Vieira de Almeida, PLMJ e Uría: quem são os advogados por trás dos negócios de Isabel dos Santos?

(Miguel Prado, Elisabete Miranda, Isabel Vicente, in Expresso DIÁRIO, 22/01/2020)

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Durante anos, Angola não só jorrou petróleo como também revelou ser uma atrativa mina de honorários para advogados e consultores portugueses. Empresas como a PwC, Boston Consulting Group (BCG), McKinsey e a Vieira de Almeida conseguiram amealhar somas importantes vendendo os seus serviços a Angola e vêm referenciados nos Luanda Leaks. Mas aquilo que até domingo era um ativo, que cumpria todas as regras de compliance, no início desta semana tornou-se “um ativo tóxico”, segundo confidenciou ao Expresso fonte de uma sociedade de advogados. Jaime Esteves, na PwC, já caiu mas há outras figuras que trabalharam muito proximamente com o universo empresarial de Isabel dos Santos.

Uma delas é a Vieira de Almeida, sociedade de advogados que nos Luanda Leaks aparece como beneficiária de uma comissão pela reestruturação da Sonangol, operação feita através de uma empresa em Malta que pertence a Isabel dos Santos.

O envolvimento da VdA com Isabel dos Santos começa em 2015. Nesse ano a Vieira de Almeida foi buscar seis sócios e outros 18 advogados à concorrente Miranda. Entre eles estava um dos sócios de topo da Miranda, Rui Amendoeira (que entretanto saiu da Vieira de Almeida), mas também Susana Brandão e Paulo Trindade Costa, que já trabalhavam há vários anos com empresas de Isabel dos Santos.

Susana Almeida Brandão, que se licenciou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, fez a maior parte da sua carreira na Miranda Correia Amendoeira & Associados, onde esteve entre 2002 e 2015, e terá sido aí que ganhou proximidade a Isabel dos Santos e ao mercado angolano.

Ao que o Expresso apurou, quando ainda estava na Miranda, Susana Brandão trabalhou em dossiês relacionados com a cimenteira Nova Cimangola, mas também em negócios imobiliários e noutros interesses que Isabel dos Santos tinha, e que eram geridos através da empresa portuguesa Fidequity, liderada por Mário Leite da Silva.

Depois de se mudar da Miranda para a Vieira de Almeida, onde é hoje associada da área de fusões e aquisições, Susana Brandão levou consigo a confiança de Isabel dos Santos e de Mário Leite da Silva para continuar a trabalhar diversos dossiês. Um deles foi a Sonangol: em 2017 quando Isabel dos Santos era presidente da petrolífera estatal angolana, Susana Brandão foi nomeada para a administração da Sonangol.

No site da Sonangol pode ainda hoje em dia ler-se a seu respeito: “Uma sólida experiência em Angola reforçada pelo conhecimento do sector têm sido pilares para o seu destaque no processo de reestruturação da Sonangol”. Contudo, no currículo da advogada no site da VDA não há qualquer referência à passagem pela administração da Sonangol.

A Vieira de Almeida garantiu ao Expresso que “a dra. Susana Almeida Brandão nunca tomou posse”. A advogada regressou pouco depois à Vieira de Almeida.

Recorde-se que esta sociedade de advogados é uma das entidades contratadas pelo Governo angolano para prestar assessoria relativamente à Sonangol. Na verdade em 2016 Luanda contratou uma empresa de Malta, denominada Wise Intelligence Solutions, e esta (que era detida por Isabel dos Santos) subcontratou a Boston Consulting Group (que em Luanda era liderada pelo português Alexandre Gorito), a McKinsey e a PwC, bem como os serviços jurídicos da Vieira de Almeida, que segundo o Luanda Leaks, recebeu pelos menos 490 mil dólares.

Questionada pelo ICIJ, a Vieira de Almeida respondeu que nunca assessorou Isabel dos Santos individualmente, mas garantiu que “leva muito a sério a admissão de clientes e os procedimentos de gestão de riscos”.

Além de Susana Brandão, também o advogado Paulo Trindade Costa estava estreitamente ligado aos interesses de Isabel dos Santos. Depois de mais de uma década na Miranda, entre 2004 e 2015, Paulo Trindade Costa foi com Susana Brandão para a Vieira de Almeida, onde permanece até hoje, como sócio da área de fusões e aquisições. Embora acompanhe diversos outros clientes, seguiu de perto vários negócios do universo Isabel dos Santos, primeiro na Miranda, depois na Vieira de Almeida.

O Expresso questionou entretanto a Vieira de Almeida sobre se a “Sonangol foi ou é cliente”. A firma respondeu que “foi cliente”.

Um outro negócio de Angola que impulsionou a faturação da Vieira de Almeida foi a Urbinveste, empresa imobiliária de Isabel dos Santos. A sociedade de advogados confirma ter prestado assessoria jurídica à Urbinveste, mas reitera não trabalhar diretamente com a empresária angolana. “A VdA nunca teve como cliente a Eng. Isabel dos Santos. A VdA tem clientes em cuja estrutura acionista, e como é do conhecimento público, figuram empresas desse universo às quais prestou exclusivamente serviços técnico-jurídicos de caráter empresarial”, aponta a sociedade.

O Expresso também quis saber se a Vieira de Almeida receia um impacto reputacional da sua associação a negócios de Isabel dos Santos. “Não. A VdA trabalhou na reestruturação do setor dos petróleos em Angola, tendo prestado serviços estritamente jurídicos e circunscritos a esse âmbito, conforme faturas emitidas com descritivo claro e transparente de todas as diligências realizadas a esse respeito”, aponta a sociedade de advogados.

PLMJ E URÍA, OUTROS ASSESSORES PRÓXIMOS

Durante vários anos diversos contratos das empresas de Isabel dos Santos foram sendo preparados entre Susana Brandão e Paulo Trindade Costa (até 2015 na Miranda, a partir daí na Vieira de Almeida). Mas não em exclusivo. Até 2016 muita assessoria jurídica de Isabel dos Santos passava pela PLMJ, dada a confiança que a empresária depositava (e ainda deposita) em Jorge Brito Pereira.

A ligação a Brito Pereira é antiga e surgiu por intermédio de Mário Leite da Silva. O gestor de Isabel dos Santos trabalha com Brito Pereira desde o tempo em que era administrador financeiro do grupo Amorim. Mas um desentendimento entre Américo Amorim e Mário Leite da Silva levaria este último a trabalhar diretamente com Isabel dos Santos, empresária que acompanhou o “rei da cortiça” no seu investimento na Galp, através da Amorim Energia. A partir daí Jorge Brito Pereira conquistou a confiança da filha do ex-presidente angolano e tornou a PLMJ uma das sociedades de eleição de Isabel dos Santos.

Quando Jorge Brito Pereira sai para a Uría, em 2016, leva consigo o ‘fillet mignon’ dos negócios de Isabel dos Santos (NOS e Efacec, por exemplo), mas ainda deixou algumas sobras, e dentro da PLMJ outros nomes foram conhecendo cada vez melhor o universo empresarial e patrimonial da angolana. É o caso da advogada Inês Pinto da Costa (que integra a firma desde 2009, sendo sócia das áreas de fusões e aquisições e private equity). E ainda de João Magalhães Ramalho, especialista na área fiscal que trabalhou na PLMJ de 1999 a 2019, tendo em julho do ano passado transitado para outra sociedade, a Telles. Uma outra advogada da PLMJ, Serena Neto, também chegou a acompanhar de perto os negócios de Isabel dos Santos, tendo feito parte da Fidequity entre 2011 e 2012. Depois, na PLMJ, deixou de acompanhar os negócios de Isabel dos Santos.

Dos três advogados, hoje em dia, a que terá mantido maior proximidade é Inês Pinto da Costa, que a PLMJ reteve no “terramoto” de 2019, quando vários sócios abandonaram a firma que durante anos foi liderada por José Miguel Júdice (e vários deles foram trabalhar para a concorrente Vieira de Almeida).

O Expresso questionou a PLMJ sobre se ainda trabalha com Isabel dos Santos e sobre se tem procedimentos para evitar práticas de branqueamento e evasão fiscal.

A PLMJ respondeu de forma genérica. “O respeito pelas melhores práticas internacionais e pelas disposições legais no domínio da prevenção do branqueamento de capitais e na admissão e acompanhamento de clientes são – e continuarão a ser – uma prioridade da PLMJ. Em resultado das regras de segredo profissional a que estamos sujeitos não nos é permitido comentar factos relativos a serviços jurídicos por nós prestados na qualidade de advogados”, aponta a sociedade.

É, aliás, uma resposta em linha com a que a Vieira de Almeida apresentou quando questionada sobre os seus procedimentos para evitar práticas de branqueamento: “A VdA aplica a todos os seus clientes regras de compliance a que está obrigada e apenas trabalha com entidades que passam nos crivos das exigências legais vigentes, tal como foi o caso”.

O Expresso questionou ainda a Uría Menendez sobre se teme algum impacto reputacional decorrente da associação do seu sócio Jorge Brito Pereira a Isabel dos Santos, mas a sociedade de advogados escusou-se às questões. “A Uría Menéndez – Proença de Carvalho abstém-se de fazer mais comentários, designadamente por respeito ao dever de sigilo profissional”, respondeu apenas a empresa.

ADVOGADOS NÃO COMUNICAM OPERAÇÕES SUSPEITAS DE BRANQUEAMENTO. ORDEM NÃO FISCALIZA

As sociedades de advogados estão entre as entidades que estão obrigadas a implementar um conjunto de regras para prevenir que sejam usadas em esquemas de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo (à semelhança da banca e do imobiliário). A fiscalização da implementação das regras está a cargo da Ordem dos Advogados. Contudo, ao longo dos anos, os advogados têm-se recusado a fazer comunicação de operações suspeitas, por considerarem que ela viola as suas obrigações de sigilo.

Contactado pelo Expresso, Luís Menezes Leitão, o novo bastonário da Ordem dos Advogados confirma que a ordem não fez nenhuma auditoria a sociedades de advogados para verificar se estas estão a prevenir de facto o branqueamento de capitais, mas disse já realizou ações de formação sobre o tema, à luz da nova diretiva transposta em 2017.

Luís Menezes Leitão diz não pronunciar-se sobre casos concretos, e garante seguir com atenção o envolvimento dos advogados em negócios que possam eventualmente estar associados a esquemas de branqueamento de capitais.

“Relativamente ao controlo do branqueamento de capitais, é uma função que nos compete. No anterior mandato [da Ordem dos Advogados] foi feito um regulamento, presente à assembleia geral em junho do ano passado, mas o Conselho Geral decidiu retirá-lo. Vamos retomar esse trabalho”, indica Menezes Leitão. “Precisamos de ter esse controlo [do branqueamento de capitais]. Estamos bastante atentos a esse assunto”, acrescenta.

O bastonário realça que nos termos da lei “tudo o que seja suspeita de branqueamento de capitais tem de ser comunicado pelos advogados ao bastonário”.

As ondas de impacto do Luanda Leaks estão a fazer-se sentir para lá do universo empresarial de Isabel dos Santos. Esta terça-feira o consultor português Jaime Esteves anunciou a saída do departamento de fiscalidade da PwC, consultora e auditora que decidiu deixar de trabalhar com Isabel dos Santos. Mas as consequências podem não ficar por aí.

O Banco de Portugal quer explicações do EuroBic sobre as transações que saíram da conta da Sonangol , as quais fez saber, podem vir a ter consequências tanto ao nível prudencial como contraordenacional. A pressão para afastar Isabel dos Santos do banco onde controla 42,5%, subiu de tom, podendo esta ser inibida dos direitos de voto. Isto apesar do supervisor estar do novo a fazer uma inspeção ao banco desde outubro.

Na Nos, onde Jorge Brito Pereira e Mário Leite da Silva são administradores não executivos, também estão sob avaliação do Comité de Ética da Empresa.

Nos últimos dias tem-se assistido também a uma demarcação de poderes políticos e económicos da empresária e, enquanto no meio dos negócios se admite que as sociedades de advogados poderão a partir de agora ser mais cuidadosas e recusar trabalhar com Isabel dos Santos em dossiês que envolvam a criação de empresas, ainda que possam aceitar representá-la em eventuais processos criminais, também se desabafa sobre a “hipocrisia” do processo, uma vez que no passado quer o poder político, quer o poder económico, receberam de braços abertos os capitais angolanos, bem como os chineses, sem grande interesse em escrutinar a origem dos mesmos, como ouviu o Expresso.


Advogados, pobrezas envergonhadas

(Virgínia da Silva Veiga, 14/12/2019)

O dia em que os advogados conseguirem um sistema justo de contribuições para a segurança social, uma série de famílias respirarão de alívio por não terem que tirar ao que ganham os cônjuges para ajudar a sustentar um sistema que obriga a pagar sobre o que muitos não ganham.

Os advogados, hoje são muitos, nem todos ganham fortunas, muitos passam meses penosos de demora judicial de processos que nunca mais acabam até verem compensado o trabalho e passarem a auferir mais do que o mínimo para pagar despesas.

Por vezes, sem avenças ou com avenças baixíssimas, quando de repente recebem alguma coisa que jeito tenha, logo sai absorvido por rendas ou prestações em atraso. Há advogados que vivem na absurda miséria e não a podem confessar para que se não pense que não prestam.

Nesse caso, a filosofia geral é a de que devem mudar de profissão e deixar-se absorver pelo sistema, os grandes que comam os pequenos. Mas, nem todos os advogados vivem nos grandes centros urbanos. Muitos são o que há de garante de acesso ao Direito por essas vilas e aldeias. O drama não é só deles. É um país que vive essa tremenda situação no mais caricato silêncio dos poderes instituídos.

Nunca ninguém estudou quantos, todos seres humanos com legítima expectativa de singrar na profissão, foram atirados para as caixas de supermercados durante a crise.

Não há quem estude quantos são profissionais liberais, quantos são trabalhadores por conta de sociedades de advogados sem nenhuma regulamentação desses contratos laborais encapotados, quantos são os que trabalham para a banca, os seguros, as operadoras e outras grandes empresas que os contratam como juristas, nem inscritos na Ordem estão, fazendo todo o trabalho de bastidores, camuflados pelos colegas que dão, depois, a cara nos tribunais.

É impressionante que a Ordem dos Advogados não tenha já feito inquéritos que revelem estes dados. É inqualificável que os governos e os Ministros da Justiça se sucedam com a única preocupação, como a actual, de criar legislação que tire ainda mais a hipótese de uma vida digna a essas pessoas.
A Advocacia continua a ser vista como quando havia apenas cinco ou dez advogados por comarca e nenhum se lembraria de explorar colegas.

Dentro em breve ir-se-à tentar aprovar no Parlamento uma lei que admita a suspensão de processos judiciais, por um curto período de dois meses, caso o advogado a quem a causa esteja entregue seja acometido de doença grave e, dizem, incapacitante.

Acho que os deputados ainda não perceberam sobre o que vão legislar.
O que está em causa não é uma lei para atribuir direitos a advogados, uma lei processual em sentido estrito. O que está em causa é uma legislação de Direitos Humanos.

A primeira grande pergunta a fazer, para se ter noção do impacto sobre o sistema processual em curso, é o de ter noção básica de que a tal lei só se aplicará aos casos em que se trate de profissional liberal de mandato exclusivo, isto é, aos casos em que apenas se encontra constituído um advogado, situação cada vez mais rara, como raras são as doenças graves e incapacitantes, não esquecer. Quantos foram esses casos de 2015 para cá?

Os projectos excluem os processos de natureza urgente e enfermam da ideia de que a celeridade processual é um bem mais precioso, numa lei desta natureza, do que a questão humana que serve de base à discussão. Excepcionam à partida os processos urgentes. Porquê? O advogado está menos gravemente doente nesses processos? Quando muito, neste tipo de processos e só neste, dados os interesses na urgência, caberia ao juiz decidir se vem mal ao mundo por tal suspensão.

Mas os projectos vão mais longe e o do PS não admite que haja suspensões, mesmo nos não urgentes, sem que a parte contrária concorde ou, sendo o caso penal, até os procuradores e os juízes envolvidos. Essa agora! Direitos Humanos impõem-se, não se negoceiam com partes contrárias.

A celeridade processual que é posta em causa, por um ou dois magros meses, pode algum dia ser um bem maior que o reconhecimento de um direito de um cidadão acometido de doença grave e incapacitante? Brada aos céus esta eterna ideia de que o que haja a legislar sobre advogados tenha nas entrelinhas qualquer coisa de fustigante, de castigo, de desconfiança visceral.

Um advogado em regime de profissão liberal, sem colegas que o substituam de imediato, é o primeiro a não querer ter doenças graves e incapacitantes, atestadas pelos médicos onde vai ter que ir buscar documentação que comprove a aflição.

Os partidos, o Parlamento, a Ordem dos Advogados, têm que perceber a diferença entre Direitos Humanos basilares e regras processuais. Já agora, também o ridículo de artilhar a nova legislação com uma série de exigências, requisitos, anuências e por aí quando, obviamente, a situação limite que vão legislar é, por definição, isso mesmo e não há que ficar na dependência de más ou boas vontades de terceiros.

Direitos Humanos são Direitos Humanos, a respeitar e a impor-se a todos, partes contrárias e magistrados incluídos.

(Esta minha publicação vai ser enviada aos líderes políticos com assento na AR, ao Bastonário da OA e a alguns deputados. Para que os poderes instituídos e os meus Colegas tenham noção de quem se preocupa com eles a minha cédula é a número 1989 C.).

As eleições para a des(Ordem) dos advogados

(Nuno Godinho de Matos, 30/11/2019)

Nuno Godinho de Matos

Nas presentes eleições para Bastonário da Ordem dos Advogados, votaram um total de 24.216 colegas, o que significa que (em cerca de 32 000 colegas) 7 778 não quiseram votar.

Relativamente aos candidatos, três tinham uma postura institucional, com programas muito semelhantes, tendo obtido 15.052 dos votos expressos. Isto é, muito mais de metade.

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Quanto a estas três candidaturas, em minha opinião, todas prestavam uma particular atenção ao que admitiam poder vir a ser a sua futura relação com o poder, com os poderosos e com os intermediários dos poderosos. Obviamente, sempre, sem prejuízo das suas metas programáticas.

Nas outras três candidaturas surgiram características disruptivas, de diferentes naturezas; entre todas, destaco o programa da candidata Ana Luísa Lourenço, dado ter sido a única a escrever que:

É preciso assumir de vez que os milhares de Advogados que estão ao serviço de outros colegas trabalham para eles, logo devem estar sujeitos às regras e direitos e deveres da legislação laboral. Intervir ativa, abnegada e empenhadamente para acabar com a prática das falsas avenças com colegas de profissão convertendo essa relação jurídica, mascarada, em relação laboral transparente, estável e com os Direitos conferidos pela lei do trabalho.

Esta questão, nunca referida pelos candidatos institucionais, sempre, voluntária e estrategicamente ignorada, é do maior relevo, por que os colegas ditos “associados” ou simples “sócios de indústria” das empresas vendedoras de serviços jurídicos, que (erradamente) se reclamam de serem escritórios de advogados, estão sujeitos a um regime que se pode caracterizar como:

  1. Local de trabalho certo e constante: a sede da empresa;
  2. Hora de entrada ao trabalho e ausência de hora de saída: sai-se quando se pode, depois de ter terminado o trabalho;
  3. Rígida subordinação hierárquica ao sócio de capital, coordenador do departamento;
  4. Remuneração de, somente, doze salários mensais, no ano; (não existe: nem subsídio de férias, nem de Natal);
  5. Total ausência de descontos da entidade patronal, para a Segurança Social, por que, alegadamente, são prestadores de serviços, em regime liberal ou de avença.

Quando necessário e o sócio coordenador com os demais administradores da empresa decidem o associado é despedido, na Sexta-feira, sem qualquer indemnização, tendo o fim de semana para ir retirar os seus pertences do local de trabalho

Este é o regime real e “legal” dos “associados” das empresas vendedoras de serviços jurídicos e dos colegas que trabalham para outros grandes escritórios, mesmo que não organizados em sociedade.

Tudo o que possa ser feito para combater esta inqualificável mistificação, abuso e exploração do trabalho alheio, abuso de poder e violação das leis da concorrência é essencial à dignificação da profissão, dado que, tal como as coisas existem: os patrões apresentam-se como “advogados” e os “associados” e “sócios de indústria” constituem algo que se aproxima do regime dos empregados subordinados, do início da era industrial, anterior ao sindicalismo. Isto é, vivem uma realidade, que se poderá situar, entre os anos 60 e 70 do século XX, considerando Portugal.

A única candidatura que se preocupou com este tema foi a de Ana Luísa Lourenço, o que se compreende, dado que os candidatos institucionais, não se podem dar ao luxo de questionarem o poder das empresas vendedoras de serviços jurídicos sobre a sua mão de obra, por que, se o fizerem, anulam a sua capacidade de relacionamento com elas e, consequentemente, com o poder que intermedeiam. O actual Bastonário da Ordem dos Advogados jamais seria convidado para a inauguração da nova sede da empresa PLMJ “Transformative Legal Experts”, no caso de se atrever a balbuciar um projecto semelhante, o que, para o seu prestígio, seria lamentável.

Sucede que passaram à segunda volta, o candidato da PLMJ “Transformative Legal Experts” e outro candidato marcado por preocupações institucionais, salvo, sempre, melhor e mais lúcida opinião.

Mas, muito mais importante que isso, é o facto de 15.052 dos 24.216 votantes terem optado pelos candidatos para os quais a Ordem consiste numa plataforma de gestão do seu relacionamento com o poder e consequente fortalecimento do seu prestigio.

Quando dos 24.216 votos expressos, somente 1.735 são atribuídos à candidatura que colocou em causa o celestial “éden” em que as empresas vendedoras de serviços jurídicos repousam e se deleitam.

Podemos ter a certeza que, para lá da discussão sobre, custas, taxa de justiça e honorários do apoio ao direito, nada irá mudar, tudo ficará na mesma, até porque: “Um advogado criar sindicatos até faz lembrar o filme Há Lodo no Cais, de Elia Kazan. É assustador”, tal como foi dito pelo Exmo. Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados, numa entrevista ao Jornal I.