O presente de despedida de Joe Biden para a América

(Chris Hedges, In Resistir, 22/03/2024)

O Partido Democrata teve uma última oportunidade para implementar o tipo de reformas do New Deal que poderiam salvar-nos de outra presidência de Trump e do fascismo cristão. Fracassou.

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Mais que um negociante, Trump é um mafioso

(Whale project, in Estátua de Sal, 18/02/2024, revisão da Estátua)


(Este artigo resulta de um comentário a um texto que publicámos sobre Trump, ver aqui. Pela sua pertinência, neste momento, resolvi dar-lhe o destaque que, julgo, merece.

Estátua de Sal, 18/02/2024)


A Máfia siciliana surgiu, justamente, como um negócio de proteção. Os agricultores cultivavam pacificamente o seu campo e criavam o seu gado. Entretanto, apareciam no meio da noite ladrões que roubavam o gado e as colheitas, espancando quem lhes fizesse frente. No dia seguinte, o desesperado lavrador recebia a visita de uns sujeitos, bem-falantes, que lhe ofereciam proteção. Era pagar-lhes e nunca mais teria problemas daqueles. Quem recusava podia contar com mais ataques, ou até ser morto, ou ter a casa queimada.

Rapidamente toda a gente se submeteu. Era bem mais seguro pagar do que armar-se em herói, até porque a Máfia também tratou de controlar as autoridades policiais, corrompendo-as e matando quem não entrasse no esquema. Ao longo da história a Máfia foi crescendo, expandindo áreas de negócio e, se hoje parece ter perdido muito da sua força, contínua a ser uma verdadeira praga no Sul de Itália.

Mas não é a história da Máfia que interessa aqui. Interessa é a sua estratégia. Porque a estratégia dos Estados Unidos é a mesma. Criam instabilidade, hostilizam povos à porta da Europa, lançam guerras em todo o lado e depois exigem à Europa que lhes pague proteção. Proteção contra a instabilidade que eles criam.

Mais que um negociante, Trump é um mafioso. Nem mais nem menos. Mas, também os bons democratas falam da necessidade da Europa se rearmar, beneficiando, mais uma vez, a indústria de armamentos americana. Trump é simplesmente mais bombástico e boçal. Mas, estamos a contas com a Máfia, seja lá quem for que por lá ocupe a cadeira do poder. E a necessidade de rearmar vem justamente da instabilidade criada por esta Máfia que, com as suas guerras de agressão, tornou o entorno da Europa muito mais inseguro. E a Europa morde o isco: em vez de procurar a paz fomenta a guerra; temos o Borrell a falar da necessidade de proteger o jardim contra a selva e, por isso, resta-nos mesmo pagar proteção mafiosa.

Trata-se de Máfia, não de negócios. E estão-se nas tintas para os países que são pobres, assolados por secas, e por isso têm muito mais onde gastar o dinheiro que pagar 2% do PIB em proteção mafiosa, leia se comprar armas aos americanos.

Mas as nossas elites, muitas delas só indiretamente eleitas, como a Comissão Europeia, estão-se nas tintas para as nossas vidas e para o facto de haver gente que quase não come para que possamos, todos, pagar a tal proteção mafiosa. Proteção de que não precisaríamos se não andássemos sempre a embarcar nas cantigas deles e de uma Alemanha, que nunca foi desnazificada e que nunca deixou de sonhar com o seu Espaço Vital em terras russas. Proteção de que, certamente, não precisaríamos se engolíssemos o racismo que nos fazia comprar escravos aos tártaros – ou andar a caçá-los por conta própria -, e tratássemos de falar com a Rússia, em vez de tentarmos a escalada da guerra, fomentando um clima de insegurança perpétua à nossa porta.

Porque os mafiosos estão do outro lado do mar. E, se a coisa correr o pior possível, quem vai levar com a maior gordura do cozido somos nós. E, os mafiosos vão assistir de camarote.

Esta cegueira dos dirigentes europeus talvez se explique pela corrupção, arma que a Máfia também usava, quando nasceu na Sicília e continuou a usar à medida que se expandiu. Porque é impossível, que gente com dois dedos de testa acredite mesmo que, se pagarmos essa proteção mafiosa, acabaremos por deitar a mão aos recursos da Rússia pela destruição do seu povo, ou que ache normal a manutenção de um clima de guerra eterna. Corrupção – e, se calhar, algumas ameaças à mistura -, porque ninguém se esqueceu ainda do assassinato de Olof Palme, político muito critico dos métodos da NATO, abatido na rua como caça grossa.

Quem se lixa no meio disto tudo é o mexilhão. Somos nós que andamos a pagar estes circos todos, e depois vamos votar na extrema-direita mafiosa porque a culpa é dos imigrantes, muitos deles fugidos ao caos que os mafiosos criam nas suas terras.

O problema da imigração ilegal na Europa multiplicou-se desde as destruições lançadas pelos mafiosos, com a nossa cumplicidade, no Iraque, na Líbia e na Síria. Mas a culpa é da Rússia. Enquanto pensarmos assim, é pagar à Máfia e não bufar.


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A melhor política é um bom negócio

(Manuel Augusto Araújo, in AbrilAbril, 17/02/2024)

Trump é um político sui generis pela imprevisibilidade que o faz saltar fora dos circuitos mais formatados da política tradicional. Tem os truques dos populistas com todo o fogo de artifício anti-sistema, quando estão bem incrustados num sistema que consolida o neoliberalismo.


As últimas e incendiárias declarações de Trump, quando diz que até aconselharia a Rússia a invadir ou fazer «o que raio quisesse» aos aliados que não gastassem 2% em defesa, colocaram em polvorosa dirigentes e comentadores políticos europeus. Por cá, a cacofonia dos nossos dirigentes e comentadores políticos acertou o passo com eles. Os democratas norte-americanos acusam-no de ser o mais anti-americano dos presidentes e candidatos a presidentes dos EUA, de se vergar aos interesses do Kremlin. Faltou muito pouco para o acusarem de ter desistido do excepcionalismo norte-americano que o fez, nos últimos séculos, promover por todo o mundo guerras, golpes de estado, revoluções coloridas, a panóplia imperialista que desde a sua fundação pôs em marcha o que mais se acentuou quando, depois da II Grande Guerra Mundial, beneficiou largamente do desfazer dos impérios coloniais europeus.

De facto, Donald Trump engrossou a voz num comício na Carolina do Sul, dizendo que iria «encorajar a Rússia a atacar qualquer nação da NATO que não cumprisse o objetivo de gastar 2% do Produto Interno Bruto (PIB) na defesa. Está a apontar para 19 dos 31 países que integram a NATO sem cumprirem esse rácio. Garante a esses países que «não, não vos protegeria. Na verdade, encorajá-los-ia (a Rússia) a fazer o que lhes apetecer. Têm de pagar. Têm de pagar as vossas contas». Acreditará Trump que a Rússia ficou estimulada a invadir esses países? Isso quererá dizer que Trump é um aliado secreto de Putin, como rapidamente circulou nos media e nas redes sociais da propaganda imperialista? As primeiras reacções russas foram  ouvir essas declarações sem surpresa, com indiferença de quem está habituado a assistir a encenações desse jaez.

Há que lembrar que, quando foi pela primeira vez candidato e depois eleito presidente, Trump tinha feito idêntico pronunciamento logo criticado duramente por Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, que pós-eleições foi dos primeiros a ir ao beija-mão na Casa Branca. Espera-se que a cena se repita se os dois reocuparem os cargos que na altura exerciam.

Trump é um político sui generis pela imprevisibilidade que o faz saltar fora dos circuitos mais formatados da política tradicional. Tem os truques dos populistas com todo o fogo de artifício anti-sistema quando estão bem incrustados num sistema que consolida o neoliberalismo, beneficiando os ricos cada vez mais ricos. É um negociante parafascista agarrado à máquina de calcular dos negócios. Quando faz esses bombásticos anúncios espera cobrar dividendos tanto interna como externamente, explorando o estado de sítio que se vive e a bem visível ebulição geoestratégica.

O auge da propaganda nos areópagos europeus é papaguear uma suposta convergência Trump-Putin esquecendo-se, ou melhor, fingindo cinicamente esquecer-se que foi Trump quem rasgou os tratados entre os EUA e a União Soviética que limitavam a proliferação das armas nucleares, dos mísseis balísticos, do controlo de armamentos, atirou para o lixo os acordos com o Irão que limitavam a sua capacidade nuclear, promoveu os chamados acordos de Abraão que consolidavam a posição de Israel no Médio Oriente, mais pôs em práticas comerciais contra a China e que, como o faz novamente hoje, chantageou com algum êxito os seus aliados da NATO para que gastassem 2% do PIB em defesa, o que reduzia os investimentos norte-americanos com a aliança.

O que Trump pretendia, e de algum modo conseguiu, foi na política externa novamente ameaçar a Federação Russa e países que lhe são próximos, compelindo-os a aumentarem despesas com o armamento, internamente redirigindo as poupanças com as contribuições para a NATO para investimentos direccionados para o complexo militar-industrial-tecnológico norte-americano.

Espera que esse influentíssimo conglomerado o prefira aos democratas. Sabe, até bem demais, que essa gente vai dando suporte tanto a democratas como republicanos, mudando de canto nos combates de wrestling que estes encenam, apoiando conforme as circunstâncias uns ou outros em função dos prometidos sucessos económicos. Cotejem-se -se as contribuições para as campanhas eleitorais nos últimos decénios e a coincidência entre os eleitos e o volume desses aportes monetários. 

Esses incendiários pregões dirigem-se mais para o interior dos EUA que para o exterior, pouco se preocupando com o efeito do seu ribombar na Europa que se arrasta numa crise económica por cega vassalagem de que os principais beneficiários são os norte-americanos. Democratas e republicanos estão alinhados com os princípios de política externa definida pelos straussianos, sintetizados por Wolfowitz, que preconizam o enfraquecimento da União Europeia quando hipoteticamente se poderia perfilar como concorrente dos interesses dos EUA. Quer é ser ouvido, como o tinha feito anteriormente quando concorreu com Hillary Clinton, pela média e pequena burguesia, pelos negros e hispânicos cada vez mais empurrados para os limites de sobrevivência pelas políticas económicas dos democratas, políticas que Michael Hudson e Radhika Desai escalpelizam e classificam como de «apartheid económico» num bem documentado texto – ver aqui.

Donald Trump, como bom populista, explora esse mal-estar generalizado da sociedade norte-americana aprontando-se para cavar um fosso ainda maior entre os super-ricos, os remediados e os pobres, acenando com medidas de incentivo ao investimento privado como ultraliberal que é, mascarando os seus propósitos. Joga com a falta de memória, a desinformação e a intoxicação da opinião pública, os grandes trunfos dos novos fascistas neoliberais e ultraliberais em todo o mundo.

Atente-se na Argentina de Millei, na Itália de Melloni, por cá na Iniciativa Liberal e no Chega, nas derivas de direita por toda a Europa que o seu amigo e conselheiro Steve Bannon tem oleado. O truque é acenar com uma redução dos gastos na NATO reorientando-nos para a economia interna, o que num país muito fechado sobre si próprio funciona perfeitamente, sobretudo quando Biden a tem afundado. 

A NATO para Trump é tão instrumental como o tem sido desde a sua fundação para os EUA. A diferença é que quer extrair o máximo lucro com o menor investimento. Espalha o pânico numa frágil Europa esperando que além dos reclamados 2% de contribuições o alarme provocado na UE a levem a reforçar o denominado Mecanismo Europeu para a Paz, a armadura guerreira da União Europeia, com que muito está a lucrar o complexo-militar-tecnológico norte-americano. O mecanismo é simples, mesmo primário, os antigos países do Pacto de Varsóvia, actualmente membros da NATO, têm-se desfeito dos arsenais herdados da União Soviética enviando-os para a Ucrânia enquanto os modernizam adquirindo-os aos EUA, utilizando os dinheiros desse fundo. A Polónia é o melhor exemplo dessa engrenagem que está a desenhar na Europa um novo eixo Washington-Londres-Varsóvia que se aproveita dos desvalimentos da Alemanha e da França para se ir impondo, substituindo o de Berlim-Paris, que desde a fundação da UE era dominante.

Paralelamente, os EUA incentivando as sanções contra a Rússia aceleraram a crise económica na Europa tornando-a incapaz de se revitalizar, garroteando-a com os preços de energia que impôs, tornando-se o principal fornecedor em substituição dos muito mais baratos russos, praticando agressivas políticas proteccionistas de incentivo à produção e consumo internos que encurralam a Europa, desviando investimento directo estrangeiro, fazendo-a perder quotas de exportação para os EUA, debilitando a sua competitividade nos mercados internacionais, o que é bem visível, sobretudo, na Alemanha que era o seu motor, em que a deslocalização de empresas e a recessão técnica é uma realidade. 

Trump o que anuncia é o agravamento dessa situação exigindo que os cada vez mais escassos recursos europeus sejam aplicados numa política de defesa que só beneficia os EUA. Simultaneamente, afirma que com ele a guerra na Ucrânia acaba em dois dias. Fá-lo bem ancorado nos seus princípios de caixeiro viajante da política que olha para o fim dessa guerra como um bom negócio para os EUA.

Não é melhor nem pior que os democratas que farisaicamente afirmam altissonantemente que estão a defender a democracia e a liberdade, uma intrujice com que travestem as ferramentas do expansionismo norte-americano. Pragmaticamente Trump considera que mais aplicações de capital na Ucrânia deixaram de ser necessárias, devem começar a ser rentabilizadas, daí a sua urgência na paz. Sabe que a direcção, a orientação, a captação de fundos, nomeadamente europeus, para o grande negócio da sua reconstrução vai ser comandada por um conglomerado administrado pelo fundo abutre de investimentos Blackrock e pelo JP Morgan Chase que já o apresentaram em Londres aos investidores prometendo chorudos lucros.

Tudo está a correr maravilhosamente nos carris até porque a Blackrock é actualmente quem de facto controla e dirige as finanças ucranianas, todos os investimentos passam pelo seu crivo. Simultaneamente, a camarilha Zelensky introduziu uma alteração constitucional que permitiu que os férteis terrenos agrícolas que anteriormente só poderiam ser detidos por pessoas singulares ou colectivas aborígenes pudessem ser propriedade de estrangeiros. A resultante é que hoje mais de 65% desses terrenos são propriedade de multinacionais como a Bayer/Monsanto e Cargill que estão prontas para abocanhar mais uns milhares de hectares. Os oligarcas norte-americanos esfregam as mãos com essas perspectivas de mui frutuosos negócios, ainda para mais agilizados pela corrupção que cavalga à rédea solta por aquelas paragens. 

As políticas preconizadas por Trump têm esses objectivos no horizonte. Nenhum princípio o trava, aliás não tem princípios, tudo para ele é um negócio. O Make American Great é uma barganha que, no interior dos EUA, aprofunda as diferenças entre os ricos e a restante população, no plano internacional coloca os aliados a reboque, enfraquecendo-os e tornando-os mais dependentes dos interesses norte-americanos, imaginando que os torna mais robustos e capazes de enfrentar a concorrência dos países mais desenvolvidos e em crescimento que se abrigam nos BRICS. Os ventos da história não correm a seu favor, excepto no rufar dos tambores da demagogia pelos estados da união que parecem estar a ecoar mais fortes que o dos democratas. O grande dilema do povo norte-americano, não é de agora, é o de escolher entre dois males, escolher o mal menor, o que promete prolongar por mais tempo o actual estado comatoso do american way of life antes da máquina ser desligada, empenhamento em que os populistas são eficazes.

Nós, por cá, tudo mal enquanto o jardim do Borrell for o pântano em que nos vamos afundando sem qualquer expectação.

Faz parte da propaganda uma quase aliança entre Trump e Putin, o que é difundido pelos falcões e neo-cons democratas, atirando para o limbo da memória, mas que deve-se sempre recordar, que foi Trump quem rasgou os acordos entre a União Soviética e os EUA, a que a Federação Russa tinha dado continuidade, sobre armas nucleares, mísseis balísticos nucleares e convencionais, sobre limitações de armamento que acabaram por dar novo impulso ao complexo militar-industrial-tecnológico dos EUA . Não esquecer que não foi Trump mas Clinton e depois Obama que puseram fim às leis anti-monopolistas da lei Glass-Seagall, escancarando as portas para a actual financeirização da economia norte-americana para a ascensão dos fundos de investimento que adquiriram a preponderância, para a submissão a uma dívida sempre em aceleração que a tornam impagável mas ainda sustentada por um dólar ainda dominante mas cada vez mais irrelevante nas transacções internacionais.

O que os comentários esquecem é que são poucas as diferenças entre um Steve Bannon e uma Victória «que se foda a Europa» Nuland, ambos pondo em prática de forma diversa as políticas dos neo-cons democratas e republicanos. Houve de facto um reduzir da actividade de golpes de estado, bombardeamentos a outros países, revoluções coloridas durante o período de Trump o que se deveu unicamente a outras prioridades económicas. Isso é aproveitado pela desvairada propaganda dos falcões democratas para inventar uma suposta aliança entre Putin e Trump e para dar um novo furor ao complexo militar-industrial e tecnológico, sobretudo com a guerra na Ucrânia que estamos todos a pagar.

A idiotia generalizada nem sequer percebe que o chamado fundo para o Mecanismo Europeu para a Paz o financia, de que a Polónia, não sendo o único é o melhor exemplo, quando envia armas do tempo do Pacto de Varsóvia para a Ucrânia e compra novas armas aos EUA. Na realidade Biden, Trump, Putin trabalham e são apoiados pelas suas oligarquias locais o que provoca as variáveis políticas de todos conhecida. O alvoroço dos comentários emitidos ignoram, a mais das vezes malevolamente, toda essa realidade só possível pela intoxicação promovida pela comunicação social mercenária ao serviço do pensamento dominante dos grandes interesses económico e financeiros, não distinguindo a ponta do icebergue do muito que está oculto. Mas esse é o estado de sítio que vivemos.

Lamentavelmente, muita gente bem intencionada não consegue ultrapassar o nevoeiro das balelas da comunicação social mercenária que tem até o aspecto curioso de jornais norte-americanos, que são caixas de ressonância da Casa Branca, Pentágono, CIA, NSA, FED, sistema económico-financeiro darem notícias mais críticas da realidade que se vive do que os da caduca Europa. 


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