Que modelo económico?

desigualdade

(In Blog O Jumento, 22/09/2016)

Passos Coelho tenta passar a ideia de que a austeridade é uma solução única e uma opção de política económica. Por austeridade deve entender-se todas as opções que adoptou a coberto da troika e que foi muito mais do que reequilibrar as contas públicas. Também não se pode reduzir a política brutal de Passos a uma política de empobrecimento, ainda que do ponto de vista global a recessão se tenha traduzido no empobrecimento do país.

A direita mais conservadora, por oposição aos social-democratas e todas as correntes de esquerda ou do centro direita, defende que o crescimento consegue-se com uma competitividade alimentada por salários baixos. É um modelo de política económica que em situações de crise defende reduções salariais para aumentar a competitividade, em situação de crescimento defende a manutenção dos salários para não prejudicar a competitividade.
Essa direita, que até á uns anos andava escondida, que depois se disfarçou de liberal e que com o governo anterior assumiu-se com Passos como líder, apoiado na ajuda teórica de personalidades como António Borges e Vítor Bento, ou mesmo de um tal Daniel Bessa, antigo ministro do PS e que hoje parece ser um devoto do líder do PSD, faz da política económica um instrumento de redistribuição injusta do rendimento. Consideram que mais couber aos ricos mais cresce a economia e, por sua vez, os ricos ficam ainda mais ricos.
Aqueles que entendem que a política económica não deve ser um instrumento de redistribuição dos rendimentos em favor dos mais ricos, consideram que não há crescimento económico sustentado, nem desenvolvimento com aumento da injustiça social. Uma melhor redistribuição do rendimento é um modelo económico e social mais moderno, capaz de gerar empregos qualificados e promover empresas mais competitivas porque aposta na qualificação dos que trabalham.
Os que acham que os governos estão ao serviço dos muito ricos ficam muito preocupados porque um chinês que tinha a intenção de comprar uma vivenda de luxo mudou de ideias, mas regozijam-se porque milhares de quadros abandonam o país, alguns, como o fez Paulo Rangel, chegam a propor a criação de uma agência nacional para ajudar a esta fuga de quadros.
Para este modelo económico a aposta deve ser na mão-de-obra sem qualificações, pouco importa se o país empobrece em relação aos países mais desenvolvidos, o que importa é que esse modelo é o que melhor se adequa a uma classe de empresários que ainda bebe na escola do colonialismo ou os tempos das ajudas laborais da PIDE imperavam. Foi esta a direita que esteve no poder e a austeridade não significou rigor financeiro, significou sim utilizar a política fiscal para transferir riqueza dos pobres e dos menos ricos para os mais ricos.
Uns avaliam a riqueza do país pelas condições de vida dos mais pobres e pelas desigualdades sociais, a direita liderada por Passos Coelho considera que a riqueza deve ser medida pela felicidade dos mais ricos, porque é dessa felicidade que resultam os investimentos que permitem empregar os mais pobres, assegurando que os primeiros continuem a ser ricos e que o que os segundos ganham não possa comprometer essa riqueza.
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via Que modelo económico? — O JUMENTO

FMI: é para rir ou para chorar?

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 29/07/2016)

nicolau

Um órgão independente do FMI (Independent Evaluation Office), que avalia os programas do Fundo, e no qual se encontra o economista português Sérgio Rebelo, acaba de divulgar a apreciação que faz aos processos de ajustamento conduzidos pela troika em Portugal, Grécia e Irlanda. O retrato é razoavelmente arrasador, embora só seja surpreendente por vir de onde vem. Os críticos já tinham dito o que agora se reconhece por escrito.

Diz o relatório que as previsões eram muito otimistas e que os multiplicadores orçamentais estavam errados. Infelizmente, não se reconhece que uma das causas dos erros nas previsões foi o facto do Fundo ter aplicado aos três países o mesmo modelo que aplica a países com moeda própria – e esperar os mesmos resultados.

Também não se reconhece que havia um profundo desconhecimento do tecido empresarial português. A brutal redução do crédito bancário atingiu profundamente as empresas portuguesas, que sempre estiveram subcapitalizadas e funcionavam com base nos financiamentos da banca para as suas operações correntes. Por via disso, as falências dispararam e o desemprego explodiu.

Depois, temos o caso dos multiplicadores orçamentais errados: em vez de por cada euro de austeridade se verificar um impacto no crescimento de 50 cêntimos, afinal esse impacto foi de 80 cêntimos – o que provocou uma recessão bem mais aprofundada do que se esperava (três anos em vez de um, 7% em vez de 4%).

Temos ainda o reconhecimento de que o pacote de financiamento era curto. Como alguns disseram, em vez dos 78 mil milhões, Portugal necessitava de cerca de 100 mil milhões, porque a reestruturação do setor dos transportes públicos exigia mais 20 mil a 25 mil milhões. Resultado: com menos dinheiro carregou-se mais na austeridade, penalizou-se mais o crescimento e causou-se uma dor social bem maior.

Em seguida, quando já era evidente que a coisa ia por mau caminho, insistiu-se ainda mais na receita. É lembrar o enorme aumento de impostos que Vítor Gaspar nos deixou em legado para perceber que fazer sempre a mesma coisa e esperar um resultado diferente só pode dar mau resultado.

E quando tudo já corria mal alguém se lembrou da célebre desvalorização fiscal, que numa sexta-feira no noticiário das oito Pedro Passos Coelho atirou para cima da mesa como se fosse a coisa mais natural do mundo. A reação de indignação foi tão grande que a medida teve de ser metida na gaveta – e a desvalorização fiscal, uma boa ideia, não voltou a sair do papel.

Ah, é claro que saímos do programa e regressámos aos mercados e que as taxas de juro caíram abissalmente. Mas não nos iludamos. Tudo isso se deve essencialmente ao BCE e ao seu programa de compra de títulos de dívida pública da zona euro. Se de repente ele acabar, as taxas de juro treparão imediatamente por aí acima. E sim, há algum crescimento económico e fizemos reformas. Mas o crescimento é anémico e as reformas incidiram essencialmente no corte de salários e pensões, que sempre foram anunciados como provisórios e estão agora a ser revertidos.

O problema é que reconhecer agora os erros do programa de ajustamento não serve de nada a Portugal. O meio milhão de imigrantes não volta, o desemprego estrutural acima de 10% não se resolve, as empresas que fecharam ou foram vendidas deixaram de ter uma lógica nacional, a fragilidade do sistema bancário é assustadora, e a economia não dispõe de mecanismos para ter um crescimento forte e sustentado.

A par disso, este relatório mostra quão esquizofrénico é o FMI, porque mostra os erros que foram cometidos – mas depois chega a Lisboa Subir Lall, chefe da missão do FMI, e repete que temos de aplicar toda a receita que é agora criticada. Enfim, se não fosse para chorar, era para rir. E o certo é que os programas de ajustamentos podem ser melhorados no futuro, mas a devastação social e económica que causaram em Portugal nunca mais será reparada.

Surpresa: o FMI critica a agenda neo-liberal!

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 30/05/2016)

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A vida há-de sempre surpreender-nos e é por isso que é tão interessante. Agora, três altos quadros do FMI escreveram um artigo onde constatam que as receitas neoliberais aumentaram o risco de crises financeiras e a desigualdade, prejudicando o crescimento económico. A vida é mesmo muito engraçada.

O artigo (*) saiu na edição de junho de uma revista trimestral do FMI e, em suma, os seus autores sustentam que dois dos maiores “amores” dos neoliberais – a liberalização dos movimentos de capitais e a consolidação orçamental – em vez de promoverem crescimento, aumentaram a probabilidade de crises financeiras, fizeram disparar a desigualdade e prejudicaram significativamente o nível e a duração do crescimento económico.

São quatro as conclusões dos autores, resumidas num artigo de Jorge Nascimento Rodrigues, disponível no Expresso Diário:

Primeira: os benefícios em termos de crescimento económico são bastante difíceis de encontrar quando se analisa um grupo alargado de países e não um ou outro caso de estudo.

Segunda: os custos em termos de aumento da volatilidade e da frequência de crises financeiras – ou só bancária, ou só cambial, ou “gémeas”, de coincidência dos dois tipos – são evidentes; as probabilidades aumentaram significativamente.

Terceira: os custos em termos de desigualdade são proeminentes, particularmente ao fim de cinco anos.

Quarta: essa desigualdade prejudicou o nível e a sustentabilidade do crescimento, havendo, agora, muita evidência desse ciclo negativo. Os autores dizem que “os decisores, e as instituições como o FMI que os aconselham, devem guiar-se não pela fé, mas pela evidência do que funcionou”. E a evidência empírica revela o que manifestamente não funcionou.

Mais: os autores mostram que o FMI tem vindo a mudar em matérias tão relevantes como o controlo dos movimentos de capitais (o Fundo admite agora que podem ser adequados para fazer face à volatilidade dos fluxos de capital) e em matéria de dívida pública, onde o Fundo confirma a sua muito maior flexibilidade em relação a este tema do que o Eurogrupo, a Comissão Europeia e Berlim. Os três economistas sustentam que os governos “farão melhor em viver com a dívida [pública]”, em vez de prosseguirem processos de consolidação para obterem deliberadamente excedentes orçamentais para a redução dessa dívida, em vez do rácio da dívida em relação ao PIB (um dos critérios tradicionais usados) diminuir “organicamente” através do crescimento económico (ou seja, do aumento do denominador, do PIB).

O dedo acusador, como é óbvio, vai direitinho para a Alemanha, pois só ela, no quadro da União Europeia, está em condições de dinamizar a economia do Velho Continente, já que, como é reconhecido no documento, “muito países (como os da Europa do Sul) não têm grande escolha se não empenharem-se em consolidações orçamentais, porque os mercados não lhes permitirão continuar a pedir emprestado”.

Mas não vá serem mal percebidos, acrescentam: “Mas a necessidade de consolidação em alguns países não significa todos os países”. Mais: “Será defensável para países como a Alemanha, o Reino Unido e os Estados Unidos liquidarem a sua dívida?”.

Os autores terminam com uma crítica à teoria da austeridade expansionista do economista Alberto Alessina, que a Comissão Europeia e Vítor Gaspar abraçaram com entusiasmo, e que é um hino para quem sempre criticou esta aleivosia económica: “Em média, a consolidação [orçamental] de 1% do PIB aumenta o desemprego de longa duração em 0,6 pontos percentuais e faz crescer o coeficiente de Gini (de medição da desigualdade) em 1,5% num horizonte de cinco anos”, afirmam.

O FMI reconheceu desde outubro de 2012 diversos erros importantes na estratégia aplicada aos resgates na zona euro, envolvendo Portugal, Irlanda e Grécia, nomeadamente sobre o impacto das medidas recessivas (o multiplicador apontava para um terço desses efeitos) e sobre algumas das reformas estruturais, que aprofundaram as recessões.

Assim, concluem os autores, nos países onde uma consolidação orçamental se revele indispensável, “os decisores devem estar mais abertos a [medidas de] redistribuição, mais do que estão” e mesmo a desenhar tais processos “mitigando antecipadamente alguns dos seus impactos [negativos]”, dizem os três autores.

(*) O artigo foi publicado na edição de junho da “Finance & Development” (volume 53, nº2, 2016), uma revista trimestral do Fundo. A edição de junho já está disponível online. Jonathan D. Ostry, diretor-adjunto do Departamento de Investigação do FMI, Davide Furceri e Prakash Loungani intitularam o artigo divulgado na passada sexta-feira como “Neoliberalism: Oversold?” e basearam as suas conclusões num estudo empírico a partir de 165 episódios entre 1980 e 2014 num caso e 224 episódios entre 1970 e 2010, abrangendo 53 economias emergentes quanto ao aumento da probabilidade de crises financeiras e em 149 países quanto ao aumento da desigualdade (coeficiente de Gini). A expressão “agenda neoliberal” é usada pelos três autores.