Uma mensagem contundente para Israel

(Samuel Moncada, in ONU, 28/11/2023)

Samuel Moncada, embaixador da Venezuela na ONU, dirigiu-se à Assembleia Geral na terça-feira.

Senhor Presidente, a República Bolivariana da Venezuela condena veementemente a agressão israelita contra a população civil nos territórios palestinianos ocupados. Esta é uma operação de expulsão em massa de um povo inteiro para anexar o seu território pela potência ocupante. É um novo ciclo de terror expansionista, de tantas coisas sofridas pelo povo palestiniano ao longo de 75 anos de ocupação.

Nas últimas oito semanas assistimos a uma escalada dos crimes perpetrados pelo regime israelita contra o povo palestiniano. Quase 15.000 civis inocentes foram assassinados pelas forças de ocupação na Faixa de Gaza, principalmente mulheres e crianças, numa operação de limpeza étnica que nem sequer poupou o pessoal das Nações Unidas, que também foi massacrado.

É repugnante ver como, apesar da crueldade dos factos que estão à vista do mundo, o governo dos Estados Unidos da América e os seus satélites pretendem justificar o injustificável:

Que a potência ocupante está a levar a cabo um genocídio contra o povo palestiniano, tal como definido na Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio e no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Perguntamo-nos onde estão aqueles que noutros casos se apressam em aplicar a responsabilidade de proteger, mas agora ignoram os direitos humanos dos palestinianos submetidos à ocupação israelita?

Onde estão os activistas do código de conduta do Conselho de Segurança contra o genocídio ou aqueles que defendem uma redução do direito de veto no Conselho de Segurança quando são cometidas atrocidades em massa? O seu silêncio torna-os cúmplices destes crimes.

Apelamos à condenação nos termos mais firmes das políticas criminosas de Israel contra a população civil. As Nações Unidas devem agir com determinação, incluindo o Secretariado, que tem um papel crucial a desempenhar na preservação do direito à vida de milhões de pessoas inocentes. Não podemos permitir agora que as nossas acções e as nossas omissões nos tornem conjuntamente responsáveis ​​pela aniquilação de um povo inteiro.

Senhor Presidente, Israel não tem intenção de pôr fim à ocupação. Pelo contrário, visa tomar o controlo de todo o território palestiniano ocupado, ao mesmo tempo que altera a situação demográfica, reprimindo os palestinianos e privilegiando os colonos israelitas. Este é o caso da imposição de um sistema de apartheid a esta realidade.

Devemos acrescentar a destruição de dezenas de milhares de habitações, a deslocação forçada de centenas de milhares de palestinianos, bem como os ataques deliberados contra infra-estruturas vitais. Senhor Presidente, hoje temos de fazer progressos com urgência em pelo menos três áreas críticas.

Em primeiro lugar, temos de pôr fim ao ciclo de impunidade. Israel deve ser responsabilizado perante a Justiça Internacional pelos crimes contra a humanidade e pelos crimes de guerra que tem cometido ao longo dos anos, bem como pelo genocídio em curso hoje. A impunidade internacional que lhe é proporcionada por um governo de um dos seus principais parceiros que é membro permanente do Conselho de Segurança, incentiva os crimes cometidos diariamente por Israel.

Em segundo lugar, enquanto a potência ocupante continua com as suas políticas de atirar para matar, bombardear escolas, hospitais, habitações, centros de refugiados ou instalações de armazenamento de alimentos, bem como a violência sistémica por parte dos colonos israelitas contra a população civil inocente. Devemos aplicar medidas provisórias ao abrigo do direito humanitário internacional que garantam a protecção internacional do povo palestiniano.

E em terceiro lugar, é necessário pôr fim à política de colonatos ilegais, aos despejos e demolições de casas, à expropriação de terras palestinianas, às detenções arbitrárias de civis palestinianos inocentes e à perseguição de organizações palestinianas da sociedade civil. Devemos repudiar aqueles que apelam à utilização de armas de destruição maciça contra o povo palestiniano e que encorajam grupos fanáticos a cometer crimes de ódio ou a atacar locais religiosos.

Senhor Presidente, por outro lado, insistimos na nossa rejeição do incumprimento das disposições da resolução 497 do Conselho de Segurança, que há mais de 40 anos exige a retirada de Israel do Golã Sírio e também rejeitamos quaisquer ações tomadas pela potência ocupante para alterar a situação demográfica ou jurídica do Golã sírio ocupado. Rejeitamos quaisquer medidas que utilizem a força para exercer jurisdição e administração neste território.

Chegou a hora de esta Assembleia Geral exigir ações concretas e é por isso que pedimos uma votação a favor de todos os projetos de resolução hoje apresentados nos itens 39 e 40 do programa de trabalho.

Finalmente, reafirmamos a nossa solidariedade para com o povo palestiniano, bem como o nosso apoio à autodeterminação e a um Estado palestiniano que seja independente e soberano nas fronteiras anteriores a 1967, com Jerusalém Oriental como sua capital e como membro de pleno direito das Nações Unidas.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Fonte aqui


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

Realmente é incomparável

(Carlos Marques, in comentários na Estátua de Sal, 23/11/2023)

(Este texto resulta de uma resposta a um comentário de JgMenos, aqui publicado, e que transcrevo: “Muito se esforça a cambada do ódio em dar lugar a terroristas na multipolaridade que ambicionam. O tema actual é equiparar os assassinatos de civis a 7 de Outubro em Israel às mortes de civis em Gaza.”

Por conter tanta verdade junta, decidi dar-lhe maior divulgação.

Estátua de Sal, 23/11/2023)


Realmente é incomparável. O Hamas entrou na Palestina ocupada (ou seja, “invadiu” o seu próprio território), e matou invasores. No total, à volta de 1200, morreram nessa contraofensiva. Quase 400 eram militares ou polícias do regime invasor. E dos 800 “civis” (colonos reservistas do IDF, invasores ilegais) mortos, vários foram mortos pelas próprias IDF, como já foi noticiado.

Do outro lado, em Gaza, um campo de concentração, o invasor Israelita invadiu ainda mais, destruiu bairros inteiros, infraestruturas, cortou água e luz, bloqueia comida e combustível, cerca hospitais, rebenta escolas. Assassinou já mais de 13300 civis, dos quais mais de 5500 crianças (41% das vítimas).

É, de facto, incomparável. De um lado um povo, sem direito a forças armadas, que usa os meios que tem para se revoltar contra os que os invadem há quase 80 anos, e fazem alguns prisioneiros com o objetivo de os trocar pelas crianças palestinianas raptadas e trancadas em prisões naZionistas.

Do outro lado, mais uma invasão ilegal, um genocídio, e uma limpeza étnica durante as pausas. E os navios do império genocida ocidental no Mediterrâneo, para garantir que o genocídio é feito sem ninguém se atrever a pará-lo.

Mas, para racistas e imperialistas genocidas, a vida de um invasor agressor naZionista, vale tanto como a de 10 ou 100 civis palestinianos, vítimas há décadas neste conflito que NÃO começou em 7 de Outubro, mas começou em 1947, quando um grupo de imperialistas genocidas ocidentais desenhou uma linha num mapa e afirmou: “Isto agora é meu e dos meus amigos sionistas”. Ou, como Biden uma vez disse, parafraseando: “Se Israel não existisse, nós íamos lá inventá-la. É a melhor garantia da defesa dos nossos interesses na região”.

Já o Putin, esse “criminoso”, em vez de inventar linhas no mapa, olha para os mapas históricos. Em vez de fazer golpes sangrentos, faz referendos. Em vez de bombardear o campo de concentração, bombardeia nazis. Em vez de assassinar mais de 5500 crianças num mês, faz uma guerra cirúrgica em que em 2 anos morreram 500 (e muitas em ataques dos nazis contra o Donbass). Em vez de limpeza étnica, reconstrói Mariupol e convida a voltar todos os ucranianos que lá quiserem continuar a viver. Em vez de cometer um genocídio, evita um que os UkraNazis queriam cometer. Em vez de ódio e extremismo religioso, lidera uma federação onde cabem todas as etnias e crenças. Em vez de cortar água e cercar hospitais, reabre o canal da Crimeia, e envia ajuda humanitária para Gaza. Em vez de financiar a Al-Qaeda para destruir a Síria, ajuda a Síria a derrotar a Al-Qaeda. E em vez de apoiar incondicionalmente os naZionistas, vota na ONU a favor do cessar-fogo imediato. Obviamente, com um currículo como este, só podia ser chamado de “criminoso” pelos “democratas” e “juízes” ocidentais. O Netanyahu, esse sim, é um exemplo a seguir…

Nota 1: Continua o agravar acelerado da DITADURA ocidental. A atriz Susan Sarandon, dos poucos seres humanos que se aproveitam naquela zona do globo e naquela indústria, acabou de ser cancelada, censurada, limitada na sua liberdade, e atacada na sua independência financeira. Se fosse uma atriz nova, correria o risco de passar fome daqui para a frente. Felizmente já amealhou o que tinha de amealhar. Já não é preciso PIDE nem Gestapo. O Capitalismo faz o trabalhinho… «Susan Sarandon fora de agência de Hollywood após apoiar Palestina», (Ver aqui).

Ela não apoiou o Hamas. Apoiou um povo vítima de genocídio. A ditadura ocidental diz que é crime. O capitalista despede. Está cancelada. Só por acaso, Hollywood deve ser das indústrias com mais penetração/iniciativa Judaica/Sionista. É só uma coincidência, pois claro…

«Fui aconselhado a não falar no genocídio. Posso vir a ser prejudicado» (Ver aqui). Esta foi em Portugal, província do império genocida ocidental. Ai do ator Jorge Corrula que abra a boca para falar de factos… Fica logo sem ganha-pão. É assim a nova PIDE/Gestapo da ditadura ocidental. Não é o agente X que tortura ou mata num edifício do Estado. É a “iniciativa privada” que faz o servicinho, de forma silenciosa, sem deixar negras. Se um ator disser o que o regime não gosta, e deixar de aparecer na TV/Cinema, ninguém dá por ela. Estão sempre a aparecer novos atores, prontos a dizer as coisas “certas”, e alguns até dão estatuetas dos Óscares a ditadores colaboradores de nazis queridos pelo regime ocidental, em nome da vi$ibilidad€ que isso lhes garante.

Por falar nisto, lembrei-me do partido político da CIA em Portugal… quer dizer, da Iniciativa Liberal. Eles querem mais meritocracia. Deve ser do tipo: se vais a uma manifestação pedir mais salário, com cartazes em português, és extremista e tens de ser combatido. Mas vais a uma manifestação com bandeiras vermelhas e pretas da UPA/OUN ao lado do militante do Svoboda, pedir mais aviões F16 com cartazes em inglês, e és logo um grande democrata liberal e mereces ser promovido até ao topo…
E é esta gente que vai governar Portugal nos próximos 4 anos. Aliás, ganhem laranjas ou rosas, são na mesma estes que vão governar. $eja feita a vontade de Biden, Leyen, Stoltenberg, e Lagarde, am€n.

Nota 2: Alguém diga ao Putin que se ele afirmar que todos os ucranianos são terroristas do Hamas, pode terraplanar aquilo tudo à bomba, e ainda recebe ajuda do Ocidente. Combater cirurgicamente nazis (que começaram guerra) é “crime” e é “injustificado”, mas assassinar mais de 13000 civis e mais de 5500 crianças num só mês (e ainda agora estamos no início…) é ser “a única democracia do Médio Oriente”, é “totalmente justificado”, é “defender direitos humanos”, é espalhar a “liberdade”.

Nota 3: Perante a crescente agressão dos albaneses do Kosovo contra os Sérvios da parte Norte do Kosovo, a NATO reforça as forças da invasão, o apoio aos separatistas, e facilita a futura anexação de mais um território (em violação do direito internacional) ao império genocida, com promessas de adesão à UE/NATO. Não é independência, é anexação. Só não percebe isso quem não tem olhos nem vergonha na cara. Mas é tudo business, as usual.

Entretanto o Presidente da República Sérvia começa a falar cada vez mais alto em exercer pacificamente o Direito Humano à autodeterminação, separar-se da Bósnia e Herzegovina, e quiçá ajudar depois a fazer uma Sérvia maior. Obviamente chovem ameaças e previsões de nova guerra, por parte dos cartilheiros do regime ocidental. Double standards, what else?

Mas isto levou-me a ler novamente artigos sobre a forma como o Montenegro se tornou “independente” (anexado à UE/NATO). E só posso dizer que recomendo. Desde os apenas 2 mil votos que tudo decidiram (menos que o total de votos nulos ou brancos), às polémicas e irregularidades, às histórias de corrupção e compra de votos e pressões inadmissíveis a trabalhadores do Estado, às bandeirinhas da UE numa das campanhas… e à divisão territorial das intenções de voto, com uma metade claramente contra a independência, valeu tudo. Uma leitura que é uma risota revoltante. Visto com os meus olhos de hoje, ficou claro para mim: foi um Maidan. Feito com cruzes num papel em vez de balas. Mas ainda assim um Maidan. Um golpe para despedaçar um país, em nome dos interesses do império genocida ocidental. Nada mais. Hoje a Sérvia não tem acesso ao mar. E o Montenegro é uma amostra de país. Mais um voto na ONU para fazer de conta que o Ocidente (15% do Mundo) tem muitos votos e “não está isolado”. Orwelliano demais!

Falei de tanta coisa que parece diferente, mas isto está tudo ligado. E a cola que liga as peças, é produzida em Langley, Virgínia – sede da CIA. Se o que produz ficasse dentro do muro, não havia mal. Mas infelizmente anda pelos lados de cá muito snifador viciado nessa cola…


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

O Escorpião picará o Sapo dos EUA?

(Alastair Crooke, in Sakerlatam.org, 22/11/2023)

Netanyahu está preparando o terreno para uma armadilha à Administração Biden, ao manobrar para que os EUA não tenham outra escolha senão juntarem-se a Israel.


A alegoria é aquela em que um escorpião depende do sapo para atravessar um rio inundado, pegando uma carona nas costas do sapo. A rã desconfia do escorpião; mas relutantemente concorda. Durante a travessia, o escorpião pica fatalmente o sapo que nadava no rio, sob o escorpião. Ambos morrem.

É um conto da antiguidade que pretende ilustrar a natureza da tragédia. Uma tragédia grega é aquela em que a crise que está no cerne de qualquer “tragédia” não surge por mero acaso. O sentido grego é que a tragédia é onde algo acontece porque tem que acontecer; pela natureza dos participantes; porque os atores envolvidos fazem com que isso aconteça. E eles não têm escolha a não ser fazer isso acontecer, porque essa é a sua natureza.

É uma história que foi contada por um antigo diplomata israelense, bem versado na política dos EUA. A sua narração da fábula da rã fez com que os líderes de Israel se defendessem desesperadamente da responsabilidade pelo desastre de 07 de outubro, com um gabinete a tentar furiosamente transformar a crise (psicologicamente) num desastre culpável – para apresentar ao público israelense, em vez disso, uma imagem de oportunidade épica.

A quimera apresentada é aquela que, ao remontar à ideologia sionista mais antiga, Israel pode transformar a catástrofe em Gaza – como o Ministro das Finanças Smotrich há muito argumentou – numa solução que, de uma vez por todas, “resolva unilateralmente a contradição inerente entre as aspirações judaicas e palestinas” – acabando com a ilusão que qualquer tipo de compromisso, reconciliação ou divisão é possível.

Esta é a potencial picada de escorpião: o gabinete israelense aposta tudo numa estratégia extremamente arriscada – uma nova Nakba – que poderia arrastar Israel para um grande conflito, mas ao fazê-lo também afundaria o que resta do prestígio ocidental.

É claro que, como sublinha o antigo diplomata israelita, esta manobra é essencialmente construída em torno da ambição pessoal de Netanyahu – ele manobra para aliviar as críticas e permanecer no poder enquanto puder. Mais importante ainda, ele espera que isto lhe permita espalhar a culpa, libertando-se de si mesmo de toda e qualquer responsabilidade. [Melhor ainda], “pode colocar Gaza num contexto histórico e épico como um evento que pode tornar o Primeiro-Ministro um líder formativo de grandeza e glória durante a guerra”.

Exagerado? Não necessariamente.

Netanyahu pode estar debatendo-se politicamente pela sobrevivência, mas também é um verdadeiro “crente”. Em seu livro Going to the Wars, o historiador Max Hastings escreve que Netanyahu lhe disse na década de 1970 que: “Na próxima guerra, se fizermos certo, teremos a chance de tirar todos os árabes de lá… Podemos limpar a Cisjordânia, resolver Jerusalém.”

E o que pensa o gabinete israelense sobre a “próxima guerra”? Pensa ‘Hezbullah’. Como observou recentemente um ministro, “depois do Hamas, passaremos a lidar com o Hezbollah”.

É precisamente a confluência de uma longa guerra em Gaza (de acordo com as linhas estabelecidas em 2006) e uma liderança israelense aparentemente com a intenção de provocar o Hizbullah a subir e a subir a escada rolante, que está a fazer com que luzes vermelhas pisquem dentro da Casa Branca, de acordo com o ex-diplomata israelense.

Na guerra de 2006 com o Hezbollah, todo o subúrbio urbano povoado de Beirute – Dahiya – foi arrasado. O General Eizenkot (que comandou as forças israelenses durante a guerra e agora é membro do ‘Gabinete de Guerra’ de Netanyahu) afirmou em 2008: “O que aconteceu no bairro Dahiya de Beirute em 2006 acontecerá em todas as aldeias de onde Israel for alvo de tiros… De do nosso ponto de vista, estas não são aldeias civis, são bases militares… Isto não é uma recomendação. Este é um plano. E foi aprovado.”

Daí o tratamento recebido por Gaza.

Não é provável que o Gabinete de Guerra israelita procure provocar uma invasão em grande escala de Israel pelo Hezbollah (o que representaria uma ameaça existencial); mas Netanyahu e o gabinete talvez gostassem de ver a atual troca de tiros na fronteira norte escalar até ao ponto em que os EUA se sintam compelidos a lançar alguns golpes de alerta sobre a infraestrutura militar do Hezbollah.

Com as FDI já atacando civis a 40 km dentro no Líbano (um carro com uma avó e as suas três sobrinhas foi incinerado na semana passada por um míssil das FDI), a preocupação dos EUA com a escalada é real.

É isto que preocupa a Casa Branca, afirma o diplomata. O Irã confirma que recebeu nada menos que três mensagens dos EUA num dia, dizendo a Teerã que os EUA não procuram guerra com o Irã. E um enviado americano, Amos Hochstein, tem feito rondas em Beirute insistindo que o Hezbollah não deve escalar em resposta aos ataques transfronteiriços israelenses.

“A relutância de Netanyahu em enunciar quaisquer ideias sobre o ‘dia seguinte’ em Gaza – e os grandes e ameaçadores desenvolvimentos crescentes no Líbano – estão criando uma ruptura entre as políticas dos EUA e de Israel, ao ponto de alguns na administração Biden e no Congresso começarem a pensar que Netanyahu está tentando arrastar os americanos para uma guerra com o Irã”.

“[Netanyahu] ‘não está interessado numa segunda frente no norte com o Hezbollah’”, diz o ex-funcionário, acrescentando, no entanto, que eles [na Casa Branca] acreditam que um ataque dos EUA contra as provocações do Irã poderia potencialmente transformar o desastre abjecto de Netanyahu numa espécie de triunfo estratégico.”

“Essa é a mesma lógica complicada que o guiou quando encorajou a sua alma gêmea, o então presidente Donald Trump, a retirar-se unilateralmente do acordo nuclear com o Irã em maio de 2018. Essa foi também a lógica subjacente à sua audiência no Congresso de 2002, encorajando os americanos a invadir Iraque, porque iria “estabilizar a região” e “repercutir” no Irã”.

Esses medos estão no cerne da “tragédia” que “tem que acontecer” – o sapo concordou muito cautelosamente em carregar o escorpião durante a travessia do rio, mas quer uma garantia de que, dada a natureza do escorpião, ele não picará seu benfeitor.

A administração Biden, da mesma forma, não confia em Netanyahu. Ela não deseja “ser picada” por ser arrastada para uma guerra pantanosa com o Irã.

A dor é palpável: o gabinete de Netanyahu está gradual e deliberadamente preparando o terreno para a armadilha à Administração Biden, manobrando para que Washington tenha pouca escolha a não ser juntar-se a Israel, caso a guerra se amplie.

Como em toda tragédia clássica, o desfecho surge porque os atores envolvidos fazem com que ela aconteça; eles não têm escolha a não ser fazer acontecer, porque essa é a natureza deles. “O primeiro-ministro israelense não apenas rejeita qualquer ideia ou pedido vindo de Washington; Netanyahu quer explicitamente que a guerra em Gaza continue indefinidamente, sem qualquer corolário político”, relata o ex-funcionário.

Consideremos também a definição explícita de Jake Sullivan das linhas vermelhas dos EUA: Não há reocupação de Gaza; nenhum deslocamento da sua população; nenhuma redução do seu território; nenhuma desconexão política com as autoridades da Cisjordânia; nenhuma alternativa de tomada de decisão, salvo apenas os palestinos – e nenhum regresso ao status quo ante.

Netanyahu simplesmente rejeita todas estas “linhas” numa única frase: Israel, disse ele, supervisionaria e manteria “a responsabilidade geral pela segurança” por um período de tempo indefinido. De uma só vez, ele mina o objetivo final identificado pelos EUA, deixando-os à mercê dos ventos frios de um sentimento global e interno cada vez mais antipático, e as areias da ampulheta a esgotarem-se.

O “fim do jogo” de Smotrich é evidente: Netanyahu está construindo apoio interno popular para um novo ultimato silencioso para Gaza: “emigração ou aniquilação”. Isto é um anátema para a administração Biden. As décadas de diplomacia americana no Oriente Médio “foram por água abaixo”.

Washington observa com crescente desconforto a “escalada militar horizontal” em toda a região e interroga-se se Israel sobreviverá a este laço cada vez mais apertado. No entanto, os EUA têm apenas meios e tempo limitados para restringir Israel.

O apoio imediato de Biden a Israel está criando turbulência a nível interno e acarretando um preço político que – faltando um ano para as eleições – têm consequências. Talvez fosse “da natureza de Biden” que ele pudesse acreditar que poderia “abraçar” Israel para obedecer aos interesses dos EUA. No entanto, não está funcionando – deixando-o preso com um escorpião nas costas.

Alguns argumentam que a solução é simples: ameaçar cortar o fornecimento de munições ou o financiamento que flui para Israel. Parece simples. Constituiria uma “ameaça” poderosa; mas para que isso acontecesse, seria necessário que Biden enfrentasse o todo-poderoso “Lobby” e o seu forte controle sobre o Congresso. E esta não é uma competição que ele provavelmente venceria. O Congresso está solidamente com Israel.

Alguns sugerem que uma resolução do Conselho de Segurança da ONU [CSNU] poderia impor “um fim ao pesadelo de Gaza”. Mas Israel tem uma longa história de simplesmente ignorar tais resoluções (de 1967 a 1989, o Conselho de Segurança da ONU adoptou 131 resoluções abordando diretamente o conflito árabe-israelense, a maioria das quais teve pouco ou nenhum impacto). Na quarta-feira desta semana, o CSNU aprovou uma resolução apelando a pausas humanitárias. Os EUA abstiveram-se e, muito provavelmente, a resolução será ignorada.

Então, um apelo mundial por uma solução de dois Estados poderia ser melhor? Até agora não aconteceu. Sim, teoricamente o CSNU pode impor uma resolução, mas o Congresso dos EUA “enlouqueceria” se o fizesse e ameaçaria com força qualquer pessoa que tentasse implementá-la.

No entanto, dito sem rodeios, a retórica dos dois Estados não entende o essencial: não é apenas o mundo islâmico que está sofrendo uma furiosa transformação popular – Israel também está. Os israelenses estão zangados e passionais e, com uma maioria esmagadora, aprovam a aniquilação em Gaza.

A contextualização de Netanyahu da guerra de Gaza em termos absolutamente maniqueístas – luz versus escuridão; civilização versus barbárie; Gaza como sede do mal; todos os habitantes de Gaza são cúmplices do mal do Hamas: os palestinos como não-humanos – tudo isto está despertando emoções e memórias israelenses de uma ideologia ao estilo de 1948.

E isto não se limita à Direita – o sentimento popular em Israel está a mudar de liberal-secular para bíblico-escatológico.

O presidente do B’Tselem O Conselho Executivo, Orly Noy, escreveu um artigo – O Público Israelense Abraçou a Doutrina Smotrich – que sublinha como a internalização do “Plano Decisivo” de Smotrich se manifesta no apoio popular à política de “ emigração ou aniquilação” de Israel em Gaza:

“Há seis anos, Bezalel Smotrich, então um jovem membro do Knesset no seu primeiro mandato, publicou o seu pensamento sobre um fim de jogo para o conflito israelo-palestiniano… Em vez de manter a ilusão de que um acordo político é possível, argumentou ele, a questão deve ser resolvida unilateralmente de uma vez por todas.

[A solução Smotrich propôs oferecer] “aos 3 milhões de residentes palestinos uma escolha: renunciar às suas aspirações nacionais e continuar a viver nas suas terras num estatuto inferior, ou emigrar para o estrangeiro. Se, em vez disso, decidirem pegar em armas contra Israel, serão identificados como terroristas e o exército israelense começará a “matar aqueles que precisam de ser mortos”. Quando questionado numa reunião, na qual apresentou o seu plano a figuras religioso-sionistas, se ele também se referia a matar famílias, mulheres e crianças, Smotrich respondeu: “Na guerra como na guerra””.

Orly Noy argumenta que este pensamento não está simplesmente confinado ao Gabinete ou à Direita israelita – pelo contrário, tornou-se dominante. A mídia israelense e o discurso político mostram que, quando se trata do atual ataque das FDI a Gaza, grande parte do público israelense internalizou completamente a lógica do pensamento de Smotrich.

“Na verdade, a opinião pública israelense em relação a Gaza, onde a visão de Smotrich está sendo implementada com uma crueldade que mesmo ele pode não ter previsto, é agora ainda mais extrema do que o próprio texto do plano. Isto porque, na prática, Israel está retirando da agenda a primeira possibilidade que lhe é oferecida – de uma existência inferior e despalestinizada – que até 07 de outubro foi a opção escolhida pela maioria dos israelenses”.

A implicação desta ‘smotricização’ do público é que Israel – como um todo – está tornando-se radicalmente alérgico a qualquer forma de Estado palestino existente. O público, observa ela, passou agora a ver a recusa dos palestinos em submeter-se ao poder dos militares israelenses como uma ameaça existencial em si – e razão suficiente para o seu deslocamento.

Fonte aqui


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.