Crápulas do BCE!

(Marco Della Luna, in geopol.pt, 11/09/2023)

Com a guerra da Ucrânia, os EUA aniquilaram politicamente a UE e separaram-na da Rússia. Portanto, agora Washington já não precisa da UE


O BCE foi criado, pelos seus estatutos, com base em pilares precisos:

não ajudar os estados através da compra dos seus títulos de dívida pública, não ser condicionado pelos governos e não condiciona-los,

regular a criação de moeda, evitar uma inflação superior a 2% ao ano.

Fez tudo ao contrário, com efeitos perniciosos:

  • ao aplicar a Estabilidade Financeira de Mario Draghi e outros, criou a dívida “go go” (Q.E.), dívida que agora nos cai em cima;
  • comprou cerca de um terço da dívida pública, o que constitui uma ajuda aos estados;
  • fez cair pelo menos dois governos (Papadopoulos, Berlusconi) e enviou avisos a alguns governos para manterem certas linhas de política económica, sob pena de não comprarem a sua dívida pública, o que constitui uma chantagem política;
  • quando as tensões inflacionistas surgiram, não devido a um excesso de procura, mas a deficiências nas estruturas da oferta, reagiu de forma imprópria, aumentando as taxas, desencadeando a recessão e a crise de insolvência, e, no entanto, não travou a inflação.

Lembram-se de quando o Financial Times, apresentando-o como um corajoso inovador de grande envergadura, exaltava Mario Draghi e o seu “whatever-it-takes”, ou seja, a sustentação da bolha do mercado especulativo através da criação e injeção de quantidades imprudentes de dinheiro sem financiar a economia real? Mario Draghi estava simplesmente a aplicar a política dos governos dirigidos pelos bancos que, depois do escândalo e do desastre do crédito hipotecário de alto risco e da alavancagem insana, em vez de punirem os banqueiros responsáveis por esse comportamento e impedirem a sua repetição com reformas adequadas, os recompensaram, descarregaram os prejuízos sobre os contribuintes e os trabalhadores, e recriou, com uma enorme e continuada emissão monetária a taxas zero ou negativas, as condições para uma repetição multiplicada da sujidade destrutiva que enriqueceu enormemente precisamente a classe de banqueiros a que Mario Draghi pertence e com a qual o Financial Times parece concordar. Essa classe, para voltar a citar Mario Draghi, é constituída pelas pessoas que podem fazer coisas, enquanto a população em geral só as pode sofrer.

Esses mesmos senhores não fizeram um milésimo de nada para salvar a Grécia de uma catástrofe (provocada por outros banqueiros) e de um saque que também custou milhares e milhares de vidas. De pé! Sim, sobre os cadáveres dos outros.

Criaram o sistema de branqueamento da dívida pública, em que, depois de 2008, socorreram os bancos na condição de estes comprarem dívida pública ilimitada e depois a usarem como garantia para o RePo ao BCE.

Drenaram capital de investimentos produtivos para financiar tudo o que era improdutivo e falso, como títulos do Estado, imobiliário especulativo, economia verde.

Não permitiram que os défices temporários alterassem a fiscalidade.

Tornaram mais rigorosos os parâmetros de solvência, dando a quem já tem, e conduzindo assim a economia numa direção hiper-cíclica, monopolista ou oligopolista, na melhor das hipóteses.

Fizeram do euro um ativo de pleno direito, como uma ação da empresa da UE, da oniróide narrativa ideológica supremacista europeia, e, portanto, tão escasso e deflacionário quanto o ouro.

A economia da UE não conheceu infra-estruturas nem empreendedorismo generalizado, mas apenas o sonho de estar perto da fonte mágica de dinheiro que compra tudo ao mundo sem fazer nada, apenas vendendo acções do sonho europeu. Mas, nessa altura, faz sentido reduzir a população, porque quanto menos pessoas a partilharem, mais ricos são, por isso não há problema em promover tratamentos de saúde contraproducentes e relações amorosas estéreis, e cães em vez de crianças; até ao esquecimento, quando o mundo já não aceitar a ação de um delírio louco e suicida.

Recorde-se que a chamada unidade europeia é um projeto não europeu, mas norte-americano, impulsionado e financiado pela CIA, destinado a impedir uma integração económica com a URSS. Com a guerra da Ucrânia, aniquilou politicamente a UE e separou-a da Rússia. Portanto, agora Washington já não precisa da UE.

Cortou as pernas à Alemanha, sabotando o Nord Stream, e agora corta-as à França, desestabilizando o seu império colonial africano e demolindo a sua imagem moral. Cortou também as pernas ao euro, ao reduzir a sua quota-parte de utilização no comércio internacional em benefício do dólar.

Peça traduzida do italiano para GeoPol desde a revista Italicum


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Todo mundo quer pegar carona no Expresso BRICS

(Pepe Escobar, in Brasil247.com, 06/11/2022)

Comecemos com o que é de fato um conto sobre o comércio do Sul Global entre dois membros da Organização de Cooperação de Xangai (OCX). Em seu cerne está o já notório drone Shahed-136 – ou Geranium-2, em sua denominação russa: o AK-47 da guerra aérea pós-moderna. 

Os Estados Unidos, em mais um característico ataque histérico transbordando de ironia, acusou Teerã de armar as Forças Armadas Russas. Tanto para Teerã quanto para Moscou, o drone superstar, de ótimo custo-benefício e terrivelmente eficiente, usado no campo de batalha ucraniano, é um segredo de estado: seu uso desencadeou uma  tempestade de negativas de ambos os lados. Se esses drones são made in Iran, ou se o projeto foi comprado e a fabricação tem lugar na Rússia (a opção mais realista) não faz a menor importância.

Os registros mostram que os Estados Unidos armam até o pescoço a Ucrânia contra a Rússia. O Império, na verdade, é um combatente na guerra, por intermédio de um bando de “consultores”, conselheiros, treinadores, mercenários, armamento pesado, munições, inteligência via satélite e guerra eletrônica.  E, no entanto, os funcionários imperiais juram que não participam da guerra. Eles, mais uma vez, mentem.

Bem-vindos a mais um exemplo explícito da “ordem mundial baseada em regras” em operação. É sempre o Hegêmona quem decide quais regras aplicar, e quando. Qualquer um que se contraponha a ele é um inimigo da “liberdade” e da “democracia”, ou qualquer outro chavão, deverá ser – o que mais seria? – punido com sanções arbitrárias. 

No caso do Irã, há décadas sancionado até a exaustão, o resultado foi, como seria de se esperar, uma outra rodada de sanções. O que é irrelevante. O que importa é que, segundo o Corpo de Guarda Revolucionário Islâmico do Irã, nada menos que 22 países – lista que vem crescendo – estão  fazendo fila para pegar o bonde do Shahed.

Até mesmo o líder da Revolução Islâmica, o Aiatolá  Ali Khamenei, alegremente entrou na onda, comentando que o Shahed-136 não precisa photoshop.

A corrida rumo ao BRICS+

O que o novo pacote de sanções contra o Irã realmente “conseguiu” foi desfechar mais um golpe na cada vez mais problemática assinatura do ressuscitado acordo nuclear em Viena. Mais petróleo iraniano no mercado, na verdade, seria um alívio para as dificuldades de Washington após a recente e épica esnobada da OPEC+.

No entanto, um imperativo categórico continua existindo. A iranofobia – da mesma forma que a russofobia – sempre fala mais alto para os defensores da guerra straussianos-neocons que comandam a política externa americana e para seus vassalos europeus.

Então, aqui temos mais uma escalada hostil nas relações do Irã tanto com os Estados Unidos quanto com a União Europeia, uma vez que a junta não-eleita de Bruxelas também sancionou três generais iranianos. 

Compare-se isso com o destino do drone turco  Bayraktar TB2 – que, diferentemente das “flores no céu” (os gerânios russos) mostrou um péssimo desempenho em campo de batalha.

Kiev tentou convencer os turcos a usarem uma fábrica de armamentos da  Motor Sich na Ucrânia ou abrirem uma nova empresa na Transcarpátia/Lviv para construir  Bayraktars. O oligarca presidente da Motor Sich, Vyacheslav Boguslayev, de 84 anos de idade, foi acusado de traição por suas ligações com a Rússia, e talvez seja trocado por prisioneiros de guerra ucranianos.

Ao final, a negociação fracassou em razão do excepcional entusiasmo mostrado por Ancara em trabalhar para a construção de um novo centro de produção de gás na Turquia – uma sugestão pessoal do Presidente russo Vladimir Putin a seu colega turco Recep Tayyip Erdogan.

O que nos leva à interconexão cada vez maior entre os BRICS e os nove membros da OCX – à qual essa instância russa-iraniana de comércio militar está inextricavelmente ligada.

A OCX, liderada pela China e pela Rússia, é uma instituição paneurasiana cujo foco original era o combate ao terrorismo, mas que agora se volta cada vez mais para a cooperação geoeconômica – e geopolítica.  Os BRICS, liderados pela tríade Rússia, Índia, e China, superpõem-se à agenda da OCX em termos geoeconômicos e geopolíticos, expandindo essa agenda para a  África, América Latina e mais além: esse é o conceito do BRICS+, analisado em detalhe em um recente relatório do Clube Valdai , e plenamente abraçado pela parceria estratégica Rússia-China.

O relatório pesa os prós e contras de três cenários relacionados a possíveis candidatos ao BRICS+ no futuro próximo:

Primeiro, os países que foram convidados por Pequim para fazer parte da cúpula do BRICS de 2017 (Egito, Quênia, México, Tailândia, Tajiquistão).

Segundo, os países que fizeram parte do encontro de chanceleres do  BRICS, em maio do corrente ano (Argentina, Egito, Indonésia, Cazaquistão, Nigéria, UEA, Arábia Saudita, Senegal, Tailândia).

Terceiro, as principais economias do G20 (Argentina, Indonésia, México, Arábia Saudita, Turquia).

E há também o Irã, que já demonstrou interesse em se juntar aos BRICS.

O Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, confirmou recentemente que “diversos países”  estão morrendo de vontade de ingressar nos BRICS. Entre eles, um importantíssimo ator do Oeste Asiático: a Arábia Saudita.

O que é ainda mais surpreendente é que, há apenas três anos, no governo do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, o Príncipe Muhammad bin Salman (MbS) – o verdadeiro governante do país – estava resolvido a se juntar a uma espécie de  OTAN árabe, na condição de aliado privilegiado do Império.

Fontes diplomáticas confirmam que no dia seguinte à retirada das tropas americanas do Afeganistão, os enviados de  MbS começaram a negociar seriamente com Moscou e Pequim. 

Supondo-se que o BRICS alcancem o consenso necessário para a aprovação da candidatura de Riad em 2023, mal se pode imaginar as  consequências avassaladoras dessa decisão para o petrodólar. Ao mesmo tempo, é importante não subestimar a capacidade dos controladores de criarem o caos.   

A única razão pela qual Washington tolera  o regime de Riad é o petrodólar. Não se pode permitir que os sauditas persigam uma política externa independente e verdadeiramente soberana. Se isso acontecer, o realinhamento geopolítico não irá afetar apenas a Arábia Saudita, mas também todo o Golfo Pérsico.

Mas é cada vez mais provável que isso aconteça, depois de a OPEC+ ter de fato escolhido o caminho BRICS/OCX liderado pela Rússia e pela China – no que pode ser interpretado como um preâmbulo brando para o fim do petrodólar. 

A tríade Riad-Teerã-Ancara 

O Irã comunicou seu interesse em ingressar nos BRICS antes mesmo da Arábia Saudita. Segundo fontes diplomáticas do Golfo Pérsico, eles já estão engajados em um canal algo confidencial com a mediação do Iraque, na tentativa de se organizarem para tal. A Turquia virá em seguida – no BRICS, certamente, e possivelmente na OCX, onde Ancara hoje tem o status de observador extremamente interessado.

Agora, imaginem essa tríade – Riad, Teerã, Ancara – estreitamente ligadas a Rússia, Índia e China (o verdadeiro cerne dos BRICS), e futuramente na OCX, onde o Irã é, até agora, o único país do Oeste Asiático aceito como membro pleno.  

O golpe estratégico desferido contra o Império quebrou todos os récordes. As discussões que levam ao  BRICS+ focam o desafiador caminho rumo a uma moeda global lastreada em commodities capaz de superar a primazia do dólar.

Diversos passos interligados apontam para uma simbiose cada vez maior entre os BRICS+ e a SCO. Os estados-membros desta última já chegaram a um acordo quanto a um roteiro para o aumento gradual do comércio em moedas nacionais com base em acordos mútuos. 

O Banco Estatal da Índia – o maior emprestador do país – vem abrindo contas especiais em rúpias para o comércio relacionado com a Rússia. 

O gás natural russo enviado à Turquia será pago 25% em liras turcas, com um desconto de 25% que Erdogan pediu pessoalmente a Putin.

O banco russo VTB lançou transferências para a China em yuans, contornando o SWIFT, enquanto o  Sberbank começou a emprestar dinheiro na moeda chinesa. A gigante de energia russa Gazprom combinou com a China que os pagamentos por fornecimento de gás devem mudar para rublos e yuans, meio a meio. 

O Irã e a Rússia estão unificando seus sistemas bancários para conduzir comércio em rublos/rials.

O Banco Central do Egito está tomando providências para estabelecer um índice para  a libra egípcia – usando um grupo de moedas e o ouro – com o objetivo de afastar a moeda nacional do dólar.

E, também, há a saga do TurkStream. .

O presente do centro de gás 

Ancara, há anos, vem tentando se posicionar como um centro privilegiado de gás Oriente-Ocidente.  Após a sabotagem dos Nord Streams, Putin entregou de bandeja à Turquia a possibilidade de aumentar o fornecimento de gás para a União Europeia usando esse centro. O Ministério da Energia turco afirmou que Ancara e Moscou, em princípio, já chegaram a um acordo.

Na prática, isso significa que a Turquia irá controlar o fluxo de gás não apenas da Rússia, mas também do Azerbaijão e de grande parte do Oeste Asiático, talvez incluindo até mesmo o Irã e a Líbia, no nordeste da África.  Terminais de GNL no Egito, na Grécia e na própria Turquia irão completar a rede.

O gás russo se desloca através dos gasodutos TurkStream e Blue Stream. A capacidade total dos gasodutos russos é de 39 bilhões de metros cúbicos ao ano.

O TurkStream foi inicialmente projetado como um gasoduto de quatro linhas, com uma capacidade nominal de 63 bilhões de metros cúbicos ao ano. Nas atuais circunstâncias, apenas duas linhas – com capacidade total de 31,5 bilhões de metros cúbicos – foram construídas.

Portanto, uma extensão, em tese, é mais praticável – com a totalidade dos equipamentos de fabricação russa. O problema, mais uma vez, é a instalação dos dutos. Os navios a serem usados pertencem ao Allseas Group – e a Suíça faz parte da demência das sanções. No Mar Báltico, embarcações russas foram usadas para concluir a construção do Nord Stream 2. Mas, para uma extensão do TurkStream, seria necessária operar em profundidade oceânica muito maior. 

O TurkStream não seria capaz de substituir completamente o Nord Stream, pois ele comporta volumes muito menores.  A boa notícia para a Rússia é não ser alijada do mercado europeu. É evidente que a Gazprom só assumiria o significativo investimento necessário para a construção de uma extensão se houver garantias férreas quanto a sua segurança. A desvantagem é que a extensão também transportaria gás dos concorrentes da Rússia.  

Aconteça o que acontecer, resta o fato de que o combo Estados Unidos-Reino Unido ainda exerce uma forte influência sobre a Turquia – e a BP, a Exxon Mobil e a Shell, por exemplo, participam de praticamente todos os projetos de extração de petróleo em todo o Oeste Asiático. Eles, portanto, certamente iriam interferir na operação dos centros de gás turcos, como também na determinação do preço do gás. Moscou tem que pesar todas essas variáveis antes de se comprometer com o projeto. 

A OTAN,  é claro, ficará lívida de ódio. Mas nunca subestimem o Sultão Erdogan, especialista em minimizar riscos. Sua história de amor tanto com os BRICS quanto com a OCX está apenas começando. 


Fonte aqui.


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Nasce um novo sistema de pagamentos no Sul Global

(Pepe Escobar, in Resistir, 01/12/2022)

A União Económica da Eurásia ( EAEU, na sigla em inglês) está a acelerar a sua concepção de um sistema de pagamentos comum, o qual tem sido discutido em pormenor há quase um ano com os chineses sob a direção de Sergei Glazyev, o ministro da EAEU responsável pela Integração e Macroeconomia.


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