Reduzidos ao código binário do “0” e do “1”

(Por Hugo Dionísio, in Facebook, 15/11/2022)

Enquanto mostravam triunfantes entradas em Kherson  – de mercenários americanos, polacos, ingleses e poucos ucranianos -,  assistidas pela meia dúzia de transeuntes e familiares de militares, oportunamente reunidos para a fotografia, 6 jornalistas da CNN e da Sky News “enganaram-se” e, na ânsia de mostrar os acontecimentos antes de outros, mostraram também o que não deviam: a repressão bárbara aos habitantes russófonos que ficaram para trás. Os 6 apressados “jornalistas” viram retiradas as suas credenciais e foram obrigados a abandonar o país. A situação não estava “estabilizada” disse Zelensky. É assim o país de Zelensky, que se tornou uma versão “estabilizada” para Hollywood filmar.

As imagens de punições sumaríssimas, perpetradas por militares, multiplicaram-se nas redes sociais e, pasme-se, na imprensa empresarial ocidental. Contudo, enquanto nas redes sociais encontrámos as ditas imagens acompanhadas de veementes denúncias contra a barbaridade dos atos em causa, já na imprensa empresarial de Wall Street, o tom era triunfante: os “colaboradores” russos estão a “pagá-las”, isto enquanto mostravam imagens de seres humanos atados a postes, como os esclavagistas faziam aos escravos fugitivos para os castigar (alguém os ensinou, não é?) ou com a cabeça totalmente tapada com fita-cola.

A par do que tem sucedido desde 2014, a imagem de seres humanos ucranianos russófonos suscita tanta rejeição junto dos modelos falantes, funcionários da imprensa de Wall Street, como as imagens de palestinianos mortos a tiro e a sangue frio pelas forças do apartheid sionista. Nem um “ai”. Toda a sua consternação se fica pelos – também desgraçados – escolhidos pelas cartilhas mais ou menos ocultas que recebem. Uns merecem, outros serão sub-humanos, segundo as suas classificações. Quem, como eu e muitos outros, se atravessa e diz: todos merecem a nossa fraternidade por igual, é logo catalogado com um inoportuno: “deves estar na folha de pagamentos de Putin”.

Se dizemos: “esta guerra tem uma história”, “não começou em fevereiro – que é até onde a vossa moleirinha consegue ir, do ponto de vista histórico” -, somos logo reduzidos a “fantoches de Putin” e a propagadores de “desinformação de Putin”. Contar a história toda, desde o início, ato por ato, acontecimento por acontecimento, como deve ser feito, para que quem interpreta possa ter uma visão geral e histórica dos fenómenos, passou a ser “propaganda” e “desinformação”. A “verdade” passou a ser contada como um conjunto de factos isolados, desligados e desagregados da sua sucessão histórica. Assim contados, os factos isolados permitem uma manipulação fácil, mantendo escondidos os reais atores em confronto, ou mostrando apenas os atores que se pretendem estigmatizar, concentrando o foco nos factos que apenas estes iluminam.

E é esta lógica que justifica que se transmitam notícias como as que mostram a Itália de “Benita” Meloni desavinda com a França de Macron “Mackinsey”, por causa dos barcos de refugiados vindos do Mediterrâneo, sem nunca, mas mesmo nunca, colocarem o dedo na ferida. É que, a par do gangue democrata de Obama nos EUA e da França de Sarkozy e da Itália de Berlusconi, não encontramos no mundo maiores responsáveis pela destruição da Líbia, que constituía um verdadeiro muro “à prova de migrantes” para a Europa. A par da Síria, da Jordânia, Tunísia ou Argélia, a Líbia era um dos maiores recetores de migrantes subsarianos. Hoje, nem ficam com eles, como é da própria Líbia e, agora já não tanto, da Síria, que tanta gente vem. Estes três enormes “democratas” e líderes do mundo “livre” destruíram a vida de dezenas de milhões de pessoas, sendo que, se a Síria com a ajuda dos “ditadores” do costume lá vai recuperando a sua dignidade, na Líbia vendem-se escravos e armas (vindas, quiçá, da Ucrânia) a céu aberto.

E assim se dividem os bons e os maus, o ditador e o democrata, o livre e o oprimido, partindo daí para o cancelamento de tudo o que é contrário ao que se diz, ou identifica o que se cala. Quem está do outro lado do ecrã e vê apenas a imprensa de Wall Street (que é a que aparece nas TV’s, jornais e nas primeiras 50 ou 60 páginas do Google sobre o assunto, nas notícias sugeridas e nos clippings recebidos ), passa a construir a sua opinião por reação e não por dedução, indução, integração… A mente da maioria dos passivos transeuntes digitais funciona como o sistema binário do computador – ou é “1” ou é “0”. Qualquer posição intermédia tem de ser, necessária e forçosamente, arrastada para o 0 ou para o 1.

Enquanto mostram os pouquíssimos residentes restantes – nunca contando que de uma cidade de 280.000 habitantes, só já restavam 115.000 -, a esmagadora maioria dos quais pobres, que não puderam sair para este ou para oeste, e que, só com a ajuda russa, a quase totalidade pôde sair dos alvo da artilharia de Zelensky, normalmente apontada aos civis e não aos militares, como método de punição coletiva, bem conhecida da história, a imprensa de Wall Street nunca diz que, mesmo assim, restaram alguns pobres ucranianos ucranianófonos, vivos e alimentados, o que já não acontecerá aos russófonos que também por lá ficaram. Mais uns dias e também aparecerão as célebres “câmaras de tortura”, “camiões crematórios” e “valas comuns” ou “corpos nas ruas”, todas “culpa” dos mesmos de sempre. Há que fazer alguma coisa com os corpos destes desgraçados, que como os outros, nada têm a ver com esta guerra, mas que a pagam bem caro. No final da estória da carochinha e do João ratão, Zelensky  é “democrata”, Putin um “ditador”. O “0” e o “1”, para que as cabeças – pouco – pensadoras do ouvinte, compreendam bem e depressa a mensagem a passar.

E a mensagem é bem trabalhada. Ora veja-se só a “Integrity Initiative” (Iniciativa pela Integridade – esta da Iniciativa, diz muito, muito). Esta iniciativa visa, segundo o documento explicativo “defender a democracia contra a desinformação (tradução do inglês) ”.

Nascida do “Disinformation Governance Board”, o órgão governamental criado pelo gangue Biden para combater a desinformação na Internet e que se tem comportado como um verdadeiro “Ministério da verdade”, mandando censurar o que não cabe na sua definição de “verdade” e propagar o que classifica como tal, esta “Integrity Initiative” é gerida por Nina Jankowicz (vão sempre aos russófobos do leste europeu), e trata-se de uma ONG americana, financiada de forma obscura pelo governo Inglês e Americano, recorrendo a outra ONG sediada na escócia – o “Institute for Statecraft” (Instituto para o “Estadismo”).

E o que faz esta Integrity Initiative? Dedica-se a operações encobertas nos países ocidentais sob a capa do combate à “desinformação”. Esta organização é a responsável pela estereotipada e nada dissonante informação internacional que recebemos de todos – TODOS – os órgãos de imprensa empresarial nos países ocidentais e demais colónias no Pacifico. E como o faz?

Esta ONG organiza clusters (núcleos) de influenciadores por cada país, identificando académicos, jornalistas, burocratas da segurança nacional, lobistas, membros de grupos de reflexão e outros profissionais que influenciam toda uma rede informativa a partir daí construída. Estes “líderes” nacionais, passam a estar ligados a pessoas de contacto da ONG (que podem ser do Departamento de Estado, da CIA, da NSA; do MI6…) que fornecem a informação a passar.

Estes influenciadores, regra geral pouco conhecidos do público, como convém, têm de ser gente inteligente e capaz de dar solidez teórica à informação recebida, bem como ter capacidade de liderança para agregar os destinatários (jornalistas, comentadores, diretores de imprensa…) à sua volta. Mas estes influenciadores não se limitam a receber, mastigar e transmitir. Não. Também identificam linhas de “desinformação”, para que sejam “trabalhadas” por quem tem capacidade de decisão, normalmente gente que está para lá das pessoas de contacto da ONG. Trata-se de uma organização com comunicação bidirecional.

O resultado é uma cartilha. Esta cartilha estabelece as regras informativas – literalmente o que dizer em cada situação – relativamente a “fact-checking”, “interpretação de imagens”, “versões relativas a acontecimentos diversos” e “metodologia de análise”.

Mas a cartilha também tem regras sobre recrutamento, que perguntas fazer para se identificarem “pessoas de confiança” e tudo o mais. É o que podemos chamar de Psyop, ou seja, um bom exemplo de operação de guerra psicológica.

Já antes havia falado do esquema de funcionamento da operação informativa sobre o conflito. Esta Integrity Initiative trata de alimentar essa operação com informação e atores. Eis porque ouvimos as mesmas coisas, vindas de pessoas e órgãos que se dizem diferentes. Tudo estaria bem se fosse transparente, se as pessoas fossem avisadas de que o que estão a ouvir vem de onde vem. Mas não, o objetivo é precisamente o contrário, pois é essa opacidade que baixa as guardas mentais de quem está do outro lado da informação. Podem ver mais detalhes aqui (países, listas de pessoas, financiamento.

Esta operação demonstra que não existe “informação livre” e que, ou vemos para além desta barreira de imprensa empresarial, um mero negócio lucrativo e um poder, não democrático, de manipulação de massas, ou seremos reduzidos a um mero processador que calcula entre “0” e “1”. Mas esta operação mostra, também, que a guerra era preparada e pensada há muito – como sabe quem segue a história – como parte de uma estratégia de domínio muito importante.

Este trabalho “encoberto” em matéria de informação não constitui, propriamente, uma novidade, pois é o próprio Frank Snepp, ex-agente da CIA (reformado) que vem confessar que, ele próprio, usando esquemas como as da Integrity Initiative, fez passar na comunicação social ocidental todo um rol de notícias falsas. Ele disse “falsas”. Do tipo daquela que deu a Associated Press sobre Lavrov, dizendo que ele tinha sido hospitalizado. Afinal era mentira e a AP não tem qualquer fonte para mostrar.

Não sei o que teve a ver, mas a verdade é que o grupo de selvagens composto pelos “líderes do mundo livre”, como não conseguiu que o G20 aprovasse uma resolução a condenar a Rússia (falha o tal isolamento internacional), decidiram boicotar a célebre foto de grupo. Uma vez mais, é a lógica binária, a do “0” e do “1”.

Seja como for, estes conflitos têm uma importância reverencial para o Partido Democrata americano. Uma investigação jornalística descobriu que parte dos fundos multimilionários que são, por ordem de “Toy” Biden, transferidos para a Ucrânia, retorna aos EUA sob a forma de cripto moeda, envolvendo uma empresa chamada FTX. É o próprio Banco Central da Ucrânia que, através de um “protocolo” com a FTX, transforma a moeda local (que nada vale nos EUA) em algo que possa financiar o partido. Nada que admire, tal o nível de corrupção daquele regime.

E enquanto passam o mundo a preto e branco, eis que, o resultado da volta turística de Scholz à China já se faz sentir: a BASF vai deslocalizar-se. Mais uma empresa europeia que vai embora. Se bem que, convém assinalar, não é para os EUA que vai, como esperaria “Toy” Biden, que com a estratégia de inflacionamento dos custos energéticos na EU, esperaria ver uma digressão em massa de grandes corporações para a Califórnia. Não… Vão para onde mais cresce a economia. Como seria de esperar. Mas cumpre um dos objetivos: afastar a Europa do seu papel de competidor dos EUA: e com ajuda da própria.

Uma vez rebentado o Nord Stream, desvalorizado o euro e adquiridos biliões de dólares em imobiliário nas nossas cidades, já dá para encetar negociações (já não tão) secretas em Ankara com a Rússia e tentar aliciar a China de Xi. Não me parece que Xi vá na conversa do “democrata” Biden… É assim com os “ditadores” modernos: raramente se vendem. E depois, lá vem de novo o “0” e o “1”.


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A nossa História construiu-se com independência, não com subserviência

(Por Hugo Dionísio, in Facebook, 10/11/2022)

As mudanças sucedem-se a uma velocidade vertiginosa e precipitam-nos para uma queda acentuada nos padrões de vida. Portugal, como é óbvio, não vive à margem desta realidade. Hoje, prova-se, mais do que nunca, que a UE é uma construção americana, do Partido Democrata essencialmente, e que a UE só é o que a Casa Branca deixa ser.

Hoje, a guerra fria 2.0 tudo justifica, e é ver a religiosa do greenwashing (lavagem verde, falsa verde) que é Annalena Baerbock, a desdizer tudo o que havia dito antes sobre carvão, petróleo, GNL, GPL, desde que venha do outro lado do Atlântico, para poluir ainda mais, ou, especialmente, desde que não venha da Sibéria.

Vejamos o que se passa com o gás natural em Portugal, que nunca pode ficar atrás, nestas competições de “colaborador do mês”. Há uns anos Portugal iniciou o seu processo de instalação de gás natural nos prédios residenciais, um avanço que significou muitas coisas: maior conforto, pois deixámos de andar com a botija às costas; preço mais acessível…

Contudo e sobretudo, o que a instalação de gás natural significou em matéria de impacto ambiental, foi muito importante. A construção, por exemplo, do Gaz Maghreb Europe pipeline, vindo da Argélia para a Península Ibérica, representou a possibilidade de se consumir um gás menos poluente e com menos custos logísticos ambientais (e financeiros) para ser cá colocado (hoje interrompido devido ao conflito Argélia/Marrocos).

E eis que o governo maioritário do PS, se prepara para legislar no sentido de retirar a obrigatoriedade de instalação de canalização de gás natural nos prédios novos ou renovados, revertendo o que foi um importante avanço, não apenas em matéria de preço, mas também do ponto de vista ambiental.

Diz o governo que “no atual quadro de crise energética, torna-se imperioso não estimular o consumo de gás natural de acordo com as orientações da União Europeia”. Ou seja, no atual quadro o ambiente e a salvação do planeta deixa de ser importante, provando-se que agenda verde da UE só é verde porque constitui um ciclo de acumulação de dólares.

Agora que outros ciclos foram compostos, já se pode voltar ao carvão, ao nuclear… Mas não o governo português… Não. Este, encerra centrais a carvão para comprar energia elétrica em Espanha vinda de centrais a… carvão. A UE mandou!

Diz ainda o bem-mandado governo que “afigura-se como imprescindível para dar o sinal correto ao mercado da construção em Portugal, no sentido da sua descarbonização”. Ainda me hão de explicar como é que usar gás de petróleo liquefeito, com emissões superiores ao gás natural, transportá-lo em camiões, refiná-lo, engarrafá-lo e transportá-lo para as residências, fazer as botijas, transportá-las vazias, reenchê-las e no fim, pagar um preço mais elevado, como é que isto contribui para a descarbonização.

Claro que, o mesmo governo, vem com a falácia das renováveis, tipo carro elétrico só comprável por ricos, dizendo que “o aumento de soluções alternativas à disposição dos consumidores que, aliás, mais eficazmente contribuem para o objetivo nacional e europeu em matéria de neutralidade carbónica”, justifica esta medida.

E eu pergunto: um trabalhador português médio, que compra ou arrenda uma casa sem instalação de gás, e vendo os preços das “soluções alternativas”, as quais implicam um investimento que não pode fazer (e a eletricidade também não está a diminuir de preço), o que será mais provável fazer? Investir 2, 3, 4 ou 5 mil euros em soluções elétricas, fotovoltaicas ou vitrocerâmicas, ou voltar à célebre botija de gás de petróleo liquefeito? A qual não implica qualquer investimento inicial?

Lá se vai a neutralidade carbónica, até porque, este divórcio que a UE promove entre nações europeias, está a trazer de volta meios de produção energética que a própria UE declara obsoletos. E como estamos todos no mesmo planeta…

Claro que, no final, temos de questionar: e de onde vem o petróleo que usamos para fazer GPL, ou de onde vem o próprio GPL? Pois, vem dos EUA, falando-se também do Canadá ou da Nigéria. Ou seja, mais caro, mais longínquo, mais poluente… E como contribui isto para a neutralidade carbónica? Nada, como sabemos. A neutralidade carbónica é apenas uma batata que é colocada na boca de gente como Úrsula Van Der Lata (também se lhe chama Van Der Pfizer), que seguidores e apaniguados como António Costa, Marcelo, Montenegro, Venturinha, Figueiredos e outros seguem de forma religiosa, e que apenas se destina a uma coisa: desindustrializar a Europa e em especial a Alemanha.

Não existe uma única medida na agenda verde da UE que não tenha este objetivo e que não contribua para ir buscar petróleo e gás ao outro lado do Atlântico, precisamente porque foi aí que foi desenhada a estratégia em causa, sabendo-se que não é possível a uma indústria de ponta funcionar só com renováveis. Mas vá-se lá explicar isto aos religiosos e sectários propagandistas verdes do neoliberalismo.

O facto é que, este tipo de medidas, só nos fazem andar para trás, a todos os níveis. Se em Portugal a soberania restante já não era visível à vista desarmada, depois deste processo de desconstrução europeia, países semiperiféricos como o nosso ficarão reduzidos a meras províncias ultramarinas longínquas. Muito pouco importantes, quer em matéria de recursos humanos, que temos poucos, de recursos naturais ou industriais… Um profundo nada!

É que quem acreditar que um país semiperiférico como este consegue algum dia sair desta morte lenta, seguindo religiosamente os ditames da UE e prescindindo, a cada passo, da sua independência e soberania, em nome de uma “solidariedade” nunca correspondida… É melhor estudar a história de Portugal.

Portugal, nos seus períodos mais gloriosos, sempre esteve contra os poderes europeus instituídos. Como nos seus períodos mais negros, sucedeu, em regra, o contrário. Na Independência, o Papa (a Úrsula da altura) era contra, teve de ser comprado contra a vontade da grande potência europeia da altura, Castela (A Alemanha e França de então). Com D. Dinis e a reorganização da propriedade feudal e a criação de um estado central, Portugal esteve interdito pelo Papa, não se fazendo aqui os sacramentos oficiais com autorização de Roma. Em Aljubarrota, Papa e Castela queriam a posse do país, novamente. Nos Descobrimentos, tivemos de nos revoltar contra todos e competir com todos. Em 1580, foi com a anuência de Roma que o Cardeal D. Henrique entregou isto a Espanha, novamente. Fomos invadidos pelos franceses, duas vezes, pilhados pelos ingleses a seguir. Roubados nas colónias por holandeses e outros. Foi sempre assim. Até no 25 de Abril, a Europa ocidental interferiu para tornar o país cliente da Europa central. Até Timor passou para a Indonésia por ordem do Tio Sam, para, entre outras coisas, pagar ao ditador Suharto a matança de milhões de comunistas e progressistas.

A verdade é que Portugal só tem futuro com uma visão global, universalista e internacionalista, mas independente e soberana. Não podemos ficar à espera que outros façam os planos que temos de ser nós a fazer. Da Europa só podemos esperar alianças contextuais, numa lógica de equilíbrio de poderes, mas o projeto tem de ser nosso e para o nosso povo e não podemos esperar isso de países que nos tratam como país periférico.

A História diz-nos quem somos e aponta caminhos para o futuro. Assim os saibamos identificar. Talvez esteja na hora de mandar o Conde Andeiro pela janela outra vez, desta vez na pessoa dos traidores que entregam a soberania, e com ela o futuro, deste país, às potências estrangeiras. E nem me venham com as tretas do “nacionalismo” barato ou de que “queres é fechar-nos”. Isso é música. Quando muito temos de fechar-nos a quem nos quer, apenas e tão só, instrumentalizar e explorar. Temos de fomentar e multiplicar relações amigáveis, troca, mas em termos justos para as duas partes.

Os termos em que o fazemos hoje, podem parecer-nos bem, porque para cá vêm uns fundos comunitários. Contudo, essa troca é realizada à custa do longo prazo, do futuro geracional do país. Os fundos que recebemos vêm em troca da nossa estratégia não ser, de facto, nossa, mas dos grandes potentados da Europa central, que a desenham de acordo com as suas necessidades de divisão europeia do trabalho, sugando os nossos melhores quadros e mantendo cá o trabalho menos produtivo.

Recebemos esmolas, em troca da nossa força vital, em troca da destruição do nosso aparelho produtivo (Portugal tinha uma industria, agricultura e pescas muito fortes), da nossa soberania monetária e económica, da nossa independência energética. Quando prescindimos disto, temos de ir buscar a quem nos exige uma troca injusta, sabendo que a não podemos recusar. É por isso que hoje, gente que se diz portuguesa e canta o hino a todos os pulmões, não consegue dizer não, a medidas como as que aqui trago.

Se isto não fosse grave, ainda temos de comer e calar.

Quando tanto se fala em liberdade e direitos humanos, saiba-se que apenas ontem, dia 09/11/2022, os estados americanos do Vermont, Oregon, Tennessee e Louisiana procederam à votação de um referendo que visa abolir a escravatura enquanto pena criminal. Ou seja, só ontem, o país que mais religiosamente fala de democracia, votou referendos que eliminam a escravatura, de facto. E acreditem, ou não, no Louisiana, ainda não foi desta.

E temos de levar lições de democracia e liberdade de um país que ainda tem escravatura, que tem pena de morte por cadeira elétrica, que tem 850 bases militares em 57 países e gasta mais em armas que todos os outros juntos, enquanto se multiplicam, nas suas ruas os sem abrigo e as pessoas que vivem em tendas e automóveis. Uma vergonha, que quem diz defender a dignidade da pessoa humana não denuncie isto. Uma vergonha que quem diz que a comunicação social das grandes corporações é livre, não consiga encontrar estas coisas nas notícias.

E a congruência é tão grande que até vemos MarconKinsey cumprimentar o Presidente Maduro, de forma tão efusiva, dizendo-lhe que está aberto a cooperar com o seu país e que o reconhece como presidente legítimo, depois de Úrsula há um mês ter reafirmado reconhecer no traidor Guaidó, o legítimo presidente da Venezuela! Bem podemos ver que jogo de sombras aqui se joga.

Contudo, Macron não é parvo e já viu o que vai acontecer à França se não se chegar à frente. Vejamos o caso alemão: se descontarmos as empresas que já existiam no tempo do Reich, existe alguma empresa de ponta alemã criada nos últimos 40/50 anos?

Quando digo de ponta, digo, em tecnologias de ponta. Há algum telemóvel alemão? Alguma marca de computadores? De aviões? Plataformas eletrónicas? Banco líder mundial? Indústria de chips? Nada… Todas as grandes oportunidades do mundo digital estão reservadas aos EUA, ou à China, e essa é a razão pela qual os EUA não gostam. Porque a China seguiu o seu caminho, não se vendeu.

Agora retirem à Alemanha a energia e as matérias-primas baratas made in tundra. O que acontece? Pois, acontece que Scholz foi para a China, num avião francês, carregado de CEO’s que querem salvar os seus lucros, pagando aos chineses para que os deixem aí continuar a instalar as suas fábricas de produtos que não fazem falta aos chineses. Mas os alemães precisam muito dos produtos e fábricas chinesas, porque estes, ao contrário dos primeiros, dominam 170 áreas económicas mundiais. Scholz não foi ajudar o povo alemão, para isso teria de ficar no seu país e torna-lo independente expulsando os ocupantes que o colonizam e impedem um alemão de ter orgulho em ser alemão. Scholz foi salvar os lucros astronómicos dos seus apoiantes, financiadores e chantagistas, tentando fazê-los avançar em direção à financeirização: fábricas na China, rendimentos em Nova Iorque ou Londres, Shangai ou Hong Kong. É deste tipo de traidores que falo e é a este tipo de gente que estamos entregues…

E depois ainda tenho de ouvir um lacaio como o Ventura a dizer que é um português de bem… Ó que cara…

Não abram os olhos não, que quando os abrirem só vos sobram as ervas do campo, se não tiver lá chegado algum coelho de estimação e um multimilionário ianque primeiro!


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O Orçamento da burocracia de Bruxelas

(José Pacheco Pereira, in Público, 13/10/2018)

JPP

Pacheco Pereira

A discussão enganadora sobre o Orçamento e as migalhas de decisão que o Governo e o Parlamento ainda têm retiram conteúdo à política em democracia, ou seja, tornam-na menos democrática.


Ele é preciso estar sempre a repetir as mesmas coisas, porque há uma intencional dureza de ouvido, que ao menos vale a pena incomodar. Repito: o Orçamento de 2019 que vai ser apresentado ao Parlamento português não é nem português, nem é decidido pela Assembleia da República, nem é o que vai ser aplicado, nem é o resultado das “regras europeias”, não é nenhuma coisa daquelas com que vai ser designado. Voltando a Orwell, é um exemplo primoroso do doubletalk parecido com a designação da defunta República Democrática Alemã, que não era nem república, nem democrática, nem alemã.

Voltamos às repetições: o Orçamento não é português, é estrangeiro, subordinado aos interesses dos nossos credores e às políticas que eles impõem, que não são “portuguesas” num aspecto fundamental — é que não servem o interesse nacional, nem as necessidades de desenvolvimento do país, mas apenas a submissão às políticas alemãs e à vulgata política da troika disfarçada de inevitabilidade económica. O Orçamento serve o pagamento da dívida transformado no alfa e no ómega de toda a política de défice zero. Há outras coisas sob o mesmo céu, mas aqui o sol não nasce para todos.

O Orçamento não é aprovado pelo Parlamento português, que apenas assina de cruz um texto que é decidido em Bruxelas e no Eurogrupo, que tem um direito efectivo de veto sobre as suas medidas. A perda do poder orçamental do Parlamento português, nunca discutida, nem decidida pelos portugueses, é uma das mais graves entorses da nossa democracia.

O Parlamento, cuja função orçamental é crucial na identidade de qualquer parlamento em democracia, está castrado nessa função e uma elite, que fala fininho como os eunucos nas óperas antigas, faz a rábula de uma autoria e de um poder que não tem. Também não é verdade que a perda de soberania do Parlamento seja o resultado da adesão aos tratados europeus, visto que muitas das “regras” que recitamos como um mantra não estão em nenhuns tratados, alguns dos quais, como o de Lisboa, foram “vendidos” com dolo, apresentados como reforçando os poderes dos parlamentos nacionais. Quem conheça a burocracia europeia em acto, com a sua enorme arrogância, ao considerar que governa melhor os países da União do que os políticos eleitos, sabe muito bem como se fez e com quem se fez o caminho para a submissão de países como Portugal. E acresce, repetindo-me, que o Tratado Orçamental e o Eurogrupo não são instituições da União Europeia. E, repetindo-me, de novo, o Orçamento aprovado vai ser tão ficcional como a Branca de Neve. Como já aconteceu aos orçamentos anteriores, o Orçamento real é o Orçamento resultante das cativações dentro do Orçamento de fachada.

Nestas matérias está-se como a “voz clamando no deserto”. O que se ouve de imediato como resposta é uma variante do discurso do ocupado que interioriza o discurso do ocupante, uma soma de argumentos ad terrorem, de que quem contesta o oito quer o 80, ou do desabar cataclísmico de tudo, à mais pequena contestação do estado de coisas. É um discurso de quem tem medo de levantar um dedo que seja, e que começa por se apresentar como “realista” e contrariado pela ocupação, para acabar por ser entusiástico com o ocupante.

Na história, é um discurso conhecido e, sem querer ser excessivo, é muito parecido com o discurso dos franceses depois da derrota de 1940, em que começaram por pregar uma atitude de “realismo”, face à ocupação alemã, dizendo que ser patriota era apoiar Pétain, que obteve a “pacificação” da França derrotada. Diziam que a soberania muito limitada que os alemães permitiram durante algum tempo garantia a continuidade da França no fim da guerra, claro, se ela fosse vencida pelos alemães. Terminou tudo como se sabe, com a “colaboração”, com o fim da zona “livre”, com os italianos a ocuparem a Riviera e os alemães a França toda, e a guerra civil com todas as suas violências. A excepção solitária foi De Gaulle e alguns dos seus companheiros que, esses sim, salvaram a França.

A discussão enganadora sobre o Orçamento e as migalhas de decisão que o Governo e o Parlamento ainda têm retiram conteúdo à política em democracia, ou seja, tornam-na menos democrática. O PSD, o CDS e PS são partidos do Tratado Orçamental, o BE e o PCP por razão da “geringonça” não têm qualquer autonomia nesta matéria. À mais pequena crise de fora, vai desabar tudo. E depois queixem-se do populismo.