A luz ao fundo do túnel

(António Filipe, in Expresso Diário, 16/08/2022)

A possibilidade real da eleição de Lula da Silva nas eleições presidenciais é a luz ao fundo do túnel para a derrota da barbárie levada ao poder na sequência do golpe de Estado iniciado em 2014 e para o regresso do Brasil a uma governação democrática.


O golpe de Estado que destituiu ilegalmente Dilma Rousseff de Presidente do Brasil em 2016, que prendeu ilegalmente Lula da Silva para o impedir de se candidatar em 2018, que lesou gravemente a economia, o Estado de Direito e a democracia no Brasil em nome de um suposto combate à corrupção e que levou ao poder uma camarilha obscurantista, corrupta e boçalmente reacionária em torno de Jair Bolsonaro, pode vir a ser derrotada nas urnas por uma frente ampla para a defesa da democracia em torno da candidatura de Lula da Silva.

A verificar-se essa eleição, dado que em política não há vitórias antecipadas, será na verdade a derrota de um golpe de Estado iniciado em 2014, concretizado através de uma gigantesca mobilização de meios com que a elite brasileira pretendeu reverter os avanços sociais conseguidos durante os Governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Quando terminou o seu segundo mandato em 2010, Lula da Silva tinha uma aprovação de quase 90% apesar dos ataques sistemáticos que lhe eram movidos pela comunicação social dominante. O Brasil tinha saído mapa da fome, uma classe média tinha surgido devido à melhoria significativa das condições de vida das camadas sociais mais desfavorecidas, o Brasil tornou-se uma grande economia mundial e era um país respeitado, como nunca tinha sido, a nível mundial.

Se Dilma Rousseff foi eleita tranquilamente em 2010, o mesmo já não aconteceu em 2014. Muita coisa tinha mudado na economia mundial com a crise que se instalou no início da segunda década do Século XXI. A economia brasileira também foi afetada e a reeleição de Dilma Rousseff em 2014, tendo sido democraticamente inquestionável, foi mais apertada que a anterior, sendo que das eleições parlamentares resultou uma composição do Congresso (Câmara dos Deputados e Senado) adversa ao Governo e disposta a criar dificuldades à ação governativa.

Sucede que o candidato derrotado, Aécio Neves, se recusou a aceitar o resultado da eleição e promoveu desde o primeiro dia uma ação desestabilizadora visando derrubar a Presidente democraticamente eleita.

Os tempos que se seguiram foram de intensa contestação social fortemente mobilizada pela comunicação social, amplamente financiada pelas associações patronais (a poderosa FIESP chegou a distribuir refeições gratuitas aos manifestantes), e levando atrás de si setores da própria esquerda atraídos pela justeza dos propósitos invocados pelos promotores das manifestações que exigiam hipocritamente mais investimento na saúde e na educação.

A fase seguinte foi o lançamento do processo de destituição (impeachment) de Dilma Rousseff. Nos termos constitucionais, a destituição só seria possível havendo crimes de responsabilidade cometidos pela Presidente, reconhecidos por dois terços de ambas as câmaras parlamentares. Em sessões parlamentares que ficarão na História pelas piores razões, onde se assistiu a intervenções de uma ignomínia sem limites, Dilma Rousseff foi afastada por “crimes” que todos sabiam inexistentes.

Consumado o afastamento de Dilma Rousseff, era preciso impedir Lula da Silva de se recandidatar. Nessa vertente do golpe, entraram em força a comunicação social e o sistema judiciário.

A invenção dos processos contra Lula da Silva teve a assinatura de um procurador (Deltan Dalagnol) e de um juíz (Sérgio Moro). Dalagnol exibiu perante o país um power-point em que Lula era acusado de ser o centro de uma associação criminosa ligada à corrupção.

Os processos contra Lula foram associados artificialmente a uma operação que já havia sido lançada, de nome lava-jato. Essa operação, posta em prática com a prestimosa “colaboração” da CIA, visou, através de mecanismos processuais famigerados como a “delação premiada”, liquidar a maior empresa de construção civil da América latina (Odebrecht) e a petrolífera pública brasileira (Petrobrás). Num país com uma corrupção reconhecidamente endémica, e onde a necessidade de a combater reúne um largo consenso social, era, e é possível, em nome do combate à corrupção, com forte apoio da opinião pública e publicada, instrumentalizando seletivamente os mecanismos legais de combate à corrupção e usando-os para outros fins. Tudo isto num quadro em que a comunicação social dominante se empenhou em condenar publicamente Lula da Silva, forjando convicções na ausência de provas.

Tal como aconteceu com o processo de Dilma Rousseff, os processos contra Lula da Silva eram manifestamente fantasiosos, mas para saber isso era preciso conhecer os processos. Só que a comunicação social corporativa, com a TV Globo na dianteira, dedicava horas infinitas às teses da acusação e silenciava tudo o mais. O poder económico brasileiro usou intensivamente o seu poder mediático para forjar a condenação de Lula na opinião pública e com isso facilitar a aceitação da condenação judicial. Qualquer pessoa que tivesse a possibilidade de conhecer os factos concretos e não apenas as acusações e pudesse olhar para esses factos de forma objetiva perceberia estar perante uma monumental farsa judicial, mas tudo o que contrariasse a versão dominante era silenciado ou convenientemente marginalizado.

Em Portugal, onde a generalidade da comunicação social se limitava a reproduzir as teses da TV Globo, da TV Record, da Folha ou do Estado de São Paulo, poucos se atreviam a acreditar na inocência de Lula. Alguns por inocência ou cobardia, outros simplesmente por não dispor de elementos que permitissem contrariar as teses dominantes. Para isso era preciso romper o círculo político e mediático que estava montado e ter acesso ao conteúdo dos próprios processos ou a opiniões que, contra a corrente, desmontavam pedra por pedra as teses fantasiosas da acusação.

A informação que pude obter na altura sobre os processos deu-me a certeza de estar perante uma farsa judicial imprópria de um Estado de Direito. Desde logo, o Tribunal de Curitiba onde pontificava o juiz Moro nem sequer era competente para julgar Lula da Silva. O julgamento em Curitiba consistia numa usurpação de competência baseada num artifício que consistiu em associar as acusações abusivamente à operação lava-jato.

Os processos não tinham pés nem cabeça. Lula era acusado de ser proprietário de um triplex quando ao mesmo tempo decorria na Justiça um processo de penhora do triplex ao verdadeiro proprietário. Lula era acusado de ser o dono de um “sítio” com o qual nada tinha a ver. Era acusado de corrupção por conferências dadas ou por ter defendido a indústria brasileira no exterior e como não se encontrava nada das fantasiosas riquezas de que era acusado de possuir era acusado de branqueamento de capitais. E como se não bastasse, toda a família era perseguida judicialmente: a esposa que veio a falecer e que também viu os seus bens arrestados, os irmãos e os filhos.

Como era preciso agir depressa, Moro fez a festa, deitou os foguetes e apanhou as canas. Dirigiu a instrução, deu ordens aos procuradores, fez o julgamento, reconheceu não ter provas, mas convicções, ditou a sentença e mandou prender. Tudo em tempo recorde e perante um Supremo Tribunal Federal acobardado em face da pressão mediática. Escusado será dizer que num Estado de Direito que se preze, o juiz que dirige à instrução não pode, em caso algum, proceder ao julgamento.

Sucede também que, num Estado de Direito que se preze, para se cumpra uma pena de prisão é preciso que a condenação seja definitiva, mas mesmo isso tinha de ser ultrapassado. O recurso da sentença de Moro foi levado rapidamente à segunda instância que ainda agravou a pena e pouco depois o Supremo Tribunal Federal veio alterar a sua jurisprudência permitindo que Lula começasse a cumprir a pena mesmo sem haver uma decisão transitada em julgado. Importa referir que a decisão do Supremo Tribunal Federal foi antecedida de ameaças por parte das chefias militares. Faltava a componente militar do golpe, mas ela acabou por se fazer sentir através de ameaças feitas em momentos chave.

Todo o ambiente político-mediático que foi criado no Brasil entre 2014 e 2018, assente no descrédito da política e dos políticos e na demagogia em torno de um suposto combate à corrupção, levou a que os principais patrocinadores do golpe contra o PT – o chamado centrão (principalmente PSDB e PMDB) – fossem, quais aprendizes de feiticeiro, arrastados na voragem de um discurso supostamente antissistema que levou ao poder, com Bolsonaro, o pior e mais corrupto que o sistema alguma vez gerou. E mais uma vez a mão de Washington, através do famigerado Steve Bannon, dotou o bolsonarismo com a assessoria necessária para uma gigantesca campanha de falsidades difundidas por via das redes sociais.

Pouco tempo era passado sobre a governação de Bolsonaro para que muita gente se apercebesse da tragédia que se abateu em 2018 sobre o Brasil. A boçalidade do discurso e da prática governativa que se revelou uma vergonha nacional e internacional, o regresso do Brasil ao mapa da fome com o abandono de projetos de apoio social e o regresso ao neoliberalismo, a venda ao desbarato do mais valioso património empresarial público, a criminosa gestão negacionista da pandemia de covid 19, o escandaloso nepotismo da família Bolsonaro, a apologia da violência e do uso das armas, o aumento da violência política com o recurso a assassinatos e as ameaças diretas ao poder judicial e à democracia, mostraram a verdadeira face de Bolsonaro e da camarilha política que o rodeia.

Podemos dizer que a libertação de Lula, após 500 dias de prisão, foi um ponto de viragem. Constantemente acossado por ameaças bolsonaristas contra o poder judicial e contra a sua própria existência, o Supremo Tribunal Federal decidiu, embora tangencialmente, o que nunca deveria ter sido posto em causa, isto é, que não se pode cumprir uma pena de prisão sem que haja uma condenação definitiva. A partir daí, o Juiz Moro (que tinha, entretanto, passado de juiz a ministro de Bolsonaro, até se demitir) foi considerado parcial e as suas decisões anuladas. Foi denunciada a falsidade do power-point de Dalagnol e toda a farsa judicial começou a cair como um castelo de cartas. Lula da Silva obteve na passada semana a 26.ª vitória judicial. É hoje óbvio que foi um preso político durante 500 dias, vítima de um golpe de Estado que o povo brasileiro tem em breve condições para derrotar.

A frente social e política que apoia Lula da Silva não se limita aos partidos e personalidades considerados de esquerda. Trata-se de um amplo movimento que anseia pelo regresso a uma governação que respeite os mais elementares valores democráticos.

A luta eleitoral até outubro será extraordinariamente exigente. O bolsonarismo não desarma e não hesitará em recorrer aos métodos mais sórdidos de intervenção política. E não faltarão aqueles que em nome de uma suposta neutralidade preferem ficar em cima do muro. Todavia, o povo brasileiro tem nas suas mãos a possibilidade de virar mais uma página infeliz da sua História e ser feliz de novo.


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A vitória moral de Lula da Silva

(Carlos Esperança, 15/06/2019)

Quando um homem é mordido por uma víbora, não há quem apoie o réptil, mas se esse homem caiu num ninho de víboras e ninguém procura salvá-lo, é o género humano que se humilha pela cobardia e o torna indigno.

Lula da Silva até podia ser corrupto, e mereceria o desprezo que a indignidade provoca, mas estar preso por uma associação de malfeitores emboscados nas togas e becas, é um crime que produz o vómito de quem ainda preza a liberdade e a dignidade humanas.

Conspirar contra a democracia e derrubar o homem que os malfeitores escolheram para subverter a legalidade e exercer uma vingança partidária, é a baixeza ética da cáfila que nunca procurou combater a corrupção, apenas queria ter o monopólio dela.

Lula da Silva, cuja inocência é hoje irrelevante face aos estragos que o justiceiro Sérgio Moro causou à Justiça, à democracia e ao Brasil, tem hoje contra o ardiloso conspirador a superioridade ética de quem foi preso por vingança, cálculo eleitoral e ódio de classe.

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A vergonha dos convites que juristas portugueses fizeram ao biltre que os envergonhou, com a defesa dos truques tropicais para prender adversários, teve o mérito de permitir à atual ministra da Justiça, a honrada procuradora que afirmou, sem o referir, que Portugal era uma democracia e se regia por normas de um Estado de Direito.

O julgador que negociou um lugar de ministro a troco da vitória eleitoral do mais burro e ignaro PR que o Brasil teve, talvez sonhe ainda com a indigitação para o Supremo Tribunal que o indigno capitão lhe terá prometido, mas a nódoa que lançou sobre o sistema de Justiça brasileiro não encontrará benzina que a remova.

A minha solidariedade com Dilma e Lula da Silva é um grito de revolta contra a ordália que foi urdida contra eles, tal como na Idade média, pelos que se julgaram deuses e não passavam de meros patifes infiltrados na Justiça.


Sérgio Moro ou a caricatura de um juiz

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 15/06/2019)

Miguel Sousa Tavares

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1 Não é lícito afirmar que a revelação de que Sérgio Moro andou a combinar com a acusação a melhor forma de condenar o ex-Presidente Lula da Silva serve, por si só, para arrasar toda a acusação e pôr em causa a condenação. É preciso não esquecer que esta foi confirmada em recursos por dois tribunais superiores, embora com o ambiente político devidamente montado para tal e com alguns pormenores que dão que pensar (um juiz pronunciou-se a favor da culpabilidade de Lula antes de ter lido o processo, a assistente de outro celebrou previamente nas redes sociais o desfecho do recurso que ainda não fora julgado). Mas também não é possível sustentar que nada de essencial muda depois de conhecidas as indecentes conversas mantidas entre Moro e dois procuradores, as suas tentativas para impedir, com sucesso, que Lula desse uma entrevista que poderia, segundo eles, pôr em causa a vitória eleitoral de Bolsonaro ou os indícios de que Moro terá manobrado de forma a que o processo Lava Jato fosse parar a Curitiba e às suas mãos. Haja ou não matéria legal para exigir uma revisão de todo o processo de Lula — sobretudo, após conhecido o mais que o “Interceptor Brasil” irá revelar — uma coisa tornou-se evidente e não pode ser negada de boa-fé: Sérgio Moro tinha uma motivação política pessoal contra Lula da Silva. Estava pessoalmente empenhado em que Lula fosse afastado das presidenciais, para as quais partia como favorito, e que Bolsonaro fosse eleito Presidente.

O mínimo de decoro teria recomendado que o juiz se remetesse ao seu trabalho em Curitiba, coberto de glória para metade dos brasileiros, após ter conseguido enfiar na prisão por 13 anos o homem que foi o mais popular Presidente do Brasil. Mas a agenda política de Moro não se esgotava aí e ele nem hesitou em dar o passo fatal, com o qual arrancou a máscara: aceitar ser ministro da Justiça no Governo do Presidente que ajudara a eleger a partir da sua posição como juiz. Nem mesmo na equipa de Trump se desceu tão baixo, em termos de confusão entre a Justiça e a política.

Mas só se admirou quem quis: Sérgio Moro já tinha mostrado a sua verdadeira face quando, igualmente por motivação política, resolver “vazar” uma escuta telefónica ilegal entre a Presidente Dilma Rousseff e Lula. Quando um banal juiz de 1ª instância não só ordena ilegalmente uma escuta ao próprio Presidente da República, como depois ainda se permite divulgá-la na imprensa, é óbvio que estamos perante um homem perigoso demais para exercer a magistratura. Moro mostrou que se achava acima da lei, pior ainda: que podia usar os poderes que a lei lhe dava como muito bem entendesse, inclusive para o combate político, em que não devia participar, por estatuto. E muito embora depois se tenha declarado arrependido do seu acto, só realmente uma grande envolvência política de suporte ao “herói” Sérgio Moro justifica que a magistratura brasileira não lhe tivesse imediatamente indicado a porta da rua.

Sérgio Moro, que é vedeta convidada e reconvidada em Portugal, tem escrito na cara aquilo que é: um justiceiro e não um juiz. E pior do que um mau juiz é um juiz-justiceiro, aquele que acredita na sua superioridade moral sobre o comum dos homens e que julga que o direito está ao serviço da sua moral, nem que para isso tenha que fazer tábua-rasa dos direitos alheios. É eloquente que até um dos procuradores escutados a conspirar com ele, Delton Dellagnol, tenha manifestado dúvidas sobre o êxito de uma acusação que não assentava em nenhuma prova directa, mas só nessa figura tropical do “delator premiado”. Moro condenou um homem de setenta anos a 13 de cadeia, condenou um ex-Presidente da República pelo pior dos crimes que lhe poderiam ser imputados — o de corrupção — sem ter contra ele uma só prova directa da acusação feita: uma escuta, uma escritura, um contrato, um papel, um testemunho independente que confirmassem que Lula era, de facto, o dono ou, pelo menos, o usufrutuário do célebre triplex na praia que parece ter recebido como corrupção. Eu, pessoalmente, gostaria muito de perguntar ao ex-juiz Sérgio Moro como é que ele sabe, quando está perante um delator premiado, que este está a dizer a verdade ou apenas a verdade que interessa à acusação e ao próprio delator, que assim será “premiado”. Porque a tal delação premiada — que muitos dos nossos magistrados do Ministério Público bem gostariam de ver introduzida no nosso Código de Processo Penal — não é outra coisa que não um testemunho comprado. E se é crime a defesa comprar testemunhas, por que razão poderá a acusação fazê-lo ao abrigo da lei?

Ciao, Sérgio Moro. Começou como juiz impoluto, idolatrado por muitos; desacreditou-se como juiz independente e imparcial quando saltou para a política nos braços do homem que ajudara a eleger contra aquele que mandara prender; e agora jaz soterrado sob um mar de lama que nenhum Lava Jato poderá limpar. Mesmo na prisão, culpado ou inocente, Lula da Silva é muito mais livre do que ele.

2 Mais três autarcas constituídos arguidos sob suspeita de corrupção — mais os inevitáveis crimes associados de branqueamento de capitais e evasão fiscal. Sem pôr de forma alguma em causa a presunção de inocência, direi, em abstracto, que não me espanta que metade dos casos de corrupção investigados ou julgados diga respeito a autarcas. Porque, ao contrário, do que é politicamente correcto dizer, o governo de proximidade é uma forma de tentação acrescida e não de transparência acrescida. É aquilo a que chamo “o poder fatal” — o lugar onde, longe dos olhos de quase todos, o poder aí existente é o maior empregador, o maior contratador, o maior distribuidor de dinheiros públicos. Contra as malfeitorias de um ministro, temos um Parlamento, um Tribunal de Contas, uma imprensa nacional para nos defender: contra as de um presidente de Câmara de pequena ou média dimensão, temos o silêncio dos dependentes. E todos sabemos que, infelizmente, desde que haja ladrão, a ocasião vai sempre ter com ele. É uma das razões pelas quais a regionalização, tão ansiada por alguns, me deixa logo de cabelos em pé.

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Não obstante, estas mega-operações de justiça mediática deixam-me sempre um sentimento ambíguo. Às vezes até parece que é pela anunciada grandiosidade da operação — dezenas de magistrados, centenas de investigadores, dúzias de buscas, milhares de páginas de documentos apreendidos, tudo devidamente publicitado aos quatro ventos — que se pretende fazer prova prévia da culpabilidade dos suspeitos. Suspeitos que as autoridades logo transformam em arguidos e a opinião pública em corruptos, sem mais. E por vezes sucede que, desencadeada a mega-operação, nada mais acontece durante meses ou anos. Demasiados processos ficam parados ou jamais chegam a julgamento e demasiadas pessoas, que tanto podem ser culpadas como inocentes, carregam sobre os seus ombros uma sentença popular de corrupção inapagável. Que ela existe e é também demasiada, não tenho dúvidas. Que ela precisa de todos os meios para ser investigada, também não. Mas não haverá forma melhor de o fazer mais depressa e com menos danos colaterais?

3 Eis outra coisa que se repete de ano para ano: a falta de parte dos meios aéreos previstos para o combate aos incêndios, porque o desfecho de concursos está suspenso em tribunal, após reclamação dos vencidos. Este ano são 17 os meios aéreos cuja entrada ao serviço está pendente de uma decisão da Justiça sobre o resultado de dois concursos. Mas os incêndios não esperam pela Justiça e por isso pergunto: não será possível que os concursos imponham a obrigatoriedade do vencido prescindir de reclamar o resultado do concurso? Ou, ao menos, prever uma tão grande penalização em caso de indeferimento judicial, que os concorrentes pensem duas vezes antes de reclamarem sistematicamente, de cada vez que perdem o concurso?

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia