Boris Johnson, Brexit, Mentiras e Gravações

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 20/06/2022)

(Com um apontamento ao filme Doctor Strangelove, a Peter Sellers e a Kubrick)

A internet tem também as suas vantagens — desvantagens para os aldrabões. Boris Johnson é hoje um afadigado caixeiro viajante a promover os interesses dos Estados Unidos na Ucrânia, como Blair o foi na invasão americana do Iraque.

(Ver discursos e intervenções de Boris J. aqui)

O produto que Johnson se esfalfa por vender é a entrada da Ucrânia na União Europeia, isto tendo ele sido um dos mais entusiastas ativistas da saída do Reino Unido da UE. O que não servia para o Reino Unido serve e bem para a Ucrânia!

É evidente que a saída do Reino Unido da EU fazia parte da estratégia dos Estados Unidos de barragem de criação de um novo espaço político, económico e militar, de enfraquecimento da EU e da sabotagem de qualquer reforço da ligação da União à Rússia. É evidente que a entrada da Ucrânia na UE serve os propósitos dos Estados Unidos, que à custa dos ucranianos, enfraquecem a UE e dinamitam o estreitamento de relações desta com a Rússia.

Para cumprir a sua missão de sapador, Boris Johnson, como Blair, presta-se a todos os trabalhos sujos. Mente, desdiz-se e, tanto quanto se sabe, ainda se diverte em parties no gabinete.

Voltando à internet, uma busca sobre as afirmações de Boris Johnson sobre a UE no tempo em que ele era contra (2016) deu o resultado que aqui deixo resumido:

6 de Junho de 2016

Votar para ficar na UE é uma opção arriscada

Os perigos da continuação da adesão à UE para a economia, segurança, democracia e fronteiras do Reino Unido — posição dos deputados Michael Gove, Boris Johnson, Gisela Stuart e John Longworth.

A permanência do Reino Unido na UE “ Fecha a Grã-Bretanha num sistema que tem uma maioria permanente de votação para a zona do euro.”

Esta, a zona do euro, na opinião destes deputados, incluindo Boris Johnson, tem graves problemas económicos e está a ficar para trás na Ásia e na América. Tem alto desemprego, altas dívidas e baixo crescimento. Tem uma população que envelhece rapidamente e grandes responsabilidades com pensões não financiadas do setor público. Não conseguiu desenvolver as redes vitais entre universidades de classe mundial (das quais não tem nenhuma entre as 20 melhores), empreendedores e capital de risco, por isso não está liderando em novos campos, como inteligência de máquina, engenharia biológica e manufatura avançada.

Afirmaram os deputados:

O plano oficial da UE não é mudar de direção, é tirar ainda mais poderes da Grã-Bretanha;

A UE e o desonesto Tribunal Europeu são perigosos para a nossa segurança.

Se permanecermos, a UE planeia constituir um exército europeu.

Boris Johnson criticou as ligações entre os argumentos sobre democracia e economia:

Podemos ver em cada estágio de atuação da UE como a perda do controlo democrático se transforma num desastre económico. O projeto europeu vai contra a corrente da História!”

8 de Junho de 2016

Michael Gove e Domique Raab, um deputado e o outro ministro da Justiça, conservadores do grupo de Johnson, ativistas do Vote Leave, o movimento que conduziu ao Brexit, afirmaram no Parlamento que a pertença à União Europeia diminui a segurança do Reino Unido e atacaram o Tribunal de Justiça Europeu. Dominic Raab, argumentou que “deixar a UE permitir-nos-ia retomar o controlo das nossas fronteiras e nossa capacidade de deportar criminosos.” (É com base nesta liberdade que o governo do Reino Unido presidido por Johnson se prepara para deportar Julius Assange.)

Raab salientou que já existem problemas com os estados da UE que dificultam os controlos de fronteira e verificações de passaportes no Reino Unido, com a própria agência de fronteiras da UE, Frontex, admitindo que os documentos são falsificados de forma sistemática. Raab deu um exemplo de um jornal de agente imobiliário de Chipre que anuncia passaportes da UE: “Dado que isso já está a acontecer em grande escala, imagine o quanto esse problema será pior após a próxima onda de adesões à UE.” (Parece que esse problema terá sido resolvido, pois Boris Johnson, depois de ter conduzido à saída do Reino Unido da UE, é agora a favor da entrada nela da Ucrânia, com a correspondente livre circulação de ucranianos (exceto no Reino Unido, presume-se. Johnson abre as portas da casa dos outros. E os outros, coma senhora Ursula Von Der Leyen à cabeça, aplaudem e incentivam a medida!)

Por sua vez, Michael Gove, então secretário da Justiça, afirmava que a adesão da Turquia é um perigo para a segurança. Sobre a Turquia, na altura, disse Gove: “O desenvolvimento democrático daquele país foi revertido sob o presidente Erdogan. Nós e a União Europeia deveríamos protestar da forma mais clara e ruidosa possível contra esta erosão das liberdades democráticas fundamentais. Mas, em vez disso, nós e a União Europeia estamos a fazer concessões atrás de concessões a Erdogan.” (atualmente a Turquia é um aliado com quem o Reino Unido negoceia concessões para a entrada da Suécia e da Finlândia na NATO).

15 de junho de 2016

Os deputados do grupo Vote Leave apresentaram no Parlamento Um novo quadro para retomar o controlo do UK e estabelecer um novo acordo Reino Unido-UE após 23 de junho, que propunha entre outras medidas:

– Projeto de lei financeiro especial: Abolir a taxa de 5% do IVA nas contas de energia doméstica. Isso será pago pelas economias das contribuições do Reino Unido para o orçamento da UE.

– Projeto de Lei do Serviço Nacional de Saúde. Transferência de 100 milhões de Libras por semana para o NHS, além dos planos atuais, a serem pagos pela poupança com as contribuições do Reino Unido para o orçamento da UE, por exemplo, não pagar os biliões que o TJE deu ordem ao Reino Unido para pagar em compensação dos benefícios fiscais concedidos às multinacionais que evitam impostos instalando-se Reino Unido. (um reconhecimento implicito de que o Reino Unido era e é um gigantesco paraíso fiscal!).

– Projeto de Controle de Asilo e Imigração. Fim do direito automático de entrada no Reino Unido de todos os cidadãos da UE. Os cidadãos da UE estarão sujeitos à lei do Reino Unido e não à legislação de imigração da UE. O projeto de lei também abolirá o controle do Tribunal Europeu sobre a política de asilo –

  • Comércio Livre. O Reino Unido abandonará a “política comercial comum” da UE.

– Lei das Comunidades Europeias. Os Tratados da UE deixarão de fazer parte da lei do Reino Unido e a jurisdição do Tribunal Europeu sobre o Reino Unido será banida. O Reino Unido deixaria de fazer contribuições para o orçamento da UE.

16 Junho 2016

Carta de deputados do Vote Leave (Boris Johnson) ao Primeiro-ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros contra a adesão da Turquia à UE:

(…)os eleitores vão querer saber a resposta a duas perguntas:

É política do Governo 1) vetar a adesão da Turquia à União Europeia e a continuação das negociações de adesão, e 2) impedir a extensão da isenção de visto para a Turquia, prevista para este ano?

Se o governo não puder dar essa garantia, o público chegará à conclusão razoável de que a única maneira de evitar ter fronteiras comuns com a Turquia é votar pela saída da UE e retomar o controlo do país em 23 de junho.

Finalmente, pode confirmar se é política do governo não aceitar mais reformas das leis e regulamentos de ‘livre circulação’ da UE?

Com os melhores cumprimentos, Deputado Michael Gove; Deputado Boris Johnson; Deputada Gisela Stuart.

23 de Julho de 2019

Boris Johnson: What is his Brexit plan? By Reality Check team BBC News

O ex-ministro das Relações Exteriores (B. Johnson) prometeu que o Reino Unido deixará a UE em 31 de outubro, “ou o faz, ou morra”, aceitando que um Brexit sem acordo acontecerá se um acordo não puder ser alcançado até lá. Ele considerou morto o acordo de saída negociado pela primeira-ministra Therese May, mas diz que vai “pegar os pedaços” que mereçam ser considerados de interesse — como garantir os direitos de 3,2 milhões de cidadãos da UE no Reino Unido — (que asseguram serviços essenciais)

Termino com o final do discurso de Chris Grayling, deputado conservador do Movimento Vote Leave, a que pertencia Boris Johnson, proferido a 31 de Maio de 2016: “Devemos votar a saída do Reino Unido da União Europeia para proteger nossa soberania e democracia. (agora Johnson propõe a entrada da Ucrânia para esta defender a sua soberania e a sua democracia!)

O deputado Chris Grayling, líder da Câmara dos Comuns, terminou o discurso resumindo-o com a resposta à sua pergunta: Então qual é o problema?

O problema é este: Já estamos fora do Euro e do Espaço Schengen, mas em todo o resto estamos sujeitos a todas as leis introduzidas pela UE e na Zona Euro: Sobre serviços bancários e financeiros; sobre a regulamentação empresarial; sobre política social da UE, na chamada Europa Social. Assim, quando houver novas regras da UE sobre pensões, competências e saúde, elas também se aplicarão a nós. Sem Brexit (opt-out) mais milhões de pessoas podem aceder aos nossos serviços gratuitos à medida que países como Albânia, Sérvia e Turquia se juntam à UE.

O que acontecerá connosco se permanecermos na UE?

A nossa influência diminuirá. A nossa soberania diminuirá. A nossa capacidade de definir o nosso próprio interesse nacional diminuirá. (…)

O deputado do Vote Leave, correligionário de Boris Johnson terminou o seu patriótico discurso afirmando:

Senhoras e senhores, isso (a UE) não é para nós! Quero que vivamos num país independente e soberano!

Para os militantes do Brexit, à cabeça dos quais estava Boris Johnson em 2016 a U E não era para os ingleses, mas para o mesmo Johnson, depois de ter saído da UE, que não servia a independência e a soberania do Reino Unido, já é uma excelente e indispensável organização para a Ucrânia defender a sua independência e soberania!

Em resumo, o racismo inglês no seu melhor. Para quem é (a Ucrânia), bacalhau (a UE) basta!

Uma nave de loucos? O doutor Strangelove está na ponte de comando?

Os líderes da UE, presidentes de Comissão, do Conselho, o Borrell, os chefes de governo ficam muito contentes e honrados com este tratamento de democratas de segunda com que Boris Jonhson os trata. Ele é visita frequente de Zelenski.

É a personalidades como esta, como Boris Johnson, que está entregue a condução da política europeia, do destino de milhões de cidadãos. O Stanley Kubrick bem nos avisou que eles existiam!


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Oxalá

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 25/12/2020)

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1 Tarde e a más horas, nomearam um coordenador de uma task force encarregado de gerir o plano de vacinação nacional contra a covid, Francisco Ramos. Passado mais de um mês, não entendi bem por quem é formada a dita task force, como é que está organizada e coordenada. E também não entendi quais são ao certo os poderes e até as informações ao dispor do coordenador, visto que sobre o plano de vacinação umas vezes o oiço falar a ele, outras à ministra, outras ao primeiro-ministro e outras ainda à agora regressada directora-geral. Esta segunda-feira, foi a vez de ouvirmos o coordenador, numa breve entrevista ao “Público”. Perguntado onde iriam ser administradas as primeiras 7500 doses “simbólicas” de vacinas a profissionais de saúde, já daí a uma semana, respondeu que “a lista ainda não está fechada” (nessa mesma noite a ministra deu a lista). Perguntado a seguir se havia muitos profissionais de saúde que não quereriam vacinar-se, disse que os únicos dados que tinha eram de um hospital que conhecia. Perguntado depois como iriam fazer com o elevado número de pessoas internadas em lares com demência, em termos de consentimento para a vacinação, respondeu textualmente: “Essa é uma questão que ainda terá de ser esclarecida. Acho que devemos solicitar um parecer ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.” E se o parecer não chegar a tempo? Resposta. “Hão-de ser vacinados ou não, mesmo sem parecer. Como é que se fez na gripe?” Enfim e mais importante: confrontado com a afirmação do presidente da Associação de Medicina Geral e Familiar de que não existem só 400 mil pessoas com mais de 50 anos e doenças que os habilitam para a primeira fase de vacinação, mas sim o dobro, respondeu que a DGS está a trabalhar para se fazer uma “caracterização mais fina” (um dos palavrões da moda trazidos pela pandemia). De qualquer maneira, acrescentou o coordenador, “os 400 mil são meramente uma estimativa, não se fez uma identificação prévia”. Meramente uma estimativa: 400 ou 800 mil, meramente um pormenor…

Acrescente-se a estes esclarecedores esclarecimentos de quem já devia saber tudo, que também não se sabe como é que serão contactadas as pessoas sem telemóvel (nas aldeias, segundo o coordenador, será por “recados”), não se sabe como é que os centros de saúde elaborarão o historial clínico do milhão de pessoas que não está lá inscrito ou que não tem médico de família atribuído, para poderem inscrevê-las nas diversas fases de vacinação; que não consta que o pessoal dos centros de saúde esteja a ser treinado para administrar a vacina da Pfizer, cujo manuseamento é diferente de qualquer outra; que nem sequer foi assegurado publicamente, preto no branco, que toda a cadeia de transporte e distribuição (que, por exemplo, a Alemanha ensaia desde Agosto e a Espanha desde Setembro), esteja a postos e pronta a funcionar todos os dias, sem falhas, nem feriados, nem tolerâncias de ponto.

Enfim, juram-nos que está tudo a postos (como estava para a vacina da gripe…), que andrá tutto benne, e o coordenador garante-nos que, se um avião chegar à Portela com vacinas às 11h da manhã, às 15h já estarão a injectá-las. Oxalá desta vez desmintam a nossa fatal tendência para o improviso, para a desorganização e falta de planeamento, para a incompetência e indisciplina. Oxalá não confiem tudo ao nosso tradicional dom para o desenrascanço, para safar à 25ª hora o que não fizemos nas 24 horas anteriores. Oxalá eu esteja mil vezes enganado, quando, a três dias do tiro de partida, pressinto que isto das vacinas tem tudo para correr mal.

<span class="creditofoto">Ilustração Hugo Pinto</span>
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO

2 Formou-se uma comissão, baseada na Faculdade de Ciências, com a missão de tentar descobrir as causas da persistentemente elevada taxa de mortalidade covid entre nós, sem paralelo com os outros indicadores e sem comparação com os outros países — com excepção da Suécia, o país que adoptou como política de combate à pandemia a opção de deixar morrer os velhos. Oxalá, então, descubram que o problema é de ordem científica e não de ordem política.

3 Um dia, quando tudo isto passar — porque há-de passar —, haveremos de ter de contar a indecente história de como as nossas sociedades ricas, cómodas, dotadas de todas as facilidades e confortos, abandonaram os seus velhos para morrerem em lares que se transformaram em pavilhões de morte ou sozinhos em casa, vergados à solidão mais miserável. Teremos de contar como aquela infelicíssima — e quero crer que impensada — declaração de que este era um “vírus bonzinho que só mata velhos” serviu para libertar todos os egoísmos e todas as responsabilidades, desde os mais novos, que se sentiram imunes ao perigo, até a alguns da tão elogiada “linha da frente”, que se sentiram livres e respaldados para decidir, em nome de toda a restante sociedade: em Espanha, o país cujo Governo pior geriu a crise, no auge do aperto, veio de cima uma ordem clara: velhos infectados vindos dos lares, não eram recebidos nos hospitais. Um dia teremos de contar essa triste e feia história. Um dia, quando esta geração, que hoje se sente tão orgulhosamente imune à covid e que continua a enxamear os centros comerciais a comprar as últimas compras de Natal, estiver a reclamar o direito a receber gratuitamente medicamentos que custam milhares de euros para lhes garantir mais um ano de vida.

4 A pandemia tem sido propícia a teorias conspirativas para todos os gostos e nem todas se alimentam da estupidez de rebanho das redes sociais. Algumas são encabeçadas por gente que aproveita o desnorte e a desesperança colectiva para propor supostas explicações e soluções já várias vezes ensaiadas em vão e em diferentes contextos. É o caso da teoria, muito acarinhada por sectores da extrema-esquerda colectivista, de que o perigo da pandemia tem sido exagerado e de que a ordem de batalha, assente na defesa da saúde pública, conduz à ruína da economia e ao consequente agravar das desigualdades sociais. Curiosamente ou não, a extrema-esquerda encontra-se aqui com os argumentos da extrema-direita de Trump e Bolsonaro ou dos negacionistas que proliferam no esgoto das redes. É verdade que a pandemia tem arruinado as economias e que isso agrava, como sempre, as desigualdades sociais. Mas, não falando já do dever elementar dos Estados de defenderem a saúde dos seus cidadãos, a única forma de, a prazo, defender a economia é evitar o caos na saúde pública: uma sociedade doente conduz fatalmente à ruína económica. Por ora e depois, os Estados têm de fazer aquilo que estão a fazer e que irão continuar a fazer: injectar o dinheiro que puderem na economia para salvar famílias, empregos e empresas. Entretanto, o marxismo-leninismo pode esperar.

5 Pinto da Costa anunciou o seu apoio à candidatura de Ana Gomes assim que soube que Ana Gomes declarara o seu apoio à regionalização — sem referendo nem nada, não vá o povo, consultado por capricho democrático, voltar a recusar e humilhar as pretensões dos caciques partidários provinciais e das vestais constitucionalistas. Eis aqui duas razões para eu não votar em Ana Gomes: Pinto da Costa e a regionalização. Ambas trazem assegurada uma mesma certeza: a da ruína certa.

6 Eu sou dos que têm pena de ver a Inglaterra sair da Europa, mesmo não ignorando que, verdadeiramente, ela esteve sempre lá com um pé dentro e outro fora. Mas, simultaneamente, também penso que os cidadãos britânicos saem por razões sem sentido, de puro orgulho e vaidade espúria, numa aliança assente em valores do passado entre o snobismo irritante das classe altas e os leitores do “Sun”. Merkel fez tudo para evitar essa saída e fez tudo para evitar que ela se procedesse desordenada e desagradavelmente, como um divórcio litigioso. Ela travou o instinto de muitos dos 27 de “castigar” a Inglaterra, mostrando a outros, tentados a seguir a mesma via, que não compensa abandonar a UE. Mas é difícil negociar com quem prometeu aos ingleses que sair era facílimo e que, sem as amarras da UE, a Inglaterra iria ser “próspera”, mas que, na hora da verdade, mostrou qual a chave dessa prosperidade: conseguir acesso ao grande mercado europeu como antes, mas sem as regras comuns, como antes. Desgraçadamente para os ingleses, nesta darkest hour, eles não têm à frente dos seus destinos um estadista como Angela Merkel, mas sim um espalha-vento como Boris Johnson. Talvez ainda se consiga um daqueles acordos do último minuto da última hora do último dia. Mas será um acordo colado com cuspe e sujeito a todas as desconfianças e conflitos permanentes no futuro.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia


A economia mundial entraria em colapso se a City de Londres deixasse de fazer lavagem de dinheiro

(Chris Summers, in Resistir, 01/02/2020)

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A Grã-Bretanha deixou a União Europeia em 31 janeiro, mas não há sinais de que os bancos deixem a City de Londres, uma das principais reivindicações dos Remainers [NT] antes do referendo do Brexit. Mas serão as engrenagens da City mantidas a girar apenas com a lavagem de dinheiro?

Nicholas Wilson , que denunciou escândalos financeiros e deu a conhecer os milhões de libras de cobranças injustas a clientes, tendo em consequência sido demitido do escritório de advocacia britânico Weightmans, afirma que a City de Londres depende do “dinheiro sujo” e diz que a economia mundial entraria em colapso se ela parasse de lavá-lo .

O Reino Unido tentou bloquear uma proposta da UE para apertar o controlo à lavagem de dinheiro

Nicholas Wilson, um ex-gerente de litígios, afirmou: “A UE queria reforçar o controlo à lavagem de dinheiro, o Reino Unido foi o único país que votou contra”. “O capitalismo depende do dinheiro sujo, movimentado para realizar investimentos em todo o mundo”.

Um relatório do ano passado do Centro de Pesquisa Bancária da Cass Business School pintou um quadro róseo da City no pós-Brexit. A coautora do relatório, professora Barbara Casu Lukac, escreveu: “Londres continuará sendo um elemento importante no sector global dos serviços financeiros e no mercado de capitais após o Brexit. No entanto, algumas de suas operações, capacidades e margens serão afetadas pela incerteza política da regulação a longo prazo, subjacente ao processo Brexit”.

Isto contrasta fortemente com as declarações alarmistas sobre o futuro da City feitas pelo então Chanceler George Osborne, como parte de seu “Projeto Medo”, antes do referendo do Brexit em 2016.

Após o referendo, David Cameron renunciou e foi substituído por outro Remainer, Theresa May. Quando seus esforços para aprovar um acordo no Brexit falharam, ela foi substituída por Boris Johnson , desde o início um entusiástico defensor da saída de UE. Em junho de 2019, durante a campanha para a liderança do Partido Conservador, Boris Johnson gabou-se de quanto havia feito pela City de Londres.

Johnson renegociou um novo acordo com a UE, mas o futuro da City fará parte das negociações sobre comércio, a realizarem-se ainda este ano. Os bancos poderão continuar a prestar serviços durante o período de transição, a começar em 1 de fevereiro, mas devem perder os seus “direitos de passaporte”, que lhes permitiam oferecer serviços aos clientes nos 27 estados da UE. Uma solução possível é que os bancos do Reino Unido precisem criar uma subsidiária num estado membro da UE e então, nesse país, solicitar uma “licença de passaporte”.

O Chefe da Financial Conduct Authority foi promovido, mas será que ele estava a ‘dormir ao volante’?

No mês passado, o governo anunciou a nomeação de Andrew Bailey, atual chefe do Departamento Financeiro, da Financial Conduct Authority – o regulador que supervisiona os serviços financeiros e os mercados de capitais no Reino Unido – para o cargo de Governador do Banco da Inglaterra, que assumirá em março.

Mr. Bailey disse: “O Banco tem um trabalho muito importante e, como Governador, continuarei o trabalho que Mark Carney fez para garantir que o interesse público esteja no centro de tudo o que faz. É importante para mim que o Banco continue trabalhando para o público, mantendo a estabilidade monetária e financeira, garantindo que as instituições financeiras sejam seguras e sólidas.”

Mas Nicholas Wilson, declarou que apenas nos últimos 12 meses Bailey fracassou em vários escândalos de destaque, como o colapso da empresa London Capital and Finance , a implosão da Woodford Investment Management e o bloqueio do imobiliário da M&G Property Portfolio por questões de liquidez. Acrescentando: “Mr. Bayley falhou seguramente ao longo de todos estes anos ao lidar com a fraude do HSBC , que relatei pela primeira vez à FCA em 2012″.

Wilson foi demitido depois de ter demonstrado que o HFC Bank, uma subsidiária do HSBC, impunha ilegalmente uma sobretaxa de 16% aos clientes caso não cumprissem pontualmente o pagamento dos créditos contratados e empréstimos subprime.

Em 2017, venceu a sua batalha contra o HSBC, que foi forçado a pagar mais de 4 milhões de libras a milhares de clientes. Em 2019, outras 18 500 vítimas foram identificadas. Até agora, o HSBC concordou em pagar 30 milhões de libras e Wilson acredita que o total chegará a 200 milhões de libras.

Em março de 2019, Adrian Hill , ex-CEO do HFC Bank, afogou-se na sua casa de luxo em Oxfordshire. Num inquérito sobre sua morte, foi dito que sofria de stress, por estar convencido de que seria enviado para a prisão em resultado da investigação da FCA sobre o HFC.

Nicholas Wilson salientou que o chanceler do Tesouro do governo sombra, John McDonnell, afirmou no Parlamento em 8 de janeiro, que o histórico de Bailey na FCA deveria ter sido levado em consideração antes de ser nomeado. McDonnell disse que Bailey esteve “a dormir ao volante durante seu mandato na FCA”.

O chanceler, Sajid Javid, insistiu que Bailey era “um excelente candidato, o mais relevante candidato para ser o próximo governador do Banco da Inglaterra”.

Reino Unido, o país mais corrupto do mundo

Em 2016, o jornalista italiano Roberto Saviano , que passou a maior parte de sua carreira investigando a máfia, disse que a Grã-Bretanha era o país mais corrupto do mundo.

Numa intervenção no Hay-on-Wye Book Festival, Saviano disse ao público:

“Se eu perguntasse qual é o lugar mais corrupto do mundo, você poderia dizer-me que é o Afeganistão, talvez a Grécia, a Nigéria, o sul da Itália e eu vou dizer-lhe: é o Reino Unido. Não é a burocracia, não é a polícia, não é a política, mas o que é corrupto é o capital financeiro: 90% dos proprietários de capital em Londres têm sua sede no exterior”.

Em resposta, Nicholas Wilson, disse: “Concordo com isso. Ele está falando sobre a City de Londres, que é a capital mundial da lavagem de dinheiro. Nada pode ser feito para limpar a City. Se algum político tentasse desmantelá-la, a economia mundial entraria em colapso. O dinheiro das drogas foi a única coisa que manteve em funcionamento os bancos durante a crise financeira de 2008”.

Em 2016, o Home Affairs Select Committee declarou que 100 mil milhões de libras de dinheiro ilícito eram lavados no mercado imobiliário de Londres todos os anos.

Wilson disse ainda que o banco com a pior reputação era o HSBC , que estava envolvido em 18 dos 25 principais escândalos de corrupção listados pelo órgão de fiscalização Transparency International no ano passado. Rona Fairhead, ex-diretora do HSBC, que também foi presidente do BBC Trust e é atualmente membro da Câmara dos Lordes, foi ministra no governo de Theresa May, até maio do ano passado.

Como afirmou Wilson, as instituições políticas e financeiras estão estreitamente entrelaçadas. Existem vários exemplos de ex-parlamentares e ministros que foram trabalhar para bancos e ex-banqueiros a entrarem na política ou em cargos influentes.

A City of London Corporation recusou-se a comentar e a Financial Conduct Authority, que também foi abordada, não fez comentários.