O suicídio da social-democracia — onde está a Internacional Socialista?

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 23/12/2022)

(Texto brilhante do Coronel Matos Gomes. Um grande bem-haja a uma das poucas vozes lúcidas que consegue desmontar a narrativa que nestes tempos negros a comunicação social nos quer impor, e que quase todo o espectro político subscreve e para a qual nos convoca.

Estátua de Sal, 23/12/2022


As burguesias: industriais, proprietários de bens de raiz, de rendimentos palpáveis, comerciantes regionais, altos funcionários foram o motor das sociedades capitalistas e demoliberais que tomaram o poder na Europa após as revoluções dos séculos XVIII em França, na Inglaterra e na Alemanha e no século XX na Rússia. Foram as classes médias europeias (as burguesias) que decidiram o colonialismo para se apropriarem das matérias-primas de África e que estiveram na origem de duas guerras mundiais.

O colonialismo e a Segunda Guerra estão na raiz da atual ordem no mundo. O colonialismo resultou das necessidades de matérias primas pela indústria da revolução industrial e a Segunda Guerra resultou das respostas das burguesias nacionais aos movimentos operários (os camponeses transformados em operários — proletários) que geraram o complexo fenómeno que por facilidade designamos comunismo. O nazismo foi uma resposta ao comunismo, a outra foi a social-democracia — os católicos referem a democracia cristã e a encíclica Rerum Novarum, do papa Leão XIII e publicada em 1891, mas esta é mais uma “orientação” para limitar a exploração gerada pelo liberalismo capitalista do que para alterar a ordem social e a hierarquia das classes.

(Adivinho o comentário: compara o nazismo à social-democracia! — não, o que quero dizer é que o mesmo problema (no caso a revolta dos proletários) pode originar diferentes soluções políticas e que reconhecer a diversidade de opções é a base do pluralismo. Depois há soluções melhores, piores e péssimas.)

Partindo desses pressupostos, chegamos ao artigo de Alexis Corbiére no Nouvelle Observateur, L’Obs para os amigos e ao artigo de Novembro: Porque não sou social-democrata. (Ver artigo aqui).

O que me atraiu de novo para o artigo que lera de raspão na data da publicação foi (tem sido) a quantidade de comentários de pessoas que facilmente se identificam com o Partido Socialista a apoiar o seguidismo da União Europeia aos Estados Unidos contra a Rússia e a criticar quem não o faz (eu, no meu caso). O que me motivou a voltar ao artigo do L’Obs foi o exacerbado americanismo dos sociais-democratas portugueses, em consonância com os sociais-democratas europeus. O SPD, o partido social democrata alemão, é o mais forte apoiante da política americana e da NATO. Jens Stoltenberg, o secretário-geral da NATO era (talvez ainda seja) social-democrata. Os sociais-democratas da Suécia são agora a favor da entrada na NATO. Quanto aos partidos socialistas (sociais democratas) de Portugal e da Espanha são desde a sua fundação (ou refundação no pós guerra) fiéis seguidores da política dos EUA, foram-no durante as transições para a democracia, foram-no mais tarde na Sérvia, no Afeganistão, na Síria, e agora na Ucrânia.

Deve haver uma razão para esta opção de escolha de uma tutela americana em vez de uma autonomia europeia no xadrez mundial (que eu defendia) e essa não será certamente a da defesa de princípios morais. Os Estados Unidos carregam um historial reconhecidamente alargado de violações dos mais elementares princípios de democracia política e de defesa dos direitos do homem e até de violência interna, desde a liberal lei das armas à pena de morte e a um dos mais ignóbeis sistemas prisionais do planeta, desde o poder das igrejas e seitas à concentração dos grandes meios de comunicação num reduzido e exclusivo grupo de milionários, o que torna a ideia de liberdade de imprensa bastante contestável e pueril.

Então porque se agacham tanto os sociais-democratas europeus perante os Estados-Unidos?

Vamos ao artigo do L’Obs: “Antes de mais e para evitar falsos debates, é necessário recordar (ou redefinir) o que é a social-democracia do pós-Segunda Guerra na Europa Ocidental, o único espaço do planeta onde ela existiu: um modelo que combinou uma estratégia política reformista e uma forma de organização assente nos laços estreitos entre um partido de massas e um movimento sindical também poderoso. A convergência destas duas unidades permitiu a constituição do modelo de consenso que sustentou o estado de bem-estar aos operários e outros assalariados — salários, férias, reformas, serviços públicos de saúde e previdência social, habitação, educação. Este modelo assente na extensão de bens sociais aos trabalhadores desviou-os do comunismo. Era esse o objetivo da social-democracia, que se implantou, como é visível num mapa da Europa, nos países junto à fronteira do designado Bloco Leste, em particular na Alemanha e nos países nórdicos. (A Inglaterra desenvolveu um sistema próprio, específico, como as medidas em polegadas e milhas e as roscas dos parafusos no sentido sinistrorsum). Os países latinos nunca implantaram uma social-democracia nos termos em que ela existiu na Alemanha e nos países nórdicos. Os partidos socialistas francês e italiano nunca foram partidos de massas e a sua ligações ao sindicalismo foi sempre fraca. Os partidos comunistas francês e italiano foram, na verdade o mais próximo da social-democracia que existiu na Europa latina, mas não podiam ser aceites como tal e participar dos governos porque eram “comunistas” e os Estados Unidos não permitiam a associação da imagem de social-democracia ao comunismo, que para eles tinha um significado estratégico de ligação ao inimigo, a URSS.

É na estratégia da guerra fria que reside a atração e a dependência dos partidos sociais-democratas e “socialistas” europeus e não deixa de ser curioso que os partidos “menos” sociais-democratas, de maiores diferenças de classe e mais acérrimos defensores da propriedade privada de bens estratégicos e de alto valor social, se designem socialistas (caso de Portugal, Espanha, Itália, a Grécia e até a França), enquanto os países mais industrializados e mais igualitários optaram pela designação de social-democrata. Os ingleses não são nem uma coisa, nem outra, são “trabalhistas”!

A vitória do “bem-estar” social-democrata, de welfare state europeu foi conseguida à custa da alienação de um “bem”: a componente de força militar, sem a qual qualquer Estado deixa de ser soberano, mesmo que limitadamente (tão limitadamente quanto a força de que dispuser).

Os partidos sociais-democratas, responsáveis em boa medida pela “construção europeia” do pós-guerra, com personalidades tão marcantes como Willy Brandt, por exemplo, optaram — se voluntária e conscientemente, se por imposição americana é outra questão — por abdicar do instrumento decisivo da soberania, a força e trocaram-na por aquecimento nas casas, reformas na velhice, férias pagas, um VW ou um Opel na garagem, por vezes um BMW ou um Mercedes.

O que os sociais-democratas ganharam a distribuir comodidades, perderam em soberania! (o desarmamento alemão do pós-guerra não se deve apenas ao receio da Alemanha armada, mas à transferência de recursos para o bem estar que “apaziguou” a sociedade alemã e a levou a aceitar o domínio americano com as bases no seu território).

A Europa está hoje a pagar essa opção social-democrata (alemã, holandesa, belga, austríaca) de desarmamento militar e ideológico. Em termos políticos tem de obedecer a quem possui força — os EUA. Tem de seguir quem impôs, pela força, a ideologia dominante do neoliberalismo, do mercado, do individualismo. Tem de funcionar nos parâmetros do pensamento dominante e “politicamente correto”. Está tudo ligado: política, militarismo, moda, ideologia para conseguir a domesticação dos europeus sem grandes reações. (O nazismo desenvolveu-se neste caldo.)

Pensar a social-democracia hoje é pensar num longo processo de decadência, de envenenamento ou de morte por inação conduzido pela social-democracia, o melhor dos sistemas, se fosse sustentável, se fosse possível abdicar da força para sobreviver num mundo de espécies que vivem em estado de competição — o que Darwin descobriu há 200 anos.

Pensar a social-democracia hoje é reconhecer que ela se suicidou, deixou de ser viável apesar da partilha equilibrada de riqueza e a organização racional da vida no planeta serem cada vez mais prementes e com elas a resposta às necessidades dos novos e velhos trabalhadores e a integração de vagas de migrantes. E não é viável porque a social-democracia fez um outsourcing da força que sustenta a soberania e a liberdade de ação. Resta aos sociais-democratas de hoje, para manterem a face, fazerem-se adeptos dos Estados Unidos de motu próprio, colocarem-se a seu lado para aparecerem na fotografia de família.

Estas figuras tiveram nomes de penetras para as classes baixas e de emergentes para aspirantes a nova classe.

O consenso social-democrata dos 30 anos gloriosos assentava na ilusão do crescimento económico eterno e ilimitado e num consenso sobre a partilha da riqueza entre o capital e o trabalho. Esse consenso funcionou até aos anos 80 do século passado, o fim da ameaça do comunismo — de facto da URSS enquanto superpotência — fez os Estados Unidos e os seus ideólogos neoliberais concluir que a social-democracia europeia, o bem-estar dos europeus, era um custo que podia ser evitado dado já não existir o perigo das classes trabalhadoras serem atraídas por uma ilusão que se desfizera, a URSS. A nova ilusão que seria muito mais rentável e permitia concentrar a riqueza mais rapidamente era o neoliberalismo.

O par Ronald Reagan e Margaret Tatcher patrocinaram a nova ordem económica e ideológica baseada na liberalização dos movimentos de capitais, da livre troca generalizada (Organização Mundial do Comércio), destruição das proteções sociais na Europa, de modo a transformarem o mundo num mercado (o velho sonho imperial dos ingleses vitorianos), onde não há lugar para a social-democracia.

Aos militantes sociais-democratas europeus resta hoje elogiar a desigualdade e a competição em nome da liberdade (de ser explorado) e defender a intervenção militar do império em nome de princípios que ele se encarrega de negar. Tornaram-se neoliberais e militaristas. A decadência dos partidos sociais-democratas e socialistas é fruto do beco da dependência real em que se meteram, ou foram metidos, e da incapacidade de gerarem um ideologia para o mundo de hoje.

É interessante recordar a hibernação de uma organização de que muito poucos já ouviram falar: a Internacional Socialista! — sumiu-se, deixou de ter utilidade.

Por fim, a França, que nunca foi social-democrata, foi soberanista e o soberanismo é a base do seu comportamento desde antes de Napoleão e até depois de De Gaulle tenta remar contra a maré, com limitações conhecidas. Mas ainda tem quem pense. O que já é um feito nestes tempos de pensamento único.

Não são boas notícias, mas são as que me parecem as verdadeiras.


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A social-democracia europeia e a guerra

(José Luís Fiori, in Outras Palavras, 13/05/2022)

Joe Biden e o chanceler alemão Olaf Sholz, que cedeu a todas as demandas dos EUA na guerra da OTAN contra a Rússia

Há fortes evidências históricas de que foi no período
em que se consolidou a utopia europeia da “paz perpétua” e
se formulou pela primeira vez o projeto de uma ordem mundial
baseada em valores e instituições compartidas
que se travaram as guerras mais numerosas
e sanguinárias da história

Fiori, J. L. “Dialética da guerra e da paz”


Foi no dia 28 de setembro de 1864 que nasceu, na cidade de Londres, a Associação Internacional dos Trabalhadores – chamada de Primeira Internacional – com a proposta de abolir todos os exércitos nacionais e todas as guerras do mundo. A mesma tese pacifista e radical que foi depois referendada pelo congresso da Segunda Internacional, realizado em Paris em 1889, e que depois foi uma vez mais confirmada pelo Congresso Social-Democrata de Stuttgart, em 1907. Apesar disso, no dia 3 de agosto de 1914, a bancada parlamentar do Partido Social-Democrata alemão apoiou por unanimidade a entrada da Alemanha na Primeira Guerra Mundial e aprovou de imediato o orçamento militar apresentado por seu Imperador, Guilherme II.

Depois dos alemães, o mesmo aconteceu com os partidos social-democratas austríaco, húngaro, polonês, francês, belga, inglês, italiano, português e espanhol. E com exceção dos social-democratas russos, quase todos os socialistas europeus deixaram de lado o “pacifismo” e o “internacionalismo” de seus antepassados e adotaram a retórica patriótica de seus Estados e governos nacionais durante a Primeira Guerra Mundial. E já então a maioria dos social-democratas incorporou o tradicional medo dos conservadores europeus com relação ao que consideravam uma ameaça permanente à civilização ocidental, representada pelos “russos” e pelos “asiáticos”. Devem-se destacar, entretanto, algumas dissidências individuais notáveis que se opuseram à guerra ou defenderam a neutralidade dos socialistas, naquele momento, como foi o caso, entre outros, de Kautsky, MacDonald, Karl Liebknecht, Rosa de Luxemburgo, Lênin e Gramsci.

Depois da Revolução Russa de 1917, e da criação da Terceira Internacional, em 1919, os Partidos Comunistas da Europa e de todo o mundo adotaram uma posição internacional convergente com a política externa da União Soviética frente à Segunda Guerra Mundial (1938-1945), à Guerra da Coreia (1950-1953), à Guerra do Vietnã (1955-1975), frente às Guerras de Libertação Nacional da África e da Ásia, nas décadas de 1950 e 60, e frente a todos os demais conflitos do período da Guerra Fria, até o fim da própria União Soviética e a perda de importância generalizada dos partidos comunistas. Assim mesmo, os partidos comunistas europeus não chegaram a ser governo ou só tiveram um papel secundário de apoio a algum governo de coalizão, e não tiveram que formular uma política externa própria dentro da “Europa Ocidental”. Mas este não foi o caso dos partidos socialistas, social-democratas e trabalhistas, que seguiram um caminho completamente diferente, desde o primeiro momento em que foram governo, e muito mais ainda durante e depois da Guerra Fria.

Logo após a Primeira Guerra, os social-democratas participaram de vários governos de coalizão na Dinamarca, na Alemanha e na Suécia, entre outros, e os próprios partidos socialistas participaram de governos de Frente Popular Antifascista, na França e Espanha, durante a década de 30. Em todos os casos, foram governos que acabaram absorvidos pela administração da crise econômica europeia do pós-guerra e pelas consequências da crise financeira dos anos 30. E em nenhum desses casos, os social-democratas e mesmo os socialistas se destacaram por sua política externa, e quase nenhum desses partidos ou governos tomou uma posição clara de condenação da intervenção militar das grandes potências ocidentais na guerra civil russa, no início da década de 20, nem tampouco tiveram uma posição unânime contra a intervenção militar dos fascistas italianos e dos nazistas alemães na Guerra Civil Espanhola, na segunda metade da década de 30.

E mesmo depois da Segunda Guerra Mundial, os socialistas, social-democratas e trabalhistas europeus não conseguiram formular uma política externa comum e consensual frente ao desafio das novas guerras que se sucederam a partir daí, por três razões fundamentais: em primeiro lugar, porque foram galvanizados pelo início da Guerra Fria, e pela política americana de contenção permanente da URSS que esteve na origem da criação da OTAN; em segundo, porque depois da formação da “Aliança Atlântica” e da criação da OTAN, a Europa foi transformada na prática num protetorado atômico dos Estados Unidos; e por fim, porque esse protetorado assumiu a forma de uma ocupação militar direta, no caso da Alemanha Federal, sede histórica do principal partido social-democrata europeu. Estes três fatores deixaram pouquíssimo espaço para o exercício de uma política externa autônoma por parte dos Estados europeus, em particular no caso dos governos social-democratas que se submeteram, na maior parte do tempo, aos desígnios da chamada “Aliança Atlântica” liderada pelos Estados Unidos, e apoiaram incondicionalmente a formação da OTAN, adotando muitas vezes uma posição cúmplice com seus Estados nacionais frente às guerras de independência de suas colônias na África e na Ásia.

Salvo engano, a única contribuição original da política externa social-democrata desse período foi a Östpolitik proposta pelo ministro das Relações Exteriores e depois chanceler social-democrata alemão, Willy Brandt, no início da década de 70, que promoveu uma relativa normalização das relações da República Federal da Alemanha com os países da Europa do Leste, incluindo a Alemanha Oriental e demais países comunistas do Pacto de Varsóvia. Mas fora da Östpolitik alemã, os socialistas, social-democratas e trabalhistas europeus não estiveram presentes nem apoiaram o projeto inicial de formação da Comunidade Econômica Europeia, que foi concebido e liderado pelos conservadores e democrata-cristãos na década de 50, e só contou com o apoio dos social-democratas e dos socialistas muito mais tarde, já na década de 70. Além disto, esta parte da esquerda europeia apoiou, com algumas exceções honrosas, quase todas as guerras americanas ao redor do mundo, começando pela Guerra da Coreia, submetendo-se ao argumento de George Kennan sobre a “natureza expansiva” e ameaçadora dos russos. Mesmo quando a guerra fosse muito longe da Europa, como no caso da Guerra do Vietnã, que também foi definida pelos norte-americanos como uma guerra de “contenção” do expansionismo comunista na Indochina. Neste caso, a única grande exceção foi a da social-democracia sueca, que se opôs sempre à guerra, ao lado de vários grupos de ativistas e militantes de esquerda em vários países da Europa cuja mobilização cresceu de importância com o passar do tempo e o avanço da resistência dentro dos próprios Estados Unidos.

Mas não há dúvida de que a grande surpresa nesta história um tanto repetitiva foi o comportamento dos social-democratas europeus depois do fim da União Soviética e da Guerra Fria, em 1991.

Apesar de não haver mais a necessidade de “conter” o expansionismo comunista, a maior parte do socialismo europeu seguiu apoiando os Estados Unidos e a OTAN nas suas “guerras humanitárias” da década de 90, incluindo o bombardeio aéreo da Iugoslávia, em 1999, durante 74 dias seguidos, responsável pela morte de centenas de civis e destruição quase completa da infraestrutura e da economia iugoslavas.

E depois, já no século XXI, com raras exceções, os socialistas e social-democratas europeus seguiram apoiando as guerras norte-americanas e da OTAN no Afeganistão, no Iraque, na Síria, na Líbia e no Iêmen. Mais do que isto, no caso do Iraque, em 2003, foi o governo trabalhista inglês de Tony Blair que liderou, junto com os Estados Unidos, o bombardeio aéreo, a invasão terrestre e a destruição daquele país, com mais de 150 mil mortos, sem que tenha sido apresentada nenhuma “causa justa” ou motivo legítimo para este ataque devastador feito à revelia do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

No entanto, deve-se destacar, neste caso, a oposição ao ataque anglo-americano por parte do governo social-democrata alemão de Gerhard Schröder. Quase todos os demais partidos socialistas e social-democratas – defensores entusiastas dos “direitos humanos” – mantiveram seu apoio a essas guerras sucessivas dos Estados Unidos e da OTAN, em nome do combate ao “terrorismo”, concentrado no mundo islâmico do Oriente Médio, do Norte da África e da Ásia Central, apesar de que estas guerras tenham deixado atrás de si um rastro de milhões de mortos, feridos e refugiados que depois foram barrados ou expelidos do próprio território europeu. Nesse tempo, alguns socialistas e social-democratas mais idealistas acreditaram que as “guerras humanitárias” dos anos 90 seriam o preço a pagar por um novo mundo pacífico e sem fronteiras, como nos sonhos dos primeiros socialistas europeus do século XIX. Mas no caso da chamada “guerra global ao terrorismo” declarada pelos Estados Unidos, o que se viu foi uma esquerda europeia socialista, social-democrata ou trabalhista inteiramente desfibrada e submetida aos interesses estratégicos dos Estados Unidos e da OTAN.

Resumindo o argumento, hoje se pode afirmar, depois de quase um século e meio de história, que de fato os socialistas e social-democratas europeus nunca tiveram uma posição comum sobre a política internacional, nem jamais praticaram uma política externa independente e diferenciada. Repetiram um discurso retórico de defesa da paz, do pacifismo e dos direitos humanos como valores abstratos e universais, inteiramente descolados dos contextos históricos particulares em que se originaram as guerras, e cada uma das guerras em particular. Desta perspectiva história de mais longo prazo, não surpreende inteiramente, mas choca negativamente o fato de que nesta nova conjuntura de guerra na Europa, tenha tocado a um governo social-democrata alemão tomar a decisão de rearmar a Alemanha, expandir a OTAN e participar ativamente, ao lado dos EUA e da própria OTAN, de uma nova guerra europeia, dentro do território da Ucrânia.

A poucos dias da comemoração da derrota nazista pelas tropas russas na Segunda Guerra Mundial, a Alemanha decidiu pagar o preço provável da destruição de sua economia industrial e da implosão da própria União Europeia, mostrando-se inteiramente incapaz e impotente de mediar um conflito que vinha se anunciando há muitos anos e que poderia ter encontrado uma solução diplomática e pacífica dentro da própria Europa.

Porque, na prática, os social-democratas, socialistas e os trabalhistas ingleses, de forma muito particular, se transformaram numa força-auxiliar da estratégia militar norte-americana dentro da Europa.


1 É quase impossível encontrar hoje alguma posição consensual de esquerda sobre qualquer assunto que seja da agenda política internacional. No passado talvez fosse mais simples, mas mesmo assim, nossa pesquisa histórica neste artigo analisa apenas a posição dos partidos social-democratas europeus mais tradicionais, no campo da política externa, e em particular frente ao desafio das guerras. Foram partidos que participaram regularmente de eleições, tiveram bancadas parlamentares e chegaram a ser governo, ou participaram de governos de coalizão, nos séculos XX e XXI. Falamos genericamente da “social-democracia europeia”, mas estamos sempre pensando nas suas três vertentes mais importantes: os partidos social-democratas propriamente ditos, com maior presença na Alemanha e nos países nórdicos; os partidos socialistas, com maior força na França, na Itália e nos países ibéricos; e os partidos trabalhistas, sobretudo o caso inglês, e só mencionamos de passagem os partidos comunistas pelo motivo exposto no próprio artigo. E mesmo no caso das três principais vertentes “social-democratas”, restringimos nossa análise às grandes linhas e diretrizes de suas bancadas parlamentares e de seus governos, reconhecendo que muitas vezes esses governos divergiram da posição de suas direções partidárias, e muito mais ainda, da posição de seus militantes dispersos por uma infinidade de tendências e correntes divergentes.


O Autor: JOSÉ LUÍS FIORI

Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Economia política Internacional, PEPI. Coordenador do GP da UFRJ/CNPQ, “O poder global e a geopolítica do Capitalismo”. Coordenador adjunto
do Laboratório de “Ética e Poder Global”. Pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis, INEEP. Publicou, “O Poder global e a nova geopolítica das nações”, Editora
Boitempo, 2007 ; “História, estratégia e desenvolvimento”, Boitempo, em 2011 ; e, “Sobre a Guerra”,
Editora Vozes Petrópolis, 2018.


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A Europa e o liberalismo

(Eldad Manuel Neto, 14/12/2019)

A UE tem os dias contados. As grandes economias mundiais estão nas mãos de nacionalistas poderosos. Todos eles possuem armamento esmagador. Rússia, China e EUA preparam a repartição da sua quota parte nesse aniquilamento. Com o BREXIT ganham um ponta de lança europeu nessa estratégia.

No seio da UE proliferam os partidos de extrema-direita financiados pelos chacais que a querem destruir.

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A UE conta apenas com duas economias desenvolvidas e industrializadas. Todavia, toda a UE liquidou, há muito, o caminho da solidariedade e da justiça social. A maioria dos seus dirigentes são fiéis seguidores do capital em detrimento do trabalho e da dignidade humana. As centrais de poder da UE, nomeadamente o Eurogrupo, convergem nas estúpidas políticas de controlo do défice asfixiando cada vez mais as soberanias e os serviços públicos. O capitalismo nunca viveu fase mais concentracionária.
A democracia representativa tradicional não responde às angústias e problemas do mundo do trabalho. A atracão deste exército laboral é, cada vez mais, presa fácil dos nacionalismos e populismos que alastram perigosamente.

A Europa dos Livros, das Artes, dos Direitos Humanos, do Ensino Público, da Saúde Pública e das Pensões está a chegar ao fim. A morte dos Partidos Socialistas e Social-Democratas que, nas últimas décadas, traíram os seus eleitores, colocou no poder os fiéis serventuários das Goldman Sachs deste mundo. O dinheiro emigrou, sem escrúpulos e travões dos líderes europeus, para as offshores sem rosto.

Na América Latina os golpes sucedem-se. O Brasil prossegue o seu caminho de fascização. A ONU é, hoje, um palco decorativo sem influência.

A total ausência de políticas europeias comuns na defesa do trabalho, dos salários dignos e do Estado Social enfraquece a passos largos o Espaço Europeu.

O “ Suplício e Paixão do Socialismo”, traçado no livro de Rui Namorado, impõe aos democratas e socialistas europeus séria reflexão.

Não deixa de ser curiosa a pública dissensão entre Costa e Centeno quanto ao Quadro proposto pelo Eurogrupo. A desvalorização do Trabalho, dos Direitos Humanos e da Justiça Social mergulha a Europa,neste quadro de forças, na subserviência e na capitulação.