Bilderberg: A Câmara Corporativa global

(Hugo Dionísio, in Facebook, 25/05/2023)

As contradições entre o discurso proferido e a prática são tão presentes e monstruosas que, como uma qualquer mobília caseira, por elas passa o povo sem as ver, seguro que está de que, mesmo não as olhando, elas, inamovíveis, inexoráveis, incontornáveis, se encontram lá, intocadas, ocultadas pela indiferença de uns, pela cobardia de muitos e pela ignorância, de outros. É assim! É pelo peso excessivo da sua presença, que as ameaçadoras contradições, que tão árdua e crescentemente moldam as nossas vidas, são mantidas secretas.

Olhar para estas contradições é penoso, revoltante e tortuoso. O olhar deixa-nos revoltados, primeiro, para depois vir a amargura, a frustração, a depressão e, por fim, a indiferença causada pela sensação de impotência. Esta sensação de impotência também pode, no ignorante – sem culpa assim tornado -, ser transformada em ódio, regra geral, contra os menos culpados, contra os elos mais fracos de uma realidade que oprime de forma directa, mas também subliminar… Uma opressão que tantas vezes deixa escondida a sua origem real, a sua natureza e a sua causa. As consequências esmagam-nos com a sua realidade concreta, mas são as causas que oprimem.

É assim que sinto o que se passou em Lisboa, por estes dias, com a realização da 69ª sessão do Bilderberg. Antes totalmente secreto, não foi sem ameaça e vítimas que se tornou visível. Mas, uma vez mais, “visível”, não significa “reconhecível” ou “identificável” em relação ao que realmente é. Uma vez mais, o Bilderberg é uma das causas da contradição que nos esmaga.

O Bilderberg, assim chamado porque nasceu no Hotel Bilderberg nos Países Baixos, por iniciativa das pessoas mais ricas e influentes do mundo. À data, desse mundo constavam gente importante como a coroa britânica, neerlandesa, gente do clube de Roma e muitos outros, tratando-se de um clube restrito que constitui, na prática, a Câmara Corporativa do Império anglo-saxónico, conjugando os mais importantes interesses políticos dos partidos da governação (ministros presentes e futuros), os mais relevantes interesses económicos, comunicação social e defesa. A Indústria, hoje, ocupa um lugar pouco importante, tendo sido trocada pelas tecnológicas da internet.

Gente eleita pelo poder que o dinheiro compra dedica-se, durante alguns dias, a discutir o domínio do mundo e a sua repartição pelos interessados aí representados. Qualquer sinal de democracia é uma mera miragem ou utopia irrealizável. A democracia liberal, na sua forma milenar, garante a eleição dos mais fidedignos governantes que o dinheiro consegue comprar e a comunicação social promover, não mais sendo do que o instrumento histórico que garante um reinado sem convulsões, estabilizadas e desarmadas que ficam nas mentes e nas massas.

Para se ter uma ideia do “peso” real destas coisas da “democracia”, de Mário Soares para cá, apenas Passos Coelho não foi pré-aprovado pelo Bilderberg! Nada que não se tenha resolvido com uma presença após a eleição. Mas este facto marca tanto que, Passos não tem poiso nas mais importantes estruturas do poder ocidental. Para além dos Primeiros-ministros, já lá foram receber a bênção imperial e a cassette ideológica muitas outras figuras, de Medina a Rio, passando por Portas e muitos outros possíveis governadores. Apenas contam os dispostos a prosseguir o reinado neoliberal. Ninguém mais. Os identitários, que também os cá temos, disfarçados de “esquerda radical” fazendo o trabalho do Império, ficam na Open Society de George Soros. A Iniciativa Liberal está hoje representada também, através dos CEO’s  do costume.

Passar pelo Bilderberg significa a iniciação nas coisas dos Deuses, significa sair da maralha que constitui o comum dos mortais, o acesso aos segredos divinos. E não se pense que é porta aberta a qualquer um que o consiga. Implica passar por determinados locais, principalmente durante a fase de estudo, pois são esses locais que garantem a formação (ou formatação) de ouro, platina ou diamante. Não acreditem quando vos disserem que um determinado “jovem” levantou (raise) milhões em investimento para uma start-up. Esse “jovem” teve de passar por determinados locais, ou não lhe colocam o dinheiro nas mãos. Desculpem revelar-vos que as portas do Olimpo não são igualitárias!

Para se ter uma ideia da importância destas coisas, este ano discute-se a Ucrânia, claro, a desdolarização, como não poderia deixar de ser, a “liderança” dos EUA no Mundo (não lhes chega o Ocidente), inteligência artificial para nos invadir as mentes, a China, India e Rússia, como factores dissonantes…

Se há guerra mundial; se o regime neonazi do comediante louco continua a receber armas, mercenários africanos e árabes a quem prometem dinheiro e cidadania europeia; se o regime que ocupa a Ucrânia continua a receber biliões dos nossos impostos; se o tik-tok é proibido – e com ele o acesso da China às coisas das mentes, do conhecimento e do dinheiro; se os nossos dados pessoais continuam ao dispor da CIA e FBI; se a soberania dos Estados-membros da EU se continua a degradar; se a EU continua a comportar-se como uma região administrativa do estado de Washington DC; se a inteligência artificial é colocada ao serviço da Humanidade ou dos interesses económicos… Entre outras decisões importantes, é ali que encontram a resposta que lhe trilha o caminho subsequente, mais tarde constatável nos “actos” de Úrsula, nas prioridades de Costa, nos ataques de Montenegro, nas efabulações da IL, na propaganda de Portas ou nos achaques de Costa. Nada sai fora da caixa, nem um milímetro…

O site noticioso http://www.epoch.com divulgou a lista de presentes. Entre as gentes da NATO, Comissão Europeia, Casa Branca e muitos ministros, é só escolherem entre banqueiros, CEO’s de tecnológicas, barões da comunicação social e jornalistas (os futuros directores de redacção é aqui que recebem a confirmação de um estrelato programado e recebem a medalha da ordem da propaganda do império), dissidentes russos, chineses e turcos, grandes firmas de advogados, todos, todos, mas mesmos todos, apenas do Ocidente.  De Portugal a lista é a seguinte:

•            Pinto Balsemão (o pólo de contacto para o país)

•            Durão Barroso (não há maior servidor que este!!!)

•            José Luis Arnaut

•            Duarte Moreira da “Zero Partners” (consultoria financeira)

•            Nuno Sebastião da Feedzai (start-up’s tecnológicas, unicórnios e outras formas de exploração)

•            Miguel Stilwell de Andrade da EDP

•            Filipe Silva da Galp

O quê? Acham que se chega a “CEO” de uma coisas destas, a “partner” de uma coisa daquelas, a ministeriável de um país da NATO, sem a devida bênção de quem realmente detém o poder de criar e destruir, com sanções, embargos, guerras e bloqueios tudo o que vive, nasce, cresce e morre? Acordem, que o processo é muito “democrático”. É esta a “eleição” que realmente conta! Quem ganhar esta “eleição”, passa a poder ganhar as outras todas!

Como? Sim… É esta verdadeira “eleição original”, uma primária a sério, que conta. Ganhando esta, um servidor fica capacitado para receber os milionários apoios financeiros, humanos e logísticos que compram tempo de antena nas TV’s, horas de comentário em hora nobre, convites para conferências e seminários televisionados, avenças em programas de encher chouriços e boa imprensa… Todo um exército a louvar as suas qualidades enquanto “eleito”. Esta “eleição”, a par de outras, como a da ida a Davos, funciona como um sinal apenas reconhecível pelos da mesma espécie. Todos os membros da matilha recebem o sinal, reconhecem-no e sabem como se comportar face ao mesmo. A partir daí, nasce um novo génio da lâmpada que nos passa a ofuscar a vida. Em vez de concretizar desejos, impede-os de se concretizarem. E o facto é que, a cada eleição, o povão afaga a lâmpada e sai sempre a mesma magia: o fim dos seus desejos e a constatação da terrível realidade.

Eis o que significa a “democracia” liberal. Lamento desiludir-vos… Mas, se pensavam que aquelas directivas comunitárias que se discutem no Parlamento Europeu, aquelas iniciativas da Comissão Europeia de que Úrsula tanto se orgulha e tantas agendas para isto e para aquilo que são aplicadas, as “recomendações” do semestre europeu, vinham mesmo do povo, como numa democracia, ou dos representantes do povo, como numa democracia representativa…. Lamento desiludir-vos, uma vez mais. Perante vós apenas tendes servidores e todos os “valores” europeus, não passam de buracos negros vazios de vida que nos sugam para a morte e a desgraça. A governação não passa de um processo de aplicação de regras estandardizadas que têm de ser seguidas, sob pena de punição severa.

Para terem uma ideia da forma como esta gente olha para o mundo e para os seres humanos que têm o “azar” de não pertencerem a esta meia dúzia de brancos iluminados, aqui ficam dois exemplos:

•            Na Inglaterra os migrantes passaram a ser monitorizados 24/7 com pulseiras electrónicas como um qualquer cão que leva o chip. A gravidade assume proporções olímpicas quando o Primeiro-Ministro deste país, de ascendência indiana, permite a privatização das políticas de migração, o que levou cinco empresas do sector a afirmarem esta bela coisa: Multimilionário não é sinónimo de “livre”, muito pelo contrário;

•            Na Florida (EUA) os cidadãos chineses foram proibidos, por lei, de comprarem propriedade (imobiliária, participações sociais em empresas, por exemplo), apenas e só por serem chineses. Isto acontece num estado governado por um descendente de migrantes Italianos. Se és chinês, levas com um carimbo da foice e martelo e… A ver vamos onde chega. Se não chegará onde tantas vezes já se chegou na história humana.

Isto são apenas dois exemplos do nível de traição de que esta gente é capaz. Depois falam do “crédito social” experimental na China. Mas poderíamos ir mais longe, nomeadamente a tudo o que é feito que nos trama as vidas (privatizações, PPP’s, perdões e isenções fiscais, concessões de exploração, reformas laborais, reformas dos serviços públicos, etc…), tudo sob a bandeira da “democracia” e “liberdade”, para acabarmos, todos os dias, mais prisioneiros da indigência.

Todos os dias acordamos um pouco mais pobres, todos os dias, pelo menos de há 20 anos a esta parte!Podem agradece-lo também ao Bilderberg e aos vossos milionários preferidos! Tudo é negociado na Câmara Corporativa Global.


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

Confronto no Bilderberg 2017

(Thierry Meyssan, in RedeVoltaire, 06/06/2017)


Na altura em que o Presidente Trump parece ter, mais ou menos, regulado os seus problemas de autoridade interna o conflito desloca-se para o seio da OTAN: Washington advoga contra o uso manipulador do terrorismo, enquanto Londres não pensa abandonar uma ferramenta tão eficaz aos seus interesses. O Grupo de Bilderberg, inicialmente organizado como uma caixa de ressonância da Aliança, acaba de se tornar no palco de um difícil debate entre partidários e adversários do imperialismo no Médio Oriente (…)


Continuar a ler aqui: Confronto no Bilderberg 2017, Thierry Meyssan

A caixa dos segredos

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 18/06/2016)

AUTOR

                                    Miguel Sousa Tavares

1 Foi eloquente o debate parlamentar acerca da falência oficiosa da Caixa Geral de Depósitos (oficiosa e não oficial, porque, por definição, tudo o que é do Estado não vai à falência enquanto houver contribuintes para pagar). No Parlamento, António Costa disse que os termos do financiamento estatal à Caixa estão a ser discutidos com Bruxelas e não os pode agora revelar; que o montante de tal financiamento não está apurado e não pode ser objecto de “especulações”; e que os motivos pelos quais a Caixa vai precisar de nova injecção de dinheiros públicos são do domínio da “arqueologia”, enquanto a ele só lhe interessa o futuro. Ou seja, e como bem notou Luís Montenegro, depois do facto consumado e de tudo decidido, pode ser que o PM faça o favor de explicar aos deputados e aos contribuintes qual é a factura e como será paga. Mais do que isso — apurar, por exemplo, quem, como, quando, porquê, a mando de quem, e perante o olhar impávido de quem, fez o banco público mergulhar num buraco sem fundo à vista, isso não é da conta dos pagadores.

A comissão de inquérito proposta pelo PSD (em termos nada inocentes, reconheça-se) é vista pelo PS como “uma devassa pública” e pelo PCP como uma tentativa de enfraquecer a Caixa e abrir caminho à sua privatização: palavra de honra, foi isto que eles disseram! Para o PS, é mais importante proteger gestões como as do sr. Armando Vara e companheiros de aventura do que apurar responsabilidades eventuais e garantir que tal não volta a acontecer. Para o PCP, é mais importante manter a ficção de que a Caixa é boa porque é pública, apoia as pequeninas e médias empresas e rege-se por outras regras que os privados não respeitam do que enfrentar a verdade de que todos desconfiam: que o banco público tem sido, ao longo dos anos, um refúgio de reformados de luxo da política, de incompetentes e de oportunistas, um lugar de negócios de favor e financiamento, não de pequenas e médias empresas, mas sim de grandes empresas e grandes negócios — como prova a lista dos seus principais devedores e das “imparidades” (leia-se calotes) a que agora temos de acorrer. De facto, explicar por que razão a Caixa espetou, por exemplo, 380 milhões de euros (!) num aldeamento turístico algarvio só pode interessar a arqueólogos. E nós somos apenas pagadores de impostos. Siga o baile, porque vergonha não o tolhe.


2 Ao longo dos últimos cinco anos, de cada vez que ouvia as notícias sobre os prejuízos de gestão da Caixa, sobre as sucessivas injecções de tesouraria que o Estado lhe dava, sobre os 1600 milhões que lhe emprestou ao abrigo do programa da troika, eu perguntava-me: “Mas o que se passa ali? Não se passa nada? Porque será que ninguém acha isto estranho?” Tal qual como no BES e no Banif, parece que só depois de a casa ter pegado fogo é que os responsáveis governamentais se preocuparam. Vi que a drª Maria Luís Albuquerque foi convidada do dr. Durão Barroso (sempre tão previsível nos seus convites…) para participar na sessão anual do selecto e resguardado Grupo de Bilderberg. Não sei, obviamente, o que ela terá lá ido dizer, mas a única comunicação interessante que consigo imaginar da sua parte seria uma com o título “Como em três anos de ministra das Finanças vi falirem três bancos, com toda a tranquilidade e boa consciência da minha parte”.


3 O ‘Brexit’ é aterrador pelo buraco negro que vai abrir na Europa. Mas mais aterrador ainda será a eleição de Trump nos Estados Unidos. Juntem-lhe os refugiados, o terrorismo, a desaceleração económica global, a convergência estratégica e ideológica da extrema-direita e da extrema-esquerda num nacionalismo populista, e o panorama é assustador. Mas há mais: há a NATO, que se está a tornar uma ameaça crescente à paz mundial e europeia, sob a liderança do sr. Jens Stoltenberg, um pirómano que repete mentiras e falsidades e corre a Europa apelando ao rearmamento, com um discurso de guerra-fria, todo ele apontado à Rússia como o inimigo a enfrentar. O pretexto é a anexação da Crimeia (que antes havia sido anexada à Ucrânia numa noite de bebedeira do secretário-geral do PCUS, o ucraniano Khrushchov). Talvez eu tenha andado distraído, mas não me consta que o regresso da Crimeia à Rússia tenha desencadeado algum tipo de resistência interna ou mesmo de simples oposição: há algum movimento de resistência na Crimeia a defender a sua devolução à Ucrânia?

Mas Stoltenberg afirma que a Crimeia é só o primeiro passo para o que ele garante ser o desejo expansionista da Rússia. E assim, antes que este se venha a consumar, a NATO expande-se militarmente para as fronteiras da Rússia — para a Polónia e países bálticos, onde vai instalar quatro brigadas, de dezassete previstas, e cujo tipo de armamento será decidido na próxima cimeira de 8 de Julho, em Varsóvia. Isto faz-vos lembrar alguma coisa, a crise dos mísseis em Cuba, por exemplo?

Paralelamente, a NATO estuda também a instalação de um sistema antiescudos de mísseis, num largo círculo em volta da Rússia. Isto, dizem os russos com inteira razão, é reverter o “equilíbrio do terror”: se o escudo antimísseis, inventado pelos americanos e copiado pelos russos, garante que um ataque surpresa com mísseis pode ser bloqueado por quem sofre o ataque, a instalação de um sistema que, por sua vez, bloqueia o escudo deixa esse país completamente vulnerável. Porque quererá a NATO, então, tornar os russos vulneráveis? O sistema, explica Stoltenberg, não é contra os russos, é contra a instabilidade no Médio Oriente (a mesma região para a qual a França e os Estados Unidos não param de aumentar as suas exportações de armamento). Quanto às necessidades de rearmamento entre os aliados da NATO, tão insistentemente reclamadas por Stoltenberg, os números desmentem-no: em 2015, os Estados Unidos gastaram 596 mil milhões de dólares com a defesa, a Inglaterra gastou 55.500 milhões e a França 50.900 milhões. Comparativamente, o “inimigo”, a Rússia, gastou 66.400 milhões — menos do que os 87.200 milhões gastos pela Arábia Saudita, armada por EUA e França (“Le Monde”, 14 de Junho, 2016). Aparentemente, alguém espera uma guerra, mas não me parece que seja o “inimigo”.

Esta quarta-feira, os estrategos da NATO — como de costume, sem consulta aos seus membros, como Portugal — definiram um novo conceito de “acto de guerra” por parte do inimigo. Qualquer “ciberataque” ou intrusão nas comunicações classificadas de um membro da NATO (excluindo, obviamente, as escutas montadas pelos americanos aos telefones de François Hollande ou Angela Merkel) devem ser vistos como um acto de guerra, susceptível de, nos termos da Carta da NATO, desencadear uma reacção militar de autodefesa por parte de toda a Aliança.

Aparentemente, há mesmo alguém com desejo de guerra, e estas brincadeiras estão a tornar-se coisas sérias. E os jogos de guerra, como os exercícios de forças combinadas no Báltico (o equivalente ao que seria um exercício aeronaval russo ao largo da costa de França), deixam pouca diferença entre o treino e a provocação. No lugar de Marcelo Rebelo de Sousa, eu pensava duas vezes antes de ir visitar as tropas portuguesas na Lituânia. Com a NATO à solta por aquelas bandas, os tempos não estão para viagens de cortesia.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia