(Hugo Dionísio, in Facebook, 11/04/2023)

Se houvesse um instrumento de medição que funcionasse como “pânicômetro”, as galinhas atlantistas rebentariam com a escala. Nem todo o “bullying” saído da fábrica de terror que é a Casa Branca, conseguiria colocar uma ordem na forma como se comporta o galinheiro.
A última “macronada” foi recebida com mais um ataque de pânico em Washington. Ainda atónitos, com o sucesso da cimeira Xi-Putin, e de ressaca incurável pela forma como o mundo além-NATO recebeu as conclusões, Blinken, Nulland e demais cabeças pensadoras, aproveitando a viagem de Macron à China, pensaram: “bem, se eles não nos recebem, talvez possamos instruir Macron a fazer, à China, o que lhe fazemos nós, a ele”, ou seja, bullying. A instrução foi clara, “vais tratar de afastar a China da Rússia”.
Não obstante, face ao histórico narcisismo “macroniano”, os EUA, sempre desconfiados até da sua própria sombra, aparelharam a fiel, leal, missionária e religiosamente crente Úrsula, e introduziram-lhe um algoritmo apenas contendo uma ordem: “vais acompanhar Macron e vais guardá-lo e protegê-lo de si próprio”. Úrsula, preparando-se para uma viagem que claramente não foi planeada, nem pestanejou. “Contas são contas… Ordens são ordens… Leis são leis… Regras são regras e valores são valores…” “O que Deus faz, o ser mortal não questiona”, terá ela pensado, com o seu habitual tom autoconvencido.
Se, depois do que se passou em Moscovo, alguém pensou que uma missionária e um vassalo narcisista seriam suficientes, por muito bullying que fizessem, para levar Xi e o PCC a mudarem de posição quanto ao seu parceiro estratégico… Tiveram a resposta na mesa em que foram recebidos. Uma mesa redonda, de tamanho gigantesco, com as distâncias entre os intervenientes meticulosamente calculadas. Não sendo original (Macron já tinha passado pelo mesmo em Moscovo), sabendo-se do critério, minucia e rigor que caracterizam a actuação chinesa no que toca às relações diplomáticas… Nada disto foi por acaso.
A diplomacia chinesa encarregou-se de mostrar que a distância geográfica entre as duas civilizações é transposta para a sala de reuniões, como que dizendo: “com essa senhora na sala, nem uma reunião presencial vos ajuda a vencer tal distanciamento”. Só esta gente para pensar que um presidente, que leva um país, em 11 anos (de 2010 a 2021), a passar de um PIB de 7,55 para 15,8 triliões (em dólares), ou de 12,38 para 27,1 triliões (em Paridade de Poder de Compra), o tenha feito seguindo a cabeça de outros. E ainda não estão convencidos, porque de seguida já vão para lá Annalena Baerbock e uma delegação da U E. Ou vão para o bullying, ou vão para o beija-mão…
Mas não se pense que a distância simetricamente calculada, entre os três, era equânime. Não! A distância, na mesa, só existe com Úrsula presente. Ou seja, no quadro da U E, a distância é enorme, está a dois oceanos de distância. No quadro nacional, da França, de Portugal, da Alemanha ou da Itália, a distância pode ser curta e nem implicar a navegação por mar. Daí que Macron tenha sido recebido, com proximidade e a sós, com o presidente Xi. Se acham que com Úrsula, a distância era por acaso… então não conhecem a sofisticação da milenar diplomacia chinesa.
Se, na reunião a três –, que a carcereira Úrsula se encarregou de vigiar – só se falou em Ucrânia; já na reunião a dois, a coisa foi diferente. É claro, para a fotografia, a Ucrânia foi um dos pratos principais… mas, na penumbra, no resguardo da intimidade, Macron foi “persuadido” pelos mais gigantescos e magnânimos acordos comerciais, de investigação e cooperação que a sua mente poderia conceber. Todo o “bullying” que a fábrica de dólares consegue produzir, é insuficiente para bloquear os sonhos de quem prometeu “deixar marca na história francesa”. Essa marca depende dos “negócios da China”, local para onde se deslocou o centro da actividade económica mundial. Como disse um Miguel Esteves Cardoso aquando do mundial: “vão para lá com os seus discursos de moral, mas felizmente são corruptos” (qualquer coisa assim).
Os números não mentem: em 1992, ou seja, logo depois do fim da URSS, o PIB europeu era ligeiramente superior ao americano (6,75 para 6,52 triliões); em 1995 já era igual e em 1999, os EUA já nos tinham passado. Dez anos de controlo da Rússia e da Europa de leste e, apesar dos constantes alargamentos, os EUA puderam passar-nos à frente em produção de valor. Talvez um António da Costa da vida não veja a significância profunda destas coisas… Mas, duvido que um francês chauvinista como Macron não o veja. E bem que vê, também, o papel do dólar e do euro no processo.
Três datas chave para a engorda dos EUA à custa dos povos europeus: Tratado de Maastricht em 1993, que introduz um conjunto de critérios orçamentais que visam limitar a capacidade de investimento público, passando os países a dependerem especialmente do investimento privado; a introdução do Euro em 2000, moeda que, como disse Michael Hudson, foi criada para conter as economias europeias dentro e padrões cambiais “aceitáveis” para Washington; Tratado de Lisboa 2009, que reforça os critérios orçamentais e estabelece instrumentos, mais apertados, de controlo central a partir de Bruxelas, totalmente manietada por Washington.
Uma vez mais… os números não mentem: controlando a dívida pública e impedindo, assim, o investimento público (não é “investimento virtuoso”), a distância entre a economia americana e a europeia vai aumentando à velocidade de, mais um trilião de dólares de diferença, a favor dos EUA, a cada 5 anos (em 2000, a U E tinha 11,26, os EUA 13,75, em 2021, a U E 14,68, os EUA 20,53). Os EUA a engordarem também à custa do empobrecimento dos povos europeus.
Se uma personagem como Cravinho, ministro português dos Negócios Estrangeiros (Ministério que deveria ser rebaptizado de Departamento Provincial da NATO) é incapaz de se questionar sobre esta dualidade, em tal nos levando a crer quando diz que “prenderia Putin” se este cá viesse, mesmo sabendo estar a submeter o país a um acto de guerra e conhecendo a forma, conteúdo e natureza da decisão acusatória do TPI; se um dos comentadores mais palavrosos da nossa praça – Marques Lopes de sua graça – agradece a Biden o facto de este ser “um grande presidente”, mesmo arrastando a Europa – e o seu país e povo – para a indigência… Macron, tendo colocado o seu país em chamas, não se pode dar ao luxo de fingir que não vê o extintor económico que o pode salvar!
Os franceses podem ser muita coisa, mas não são servis. E eis que, o mesmo Macron que, com Úrsula ao lado, tanto falou da Ucrânia, foi o mesmo que, chegado da China, disse, a vários órgãos de comunicação, coisas interessantes como: “a Europa tem de resistir à pressão (o bullying, digo eu) para se tornar uma mera seguidora dos EUA”; “o grande risco é a Europa ser arrastada para crises que não lhe digam respeito” … Mas, a melhor de todas, aquela que fez Biden puxar o cordão da campainha de pânico, foi quando ele disse que “a Europa tem de se tornar independente dos EUA e sair da dependência do dólar”!
Ora, não se fez esperar a reacção do outro lado: Marc Rubio, senador republicano pró-guerra, neoconservador, neoliberal e sei lá que mais, não tardou em iniciar o processo habitual: bullying e mais bullying. Marc Rubio questiona: “Macron fala por si, pela França ou pela Europa”? “É que se fala pela Europa, temos de mudar isso”! Lá vem a “revolução colorida” do costume! Daquelas que a “democracia” americana tão bem prepara… fora e em casa, também!
O que teve mais piada nas declarações de Rubio foi quando ele disse que: “os EUA estão a ajudar a Europa na guerra da Ucrânia”, e que, “vão deixar de ajudar se a Europa não os ajudar em Taiwan”. Esta é das ameaças mais vazias que alguém já fez! Estarem a ameaçar deixar uma guerra – na Ucrânia – que eles próprios fomentaram, prepararam e alimentaram, no seu próprio interesse e contra o interesse dos povos europeus… Seria uma salvação, os EUA, deixarem do nos “ajudar” na Ucrânia. Aliás, tendo em conta as sondagens em Taiwan, parece que a maioria também não quer ajudas que matam centenas de milhares na guerra.
Como se tem provado, em grande parte do mundo, de onde os EUA saem, para se concentrar na “ajuda” ucraniana, os povos desavindos fazem a paz. São vitórias diplomáticas chinesas e russas, umas atrás das outras, ao ponto de, há uns dias, Mr. Burns, director da CIA, ter ido a Riade dar conta do desagrado americano com o reatar de relações com o Irão. Se este acto, por si só, não demonstra o “modus operandi” da Casa Branca, do seu “dividir para reinar…” Já não sei o que é preciso.
Mas se, esta reacção de Rubio é, em si, demonstrativa do estado de espírito da elite que governa os EUA e da forma como usam o “bullying” para resolver os problemas, já a forma como Macron age é também reveladora da posição em que esta gente, que se diz governante, se deixa colocar. Uma total falta de frontalidade; uma total falta de clareza.
Se no caso de Úrsula essa questão nunca se colocaria, afinal, não apenas privilegiou a Pfizer face a empresas europeias no Covid, como negociou acordos de matérias-primas e energia com os EUA nas costas dos povos europeus, e além disso, pagando mais por menos e com menos qualidade, já no caso de Macron ou Scholz, as coisas são muito diferentes.
Gente como Scholz e Macron anda a toque de “bullying”, prisioneiros políticos dos “valores” europeus que, afinal, são americanos – ninguém pode negar o decalque que a comunicação europeia faz a partir das posições públicas americanas. Scholz, mesmo com a carcereira Baerbock no seu governo – financiada por Soros e compincha de Úrsula – é apanhado a negociar acordos no ramo automóvel com a Rússia, a renovar o seguro do Nord Stream e a ir à China negociar a deslocalização de grandes empresas alemãs. Macron, mesmo acompanhado da sua carcereira Úrsula, continua a comprar energia à Rússia, a cooperar com a China, tendo saído da reunião com Xi, com mais um pacote de atraentes negócios entre os dois países.
Lá no fundo, o que estas realidades demonstram é que, os 30 anos seguintes à queda da URSS foram uma prisão para grande parte do mundo. Presos à única alternativa – tão obrigatória como única – que existia, traduzida em danosos acordos comerciais com os EUA e seus apêndices, ou em ruinosos acordos de “restruturação e estabilização macroeconómica” do FMI e Banco Mundial, hoje, o êxodo de fuga do dólar demonstra que ninguém estava contente com o sistema. E, na Europa, não se pense que o movimento de resistência não existe. Apenas ainda não teve condições para se afirmar. Marco Rubio já viu o filme todo, a seguir à França, podem vir outros…
Mesmo um país como Portugal, amarrado que está a esta âncora que cada vez mais nos agarra ao fundo – bem que os “nossos” (deles) governos nos falaram em mar – e que mortalmente nos afoga, poderia – e deveria – começar a fazer contas à vida e assumir, de forma frontal, aquela que dizem ser a sua vocação: fazer de ponte para o mundo. Mas não, os governos da alternância do “vira o disco e toca o mesmo” apenas nos transformam num “digital” beco sem saída.
O facto é que, as nações e povos europeus – leia-se a “Europa” -, deparam-se com uma escolha vital: ou definham com Washington que é quem tem o controlo militar e político; ou recriam-se e crescem com o mundo multipolar. Ou ficam com os “valores” vazios do ocidente colectivo, ou caminham no sentido da concretização dos valores reais, abrindo-se ao mundo, de forma soberana, autónoma e livre de amarras e preconceitos reaccionários, que visam resistir à mudança, ao desenvolvimento, ao progresso e à paz entre os povos.
Esta dicotomia, absolutamente contraditória com o discurso de cartilha feito à medida para ser aplicado em cada revolução colorida, em cada invasão ou em cada guerra por procuração, está, ela própria, bem presente na escolha a fazer. Há uns anos diziam-nos que “a economia é que manda”; quem não se lembra de ouvir Passos Coelho e a sua saída da “zona de conforto”; “o mundo está sempre em mudança”; “temos de aceitar a mudança”, repetiam de forma maquinal. Hoje, rejeitam a mudança, resistem e reagem de forma conservadora, repetindo que, agora, “temos de lutar pelos nossos valores”, “os valores europeus”. É impressionante que nos davam sempre com a Venezuela quando queriam falar de “luta por valores” e nos “EUA” quando se tratava de economia e mudança. Dependendo de para cujos bolsos vão os “valores”, assim mudam eles o discurso.
Enquanto os BRICS se tornam BRICS+ e agora BRIICSS, depois da adesão do Irão e da Arábia Saudita, discutem uma nova moeda, na Alemanha fechou uma siderurgia que já tinha quase 700 anos. Porquê? Porque o gás que têm de comprar aos EUA não presta e custa três vezes mais. E o que vai Úrsula fazer à China? Fazer “bulying” pró Washington e regime de Kiev. E o que faz o nosso governo? Aplaude efusivamente. E há cada vez mais gente a dormir na rua.
Na Malásia celebram-se acordos e propõe-se a criação de um Fundo Monetário Asiático, porque segundo o governo do país – vítima de meses de tentativas de ”revolução colorida” -, “não existem razões para depender do dólar e do FMI”, na Europa e em Portugal, vivem-se crises de habitação, inflação e endividamento… O que faz Úrsula? “Bullying” em nome de Biden contra a China. E Cravinho? Faz coro! E, enquanto isso, mais gente a passar fome, roubada pela ganância da grande distribuição!
Na África do Sul boicota-se a venda de armas à Polónia, porque as manda para Kiev, o México celebra acordos para a BRI que trarão enormes benefícios ao país – a tal da “armadilha da dívida” que todos preferem ao FMI -, por cá somos obrigados a ver a Úrsula a negociar acordos de energia e matérias-primas com os EUA, nas costas dos europeus, a preços muito mais caros do que antes. E o que faz a burocrata de Bruxelas na China? Pois… E o que fazem os daqui? E lá vai mais gente para a sopa dos pobres!
É uma tragédia. Enquanto o mundo se tenta levantar, o nosso insiste em cair. Assistimos, como entusiasmados fanboys num qualquer concerto ou jogo de futebol, a uma caminhada, a qual, a cada passo, mais nos leva ao precipício. Vejam lá que, depois de tanto disparate, agora, nos EUA, está-se a montar uma equipa – tipo mafioso, claro – de “especialistas”, paridos no Departamento do Tesouro dos EUA, “em sanções e financiamento do terrorismo”, que virão para a Europa, “convencer” empresas a deixar o mercado russo e os bancos a não financiarem as que resistirem ao assédio. Ou seja, não contentes, vão dedicar-se a fazer “bullying” às nossas próprias empresas e bancos. “Especialistas americanos”, do departamento do tesouro americano a fiscalizarem “sanções europeias” em países europeus… Quanto mais te baixas…. Já dizia o meu avô!
Muita “liberdade” e “democracia” nos discursos, mas a única coisa a que é dada escolha é a de que ricos mandarão em nós. Serão os ricos “A” ou os ricos “B”? São os ricos, ricos, ou são os pobres corrompidos por ricos? Serão os ricos que já eram ricos, ou serão os pobres que querem ser e estar entre os ricos? No final, é disto que trata a governação por bem comportados e competentíssimos quadros formados nas melhores universidades e colégios que os ricos podem pagar, suportar ou manietar! Passar pela Ivy League (Stanford, Harvard…) leva-te a Bruxelas, ao FMI e à NATO…. É selo de marca. A London Business qualquer coisa, dá-te o Ministério das Finanças ou o Banco de Portugal!
Quanto custará ainda a entender que vivemos numa espécie de “a liberdade de uns é a prisão de outros”. Esta “democracia” que finta a vontade popular, imune as escolhas eleitorais ou mesmo revolucionárias, porque tem natureza transnacional, chama-se “Ordem baseada em regras”. Trata-se de uma “ordem” que nos aprisiona, com “regras” que nos negam a soberania!
E vem gente dizer que “a U E vive de concessões de espaços de soberania” em prol de “um bem comum”! É “comum”, mas não é de todos. Pagamos todos esse “bem comum”, mas ele só é “bem comum” para alguns. Para outros é bullying e prisão!
O próprio povo americano é prisioneiro deste extremismo reaccionário e belicista. É o primeiro a sofrer o bullying e a ser seu prisioneiro!
Haja força para a libertação!