano Irakli Kobakhidze disse que as críticas ao projecto de lei como sendo semelhante à própria legislação repressiva da Rússia eram enganadoras. “No final, a agitação acabará por desaparecer e o público terá transparência no financiamento das ONG”, disse ele.»

Contudo, Eka Gigauri da Transparency International disse à BBC que as ONG já estavam sujeitas a 10 leis diferentes e que o Ministério das Finanças já tinha pleno acesso a contas, financiamento e outras informações.

Embora no início possa parecer estranho que uma organização chamada “Transparency International” estivesse a argumentar contra uma maior transparência, especialmente no que diz respeito a algo tão sensível como o financiamento estrangeiro, um olhar sobre o próprio financiamento da Transparency International que inclui o Departamento de Estado dos EUA, a Comissão da UE, e o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, torna-se claro que a organização existe para fazer avançar os objectivos da política externa ocidental, especificamente à custa da transparência real.

A BBC tenta reforçar a sua narrativa alegando que os manifestantes estão a lutar pelo seu “futuro” na União Europeia, no entanto, o que a BBC está na realidade a descrever não é apenas uma repetição dos esforços de mudança de regime patrocinados pelos EUA que visaram a Ucrânia em 2014, desencadeando o conflito em curso no qual a Rússia interveio desde então, mas também uma repetição do desempenho da interferência dos EUA na própria Geórgia.

A História repete-se

Já em 2003, o governo dos Estados Unidos patrocinou a mudança de regime na Geórgia.

Num artigo de 2004 do Guardian londrino intitulado, “Campanha dos EUA por detrás da agitação em Kiev”, o jornal não só fala da interferência dos EUA na Ucrânia no meio da chamada Revolução Laranja, mas também na Sérvia e na Geórgia.

O artigo admite:

«…a campanha é uma criação americana, um exercício sofisticado e brilhantemente concebido no branding ocidental e no marketing de massas que, em quatro países em quatro anos, tem sido utilizado para tentar salvar eleições fraudulentas e derrubar regimes repugnantes.»

Financiada e organizada pelo governo dos EUA, destacando consultoras americanas, sondadores, diplomatas, os dois grandes partidos americanos e organizações não governamentais dos EUA, a campanha foi utilizada pela primeira vez na Europa em Belgrado em 2000 para vencer Slobodan Milosevic nas urnas.

Richard Miles, o embaixador dos EUA em Belgrado, desempenhou um papel fundamental. E no ano passado, como embaixador dos EUA em Tbilisi, ele repetiu o truque na Geórgia, treinando Mikhail Saakashvili em como derrubar Eduard Shevardnadze.

A partir de 2003, os Estados Unidos iriam fornecer armas e treino aos militares da Geórgia. Em 2008, a Geórgia atacaria a Rússia numa guerra por procuração, que em muitos aspectos justifica as preocupações de segurança nacional de Moscovo em relação à Ucrânia a partir de 2014.

Enquanto muitos, tanto nos governos ocidentais como nos meios de comunicação social, tentam retratar o conflito de 2008 como uma “invasão russa”, a Reuters num artigo de 2009 intitulado, “A Geórgia iniciou uma guerra com a Rússia”: relatório apoiado pela UE”, relataria:

“Na opinião da Missão, foi a Geórgia que desencadeou a guerra quando atacou Tskhinvali (na Ossétia do Sul) com artilharia pesada na noite de 7 para 8 de Agosto de 2008”, disse a diplomata suíça Heidi Tagliavini, que liderou a investigação.

O texto observaria também:

«…as conclusões foram particularmente críticas quanto à conduta do aliado norte-americano Geórgia sob a presidência do presidente Mikhail Saakashvili e são susceptíveis de prejudicar ainda mais a sua posição política.»

Foi Mikhail Saakashvili que o Guardian, no seu artigo de 2004, admitiu ter chegado ao poder na sequência de interferência política “organizada pelo governo dos EUA”.

Georgia novamente um procurador:
Washington procura uma nova frente contra a Rússia

Apesar do que muitos manifestantes em Tbilisi podem pensar estar a protestar, a realidade é que Washington procura abrir uma segunda frente contra a Rússia para melhorar as suas probabilidades em relação à sua flagrante guerra por procuração na Ucrânia.

Longe de especulações, a utilização da Geórgia exactamente para este fim foi articulada em detalhe num documento da RAND Corporation de 2019 intitulado, “Estendendo a Rússia“.

Entre outras medidas destinadas a alargar e esgotar a Rússia, incluindo “Fornecer ajuda letal à Ucrânia”, estava a “Explorar as tensões no Cáucaso do Sul”.

O documento é elaborado:

«…os Estados Unidos poderiam pressionar para uma relação mais estreita da NATO com a Geórgia e o Azerbaijão, levando provavelmente a Rússia a reforçar a sua presença militar na Ossétia do Sul, Abcásia, Arménia, e Sul da Rússia.»

A Rússia sendo forçada a reforçar a sua presença militar na Ossétia do Sul, Abcásia, Arménia e sul da Rússia, Washington espera, desviaria recursos da Ucrânia.

O documento explica melhor:

«A Geórgia há muito que procura a adesão à NATO; aderiu ao Conselho de Cooperação do Atlântico Norte em 1992 pouco depois de se ter tornado independente e aderiu ao programa da Parceria para a Paz em 1994. Em teoria, os aliados colocaram a Geórgia no caminho da adesão, mas a guerra russo-georgiana de 2008 colocou este esforço num impasse indefinido. A Geórgia, contudo, nunca desistiu das suas ambições da NATO, participando em operações da NATO no Mediterrâneo, Kosovo, Afeganistão, e noutros locais. Se a oposição europeia impedir a adesão da Geórgia à Aliança, os Estados Unidos poderiam estabelecer laços de segurança bilaterais.»

Claro que tudo isto depende de que a Geórgia seja dirigida por um regime de clientes americanos obedientes, o que exige os protestos actuais que também em e por si mesmos criam instabilidade ao longo das fronteiras da Rússia e servem o mesmo objectivo de aumentar a pressão sobre a Rússia em geral.

Enquanto o recente artigo da BBC sugere que os manifestantes na Geórgia estão a lutar pelos seus melhores interesses, a RAND Corporation revela quão devastadora tem sido a utilização da Geórgia pelos Estados Unidos contra a Rússia.

As observações de relatórios:

«Em agosto de 2008, após a ruptura dos acordos de paz com separatistas, a Geórgia travou uma breve guerra sobre os enclaves da Ossétia do Sul e da Abcásia, duas províncias pró-russas semi-independentes da Geórgia. A guerra revelou-se desastrosa para a Geórgia. A Rússia interveio rapidamente e acabou por ocupar ambas as regiões e, brevemente, também outras partes da Geórgia. A Geórgia assinou um acordo de cessar-fogo a 14 de Agosto de 2008, apenas oito dias após a intervenção russa. No entanto, as forças russas permanecem na Ossétia do Sul e na Abcásia, ambas as quais declararam desde então a sua independência.»

O jornal adverte também que se Tbilissi pretendesse aderir à NATO, “a Rússia poderia muito bem intervir novamente”.

Tal como na Ucrânia, onde a política externa dos EUA desviou a nação, o seu povo, o seu governo e as forças armadas, colocando-a no caminho da autodestruição total, os EUA procuram incendiar e queimar outras nações ao longo da periferia da Rússia, numa tentativa de “estender a Rússia”, como dizem literalmente os documentos de política dos EUA nos seus títulos. Isto inclui a Geórgia.

Para além disso, o facto de os manifestantes patrocinados pelos EUA se queixarem da “influência russa”, mas lutarem avidamente contra legislação destinada a tornar o financiamento estrangeiro mais transparente, ilustra mais uma vez como supostos “valores ocidentais” são meras cortinas de fumo por detrás das quais os EUA e os seus aliados avançam com os seus objectivos de política externa em contravenção ao direito internacional, e não em apoio do mesmo.

  • Autor: Ex-marine, investigador e escritor geopolítico 

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Acabar com a NATO e corrigir o erro de Estaline

(Por Batiushka, in Réseau International, 24/12/2022, Trad. Estátua de Sal)

Para o inferno com Washington” ( Coronel Douglas Macgregor)


Introdução: O Atlântico e a Europa

A julgar pelo seu nome, NATO, a Organização do Tratado do Atlântico Norte só envolveu os Estados Unidos e o Reino Unido, um acordo entre os americanos e o meio-americano Churchill. Afinal, quão importante é o “Atlântico Norte” para a Alemanha báltica ou para a Itália mediterrânea, quanto mais para a Grécia egeia e para a Turquia no mar Negro? Até a Espanha e Portugal olham para as Caraíbas e para o Atlântico Sul, não para o Atlântico Norte. A NATO é claramente uma organização que descende diretamente da Carta do Atlântico, elaborada por Roosevelt e Churchill numa baía da Terra Nova em 1941 (nem mesmo no Atlântico), e depois imposta a todos.

O fim da NATO

Então, o que é que o Atlântico Norte estava a fazer no sopé dos Himalaias, no Afeganistão? Além de ser a sua maior derrota (até agora), o que é que ele lá estava a fazer? E o que é que o Atlântico Norte, ou pelo menos partes dele, está a fazer no Mar da China Meridional? Certamente há uma pista no nome – China? Este mar pertence à China. O que é que a marinha dos EUA e outros estão a fazer nessa região?

É certo que mesmo Liz Truss, que queria que o mundo inteiro fosse governado pela NATO, com os seus fracos conhecimentos de geografia, deve ter pensado que era hora de renomear a NATO? Talvez para Organização Nazi-Americana da Tirania? Dessa forma, poderíamos manter as mesmas iniciais. Como salientou Saker, o primeiro secretário-geral da NATO, o coronel-general Hastings Ismay, nascido na Índia, admitiu sem rodeios que o objetivo da NATO era “manter a União Soviética fora, os americanos dentro e os alemães em baixo”.

E como Saker explicou : “Manter os alemães em baixo” significa esmagar quaisquer europeus que possam ser rivais no controle da Europa Ocidental pela anglosfera, que agora controla toda a Europa, exceto as terras russas livres. “Manter os americanos dentro” significa esmagar todos os movimentos de libertação europeus, os de De Gaulle ou outros. “Manter a União Soviética fora significa destruir a Rússia, para que não liberte a Europa da tirania da anglosfera. Este último objetivo é simbolizado pelas bandeiras americana e britânica, que estão onipresentes, mesmo em itens de moda, camisetas e jeans, desde os anos 1960. É por isso que os verdadeiros europeus se recusam a usar esses itens.

Na realidade, é óbvio que a NATO deveria ter desaparecido em 1 de julho de 1991, dia em que desapareceu o Pacto de Varsóvia. Se tal tivesse ocorrido em 1991, a derrota da NATO teria sido evitada, trinta anos depois no Afeganistão. Na verdade, o facto de não ter sido extinta naquela época é uma tragédia que custou milhões de vidas, principalmente no trágico Médio Oriente, e hoje em toda a trágica Ucrânia.

Curiosamente, a resposta à agressão e intimidação da NATO (a elite americana ainda intimida), o Pacto de Varsóvia, recebeu o nome da capital da Polónia. Ironicamente – e não há nada mais irónico do que a história – é hoje na Varsóvia da “nova Europa”, longe do Atlântico Norte, que encontramos o mais fanático dos seguidores da NATO. Então, afinal, qual é o significado da NATO?

A República americana da Polónia

O nome “Polónia” está relacionado com a palavra inglesa “plain”, de modo que “Polónia” significa literalmente “campos”. Dito de outro modo, não há barreira geográfica entre as terras alemãs e as russas, que começam com a atual Bielorrússia, e a Ucrânia. Ou seja, não há barreiras geográficas entre Berlim e Moscovo. Existe apenas uma barreira política puramente artificial. Os dois povos, polacos e russos, são irmãos genéticos. O seu confronto, como aquele que existe entre outros irmãos genéticos, os croatas e os sérvios, é puramente artificial.

Faz parte do gigantesco complexo de inferioridade dos polacos – suponha que você vive no meio dos imensos campos entre a Alemanha e a Rússia -, imaginar que a Rússia está interessada em conquistar a Polónia. A Rússia realmente não está interessada na Polónia. Mas então, ouço-vos eu perguntar, porquê a Rússia Imperial participou nas três partições prussianas e austríacas da Polónia no final do século XVIII? Porque é que Molotov e Ribbentrop a partilharam? Porque é que Estaline a ocupou?

A resposta é sempre a mesma. Quem foi invadido tanta vez pela Europa Ocidental, como foi a Rússia, deve criar uma zona tampão para se proteger. Como a geografia não muda, os czares e os bolcheviques foram compelidos, por idêntico receio de agressão e inveja ocidentais, a fazer o mesmo  para se protegerem, e isso significava controlar o leste ou toda a Polónia. Nisso, o czar Nicolau II teve muito mais sucesso do que os bolcheviques. Assim, durante a Primeira Guerra Mundial, os alemães e os austríacos nunca entraram na Rússia, permanecendo presos principalmente no leste da Polónia e na Lituânia e causando menos de 670.000 baixas russas em dois anos e meio de guerra. Foi diferente durante a Segunda Guerra Mundial, quando os alemães chegaram ao Volga e causaram quarenta vezes mais vítimas, ou seja, 27 milhões.

É uma explicação, não uma justificação. Alguns dos meus melhores amigos são polacos: pertencem à pequena minoria de polacos que conhecem tudo isso e sabem que a Polónia de hoje é apenas um vassalo dos americanos. Acho que, provavelmente, eles também sabem que se um polaco recebesse o Prémio Nobel da Paz, seria para quem liderasse a Polónia e a levasse a estar em paz com a Rússia, em vez de ir para a guerra. Seria um polaco que rompesse com os americanos, os expulsaria da Polónia e declarasse a independência. E faria o mesmo com a UE, os Estados Unidos da Europa, liderados pelos Estados Unidos. Este é o tipo de patriotismo polaco (totalmente diferente do nacionalismo polaco) que aprovo, porque se trata de afirmar a identidade nacional polaca e não de destruí-la.

Infelizmente, alguns membros da elite política e militar polaca de hoje sonham varrer a Rússia do mapa, como os cruzados católicos da Idade Média. O seu delírio está ao nível do daqueles cruzados. Os polacos não percebem que os americanos (e os britânicos) os deixarão cair (e aos ucranianos) como tijolos quentes, na hora de os esmagar. Como fizeram em 1945, embora os britânicos afirmassem que entraram na guerra em 1939 com o único propósito de defender a Polónia. Isso, afinal, era mentira. Quando é que os polacos descobrirão quem são os seus verdadeiros amigos? Como o Saker disse: 

Os Estados Unidos e a NATO precisam de mão-de-obra e de poder de fogo para enfrentar a Rússia numa guerra convencional combinada. Qualquer uso de armas nucleares resultará em retaliação imediata 

Hoje, na Polônia, pelo menos 1 em cada 33 pessoas é um “refugiado” ucraniano. Muitos polacos estão fartos dessa invasão. Isso sujeita o país a uma rude prova.

O futuro

Neste momento, a NATO está a desmilitarizar a Ucrânia. Ironicamente, a Ucrânia é oficialmente um país não pertencente à NATO, o país onde residem algumas das pessoas que no mundo mais odeiam os polacos. Os ucranianos que vivem na fronteira polaca (os galegos) até inventaram uma nova religião para não serem católicos como os polacos (ou ortodoxos como os russos). É o chamado “catolicismo grego”. Não se encontra uma mistura mais estranha e artificial do que essa. Como dizem os russos: “Nem carne nem peixe“. Então, o que acontecerá quando a NATO entrar em colapso? Voltaremos à história do século passado, muita da qual diz respeito à Polónia, da Varsóvia devastada pelos nazis, à Auschwitz libertada pelos soviéticos, de Wroclaw (Breslau) a Gdansk (Danzig).

No início de 1917, a Primeira Guerra Mundial durava há dois anos e meio e a Rússia estava apenas a alguns meses da vitória total e da libertação de Viena, Berlim e Istambul. No entanto, a Revolução de Fevereiro organizada pelos britânicos (o embaixador britânico na época, Sir George Buchanan, foi a Victoria Nuland desse tempo) pôs fim a isso. E os aristocratas totalmente incompetentes, mas anglófilos, que os britânicos tinham escolhido para governar a Rússia, abriram as comportas para eclosão da Revolução de Outubro. Sem a interferência britânica, não teria havido a Polónia, que entre 1919 e 1920 ocupou a maior parte da Bielorrússia e do oeste da Ucrânia, lá permanecendo até 1939. E se as tropas russas tivessem entrado em Viena, Berlim e Istambul, não teria havido um cabo austríaco que, em 1939, lançou a segunda parte da Primeira Guerra Mundial, e por isso também não teria havido nenhuma invasão americana da Europa Ocidental em 1944. Logo, também nenhuma tropa soviética teria entrado violentamente em Viena e Berlim em 1945 e, portanto, hoje nenhuma guerra pela libertação da Ucrânia estaria a acontecer.

As intrigas austríacas que contribuíram para a Primeira Guerra Mundial fizeram o jogo dos franceses e britânicos e destruíram o eixo São Petersburgo-Berlim. Foi trágico porque Berlim é o verdadeiro centro da Europa Ocidental e Central e tudo o mais é secundário, incluindo Paris. (Tudo o que os alemães precisam de fazer para garantir a sua liderança, de facto, é agradar à vaidade da elite francesa e dizer-lhes que são muito importantes, isso é o suficiente). Porque a harmonia entre Berlim e São Petersburgo significa a existência de harmonia em toda a Europa Ocidental, Europa Central e na parte norte da Europa Oriental. Pondo de lado a Europa Ocidental, também há partes inteiras da Europa Central e Oriental que não interessam à Rússia, por albergarem culturas que são estranhas à mentalidade russa e mais próximas da história e cultura alemãs. Referimo-nos à antiga Alemanha Oriental protestante, bem como à antiga Polónia católica (incluindo parte do que é hoje o extremo oeste da Ucrânia), a Eslováquia, Áustria, Hungria, Eslovênia, Croácia, o norte da Bósnia e Herzegovina, bem como a ateísta Chéquia.

Tirando esses territórios da equação, chegamos às partes da Europa Oriental nas quais a Rússia está interessada e próxima. São elas: Bielorrússia, Ucrânia (russa), países bálticos, Moldávia, Roménia, Bulgária, Sérvia, sul da Bósnia e Herzegovina, Montenegro, Macedónia do Norte, Albânia, Grécia, e Chipre. Entender-se-á porque pertencem esses territórios ao mundo cultural russo consultando o mapa de Samuel Huntington intitulado “The Eastern Boundary of Western Civilization” (sic). Como ele disse, de acordo com a sua visão etnocêntrica: “A Europa termina onde termina o cristianismo ocidental“. Aqui, a Rússia não precisará de construir um muro, instalar armadilhas de tanques, arame farpado e cimento. Ela tem amigos do outro lado da fronteira.

Este foi o erro de Estaline – criou uma zona tampão que incluía países cuja cultura maioritária era estranha aos russos, em vez de se limitar a países ao sul e ao leste, como se elencou acima. Como ateu, Estaline não tinha mais tempo ou mais compreensão do que os americanos modernos, para as nuances religiosas e culturais dos povos. Foi pena. A Europa do sudeste, a lista de países acima referida, entrará mais uma vez na esfera de influência russa, mas os do norte e oeste pertencem a outra esfera, à esfera alemã e, portanto, à Europa Ocidental.

Conclusão: Depois da NATO

À medida que a NATO continua o seu colapso, que começou em Cabul em agosto de 2021, ficará claro que os Estados Unidos não podem apegar-se à Europa, assim como não podem apegar-se à Ásia. As guerras da NATO logo terminarão. A NATO está a ser desmilitarizada e desnazificada. Na verdade, está em vias de colapsar. Uma vez restaurado o eixo Berlim-Moscovo, o resto da Europa seguirá em frente, não sob uma esfera de influência russa, mas como uma área que deseja estabelecer boas relações com a Rússia, até mesmo com as ex-repúblicas americanas da Polónia, Lituânia, Letónia, Estônia e a Grã-Bretanha americana. 

De facto, atrás de Moscovo, há Pequim e toda a Eurásia. E toda a Europa precisa de Pequim e de Moscovo, Pequim para os produtos manufaturados, Moscovo para a energia. A Europa deve voltar às suas raízes, virando as costas à insignificância e à ingerência transatlântica. Em breve tal será passado. Como disse o bom coronel MacGregor: “Para o inferno com Washington”.

Fonte aqui