A China e o meu (e talvez o vosso) umbigo

(Tiago Franco, in Pagina Um, 07/08/2022)

Dei por mim a pensar na caldeirada que se está a montar com a China, mas numa perspectiva mais umbiguista. Sim, em determinados momentos da vida, eu sou apenas um gajo prático que tem contas para pagar.

As sanções à Rússia – vendidas como uma medida para acabar com a guerra – serviram apenas para empobrecer quem estava do lado de cá. A estas seguiram-se os aumentos das taxas de juro e a redução dos salários por cortes directos ou pela via da inflação.

Pessoalmente, já tinha levado um corte salarial de 5% durante a pandemia (nunca reposto), e agora, por causa do “aumento dos custos causados pela guerra”, levei outro. Ou seja, desde 2020 que trabalho mais mas acabo a vender o meu esforço por menos, sem que o lucro dos meus empregadores se reduza. É uma matemática peculiar que me leva a pensar que estes dois anos e meio de confinamentos e guerras serviram, essencialmente, para reduzir o valor da mão-de-obra.

Mas não devo generalizar. Aquilo que aconteceu, a mim e demais camaradas da minha área, aqui em Gotemburgo, pode não ser um mal global. Quiçá, a maioria de vós, vai-se a ver, foi aumentado para lá da inflação. Oxalá que sim.

Mas dizia, estes dois anos e meio serviram, pelo menos, para piorar a qualidade de vida e reduzir o preço a que vendemos o nosso trabalho. No meu caso, isso é particularmente preocupante, porque não tenho, nunca tive, emprego para a vida. Tenho contratos de trabalho de 6 ou 12 meses, que são renovados consoante o meu desempenho e o estado da Economia. Como eu, estão uns quantos milhares ou milhões – não serei certamente o “inventor da roda”.

Ora, em primeiro lugar, aborrece-me que lutas entre impérios me deixem a fazer contas de cabeça sobre o mês que se avizinha.

man holding box

Eu condeno a invasão russa e, de seguida, condeno as medidas cegas impostas pela União Europeia a mando dos Estados Unidos, que, essencialmente, prejudicaram os povos europeus.

A Rússia, que se financiou na União Europeia durante anos, agora vende para a Ásia; portanto, o negócio segue, e nós, que não temos nada a ver com o Donbass, ficamos a pagar a factura na energia, nos combustíveis, nos salários e na inflação.

Fosse eu um pouco mais nortenho e mandava o Putin, o Biden, o Zelensky e a von der Leyen para a puta que os pariu, mas, como tudo o que consegui foi um avô de Braga, prefiro conter-me nos impropérios.

E enquanto vamos todos fazendo uma ginástica monstruosa para compensar as decisões de uma elite milionária que nos dirige, resolvem abrir nova frente com a China, a troco de mais umas vendas aos senhores da guerra.

No caso da costa oeste sueca, do hub tecnológico que por lá se desenvolve há 10 anos, essencialmente assente em investimento chinês, isto é o prenúncio do apocalipse.

photo of assorted-color Chinese lanterns inside room

Pensando assim, de repente, nas empresas chinesas ou com capital chinês que operam em Gotemburgo, conto mais de 20 mil empregos, estando outras a chegar à região e a construir centros de desenvolvimento.

A última coisa que quero é passar os próximos anos a repetir 2020 ou 2022, porque uma cambada de velhos ricos querem brincar às cortinas de ferro com vidas humanas e abarbatar mais uns hectares de matérias-primas. Se os chineses em vez de construírem centros de engenharia e pontes em África, começarem a produzir tanques e bazucas para responder ao chamamento dos americanos, passaremos todos a ter problemas bem maiores do que ouvir o Froes a gritar por mais vacinas ou o Milhazes a ensaiar as narrativas dos 40 anos de solidão.

Reparem, aliás, no detalhe das crises. Não as vivemos todos da mesma forma. Na Alemanha, os sindicatos paralisam tudo e exigem aumentos acima da inflação – vejam a Lufthansa, por exemplo. E isto num país onde o corte de energia da Rússia está a deixar a indústria em risco. Mesmo assim, os trabalhadores são a voz mais forte. Nós, em Portugal, vamos apenas perdendo direitos, salários e condições de vida. Vamo-nos acomodando às sobras. Portanto, não estamos, nem nunca estivemos, todos no mesmo barco.

Mas se é para rebentar tudo, e largarmos os empregos e as vidas ditas normais, em nome do Apocalipse, então, se não se importam, eu gostava de decidir com quem quero ser solidário. A quem quero oferecer o esforço de ter que abdicar da vida pela qual trabalhei.

brown wooden dock on body of water during daytime

Escolheria que fôssemos bater às portas dos israelitas e mostrássemos a nossa solidariedade para com os palestinianos. Depois seguíamos a mesma estrada de pó e íamos dar uma mão aos curdos para se ver se lhes arranjávamos umas fronteiras.

Agora, para quem Taiwan fornece os chips, se a Rússia fica com a península que outrora deu como presente, ou se o gás do banho dos alemães vem pelo Nord Stream ou em barcos enviados de Boston, interessa-me muito pouco.

Em resumo, se pudessem parar de matar gente em nome dos interesses financeiros de uma elite – e, pelo caminho, arrefecer essa sede de nos irem ao bolso –, já não ficaria a faltar tudo.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)

Fonte aqui


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Europa: subordinada aos EUA e perdida na transição energética 

(Demétrio Alves, in AbrilAbril, 03/08/2022)

Os Estados europeus estão, devido à demissão e conluio evidenciados pelos governos, cativos dos monopólios e das tentaculares redes oligopolistas – entes viciados no lucro, nas rendas excessivas e na especulação.


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A recessão provocada

(Por Jorge Figueiredo, in Resistir, 27/07/2022)

Os indicadores da recessão que se aproxima já são mais do que muitos. Analistas de bancos, comentaristas económicos e noticiários dos media falam a respeito com frequência cada vez maior. Mas o que não dizem é que esta recessão está a ser provocada deliberadamente pelos donos do mundo.

É evidente que eles não dizem terem a intenção deliberada de provocar uma recessão. No entanto, em muito daquilo que dizem os representantes políticos da classe dominante mundial esta agenda acaba por transparecer – mas é preciso ler nas entrelinhas. Alguns exemplos:

  • Declarações recentes da secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, a dizer que uma redução da produção seria positiva para a economia. Isso não é uma previsão. É, sim, apontar do caminho que pretende seguir.
  • Os EUA obrigarem os seus vassalos europeus a tomarem medidas insanas que provocam ricochetes desastrosos e perfeitamente previsíveis: sanções à Rússia, boicote ao Nord Stream 2, penúria energética, estrangulamento da indústria europeia, apoio à guerra proxy na Ucrânia, etc. Tudo isso é claramente recessivo e não pode deixar de ser deliberado. Apesar de a comissária Ursula van der Leyen não ser uma pessoa brilhante, não haverá ninguém na Comissão Europeia (nem nos governos da UE) que não perceba as consequências desastrosas de tudo isto. Sim, eles percebem, mas cumprem uma agenda.
  • As sucessivas previsões em baixa do crescimento económico feitas pelo FMI.
  • As altas de taxas de juro determinadas pelo BCE que são uma medida mesmo adequada para agravar/iniciar recessões, sobretudo em economias alavancadas por dívidas.
  • Os pronunciamentos sistemáticos do Fórum Económico Mundial, bem como a sua longa pedagogia na preparação de dirigentes políticos de grande parte do mundo (Trudeau no Canadá, a primeira-ministra da Nova Zelândia, etc).

Para entender o que se passa realmente é preciso unir os pontos. Aí torna-se possível tirar uma conclusão de ordem geral de toda esta numerosa acumulação de indícios. Esta conclusão é que a agenda da classe dominante mundial, encabeçada pelo grande capital financeiro, é provocar uma recessão. Ela quer isso, mesmo sabendo de todo o cortejo de misérias que se seguiriam.

É evidente que um projeto de natureza tão monstruosa nunca poderá ser apresentado e muito menos explicitado em público. Assim, eles precisam disfarçar e apresentar tal agenda como algo inevitável. Uma das estratégias para isso é a naturalização dos fenómenos económicos. Trata-se de fazer com que a recessão provocada seja vista como um fenómeno natural, tais como furacões, tempestades ou vulcões – não como algo feito deliberadamente por agentes humanos.

Para isso atuam os seus agentes de RP, com a preciosa colaboração dos media amestrados. Eles esmeram-se em inventar eventos catastróficos ou apocalípticos que, ao mesmo tempo, servem para inspirar terror aos dominados e levá-los à submissão. Os exemplos são muitos, como o caso das célebres “alterações climáticas”, tão apregoados pela menina Greta, pelos media corporativos, por políticos locais e pela UE. Esta, por sua vez, transformou a coisa em missão sagrada, inventando a ideologia da descarbonização e da diabolização do CO2 (um gás não poluente e perfeitamente inofensivo).

É igualmente o caso da pandemia/fraudemia do Covid-19 promovida por Bill Gates & OMS & BigPharma. Eles não hesitaram sequer em inocular milhões de pessoas com terapias genéticas (as ditas “vacinas” mRNA) que continuam a provocar danos e mortes entre as suas vítimas. Uma reencenação desta fraudemia é o “alarme mundial” da “varíola do macaco”, lançado esta semana pela OMS.

Todo este conjunto de táticas diversionistas permite atribuir as consequências da presente crise geral e profunda do modo de produção capitalista – com os seus tumores da financiarização e do rentismo – a eventos aparentemente naturais.

Schumpeter falava da “destruição criadora” que age no capitalismo, ou seja, da destruição de empresas velhas ou obsoletas para dar lugar a novas e inovadoras. Ele, nos anos 30, via nisso uma manifestação da vitalidade do capitalismo então em depressão. Mas aquilo que agora se assiste tem uma motivação muito menos inocente. A agenda não confessada deles tem também uma componente exterminista: consideram que há população excedente no mundo e querem por cobro a isso. Experimentos como a inoculação de milhões de pessoas com terapias genéticas inserem-se nessa agenda. As investigações do Pentágono de armas biológicas, nos laboratórios militares em Fort Dedrick, na Ucrânia e em outros países, inserem-se igualmente nesta agenda exterminista.

Hoje o aparelho de Estado dos EUA está totalmente dominado pelos neocons. São eles que fazem a agenda. Contudo, estão desesperados pois vêm o declínio inexorável do império em todos os planos – desde o monetário até o da economia produtiva real, desde o tecnológico até o militar. No entanto, não se conformam e desejam prolongar indefinidamente um império que já entrou em decadência. Querem salvá-lo à custa do resto do mundo, inclusive dos que eram considerados “aliados” (arruinam a Europa neste momento).

Eles estão alinhados com o “Great Reset” (Grande reinicialização), promovido pelos que fazem conclaves em Davos e pelo Fórum Económico Mundial. Trata-se de uma tentativa de modificar radicalmente a correlação de forças e sobretudo a repartição do rendimento mundial. “Vocês não terão nada e serão felizes”, nas palavras inolvidáveis do sr. Schwab.

No entanto, por muita turbulência que possam provocar, os planos desesperados dos neocons e as tentativas de Great Reset não terão êxito. O mundo está a mudar num sentido multipolar. O imperialismo hoje está em posição de inferioridade no plano militar e a sua divisa está gradualmente a perder o papel de moeda de reserva no comércio mundial. O imperialismo está ferido de morte. Esperemos que, na sua insânia, não provoque uma catástrofe nuclear.


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