(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso Diário, 25/08/2016)

Pedro Santos Guerreiro
O Governo fez o caminho todo errado para chegar ao destino certo. O mais importante na Caixa nunca foi a nomeação da administração, mas convencer Bruxelas a não impor uma ajuda Estado, o que teria consequências dramáticas sobre todo o sistema financeiro. O PS perdeu a oportunidade de capitalizar-se a si próprio com a vitória política de hoje. E o PSD devia estar calado sobre este assunto, que ele próprio deixou causar por inércia e medo.
Os administradores chumbados foram os bobos da corte e o assunto tornou-se o bombo dos cortes e costura. Com razão: o processo de nomeação da administração envergonhou todos os envolvidos, começando e acabando no governo, que para mais reagiu de forma patética. A Caixa precisa de uma boa administração e de um sistema de governo que a proteja do capcioso poder político e da soberba de uma comissão executiva demasiado convencida consigo própria. Correu tudo mal no processo de nomeação da administração. Mesmo que a comissão executiva tenha prevalecido, apesar do vexame de ser mandada estudar. E mesmo que, pela primeira vez em décadas, a equipa agora conhecida não seja contaminada por representantes de partidos políticos.
Mas o que esteve sempre em causa na Caixa Geral de Depósitos era um problema infinitamente maior. A necessidade de capitalização. De injeção de dinheiro fresco, conversão de dívida do Estado em capital e emissão de obrigações para financiar a sua reestruturação. Uma enormidade de dinheiro, que totaliza 4,6 mil milhões (dos quais 2,7 mil milhões em dinheiro fresco). Estava nas mãos da Comissão Europeia autorizá-lo. Ou não.
Não é, nunca foi, uma questão de semântica. Ser ou não ser considerado ajuda de Estado teria consequências completamente diferentes e avassaladoras. Se a Direção Geral de Concorrência tivesse obrigado a considerar a injeção de capital como ajuda de Estado, duas coisas aconteceriam: o valor seria considerado no défice do Estado e lá iam as contas públicas este ano para ar; e, sobretudo, teria de haver “bail in” na Caixa.
Sim, leu bem. A Caixa Geral de Depósitos, banco do Estado, o maior banco português, esteve durante os últimos meses sob ameaça de “bail in”. Na prática, isso significaria que antes do dinheiro do Estado entrar, credores privados perderiam o seu.
Se a Direção Geral de Concorrência tivesse obrigado a considerar a injeção de capital como ajuda de Estado, duas coisas aconteceriam: o valor seria considerado no défice e lá se iam as contas públicas este ano; e teria de haver “bail in” na Caixa.
Dados os montantes em causa, os grandes depositantes não seriam chamados a perder dinheiro, mas os obrigacionistas sim. Incluindo muitos detentores de obrigações de retalho. Ou seja, pequenos investidores.
As consequências sobre as contas públicas, sobre a reputação dessa “caixa forte” que é a CGD e sobre todos os bancos nacionais seriam gravíssimas. Os mercados aumentariam os custos de financiamento de todos os bancos, a possibilidade de aumentos de capital noutros bancos (como o BCP e o Novo Banco, que deles precisam) seria dificultada, muitos obrigacionistas perderiam dinheiro e a inexpugnabilidade da Caixa, último reduto na percepção pública de banco seguro, ruiria.
Foi isto que o governo conseguiu e que se confirmou hoje: a injeção de capital pode ser feita sem ser considerada ajuda de Estado. Depois da vitória de António Costa nas sanções, a vitória de António Costa na Caixa. Ambas em Bruxelas. Ambas contra o fatalismo preconizado por Passos. Costa matou duas vezes Coelho com uma cajadada. E Marcelo Rebelo de Sousa, que anunciou o seu empenho na “questão da banca” desde o seu primeiro discurso, também. A vitória política é de ambos.
A situação calamitosa da Caixa Geral de Depósitos resulta do adiamento sucessivo do problema, que o anterior governo caucionou. O grande mérito de Passos no caso BES resultou, paradoxalmente, no grande demérito no Banif, no Novo Banco e na Caixa. Porque em todos estes casos fez o mesmo: nada. Fazer nada no BES significou não ceder ao poderoso lóbi de Ricardo Salgado e essa é uma coroa de louros que ninguém no governo antes de Passos Coelho pode reclamar. Fazer nada no Banif foi uma vergonha perdulária, como é uma vergonha despesista termos de capitalizar a Caixa num enorme balúrdio. Felizmente, sem “bail in”. Foi essa a vitória do governo PS que António Costa não consegue aproveitar, porque de tanto amadorismo em querer festejar com foguetes para o ar acabou por virar os tiros todos para os seus próprios pés. Mas hoje safámo-nos de boa. Provavelmente, nem nunca saberemos bem de quão “boa” era. Ainda bem.