(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 23/12/2015)
Sei que, sendo o Estado o principal acionista do Banif, uma solução sem perdas para o contribuinte era já uma impossibilidade. Sei que a decisão de deixar falir um banco ou de repercutir as suas perdas em parte dos depositantes – injusto, mas menos do que dividir essa fatura por todos os contribuintes – seria uma catástrofe para a Madeira e os Açores (onde o Banif tem um terço do mercado) e teria um efeito perigoso na confiança dos emigrantes na banca portuguesa. Sei que repetir números como o BPN ou o BES só nos poderia guardar más surpresas para o futuro. Sei que a solução menos má – a absorção do Banif pela CGD – foi proibida pela Comissão Europeia que, em todo este dossier, teve um papel lamentável pelo qual, sendo uma estrutura que não depende do voto, nunca terá de responder. Mas mesmo assim não consigo aceitar sem revolta que, mais uma vez, o meu dinheiro sirva para pagar os riscos de um negócio que já se adaptou a esta perversidade: os lucros são deles, os prejuízos são nossos.
Concordo que é fundamental para a economia que haja confiança no sistema financeiro. Mas, na realidade, não há qualquer razão para essa confiança. A banca não é hoje merecedora de tal coisa. Com a dimensão e complexidade que ganhou, essa confiança, a existir, só pode ser cega. E não é apenas um problema dos reguladores. Com cada vez mais opacos e complexos serviços e produtos, a banca que hoje temos é incontrolável e impossível de regular. O problema não é deste ou daquele gestor. O problema não é dos ”malandros dos banqueiros”. O problema é de um capitalismo financeiro insustentável e disfuncional, que foi deliberadamente desregulado e que está a sugar recursos à economia e ao Estado. E que só se consegue manter assim porque mantém os povos sob chantagem.
Na realidade, ninguém sensato e informado tem hoje qualquer confiança no sistema financeiro. Confiamos apenas que no fim o Estado pagará a conta. Confiamos no Estado. E enquanto o Estado pagar a fatura continuaremos a confiar, aceitando a irresponsabilidade da banca perante o risco.
O Estado é como o pai de um jogador que, perante os azares do filho, continua a pagar-lhe as dívidas, garantindo que, por mais asneiras que o filho faça, todos podem estar descansados. Continuará a ser recebido em todos os casinos para gastar o dinheiro do pai.
Sei, sabemos todos através da Lehman Brothers, o preço de deixar falir um banco. E no caso do Banif até sabemos que é tarde demais para isso. A fatura para os contribuintes era já mais do que certa. Mas não podemos aceitar que isto continue. Não podíamos depois do BPN, não podíamos depois do BES, não podemos depois do Banif.
Das duas uma: ou a banca é privada e é sustentada pelos privados, ou é sustentada pelos contribuintes e é pública. Se não pode falir tem de ser do Estado, se é privada tem de poder falir.
E não me venham com o fantasma da economia estatizada. Economia estatizada é este sistema, em que se socializa o risco e se privatiza o lucro. Já chega. Estou farto que o dinheiro do meu trabalho, pago através dos meus impostos, sirva para financiar bancos privados. Se fosse para isso, que ao menos financiasse atividades realmente produtivas, que criam emprego e riqueza.
Temos de defender a confiança no sistema financeiro. Isso não se faz continuando a substituir a desconfiança que os bancos merecem pela confiança que o Estado garante através da socialização do risco. Estamos a alimentar uma mentira. As pessoas não têm razão nenhuma para confiarem na banca e não a vão querer controlar enquanto o Estado lhe for aparando os golpes. Estamos a dar garantias à irresponsabilidade geral. A curto prazo, faz todo o sentido. A longo prazo é um suicídio.