A escravatura legal

(Virgínia da Silva Veiga, 20/11/2019)

Virgínia da Silva Veiga

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O caso da Advogada com cancro que acaba de dar à luz um menino (Fonte aqui), sem assistência, sem direito a baixa médica, sem licença de maternidade ou direitos equivalentes, acaba de mostrar o que me não canso de assinalar: os advogados são milhares e os mais vivem em condições de precaridade extrema sem que o Governo tenha qualquer espécie de preocupação com milhares de cidadãos de uma classe a quem está entregue uma parte do exercício da Justiça.

Os advogados não são todos iguais e, já agora, não vivem todos em Lisboa ou no Porto.

Há os profissionais liberais, como era o caso desta advogada, com o seu escritório, e as inerentes despesas; há os sócios de sociedades de advogados e há os que trabalham para estas. Em qualquer das três circunstâncias, que o governo não manda estudar, onde a Inspecção do Trabalho não quer saber, todos, sem excepção, para poderem trabalhar estão sujeitos a duas obrigações cumulativas: pagar quotas à Ordem dos Advogados e descontar para a respectiva Caixa, tenham ou não rendimentos.

E todos podem pagar o mesmo, seja auferindo coisa nenhuma, seja ganhando milhares de euros por mês. Esta jovem advogada, doente, para ir podendo exercer, tem que pagar por mês o mesmo que esses advogados que todos conhecem, sócios de sociedades que auferem milhões.

Esta dupla obrigação de ter de pagar para exercer um trabalho não difere da escravatura e chega a ser mais ultrajante. Milhares de pessoas trabalham neste país, compelidas por terceiros a pagar-lhes para isso, sem que nada lhes seja dado de retorno. Apenas o abstracto direito a uma pensão, um dia, sem garantias de seriedade, tais os cortes feitos e nunca repostos.

Enquanto isso, os cidadãos, convencidos que todos os advogados são iguais, ricos e aldrabões do fisco, não se solidarizam. Os próprios? Os mais nem sabem do que eu estou a falar e os que sabem não lhes interessa ou teriam que passar a fazer descontos sobre o que em realidade auferem e a fazer contratos de acordo com uma convenção colectiva de trabalho que não existe.

Que horários têm, quantas horas trabalham, que ordenados auferem os advogados contratados pelas grandes sociedades de advocacia? Que carreira têm garantida? Ninguém sabe. Mas sabe-se que tudo isto existe.
Quantas sociedades de advogados foram inspecionadas?

Se os sucessivos Bastonários nada fazem, se os Presidentes da CPAS assim administram o dinheiro coercitivamente pago, há um Governo que não pode e não deve fazer de conta que não vê, que ignora ou a convicção que cria é a de que menospreza os mais pobres, para que acabem por desistir da concorrência que estão a fazer aos ricos, protegendo os exploradores.
E o mesmo se diga de milhares de Solicitadores.

Sandra Rocha deu corpo a este tema para que ninguém ignore.


Julgar advogados

(Virgínia da Silva Veiga, 28/06/2019)

Os advogados têm estado entregues ao acaso de uma Ordem que os não defende e a um governo que os ignora, por ironia, liderado por um advogado. No sector da Justiça, continua a não haver uma palavra que indique qual a realidade dos profissionais do foro que, evidentemente, não são todas iguais.

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Para quem exerce há décadas, o quadro geral do exercício da profissão tem vindo a sofrer alterações muito significativas, sempre em desprestígio, a que nada ajuda a falta de uma posição incisiva por parte da Ordem, visível no recente parecer apresentado a propósito da proposta da nova lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, vulgo apoio judiciário.

Não é do conhecimento público quantos advogados existem inscritos na Ordem e menos ainda quantos juristas andam por aí contratados para elaborar peças processuais que outros assinam, espécie de trabalhadores de hipermercados de advocacia onde não há qualquer controlo sobre eventuais explorações de mão-de-obra, subterfúgios de violação das leis que interditam a prática a quem não tenha cumprido as exigências legais para o exercício das funções, crimes de usurpação, é de admitir. 

Não é só entre os estivadores ou outros profissionais que existe exploração e, sobretudo, que existem profissionais contratados como tarefeiros quando em realidade exercem profissões a que corresponderiam outras garantias, outros vencimentos e outro Direito. 

Apesar da proliferação, as sociedades de advogados passam fora do crivo de qualquer controlo. No aludido aspecto e quanto às adjudicações directas que lhes são feitas por organismos públicos, contratações em distorção da concorrência, em que organismos governamentais, empresas públicas ou autarquias, não têm que dar qualquer fundamento para a escolha e menos para os montantes de honorários e despesas suportados pelo erário público, desprezo pelos profissionais liberais é total.

Quantos são os tais juristas, o que ganham, que tipo de contratações colectivas assistem ao sector, para quem trabalham e em que regime? Quantos são estes e os advogados contratados por sociedades de advogados? Quantos estão em regime de prestação de serviços e há quanto tempo? Quantos são os advogados em regime de profissão liberal? Quantos trabalham em organismos públicos? É ir ver as fornadas que saíram das Faculdades de Direito e ter-se-á vaga percepção. Depois, é procurá-los. Além das caixas dos supermercados – para onde se sabe vários dos, pensa-se, cerca de 10 000, foram atirados pela crise para vidas sem sustento e desemprego sem subsídios -, que é feito deles? 

Deixemos isso a quem já devia ter resposta e voltemos à ideia que subjaz ao pensamento de que estes profissionais do foro, por o serem, são todos pessoas pouco recomendáveis, assustadoras de criancinhas e aldrabões por natureza. 

A nova lei do Apoio judiciário, além de meter os advogados a prestar provas em ambiente da magistratura, remetendo-lhes a aferição de qualidades para o Centro de Estudos Judiciários – imagine-se! -, cuida de referir expressamente a necessidade de reembolso das despesas dos Solicitadores, mas sobre os advogados a coisa fica por isso mesmo. Nada. Deixa para regulamentação posterior que estamos para ver no que dará. 

É uma lei curiosa onde quem prestar uma consulta jurídica, para aferir se um caso deve ou não merecer apoio judiciário, fica interdito de continuar a representar a pessoa. O Estado prefere pagar duas vezes desde que se garanta o anátema de que quem for favorável o estará a ser, não por parecer idóneo, por trafulhice.

Igualmente ali – e é o caso mais grave – não se retorna ao estatuto do advogado de especial confiança. Fica-se – se os deputados o permitirem – pelas nomeações rotativas de uma lista aleatória de onde não raro resultam queixas exactamente porque os envolvidos se não conhecem.
A pessoa cujo azar conduza a uma situação de insuficiência económica, continuará a não poder sugerir o seu advogado habitual, o que conhece, que a conhece e que, portanto, maior garantia de empenho daria. Os conhecimentos que este tenha da vida, dos factos, a relação de “especial confiança”, que constitui o elemento essencial dos contratos de mandato forense, continuam indiferentes ao legislador que não retoma a boa experiência vivida quando era possível a um “advogado de ricos” aceitar patrocinar clientes mais pobres sem que isso acrescesse ao Estado nem mais um cêntimo. 

Um caso não impede o outro, é evidente. Nada impede que exista uma lista de defensores e que, simultaneamente, à semelhança de lei antiga, o requerente possa indicar o nome de um advogado com a indicação de se tratar de pessoa de especial confiança, assinando este também o requerimento, submetendo-se assim aos honorários e reembolso de despesas estabelecidos na lei especial, ficando igualmente interdito de receber qualquer outra quantia. A Lei Lei n.o 30-E/2000 de 20 de Dezembro era uma boa lei. Ignoram-na e seria para aí que remeteria como proposta de trabalho.

Sobre este quadro geral de desconfiança, de nenhum cuidado e de total desprezo sobre a vida destes profissionais, cortados também nas reformas sem que o Estado se preocupe em ajudar a repor a situação para a qual descontaram uma vida, chega a notícia dos aumentos dos outros profissionais do foro a níveis que contendem com a destrinça entre Poder Executivo, Poder Judicial, também Poder Judiciário. Nada a opor, no aspecto remuneratório. Não é o aumento de um escasso número – são escassos! – de trabalhadores que levará o país à bancarrota ou merece qualquer censura, é a sensação de Desigualdade que causa revolta e desalento.

O que merece censura é o desprezo relativo, a falta de quem defenda os juristas e os advogados e os trate sistematicamente por igual quando o não são. Não são, do ponto de vista económico, não são do ponto de vista humano. Não são do ponto de vista Deontológico.

Quanto a desconfianças, quem desconfia de advogados por o serem é melhor não as verter em Lei ou, da política aos tribunais, não haverá ninguém que escape ao ambiente pouco civilizado que se tem estado a cultivar no nosso país, também por esta forma.

Mostrar as caras

(Virgínia da Silva Veiga, 20/06/2019)

A utilidade deste inquérito reforçado à CGD esteve em mostrar algumas caras. De deputados e de gestores. Também de governadores do Banco de Portugal. Útil também por sabermos que Vítor Constâncio e Carlos Costa, acoitados no cumprimento formal de leis, em nada evitaram ou evitam descalabros da banca dirigida por mais dos mesmos gestores. Um susto passado, presente e futuro.

E voltamos exactamente à pergunta fundamental já feita nesta página: que lei está em discussão, anunciada por Centeno e nas malhas censórias de Bruxelas, destinada a obrigar o Banco de Portugal a prestar informações ao Governo e à Assembleia da República, de que ninguém fala? 

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Quanto aos projectos empresariais que se perderam, deixando um rasto de dívidas, com a sanha – notória e objectiva – de tentar culpar José Sócrates (ou de usar Sócrates para atirar poeira), ficámos, até ver, sem saber quais foram os casos de desvios dos empréstimos recebidos e quais os das repercussões da crise internacional, quem ainda está a cumprir, pagando, e quem já o não fará. Isto é, quem foram os empresários que tudo perderam apesar de uma actuação diligente, ou quem foram aqueles que, para usar expressão popular, “se limitaram a meter ao bolso”.

Ignoramos também em que termos e com quem a actual administração da Caixa está a negociar esses créditos, confiando que o faz de forma diligente sem, contudo, se ter averiguado se assim é ou não. Mais do mesmo, portanto: está a dar bons resultados, ignora-se se poderia dar melhores. Ignoramos o que está em tribunal e o que não está e porquê. Que acções de cobrança estão pendentes e quais as probabilidades de êxito, quem são os advogados que representam hoje esse nosso interesse. 

Dos serviços jurídicos que não acautelaram outrora o interesse dos clientes, aceitando verter em letra de forma contratos ruinosos, ficámos sem saber sequer quem foram, se eram juristas da banca ou sociedades de advogados de contratação externa, se são ou não hoje os mesmos a quem agora estão entregues negociações e cobranças. Se são, por ironia, os mesmos.

Desconhece-se o que receberam por esses trabalhos pagos por todos nós. Não ouvi referência a nenhum. Sim, porque é preciso começar a exigir a advogados que prestam serviços envolvendo responsabilidade dos contribuintes que tenham, também eles, decoro. Nada a esconder, nada a temer. Os clientes, afinal, somos nós. Quem são os nossos advogados?