Ora quanto é que vamos então perder com o Novo Banco?

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso, 01/09/2015)

Pedro Santos Guerreiro

Pedro Santos Guerreiro

Recordemo-nos do seguinte: o Santander, que não é propriamente amador a fazer contas, oferecia qualquer coisa como 2,8 mil milhões para comprar o Novo Banco; o BPI dava perto dos dois mil milhões. Ambos foram afastados porque chineses e americanos davam mais. Talvez afinal não fosse assim tão mais. Se a melhor proposta perdeu, que prejuízo trará a segunda melhor proposta, se ganhar? Não se sabe ainda o número. Sabe-se já a palavra: muito.

Era impossível vender o Novo Banco pelos quase cinco mil milhões de euros injetados pelo Estado e pelo Fundo de Resolução há pouco mais de um ano. Não há surpresa nisso. Mas foi criada a expectativa de uma perda relativamente contida, o que queria dizer que não seria necessário nem que o sistema financeiro injetasse mais dinheiro que os 4,9 mil milhões de euros, nem que o Estado deixasse de receber todos os 3,9 mil milhões que emprestou ao “sistema financeiro”. Mas a expetativa era falsa. E era tão evidentemente falsa que foi denunciada logo naquela primeira semana de agosto de 2014.

O Novo Banco não é um banco assim tão bom, como se vê nos prejuízos do primeiro semestre deste ano: a instituição está carregada de maus créditos de grandes empresas. De clientes que têm mais nome na praça que dinheiro no banco.

Um ano depois, percebe-se que o Novo Banco não é um banco assim tão bom, como se vê nos prejuízos do primeiro semestre deste ano: a instituição está ainda carregada de maus créditos de grandes empresas. De clientes que têm mais nome na praça que dinheiro no banco. De Ongoings e empresas que tais, que afinal não pagam as suas dívidas. E que deixam os seus buracos nos balanços dos bancos. Os velhos. E o Novo. É por isso que faltará ainda aumentar o capital do banco, sobretudo por exigências do Banco Central Europeu, que prepara os seus testes de stress para o último trimestre deste ano. É por isso que 4,9 mil milhões de euros valem menos que 4,9 mil milhões de euros.

Essas são as contas de que se propõe comprar: ao preço é preciso acrescentar um aumento de capital e todos os riscos pendentes, incluindo o dos processos judiciais que ameaçam a ovelha branca que nasceu do BES. Foi por isso que a proposta da Anbang foi rejeitada, nem sequer pelo preço oferecido, mas pela cobertura de riscos futuros que exigia.

A conta virá no final, quando ficar claro que o caso BES saiu mais barato que o caso BPN mas mais caro do que foi sugerido ao longo dos meses. Quem vai perder o dinheiro? Supostamente, os bancos. Sim, os demais bancos perderão parte do dinheiro. Mas serão entretanto financiados pelo Estado. A frase “a resolução do BES não custará nada aos contribuintes” ficará na história do descrédito político.

Preços da gasolina: expliquem-nos como se fôssemos muito burros

Pedro Santos Guerreiro, in Expresso Diário, 26/08/2015

Pedro Santos Guerreiro

              Pedro Santos Guerreiro

A cotação do petróleo cai 50% num ano. O preço das gasolinas cai 4%. Como? A resposta mais ou menos mal disposta das gasolineiras é de que nós não percebemos porque somos muitos burros. Eu acho que percebo que há quem seja muito esperto.

Não tem a ver com populismo, tem a ver com contas. Os preços de venda ao público das gasolinas não variam diretamente em função da cotação do brent, o índice internacional mais importante do petróleo. Variam sim em função da evolução dos produtos refinados (e já agora, dos impostos), que por sua vez são vendidos pelas refinarias em função das cotações internacionais da gasolina e do gasóleo. Depois, já sabemos, há custos logísticos (armazenagem e transporte do combustível) e de comercialização (custos nos postos de venda). OK, está certo, compreendemos. Mesmo assim, continuamos a fazer contas.

E sim, OK, há dois factores muito relevantes no preço das gasolinas que atenuam muito a comparação possível entre preço da matéria prima e preço do produto final: os impostos cavalares e a evolução do câmbio dólar/euro.

Começando pelo câmbio. O petróleo é transacionado em dólares, as gasolinas em Portugal são vendidas em euros. Ora, nos últimos 12 meses, o euro valorizou-se mais de 13% face ao dólar. E isto significa que, se o barril de petróleo se desvalorizou 50% em dólares, só desvalorizou 42% em euros. Pronto, a queda da matéria prima não foi afinal assim tão grande para uma empresa portuguesa.

Mesmo que todos os impostos fossem valores fixos (o que não se aplica ao IVA), isso significa que, descontados os efeitos cambial e tributário, o gasóleo deveria ter caído 20% e o das gasolinas 17%. Caíram, em média, 4%.

Agora os impostos. Suportamos uma das cargas fiscais sobre os combustíveis mais elevadas da União Europeia. Como se viu na execução orçamental que ainda esta terça feira foi apresentada, a ganância estatal dá frutos. E como parte dos impostos que recaem sobre os combustíveis é fixa, a desvalorização do petróleo nada afeta essa parcela. Ora, no preço de um litro de gasóleo, 53% do preço são impostos; e no de gasolina, o peso fiscal sobe para 60%. Mesmo que todos os impostos fossem valores fixos (o que não se aplica ao IVA), isso significa que, descontados os efeitos cambial e tributário, o gasóleo deveria ter caído 20% e desceu 11%; e o das gasolinas deveria ter caído 17% mas desceu 4%.

A diferença entre estas proporções, que é maior na gasolina que no gasóleo, terá com certeza excelentes razões, incluindo os custos de armazenagem, transporte e comercialização – e ainda uma contribuição obrigatória para os biocombustíveis. Mas custa a crer que uma dessas razões não seja o aumento das margens com que os combustíveis estão a ser vendidos. O preço é livre, cada um vende ao preço que quer, a concorrência existe para resolver o jogo entre oferta e procura. E como a Autoridade da Concorrência está tranquila, é porque concorrência não falta. Falta talvez pelo menos explicar por que é que os preços do gasóleo e da gasolina não descem quando o petróleo embaratece à velocidade com que sobem quando o petróleo encarece. O aumento de margens é perfeitamente lícito, mas deve ser pelo menos revelado, para que não tomem por parvos aqueles que, no princípio e no fim, passam por burros.

Borboletas com asas de falcão

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso Diário, 25/08/2015)

Pedro Santos Guerreiro

                 Pedro Santos Guerreiro

(Nota: Este texto só prova que a narrativa do Governo que diz que as taxas de juro da nossa dívida pública estão baixas, e que há crescimento económico, apesar de anémico,  devido à política económica seguida, é uma grande mistificação. Tem mais importância as decisões do Banco Central da China nos movimentos das taxas de juro e nas variações do preço do petróleo (logo nas perspetivas de crescimento económico) do que mil decisões e patranhas que Passos Coelho possa empreender e contar.) – Comentário, Estátua de Sal.

Qu ando filmou “Her”/“Uma História de Amor”, passado num tempo talvez não muito distante, Spike Jonze escolheu Xangai como cenário futurista da cidade onde pessoas namoram, saem à noite e dormem com sistemas operativos. Xangai é uma cidade frenética, em expansão permanente, uma Nova Iorque de néons ainda mais histriónicos e muito dinheiro a circular, uma aparência de pujança pós-moderna. É o centro do mundo financeiro asiático, onde uma Bolsa explodiu primeiro valorizando e explode agora desvalorizando. Se uma borboleta provoca o caos do outro lado do mundo, que danos provocará um falcão?

As descidas vertiginosas dos mercados asiáticos acontecem primeiro porque as Bolsas criam ciclicamente bolhas especulativas, faz parte da sua natureza, e essas bolhas estoiram num ápice ou esvaziam depressa. É esse também o caso, aquilo a que na gíria se chama “sobreaquecimento” significa que o “valor” das empresas cotadas é substancialmente inferior ao “preço” a que estão a ser transacionadas. As empresas não vão gerar os resultados esperados e as ações ajustam, à bruta se necessário.

Há anos que o ocidente duvida da informação estatística oficial da China. Diz-se que os serviços de inteligência americanos, por exemplo, medem o ritmo de crescimento da economia chinesa usando indicadores indiretos, tais como imagens noturnas de satélite: a intensidade da iluminação das cidades é um indicador de crescimento. O consumo de energia anda de sempre a par com o crescimento, pois quanto mais se consome ou se exporta, mais se produz e ainda não conseguimos produzir sem consumir energia. O consumo chinês de petróleo é, pois, outro sintoma. E é tão significativo que contribui, ele próprio, para a descida recorde do preço internacional do crude.

A intervenção estatal na China é tão grande que nas últimas semanas foram gastos milhares de milhões de yuans do Estado (isto é, foi gasto dinheiro dos contribuintes chineses) a comprar ações, de modo a atenuar a queda das Bolsas. Mas tudo se agravou quando o banco central desvalorizou o renminbi, de modo a proteger o crescimento: quão mais barato for o dinheiro, mais as empresas investem porque menos juros pagarão. Mas a decisão acelerou os receios dos mercados financeiros.

A China tem vindo a estimular a procura interna, é uma economia exportadora de bens e serviços, mas é ávida de importações de energia e de produtos alimentares, precisamente por causa do seu rápido crescimento: o alargamento da classe média, por saída de milhões de chineses da pobreza, também significa que se consome mais carne, mais leite, mais cereais, mais tudo. A economia brasileira, por exemplo, é grande exportadora de matérias-primas para a China. Se a China cresce menos, países como o Brasil crescem menos. E então aqueles que exportam outros produtos para o Brasil também vão vender menos. E assim sucessivamente. As ondas de choque da queda do preço do petróleo, outro exemplo, é suficiente para poder fazer tombar regimes. Ou para aniquilar projetos económicos. Angola, sendo um produtor relativamente pequeno mas próximo de Portugal, é uma vítima óbvia da descida acelerada do preço do petróleo.

Para já, o fenómeno é ainda sobretudo financeiro, o que passa por deslocações maciças de capital entre mercados e em busca de ativos, financeiros ou não, de menor risco. As implicações serão também cambiais, tanto que a relação entre o dólar e o renmimbi será olhado com grande atenção. E Portugal, pequena economia aberta, está totalmente dependente destes fenómenos que não controla: das taxas de juro por causa do elevado endividamento (público e privado); do preço do petróleo, porque o importamos; da cotação do euro, porque exportamos; e do crescimento mundial porque quanto maior, mais venderemos – e quanto menor, menos exportaremos. Outro sino nos toca: o do investimento direto chinês em Portugal, que tanto cresceu nos últimos quatro anos.

O mundo financeiro consegue ser tão horripilante quanto fascinante. E sim: o seu poder sobre as nações é cada vez maior. Sejam essas decisões tomadas por, como se diz na gíria dos bancos centrais, pombas ou falcões. As borboletas somos nós.