Borboletas com asas de falcão

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso Diário, 25/08/2015)

Pedro Santos Guerreiro

                 Pedro Santos Guerreiro

(Nota: Este texto só prova que a narrativa do Governo que diz que as taxas de juro da nossa dívida pública estão baixas, e que há crescimento económico, apesar de anémico,  devido à política económica seguida, é uma grande mistificação. Tem mais importância as decisões do Banco Central da China nos movimentos das taxas de juro e nas variações do preço do petróleo (logo nas perspetivas de crescimento económico) do que mil decisões e patranhas que Passos Coelho possa empreender e contar.) – Comentário, Estátua de Sal.

Qu ando filmou “Her”/“Uma História de Amor”, passado num tempo talvez não muito distante, Spike Jonze escolheu Xangai como cenário futurista da cidade onde pessoas namoram, saem à noite e dormem com sistemas operativos. Xangai é uma cidade frenética, em expansão permanente, uma Nova Iorque de néons ainda mais histriónicos e muito dinheiro a circular, uma aparência de pujança pós-moderna. É o centro do mundo financeiro asiático, onde uma Bolsa explodiu primeiro valorizando e explode agora desvalorizando. Se uma borboleta provoca o caos do outro lado do mundo, que danos provocará um falcão?

As descidas vertiginosas dos mercados asiáticos acontecem primeiro porque as Bolsas criam ciclicamente bolhas especulativas, faz parte da sua natureza, e essas bolhas estoiram num ápice ou esvaziam depressa. É esse também o caso, aquilo a que na gíria se chama “sobreaquecimento” significa que o “valor” das empresas cotadas é substancialmente inferior ao “preço” a que estão a ser transacionadas. As empresas não vão gerar os resultados esperados e as ações ajustam, à bruta se necessário.

Há anos que o ocidente duvida da informação estatística oficial da China. Diz-se que os serviços de inteligência americanos, por exemplo, medem o ritmo de crescimento da economia chinesa usando indicadores indiretos, tais como imagens noturnas de satélite: a intensidade da iluminação das cidades é um indicador de crescimento. O consumo de energia anda de sempre a par com o crescimento, pois quanto mais se consome ou se exporta, mais se produz e ainda não conseguimos produzir sem consumir energia. O consumo chinês de petróleo é, pois, outro sintoma. E é tão significativo que contribui, ele próprio, para a descida recorde do preço internacional do crude.

A intervenção estatal na China é tão grande que nas últimas semanas foram gastos milhares de milhões de yuans do Estado (isto é, foi gasto dinheiro dos contribuintes chineses) a comprar ações, de modo a atenuar a queda das Bolsas. Mas tudo se agravou quando o banco central desvalorizou o renminbi, de modo a proteger o crescimento: quão mais barato for o dinheiro, mais as empresas investem porque menos juros pagarão. Mas a decisão acelerou os receios dos mercados financeiros.

A China tem vindo a estimular a procura interna, é uma economia exportadora de bens e serviços, mas é ávida de importações de energia e de produtos alimentares, precisamente por causa do seu rápido crescimento: o alargamento da classe média, por saída de milhões de chineses da pobreza, também significa que se consome mais carne, mais leite, mais cereais, mais tudo. A economia brasileira, por exemplo, é grande exportadora de matérias-primas para a China. Se a China cresce menos, países como o Brasil crescem menos. E então aqueles que exportam outros produtos para o Brasil também vão vender menos. E assim sucessivamente. As ondas de choque da queda do preço do petróleo, outro exemplo, é suficiente para poder fazer tombar regimes. Ou para aniquilar projetos económicos. Angola, sendo um produtor relativamente pequeno mas próximo de Portugal, é uma vítima óbvia da descida acelerada do preço do petróleo.

Para já, o fenómeno é ainda sobretudo financeiro, o que passa por deslocações maciças de capital entre mercados e em busca de ativos, financeiros ou não, de menor risco. As implicações serão também cambiais, tanto que a relação entre o dólar e o renmimbi será olhado com grande atenção. E Portugal, pequena economia aberta, está totalmente dependente destes fenómenos que não controla: das taxas de juro por causa do elevado endividamento (público e privado); do preço do petróleo, porque o importamos; da cotação do euro, porque exportamos; e do crescimento mundial porque quanto maior, mais venderemos – e quanto menor, menos exportaremos. Outro sino nos toca: o do investimento direto chinês em Portugal, que tanto cresceu nos últimos quatro anos.

O mundo financeiro consegue ser tão horripilante quanto fascinante. E sim: o seu poder sobre as nações é cada vez maior. Sejam essas decisões tomadas por, como se diz na gíria dos bancos centrais, pombas ou falcões. As borboletas somos nós.

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