Presunção de Inocência e Julgamentos Medievais

(Raquel Varela, in raquelcardeiravarela.wordpress.com, 16/04/2023)

O caso Boaventura e a Política do país.

A direita e as políticas de direita, não raras vezes feitas por governos de esquerda num gigante “bloco central de unidade nacional”, que são os responsáveis pelo ambiente tóxico nos locais de trabalho – na Academia, nos hospitais, nas escolas, nos serviços, nas fábricas e nas empresas – está hoje a surfar o caso Boaventura, embriagando-se. A linha política é clara, e as mulheres podem ser apenas o figurante da disputa da crise política, de que a TAP é a ponta do icebergue. O assédio em Portugal, segundo os estudos, atinge entre 500 a 750 mil trabalhadores em Portugal por ano. Sim, este é o valor que os estudos dão. De 5 milhões de trabalhadores, 500 a 750 mil dizem-se alvo de assédio. A linha porém é outra. Toda a comunicação do caso passa por:

1) Apagar o escândalo de pedofilia na Igreja Católica – que em Portugal é e sempre foi o Partido orgânico da direita e a sua base social – e misturar tudo: menores e maiores, pedofilia, violações, assédio, sedução. Tudo aparece numa amálgama como o mesmo. E nele as mulheres aparecem como crianças, vítimas e não sujeitos de direitos. Não se compreende o que é sedução e chantagem, violação e galanteio, adultos e crianças, está tudo na mesma névoa para que a Igreja, que acaba de passar pelo maior escândalo da sua existência, possa dizer “somos apenas mais um…”. 

2) Boaventura é o intelectual orgânico da Geringonça, e o que está à frente para “a saída da crise” económica é um governo de bloco central ou direita mais o Chega. Acabar com a vida pública de Boaventura é dizer que a Geringonça e o seu maior defensor, morreram. Faço uma ressalva: fui contra a Geringonça e escrevi-o em polémica com Boaventura publicamente. Nunca defendi ou subscrevi as suas ideias. Pelo contrário, escrevi muito em total desacordo com elas. 
Para mim o que o país precisava era de um governo de esquerda com um programa de esquerda e isso não foi feito com nenhum dos partidos da Geringonça. O PS governa à direita, com a direita. A geringonça foi o abraço de urso do PS ao PCP – matar o seu mensageiro era um imperativo político para a nova fase política. 

3) Governação de direita sem direitos só existe com medidas bonapartistas: acabar com a presunção de inocência, inverter o ónus da prova, garantir que publicamente quem é acusado é culpado, é essencial ao desenho político que se avizinha. Agora com Boaventura, em breve com os dirigentes sindicais das greves e/ou outros dirigentes de esquerda. Quem esteja contra as política de Estado, ou questione o regime, vai ter o mesmo tratamento – culpado à partida. As elites dirigentes portuguesas preparam-se para apoiar um Governo de “exceção”, ou de Bloco Central ou com o Chega, e não suportam mais as greves, que agora não estão sob controlo da concentração social da CGTP e UGT. É preciso criar um ambiente público que justifique a suspensão de garantias individuais basilares, o que já foi feito em várias greves desde a Geringonça – na altura infelizmente Boaventura não se distanciou da repressão aos trabalhadores que lutavam por direitos mínimos.  

4) Nem uma palavra de todos os que hoje se mostram escandalizados sobre o deplorável estado da justiça em Portugal, que não serve mulheres, negros, brancos, desde que sejam trabalhadores, não serve ciganos, não serve imigrantes, mas também não serve trabalhadores menos miseráveis como professores ou médicos, com as condições de trabalho que há na justiça, as custas judiciais, e os prazos a maioria de quem trabalha em Portugal – e de quem é alvo de assédio também – não tem acesso à justiça. O tema não preocupou ninguém estes dias. Só se viu defenderem denúncias anónimas, fogueiras públicas e métodos pidescos. Justiça a funcionar gratuita e célere nem uma palavra. Até agora. Ninguém, rigorosamente ninguém publicamente disse uma palavra sobre o deplorável estado do acesso à justiça em Portugal, milhares defenderam que por a justiça não funcionar estão legítimados os julgamentos públicos. 

5) Há muito dinheiro do PRR para distribuir pelas Universidades e pelos centros de investigação. Já antes o CES era um dos que mais recebia. Este é o ano do fim dos contratos de investigadores, ameaçados de desemprego, a avaliação a chegar da FCT (a partir da qual se vai distribuir novos dinheiros, ditar o fim de unidades e a vitória de outras, esmagando colegas). Sobre isto nenhuma investigação mediática. O escândalo já serviu não só para atirar em Boaventura mas em todo o CES e em todas as ciências sociais, que a direita acha que são mais ou menos todas iguais e desnecessárias ao país. Para quê ter sociólogos quando se pode ter só empreendedores? As disputas em curso, à boleia do caso, só reproduzem os mesmos mecanismos que criticam, ou seja, sujar colegas, centros, áreas de investigação.

6) Sobre o que se pode fazer para defender quem trabalha na Academia e em todos os locais de trabalho do país não há uma proposta em cima da mesa, um editorial indignado. Zero. Zero sobre contratos precários, bolsas eternas, projectos subfinanciados, zero sobre ausência de lugares na carreira, progressão, salários. Sobre isto – a precariedade na Academia, que produz 75% do que é feito – nem uma palavra que não seja a “culpa é do patriarcado e dos catedráticos”. Ainda por cima a universidade há muito deixou de ser de cátedra. A disputa hoje é pelos lugares de gestão. Como é óbvio. Sobre o produtivismo competitivo que deslaça a cooperação, a mercantilização da ciência, a qualidade das avaliações, a cooperação, não se escutou uma palavra.

Podemos aprovar mil códigos de ética – sem debatermos a precariedade, a avaliação, os salários, a autonomia e solidariedade do bem comum, este episódio será mais um prego no caixão dos direitos, incluindo à cabeça os direitos das mulheres. Medidas de suspensão de direitos hoje, em nome das mulheres, serão contra elas e contra todos os trabalhadores preferencialmente usadas.


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

TPI, a Justiça enquanto farsa

(Celso Dengucho, in Facebook, 17/03/2023)

A propósito do mandado de detenção emitido pelo Tribunal Penal Internacional (que os EUA não reconhecem…) contra o Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, aqui deixo uma “sugestão” para que aquele Tribunal não seja acusado de ter “dois pesos, duas medidas” e, desta forma, mostrar ao mundo a sua isenção e imparcialidade!

E, já agora, que emita também mandados de detenção contra todos os Presidentes dos EUA ainda vivos, a começar no Bill Clinton e a acabar no Joe Biden, bem como contra todos os Secretários Gerais do Grupo Terrorista NATO, que tenham tido responsabilidade na prática dos crimes.de guerra que abaixo se discriminam:

E que tal a criação de um Tribunal Criminal Internacional Independente para julgar todos estes crimes de guerra, contra a Humanidade, contra os Povos, contra a Liberdade, a Democracia e os Direitos Humanos que os EUA/NATO têm cometido ao longo de toda a sua história, bombardeando populações civis inteiras para impôr a sua ordem de dominação internacional e o seu regime terrorista de imposição de uma ordem internacional unipolar que lhes permita continuar a roubar os recursos e riquezas dos Povos?

Esta é lista de Estados que foram invadidos e bombardeados pelos Estados Unidos da América após a Segunda Guerra Mundial até aos dias de hoje.

• Coreia e China 1950-53 (Guerra da Coreia)

• Guatemala 1954

• Indonésia (1958)

• Cuba (1959-1961)

• Guatemala (1960)

• Congo (1964)

• Laos (1964-1973)

• Vietname (1961-1973)

• Camboja (1969-1970)

• Guatemala (1967-1969)

• Granada (1983)

• Líbano (1983, 1985) (atingindo alvos nos territórios do Líbano e da Síria)

• Líbia (1986)

• Salvador (1980)

• Nicarágua (1980)

• Irão(1987)

• Panamá (1989)

• Iraque (1991) (Guerra do Golfo)

• Kuwait (1991)

• Somália (1993)

• Bósnia (1994, 1995)

• Sudão (1998)

• Afeganistão (1998)

• Iugoslávia (1999)

• Iémen (2002)

• Iraque (1991-2003) (tropas conjuntas dos EUA e da Grã-Bretanha)

• Iraque (2003-2015)

• Afeganistão (2001-2015)

• Paquistão (2007-2015)

• Somália (2007-2008, 2011)

• Iémen (2009, 2011)

• Líbia (2011, 2015)

• Síria (2014-2023)

Há mais de 20 estados na lista. Por isso nunca devemos esquecer de onde vem a verdadeira ameaça para o mundo”.

Perante todas estas violações do Direito Internacional, que os meios hegemónicos da comunicação social omitem, escondem ou manipulam, a ONU tem a obrigação de aprovar e impor sanções ao estado terrorista dos EUA e ao seu braço armado, a assassina NATO!


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

Assim, o Brasil não vai dar certo

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 27/01/2023)

Miguel Sousa Tavares

Sai o general Tapioca, entra o general Alcazar; sai o general Alcazar, entra o general Tapioca: por estes dias, ainda nem um mês se completou sobre a posse de Lula da Silva, o Brasil remete-nos para a descrição que Hergé fez de um qualquer país da América do Sul há mais de 50 anos. Poucas semanas depois de ter sido nomeado, o Comandante-Chefe do Exército, general Arruda, foi demitido para dar o lugar ao general Paiva. A separá-los, duas frases que fizeram toda a diferença: enquanto o primeiro classificou como “manifestantes em democracia” os bolsonaristas acampados em frente ao quartel-general de Brasília, de onde partiram para o assalto à Praça dos Três Poderes, em 8 de Janeiro, o segundo declarou simplesmente uma coisa pacífica em qualquer democracia, que havia que respeitar o resultado das urnas. Porém, as coisas estão longe de ser tão pacíficas assim: comentando a troca de comandos, um tenente-coronel comentou nas redes sociais: “Saiu um patriota, entrou um prostituto do ladrão. Agora venham-me punir, mas muitos outros pensam o mesmo que eu.” O “ladrão”, bem entendido, é como os bolsonaristas — metade dos brasileiros — se referem a Lula, e, de facto, calcula-se que pelo menos 70% dos oficiais, em especial os de média patente, pensem o mesmo que aquele oficial, a quem nada aconteceu até à data.

<span class="creditofoto">ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO</span>

O Brasil tem as segundas maiores Forças Armadas das Américas, só atrás dos Estados Unidos. São 360 mil efectivos profissionais, mais 1,6 milhões do SMO e cinco mil generais na reserva. Todos os profissionais gozam de um catálogo imenso de privilégios de toda a ordem, a que, no tempo de Bolsonaro, juntaram uns milhares de cargos públicos em acumulação e de que eles agora estão a ser dispensados. Esta imensa força militar não tem, para além da patrulha da imensa fronteira norte contra o tráfico de droga, objectivos que a justifiquem: o Brasil não tem nem inimigos externos nem alianças militares de que faça parte. Mas tem, em contrapartida, uma tradição, ainda recente e traumática, de intervenção militar no Governo do país. Para os militares, toda a esquerda representa uma ameaça comunista e para a maioria dos brasileiros as Forças Armadas são a instituição mais fiável do país: por isso os bolsonaristas acampavam em frente aos quartéis, pedindo aos militares que interviessem para reverter pelas armas a vitória de Lula nas urnas. Este é parte do ambiente político em que Lula é chamado a começar a governar.

Saiba mais aqui

Na semana passada, ele reuniu no Palácio do Planalto um curioso grupo de trabalho: dois ministros, três dirigentes empresariais de peso e os chefes dos três ramos das Forças Armadas. O objectivo era demonstrar que os empresários estavam com a normalização democrática e exigir o mesmo aos militares, designadamente a punição disciplinar dos envolvidos nos acontecimentos de 8 de Janeiro. A resposta dos militares foi um “sim, mas”, que na prática não vai significar coisa alguma. Em contrapartida, levavam no bolso a factura a pagar: um submarino nuclear para a Marinha, novos caças para a Força Aérea e tanques para o Exército. Uns biliões a mais para um Governo que diz ter herdado uma tesouraria arruinada. Cautelosa ou esperançosa, a imprensa brasileira finge que ficou tudo bem. Mas não ficou: basta falar com as pessoas no Brasil para perceber que esta normalidade está colada com cuspo. As divisões permanecem irredutíveis e insanáveis, o benefício da dúvida dado ao novo Governo pelos seus adversários é zero e este parece apostado em dar-lhes razão, cavando ainda mais as divisões e repetindo erros passados.

Longe de começar a tentar serenar os ânimos e reaproximar um país dividido ao meio, Lula usou o discurso de posse e o discurso em cima dos acontecimentos de 8 de Janeiro — ambos escritos — para, em tom revanchista e ainda de campanha, atacar quem já fora vencido nas urnas. Na própria campanha, em que precisava de atrair eleitores do centro, não se poupou a excessos de linguagem, como o de chamar aos herdeiros de uma herança “bando de parasitas que sacam dinheiro enquanto o povo está passando fome”. E esta semana, na sua primeira visita ao estrangeiro, na Argentina, prometeu solidariedade, ajuda financeira e “carinho” a Cuba e Venezuela (enquanto o povo brasileiro está passando fome…). Para garantir a necessária maioria no Congresso recorreu ao inevitável ‘centrão’, formando um Governo com 37 ministros, alguns dos quais com processos pendentes por corrupção e alguns outros que fatalmente acabarão a conspirar contra ele dentro do próprio Governo. Mas também tem aliados, e alguns que não se recomendam. Um deles é o presidente do Supremo Tribunal Federal, Alexandre Moraes, um incendiário à solta. Ultrapassando sem freio os seus poderes constitucionais e qualquer disfarce de isenção, o presidente do STF manda investigar, prender, derrubar bloqueios em estradas e tudo o mais que lhe vem à cabeça, usurpando os poderes do Ministério Público e do próprio Governo e tratando antecipadamente por “terroristas” e “criminosos” aqueles que talvez um dia lhe caiba julgar — afinal, a única função que lhe compete. O outro aliado de Lula que não se recomenda (e esta é uma intuição puramente pessoal) é a sua nova mulher, Rosângela, dita Janja, que ele conheceu quando estava preso em Curitiba. Janja tem quase 40 anos a menos que Lula e, mesmo que tentasse, não conseguiria disfarçar a sua ambição, que vai muito para além de ser a primeira-dama do Brasil. Ela não é a mulher por detrás dele, é já a mulher ao lado dele e palpita-me que logo será a mulher à frente dele. Mas há um ditado popular brasileiro que diz que “o que mata velho é queda, vento frio pelas costas ou mulher quente pela frente”. Agora, na sua segunda visita ao estrangeiro, Lula irá aos Estados Unidos, e aí, sim, está o seu grande seguro de vida contra um golpe militar e talvez alguns conselhos de bom senso que Joe Biden lhe possa dar.

2 Pede Augusto Santos Silva que julguemos os governantes pelos resultados e não pela “roupa suja”. É um pedido compreensível, mas é também insustentável. Se nos rendêssemos a essa lógica, acabaría­mos sem pinga de vergonha própria a votar em quem também não teria pinga de vergonha sua. A razão pela qual não nos devem bastar os resultados, mas também que quem nos governa seja gente de carácter e princípios, é porque, no limite, não podemos aceitar a doutrina do “roubo, mas faço”, imortalizada pelo político brasileiro Ademar de Barros. Se bem que não seja bom exemplo, por via dos resultados, custa a acreditar que Pedro Nuno Santos tenha precisado de um mês para se lembrar de que, afinal, tinha autorizado o pagamento de 500 mil euros a Alexandra Reis: sendo mentira, é grave; sendo verdade, é sintomático de uma forma de governar que revela um desprezo profundo pelos contribuintes — e nada disso tem que ver com “roupa suja”. O mesmo se diga dos sucessivos contorcionismos de João Gomes Cravinho para evitar dizer aquilo que era a única coisa exigível que dissesse: “Sim, eu tomei conhecimento da derrapagem do custo das obras do Hospital Militar e nada fiz para as evitar. E depois ainda fui nomear o seu responsável para presidir a uma empresa pública.” Em vez disso, ditou para a acta esta pérola de malabarismo político: “Em nenhuma circunstância se pode imaginar que, não dizendo nada, estava tacitamente aprovado.” Governar assim é fácil, dar-se ao respeito é que é difícil.

3 Quando não são os políticos a enterrarem-se a si próprios, é a frutuosa associação entre a PJ e o “Correio da Manhã” a fazê-lo. Quando são inocentes ou culpados, apenas suspeitos ou nem isso, é a incontinência populista do Ministério Público a crucificá-los todos por antecipação na praça pública. Depois, as investigações, abertas por vezes sem qualquer razão de ser e anunciadas aos quatro ventos, arrastam-se sem destino útil durante anos, liquidando a honra e a vida profissional dos inocentes e dissolvendo no nevoeiro o nome dos culpados, e, na abertura do ano judicial, a PGR queixa-se protocolarmente da falta de meios para concluir todos os inquéritos que os seus serviços gostam de anunciar para os títulos da imprensa. Ou avançam-se outras desculpas, como a que deu o presidente da Associação Sindical dos Juízes, Manuel Ramos Soares: os processos envolvendo políticos arrastam-se longamente porque eles recorrem a advogados “mais competentes”. Ou seja, tivessem eles advogados incompetentes ou defensores oficiosos nomeados pelo tribunal, e que os defendessem mal, e o Ministério Público, vejam lá, trabalharia melhor e mais depressa.

PS: No meu último texto, referindo as câmaras municipais para as quais Luís Montenegro trabalhou, referi Espinho e Ovar, quando foram, sim, Espinho e Vagos. Pelo erro, peço desculpa à edilidade de Ovar e em especial ao seu presidente, Salvador Malheiro.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.