Crise financeira: até o FMI teme o pior

(Yanis Varoufakis, in Outras Palavras, 07/10/2022)

Subitamente — e contra todos os prognósticos — o FMI, o xerife da ordem económica capitalista condenou o novo favor do governo inglês aos super-ricos. Turbulências sugerem: um novo repique da crise global aberta em 2008 pode estar próximo.


Em 30 de setembro, o Fundo Monetário Internacional assustou os mercados e surpreendeu os comentaristas ao repreender o governo conservador do Reino Unido por irresponsabilidade fiscal. O choque foi evidente. A crítica do FMI ao governo de uma grande economia ocidental é como um zelador repreendendo o proprietário por colocar em risco o valor avaliado do prédio. Essa sensação de inversão da ordem usual das coisas foi ainda mais nítida porque, não esqueçamos, foram os conservadores britânicos, sob a rígida liderança de Margaret Thatcher, que ditaram a regra sobre a probidade fiscal como alicerce do neoliberalismo. O FMI passou mais de quatro décadas impondo essa ortodoxia a governos em todo o mundo.

Como numa tentativa de amplificar a agitação que certamente causaria, o comunicado do FMI chegou a censurar o governo britânico por introduzir grandes cortes de impostos (agora parcialmente cancelados após a intervenção do Fundo), porque eles iriam principalmente “beneficiar os que ganham mais” e “provavelmente aumentar a desigualdade”. Os conservadores leais à sitiada nova primeira-ministra da Grã-Bretanha, Liz Truss, os republicanos mais vigorosos dos EUA, analistas econômicos internacionais e até mesmo alguns de meus camaradas de esquerda ficaram brevemente unidos por uma perplexidade comum: desde quando o FMI se opõe a mais desigualdade? Seria difícil identificar um único “programa de ajuste estrutural” do FMI que não aumentou a desigualdade. Se duvidar, pergunte à Argentina, Coreia do Sul, Irlanda ou Grécia (onde fui ministro das Finanças e tive que negociar com o FMI) sobre as restrições associadas a seus empréstimos. Os burocratas intransigentes do Fundo teriam passado por um momento como o da “estrada de Damasco”?

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Três teorias surgiram sobre os motivos do FMI para se opor aos cortes de impostos do Reino Unido para os ricos. Uma delas é que o conselho do Fundo temia que a instituição tivesse dificuldade para arrecadar dinheiro suficiente, se Londres viesse a solicitar um resgate. Outra teoria, expressa pelo ex-secretário do Tesouro dos EUA, Larry Summers, é que o FMI agora entendia que deveria mostrar imparcialidade em suas negociações com países ricos e pobres. “Quando há uma situação de crise ou políticas manifestamente irresponsáveis, é meio natural que o FMI faça algum tipo de registro”, disse Summers ao Financial Times, acrescentando: “Não acho que o FMI deva distinguir entre acionistas ricos e seus acionistas de mercados emergentes”.

Uma terceira teoria seguiu a lógica da conversão paulina, sugerindo que a declaração do FMI condenando as doações do governo Truss para os ultrarricos poderia marcar uma mudança radical na instituição sediada em Washington. De acordo com essa visão, o FMI estava percebendo que para salvar a ordem liberal internacional dos vários populistas autoritários ascendentes no mundo – como Donald Trump, Giorgia Meloni, Marine Le Pen, Viktor Orbán, Narendra Modi e Jair Bolsonaro – era preciso mudar sua missão para uma direção mais social-democrata.

Apesar de hipóteses interessantes, nenhuma dessas explicações se encaixa com a realidade à qual o FMI respondeu com a surpreendente declaração da semana passada. A noção de que Londres requererá um resgate grande demais para o FMI é absurda. A Grã-Bretanha é um país rico, que toma emprestado exclusivamente em uma moeda impressa pelo Banco da Inglaterra. Se o pior acontecesse, o Banco da Inglaterra poderia aumentar as taxas de juros para até 6% para estabilizar a libra esterlina e os mercados monetários. Uma taxa de juros nesse nível certamente demoliria o modelo econômico do Reino Unido dos últimos 40 anos, mas seria preferível a um resgate do FMI.

E tenho experiência em primeira mão que contradiz a teoria de que o FMI só agora, pela primeira vez, decidiu confrontar um país do G7 cujas políticas considera ameaçar a estabilidade financeira global. Em minhas negociações como ministro das Finanças da Grécia com o Fundo, em 2015, os principais funcionários foram abertamente contundentes sobre a rejeição do governo alemão de um plano de reestruturação total da dívida pública da Grécia; acusaram Berlim de minar a estabilidade financeira da Europa e, por extensão, do mundo.

Um ano depois, em uma conversa telefônica entre altos funcionários do FMI publicada pelo WikiLeaks, seu chefe europeu disse a um colega que o Fundo deveria confrontar a chanceler alemã Angela Merkel e dizer: “A senhora está diante de um dilema. Precisa pensar no que é mais caro: seguir em frente sem o FMI, ou escolher o alívio da dívida que achamos que a Grécia precisa para nos manter a bordo.” Nessa segunda teoria, o FMI agora deveria começar a agir em relação aos governos ocidentais da mesma forma que faz com os países em desenvolvimento.

Isso nos leva à terceira, e mais interessante, das três explicações: para salvar a ordem liberal global do populismo de direita, o FMI está se tornando social-democrata, até mesmo “woke”: como alguns conservadores britânicos têm acusado. A verdade, temo, é menos heroica. O que aconteceu na semana passada é simplesmente que o FMI entrou em pânico. Assim como outras pessoas inteligentes do governo dos EUA e do Federal Reserve, seus funcionários temiam que o Reino Unido estivesse prestes a fazer com os Estados Unidos e o resto do G7 o que a Grécia havia feito com a zona do euro em 2010: desencadear uma crise financeira num incontrolável efeito dominó.

Nos dias que antecederam a declaração de “mini-orçamento” do governo Truss, o mercado de US$ 24 trilhões de bônus do Tesouro dos EUA, cuja saúde decide se o capitalismo global respira ou engasga, já havia entrado no que um analista financeiro chamou de “vórtice de volatilidade”, algo não visto desde o crash de 2008 ou os primeiros dias da pandemia. O rendimento do título de referência de dez anos do governo dos EUA aumentou acentuadamente de 3,2% para mais de 4%. Pior ainda, um grande número de investidores evitou um leilão de novas dívidas dos EUA. Nada assusta mais as autoridades do que o espectro de uma greve de compradores nos mercados de títulos dos EUA.

Para acalmar os nervos dos investidores, as autoridades defenderam-se com mensagens tranquilizadoras. Neel Kashkari, presidente do Federal Reserve de Minneapolis, resumiu o estado de espírito assim: “Estamos todos unidos em nosso trabalho para reduzir a inflação para 2% e estamos comprometidos em fazer o que precisamos para que isso aconteça.” Este foi o momento em que o governo do Reino Unido decidiu anunciar a política fiscal mais expansionista da Grã-Bretanha desde 1972.

As autoridades norte-americanas não foram as únicas a se preocupar. Dias antes desse “evento fiscal” do governo de Londres, o Conselho Europeu de Risco Sistêmico – um órgão estabelecido pela União Europeia após a crise de 2008-2009 – emitiu seu primeiro aviso geral, confirmando que os mercados financeiros da Europa haviam caído no vórtice de volatilidade que se originou nos Estados Unidos. Os fornecedores de eletricidade da Europa faliriam devido a compromissos com pedidos futuros a preços exorbitantes, a poderosa indústria manufatureira da Alemanha fecharia por causa da escassez de gás natural e a dívida pública e privada subiria rapidamente.

Um choque financeiro extra do Reino Unido tinha o potencial de causar enormes efeitos colaterais em toda a Europa e além. Se o mercado subprime dos EUA pôde empurrar os bancos franceses e alemães para a beira de um precipício em 2008-09, essa última onda de choque da anglosfera poderia causar danos semelhantes, especialmente se abalasse o mercado de títulos do Tesouro dos EUA.

Diante dessa crescente tempestade transatlântica, a decisão do FMI de intervir não foi surpreendente. O único enigma restante é por que o FMI apontou ou ultrarricos como beneficiários da desigualdade ampliada pelos cortes de impostos do governo Truss. Embora a força das circunstâncias tenha mudado de forma significativa, duvido que isso signifique o fim dos instintos neoliberais do FMI. Muito mais provável é o seguinte: o FMI percebeu que as políticas de geração de desigualdade pós-2008, que ajudou a aplicar, mergulharam o capitalismo do Atlântico Norte em um estado de estagnação que agora é instável, e teme que esse vórtice de volatilidade piore com as novas medidas, e que isso criasse desigualdade ainda maior. Se o FMI começou a não gostar da desigualdade, é apenas porque a vê como causadora de instabilidade sistêmica.

Após o colapso financeiro de 2008, os EUA e a UE adotaram uma política de socialismo para banqueiros e austeridade para as classes médias e os trabalhadores. Isso acabou por sabotar o dinamismo do capitalismo ocidental. A austeridade encolheu os gastos públicos precisamente quando os gastos privados estavam em colapso, e isso acelerou o declínio dos gastos públicos e privados. Em outras palavras, fez despencar a demanda agregada na economia.

Ao mesmo tempo, a flexibilização quantitativa [quantitative easing] dos bancos centrais canalizou rios de dinheiro para o Big Finance, que o repassou para o Big Business, que, diante dessa baixa demanda agregada, o utilizou para recomprar suas próprias ações e outros ativos improdutivos.

A riqueza pessoal de alguns disparou, os salários da maioria estagnaram, o investimento desmoronou, as taxas de juros despencaram e os Estados e as corporações tornaram-se viciados em dinheiro grátis. Então, quando os bloqueios da pandemia sufocaram a oferta de bens e os auxílios governamentais aumentaram a demanda, a inflação voltou. Isso forçou os bancos centrais a escolher entre concordar com o aumento dos preços ou destruir os zumbis corporativos e estatais que eles alimentaram por mais de uma década. Eles escolheram o primeiro.

De repente, porém, o FMI viu a capacidade perdida do establishment liberal de estabilizar o capitalismo refletida no aumento da desigualdade econômica. Assim, a última coisa que os mercados precisavam, perceberam os tecnocratas do Fundo, era mais socialismo para os ricos. Mas seria preciso muita boa vontade para interpretar a reação de pânico do FMI como uma conversão sincera à redistribuição econômica e à social-democracia. Foi apenas uma advertência contra um ato de automutilação da elite.


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Pandemia: a Casa Branca e o FMI, os primeiros infectados

(Atílio Boron, in Resistir, 21/03/2020)

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Guerras, crises económicas, desastres naturais e pandemias são acontecimentos catastróficos que mostram o pior e o melhor das pessoas – tanto dos dirigentes como das pessoas comuns – e também dos actores e instituições sociais. É nestas circunstâncias tão adversas que as belas palavras se desvanecem no ar e dão lugar às acções e comportamentos concretos.

Há poucas e apenas contendo as lágrimas o presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, denunciou perante as câmaras o grande engano da “solidariedade europeia”. Não existe tal coisa, disse Vucic, é um conto infantil, um papel molhado. Logo a seguir agradeceu a colaboração da República Popular da China. E tinha razão na sua queixa. Aqui na América Latina percebemos há muito que a União Europeia é uma trama mesquinha concebida para beneficiar antes de mais nada a Alemanha através do seu controle do Banco Central Europeu (BCE) e, com o euro, submeter os países da eurozona aos caprichos ou os interesses de Berlim.

A hesitante reacção inicial do BCE diante de um pedido excepcional de ajuda da Itália para enfrentar a pandemia que está a devastar a península mostrou o mesmo que havia denunciado o líder sérvio. Um escandaloso “salve-se quem puder” que lança por terra as retóricas edulcoradas sobre a “Europa dos cidadãos”, a “Europa una e múltipla” e outras divagações do estilo. Contos infantis, como disse Vucic.

O mesmo e ainda mais vale para o bando de criminosos que se instalou na Casa Branca pela mão de Donald Trump que, perante um Irão fortemente afectado pela pandemia, só se lembrou de escalar as sanções económicas contra Teerão. Tão pouco deu mostras de reconsiderar sua política genocida de bloqueio a Cuba e à Venezuela. Enquanto Cuba, a solidariedade internacional feita nação, auxilia os viajantes britânicos do cruzeiro Braemar a navegar no Caribe, Washington envia 30 mil soldados à Europa e seus cidadãos, alentados pelo “capo”, tratam de enfrentar a epidemia comprando armas de fogo! Nada mais a argumentar.

Fiel aos seus patronos, o Fundo Monetário Internacional demonstrou pela enésima vez que é um dos focos da podridão moral do planeta que, uma vez passada esta pandemia, terá seguramente seus dias contados. Numa decisão que o afunda nas cloacas da história recusou uma solicitação de 5 mil milhões de dólares apresentada pelo governo de Nicolás Maduro apelando ao Instrumento de Financiamento Rápido (IFR) criado especialmente para socorrer países afectados pelo COVID-19.

A razão alegada para a negação do pedido arrasa qualquer resquício de legalidade porque diz, textualmente, que “o compromisso do FMI com os países membros baseia-se no reconhecimento oficial do governo por parte da comunidade internacional, como se reflecte na condição de membro do FMI. Não há clareza sobre o reconhecimento neste momento”.

Dois comentários sobre este ataque miserável: primeiro, ainda hoje no sítio web do FMI figura a República Bolivariana da Venezuela como país membro. Portanto a clareza “sobre o reconhecimento” é total, ofuscante. Claro que não chega para ocultar o facto de que a ajuda é negada a Caracas por razões políticas rasteiras. Segundo, desde quando o reconhecimento de um governo depende da opinião amorfa da comunidade internacional e não de órgãos que a institucionalizam, como o sistema das Nações Unidas?

A Venezuela é membro da ONU, é um dos 51 países que fundaram a organização em 1945 e integra várias das suas comissões especializadas. A famosa “comunidade internacional” mencionada para hostilizar a Venezuela por personagenzinhas como Trump, Piñera, Duque, Lenín Morono e outros da sua laia é uma grosseira ficção, como Juan Guaidó, que não chegar a somar 50 países dos 193 que integram as Nações Unidas.

Por conseguinte, as razões profundas desta recusa nada têm a ver com o que diz o porta-voz do FMI e são as mesmas que explicam o absurdo empréstimo de 56 mil milhões de dólares concedidos ao corrupto governo de Maurício Macri e que foi utilizado maioritariamente para facilitar a fuga de capitais rumo às guaridas fiscais que os EUA e seus sócios europeus têm disseminadas por todo o mundo.

Espero com fervor que a pandemia (que também é económica) e o desastre do empréstimo a Macri convertam-se nos dois lúgubres coveiros de uma instituição como o FMI que, desde a sua criação em 1944, afundou centenas de milhões de pessoas na fome, na pobreza, na doença e na morte com suas recomendações e condicionalidades. Razões profundas, dizíamos, que em última instância remetem a algo muito simples: o FMI não é outra coisa senão um dócil instrumento da Casa Branca e faz o que o inquilino de turno lhe ordena. Quer asfixiar a Venezuela e o Fundo faz os seus deveres.

Não faltará quem me acuse de que esta interpretação é produto de um anti-imperialismo alucinado. Por isso adoptei o costume de recorrer cada dia mais ao que dizem meus adversários a fim de defender os meus pontos de vista e desarmar a direita semi-analfabeta e reaccionária que medra por estas latitudes. Leiamos que escreveu há pouco mais de vinte anos Zbigniew Brzezinski num texto clássico e um dos meus livros de cabeceira: “O grande tabuleiro mundial. A supremacia estado-unidense e seus imperativos geoestratégicos” em relação ao FMI e ao Banco Mundial.

Ao falar das alianças e instituições internacionais que surgiram após a Segunda Guerra Mundial disse que “Além disso, também se deve incluir como parte do sistema estado-unidense a rede global de organizações especializadas, particularmente as instituições financeiras internacionais. O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial consideram-se representantes dos interesses “globais” e de circunscrição global. Na realidade, contudo, são instituições fortemente dominadas pelos EUA e suas origens remontam a iniciativas estado-unidenses, particularmente a Conferência de Bretton Woods de 1944″. (p. 36-37)

Será preciso dizer algo mais? Brzezinski foi um anti-comunista e anti-marxista furioso. Mas como grande estratega do império devia reconhecer os dados da realidade, do contrário seus conselhos seriam pura insensatez. E o que ele disse e escreveu é inobjectável.

Concluo acrescentando minha confiança em que Cuba e Venezuela, seus povos e governos, sairão airosos desta duríssima prova a que se vêm submetidos pela imoralidade e prepotência do ditador mundial, que se crê com direito a dizer a todo o mundo o que tem de fazer, pensar e dizer, neste caso através do FMI. Não será preciso esperar muito para que a história lhe dê uma lição inesquecível, para ele e seus lacaios regionais.




As grandes carreiras políticas já não dependem dos eleitores

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 23/07/2019)

Daniel Oliveira

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Christine Lagarde foi nomeada presidente do Banco Central Europeu e é preciso substituí-la no FMI. As transferências de verão estão ao rubro e o nosso Ronaldo das Finanças está na shortlist. Alguém confirmou que é provável que seja escolhido a Marques Mendes. Portugal, que se começa a especializar na exportação de burocratas, antecipa mais um momento de êxtase. Depois de Barroso e Guterres, com os enormes ganhos que todos sabemos terem representado para o país, podemos ter mais um dos nossos a brilhar lá fora. O nosso espírito de emigrante vibra com isto. Por mim, torço por Centeno em Washington. Não me parece que por lá possa fazer grandes cativações. Mas quem ache que ganharemos muito com uma possível nomeação deve fazer um balanço sério da passagem de Centeno pela presidência do Eurogrupo.

Não deixa é de ser curioso que uma organização tão ortodoxa como o Fundo Monetário Internacional pense em escolher Mário Centeno, ministro das Finanças de um Governo supostamente socialista. Ou houve uma revolução no FMI ou isto diz alguma coisa sobre o que tem sido a gestão financeira do nosso ministro.

Longe vão os tempos em que a grande ambição de um ministro das Finanças era chegar a primeiro-ministro e a de um primeiro-ministro era chegar a Presidente da República. Isso é tão século XX. Hoje, uns e outros sonham com cargos internacionais. Daqueles onde realmente se manda, os eleitores não chateiam e ainda por cima se ganha bem. O que quer dizer que as grandes carreiras políticas já não se fazem com os olhos na democracia e no povo, fazem-se com os olhos numa classe global de burocratas sem nação, quase sempre amigos dos únicos poderes globais que sobrevivem: os económicos.

Sobretudo os ministros das Finanças, que concentram um poder absurdo nos governos. Escolhidos entre tecnocratas, estão muitas vezes acima dos primeiros-ministros que os cidadãos conhecem e em quem, de alguma forma, votaram.

Isto é bastante perverso. Porque quer dizer que quem governa já não o faz a pensar nos governados. Se tivessem ambições nacionais era isso mesmo que teriam de fazer. Esta nova estirpe de políticos governa para agradar as organizações internacionais, dominadas pelos Estados mais poderosos. E a lógica é tão perversa que já conseguimos convencer os eleitores de que um bom ministro das Finanças é o que nos trata mal para ter a simpatia externa. E é isso que explica que, em países periféricos como Portugal, os ministros das Finanças se tenham transformado em embaixadores das instituições europeias no Governo e não o oposto. Conhecemos as consequências: um défice muito aquém das metas que nos foram exigidas pela Europa. O país não precisa, mas o currículo técnico de Centeno sim.