A propósito dos movimentos pela “verdade” que negam a pandemia

(Carlos Marques, 28/03/2021)

Quem são de facto os negacionistas? Sim, há uns quantos nas manifestações anti-confinamento. Mas esses não aleijam mais ninguém a não ser a si próprios e à sua reputação. A maior parte dos que se manifestam, estão simplesmente fartos e revoltados, e têm muitas razões para tal. Senão vejamos, temos primeiro o “ai ai ai que a pandemia é tão má”:

– mas depois recusam suspender/quebrar patentes das vacinas made in UE/EUA, desperdiçando assim a capacidade de produção instalada. Exemplo disso é que um dos maiores produtores de vacinas, a Índia, só tem 4% da população vacinada;

– recusam também acelerar a burocracia da EMA (Agência Europeia do Medicamento) para termos as vacinas da Rússia e da China, que são tão boas ou melhores que as outras. Exemplo disso é que a Sérvia (fora da UE) já vacinou 34% da população enquanto a média da UE ainda está nos 15%.

– ora das duas uma, ou a pandemia é mesmo má e então as patentes têm de ser suspensas e todas as vacinas aproveitadas, ou então, se se recusam a quebrar patentes e recusam vacinas de fora do lobby farmacêutico EUA/UE, então andam a gozar connosco!

Depois do “ai ai ai”, vem o “ui ui ui que os que protestam são todos negacionistas”:

– mas quem protesta, está a ser abusado por um Estado de Emergência excessivo, que origina multas de 200 € a cidadãos que estão a comer uma sandes no carro, sozinhos, após saírem do trabalho. Isto no mesmo país que permite tudo aos ladrões (capitalistas e políticos por si corrompidos) para fazerem negociatas com barragens e fugirem aos impostos de mil e uma maneiras;

– recusam também um pingo de decência na execução orçamental, cativando tudo o que podem, desde o investimento até à fidelização de médicos no SNS (perderam-se quase 1000 profissionais experientes até Dezembro, e só agora se remenda a coisa com cerca de 2000 inexperientes acabados de formar). Mas fazem um teatro na hora de se despedirem dos médicos que vieram da Alemanha, a dizer “se precisarem nós (médicos portugueses) estamos cá”… é mesmo sem noção, não é?

– já para não falar da bazuca europeia, que nem é bazuca mas sim fisga, e nem é sequer real, pois até agora chegaram ZERO €uros. O Tribunal Constitucional da Alemanha já vetou, e bem (mas isso é outro assunto), a emissão de dívida conjunta, portanto parte da fisga nunca virá. Outra parte teremos de recusar porque seria mais dívida a juntar à que já temos. E a parte que sobra divide-se em impostos cobrados por não eleitos (isto nem na Venezuela…) ou transferências de outras partes do orçamento comunitário que já existia antes da crise. Mais operações plásticas que isto para disfarçar a decadência, só mesmo a Lili Caneças…

– ora das duas uma, ou a crise é real e é preciso todos os esforços para ajudar toda a gente, em vez de andar a ameaçar que se vai ao Constitucional para impedir… APOIOS SOCIAIS a quem está a passar fome, ou então andam a gozar connosco!

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Que não fiquem dúvidas, a pandemia é real e a crise económica é real. Se há aqui alguém que é negacionista, são os corrompidos pelo lobby das farmacêuticas (governo Português incluído), as “elites” sem noção sempre alinhadas com Washington até mesmo quando esse alinhamento significa recusar vacinas de comprovada eficácia, e os Europeístas fanáticos (aka Extremo-Centro) que em nome do €uro não se importam de condenar milhões à miséria. Estes sim, são os negacionistas, do pior tipo de negacionismo que existe: apesar de estarem muito bem informados, negam a realidade em nome dos seus próprios interesses, lixe-se quem se lixar!

Já em 2011 tinha sido assim, mas nessa altura foi devido a uma pandemia do €urovírus, que provocou uma doença chamada Bancovid11. E também aí se condenou tanta gente à miséria e à fome, alguns mais desesperados até mesmo ao suicídio. E tudo em nome, mais uma vez, do negacionismo que realmente aleija: o das “elites” que ainda não perceberam que Portugal só chamou a troika porque não tem moeda própria, e dos governantes que mais depressa se indignam contra um grevista, do que contra um ladrão que gere um banco (passe a redundância…) ou um vigarista que fez uma negociata aquando da porta-giratória criada com a privatização disto e a concessão daquilo.

Enquanto este país não se vacinar (informar) contra esse vírus (Extremo-Centro) e criar imunidade (sair do €uro) para resistir à doença (governos PS e/ou Direita), este país continuará doente, entrará nos cuidados intensivos, e morrerá. Segundo parece, a data para sermos um Estado falhado é por volta de 2050, quando tivermos 3 milhões de reformados, e só 2,5 milhões a trabalhar para matar a fome, e só meio milhão de jovens (isto na previsão otimista…).

E os outros 4 milhões de habitantes? Perderam-se! Ao longo destas décadas, essas gerações ou emigraram para um país decente com direitos laborais, moeda própria, Estado onde é preciso, e bons salários, ou ficaram presos por cá mas desistiram de ter filhos. Não é uma pandemia, é uma pirâmide etária completamente invertida, à qual também se chama de peste grisalha! Custa a aceitar a definição? Então não matem o mensageiro, “matem” antes quem está a colocar Portugal nesse caminho! Os negacionistas das “elites” que nos DESgovernam desde 1992 (desde a “lógica” NeoLiberal e anti-soberana de Maastricht). A resposta completamente falhada a esta crise é a prova do que digo.


A Europa está a arriscar tudo

(Pedro Sánchez, in Público, 05/04/2020)

A Europa está a sofrer a maior crise desde a Segunda Guerra Mundial. Os nossos cidadãos estão a morrer nos hospitais saturados por uma pandemia que representa a maior ameaça de saúde pública desde a gripe de 1918.

A Europa enfrenta uma guerra diferente das que temos conseguido evitar nos últimos setenta anos: uma guerra contra um inimigo invisível que está a pôr à prova o futuro do projecto europeu.

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As circunstâncias são excepcionais e exigem posturas contundentes: ou estamos à altura das circunstâncias ou fracassaremos como União. É um momento crítico em que, inclusivamente os países e os governos mais europeístas, como é o caso de Espanha, precisamos de provas de compromisso real. Precisamos de uma solidariedade indiscutível.

Porque a solidariedade entre os europeus é um princípio fundamental dos tratados da União. E demonstra-se em tempos como este. Sem solidariedade não haverá coesão, sem coesão haverá desapego e então a credibilidade do projecto europeu ficará gravemente prejudicada.

Nas últimas semanas tomaram-se decisões importantes que aplaudimos, como o novo programa temporal de compra de emergência do Banco Central Europeu e, nesta semana, o plano “Sure” da Comissão, para os afectados pelo desemprego. Mas não é suficiente. É preciso chegar mais longe.

A Europa deve pôr em pé uma economia de guerra e promover a resistência, a reconstrução e a recuperação europeia. Tem que fazê-lo o mais rápido possível com medidas que sustentem a dívida pública que muitos Estados estão a assumir. E terá que fazê-lo depois, uma vez que se ultrapasse a emergência da saúde, para reconstruir as economias do continente mobilizando grande quantidade de recursos através de um plano que chamámos Plano Marshall e que terá que contar com o apoio de todas as instituições comuns.

A Europa nasceu das cinzas da destruição e do conflito. Aprendeu as lições da História e compreendeu uma coisa muito simples: se não ganhamos todos, no fim, perderemos todos.

Podemos transformar esta crise numa oportunidade para reconstruir uma União Europeia muito mais forte. Mas, para isso, precisamos de activar medidas ambiciosas. Se continuamos a pensar de forma limitada, fracassaremos. Os Estados Unidos responderam à recessão de 2008 com estímulos, enquanto a Europa respondia com austeridade. Os resultados são conhecidos por todos. Hoje, que está à espreita uma crise económica global de maior escala que a desse tempo, os Estados Unidos aplicaram a maior mobilização de recursos públicos da sua História. A Europa está disposta a ficar para trás?

É o momento de cortar com os velhos dogmas nacionais. Estamos num tempo novo e precisamos de respostas novas. Conservemos os nossos valores positivos e reinventemos o resto.

Nos próximos meses será inevitável que nós, os Estados-membros, criemos uma dívida maior para responder às consequências de uma crise na saúde mas que também é económica e social. Por isso, as respostas não podem ser as mesmas que estavam previstas para choques assimétricos da economia, como uma crise financeira ou bancária num Estado isolado ou num grupo de Estados. Se o vírus não percebe de fronteiras, os mecanismos de financiamento também não o podem fazer.

O Mecanismo Europeu de Estabilidade pode ser útil numa primeira fase para injectar liquidez nas economias europeias através de uma linha de crédito, sempre que esta seja universal e não condicional, mas não vai ser suficiente a médio prazo.

O desafio que enfrentamos é extraordinário, sem precedentes. Exige uma resposta unida, única, extrema e ambiciosa para preservar o nosso sistema económico e social. Para proteger os nossos cidadãos.

Os espanhóis sempre protegemos e defendemos o projecto europeu. É o momento da reciprocidade. Connosco, com Itália e com todos e cada um dos 27 países da União.

É o momento de agir de forma solidária: criando um novo mecanismo de mutualização da dívida, agindo como um bloco na aquisição de produtos sanitários de primeira necessidade, estabelecendo estratégias coordenadas de cibersegurança e preparando um grande plano de choque para que a recuperação do continente seja rápida e sólida.

Para que não haja divisões entre o Norte e o Sul. Para não deixar ninguém para trás. Vivemos tempos muito difíceis que exigem decisões valentes. Há milhões de europeus que acreditam no projecto da União. Não os abandonemos. Demos-lhes razões para continuarem a acreditar. Agora ou nunca, porque, nestes momentos, a Europa está a arriscar tudo.

Presidente do Governo de Espanha


Ai sobreviverá, sobreviverá

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 30/03/2020)

Daniel Oliveira

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O que seria de nós sem a União Europeia? Como combateríamos este vírus, que não conhece fronteiras, sem uma rede solidária coordenada por Bruxelas? Se em vez da compra conjunta de mascaras e ventiladores, a partilha de meios e pessoal médico, estivesse cada um a tentar salvar-se por si? O que seria de nós se a Europa não existisse para garantir uma resposta rápida ao pânico económico, dando garantias de que as dívidas que agora se vão acumular estão seguras? O que seria de nós se a Europa não estivesse já a desenhar um plano de reação à recessão que aí vem e que até um idiota como Donald Trump percebe ser urgente?

Seria o que está a ser porque a União Europeia não cumpriu, com exceção de gestos de solidariedade entre nações sem intervenção de Bruxelas (como este), nenhuma destas funções. É a China que aproveita a diplomacia médica para ganhar influência. Como na crise do subprime e na crise dos refugiados, é cada um por si. A Europa existe como mercado de crescimento dos países mais poderosos. Ponto final, parágrafo.

Mas sejamos francos: ela também não existe nas nossas cabeças. Somos todos muito europeístas quando falamos do Brexit, mas viram alguma bandeira europeia como fundo de algum telejornal e algum discurso mediático que não se concentrasse no “esforço nacional”? Em que pensamos nós quando pesamos nos deveres de solidariedade da comunidade? Na única comunidade que realmente reconhecemos: a nacional. O resto, se existe, é a solidariedade normal entre Estados. Não há um povo europeu a quem apelar a um sentimento de partilha nestes momentos difíceis. E os políticos, sejam portugueses ou holandeses, sabem isso.

Do ponto de vista cultural e político, a União Europeia é uma fantasia. Todas as identidades nacionais o são, em parte. Há diferenças culturais e sociais bem mais importantes do que a nacionalidade. Mas o sentimento de pertença à nação tem, pelo menos na cabeça das pessoas, uma forte capacidade mobilizadora. E basta ver os discursos públicos um pouco por todo o lado para perceber que isso vai muitíssimo para lá da direita nacionalista. É transversal, quase consensual. Sobretudo nestes momentos.

Toda a indecisão em torno da mutualização da dívida mostra que vamos repetir o filme de 2009. Ou, na “melhor” das hipóteses, os coronabounds virão com a exigência de mais um pacote de “reformas estruturais” que tornem os países do sul ainda mais frágeis e dependentes. Escrevi há uma semana que quando Bruxelas dizia que deixava de haver limites ao défice, que podíamos gastar, nao nos estava a garantir nada. Estava a dizer ao tipo que foi atropelado que podia chegar atrasado ao emprego. No fim, cada um viria a tratar sozinho da sua divida, sabendo que os custos de umas são incomensuravelmente superiores aos de outras. Mas tenho de me penitenciar por qualquer critica que tenha feito à lentidão da UE. Conseguiu fazer numa semana o que, na crise última financeira, demorou dois anos a fazer: mandar gastar e insultar quem gasta. Parabéns pelo cinismo simplex.

Até o discurso moral sobre as economias mais frágeis foi muito mais rápido. E conseguiu ser mais rápido tendo quase o mesmo ator – não a pessoa, mas o cargo: o ministro das finanças da Holanda. Dizer que a situação orçamental espanhola devia ser investigada no momento em que Espanha enfrenta uma crise humanitária de larga escala é, como disse António Costa, repugnante. Especialmente vindo de um país que se dedica a roubar os impostos dos restantes, cobrando taxas baixíssimas a empresas que usam serviços e infraestruturas de outros Estados. Especialmente porque a Holanda, como a Alemanha, não cumpre os limites para os excedentes comerciais, aproveitando uma moeda única que a protege dos efeitos monetários que tais excedentes teriam se tivesse moeda própria (efeitos que são pagos, em défice comercial, pelas economias mais frágeis, obrigadas a viver com uma moeda desadequada). E especialmente porque a Holanda tem-se mostrado ineficaz no combate à epidemia, tomando todas as medidas tarde e a mas horas.

Porque se atreveu Wopke Hoekstra a dizer uma coisa tão repugnante? Porque pode. Porque a assimetria económica que o euro acentuou, a assimetria política que dela resultou e a assimetria no rigor exigido para o cumprimento das regras são a base de uma relação tóxica onde um lado pode maltratar o outro sem consequências. E isto foi só o começo. Sabemos o que virá depois. Virá a generalização deste discurso moral, que voltará a ter, em Portugal e Espanha, solícitos replicadores internos. Como teve em 2011 – “vivemos acima das nossas possibilidades”. Em Espanha, já há quem o esteja a fazer. Virá a austeridade para nos redimirmos e pagarão por ela os que ainda nem se levantaram da última.

Se a Europa falhar agora não vai morrer. Vai viver como vive há 20 anos. O “repugnante” de António Costa não foi um erro diplomático. Foi um gesto diplomático para com os únicos aliados que poderemos ter nos próximos anos.

Esteve muitíssimo bem António Costa na reação às declarações do ministro. Senti orgulho. Mas, como eu próprio já me precipitei nesta previsão, ele enganou-se na conclusão: que este tipo de comportamento pode pôr fim à União Europeia. Pode? Porquê? Se este discurso vingar, como tudo indica que vingará, Portugal ou Espanha (Itália é um pouco diferente) vão sair do euro, como a Grécia ousou pensar por uns segundos antes de ser esmigalhada? Quando alguém se atrever a defendê-lo os que agora dizem que a UE se está a suicidar vão dizer o quê? E em Espanha? E em Itália? E acham que a Alemanha e a Holanda, cujas estratégias de crescimento dependem totalmente do euro, vão acabar com a União ou com o euro?

Os europeístas dos países periféricos parecem aquelas pessoas amarradas a relações tóxicas: sempre a anunciar o risco do fim da relação para depois aceitar que tudo fique na mesma porque a solidão é bem pior. Ou acreditando que o parceiro, desta vez, vai perceber que errou e vai mudar. O euro que temos depende desta relação assimétrica. Não morrerá por ela se revelar de novo assimétrica. Se a Europa falhar agora não vai morrer. Vai viver como vive há 20 anos. E isso é pior do que morrer.

Por mais repugnante que seja o discurso do senhor Hoekstra, não valem a pena reflexões morais sobre ele. A Europa não é mesquinha. É, desde a criação do euro, um espaço de poder assimétrico onde nós aceitámos que essa assimetria fosse a regra do jogo. Ela torna-nos, a nós e aos espanhóis, subalternos. Esperar justiça nisto é insistir numa ilusão. Ou aceitamos as coisas como são ou queremos quebrar com essas regras, o que implica desobediência.

E essa é a única coisa que ainda podemos fazer, aproveitando este momento: uma aliança com espanhóis, italianos e outros periféricos para bloquear a União até se encontrar uma solução decente. Não ceder um milímetro à tentação de repetir o discurso do “nós não somos a Grécia”, que nos tramou a todos em 2011.

Deste ponto de vista, o “repugnante” de António Costa foi muito importante. Não foi um erro diplomático. Foi um gesto diplomático para com os únicos aliados que poderemos ter (e nem isso é certo) nos próximos anos. Aprendemos alguma coisa com 2011.