O que vai mudar na política interna da Rússia após o atentado do Crocus City Hall?

(Raphael Machado in Twitter 27/03/2024)


Depois do horrendo atentado terrorista no Crocus City Hall, perto de Moscovo, há alguns dias, muitos analistas se perguntaram sobre qual seria a reação de Moscovo no entorno internacional, no que concerne países potencialmente envolvidos, dos EUA à Ucrânia, mas sem esquecer os vínculos percebidos no Tajiquistão e na Turquia.

Algumas mudanças já foram detectadas, já que a Rússia bombardeou prédios importantes da inteligência ucraniana, causando um dano em mortos, feridos e perdas materiais que Kiev prefere não divulgar. Algumas articulações internacionais também garantiram a prisão de possíveis colaboradores do atentado em questão na Turquia.

Outros desenvolvimentos nessa direção, inclusive no que concerne retaliações pelos ataques, virão conforme as próprias autoridades russas receberem mais informações sobre os resultados das investigações.

Mas um tema tão importante quanto possíveis mudanças de postura na operação militar especial e nas relações internacionais são as mudanças que têm sido demandadas pelo povo russo após o massacre.

Em primeiro lugar, uma das discussões mais importantes da Rússia hoje é a restauração da pena de morte. A pena de morte não foi abolida na Rússia, sendo prevista no Código Penal para os crimes mais graves contra a vida, como o homicídio com agravantes, o assassinato de servidores públicos e o genocídio.

Não obstante, em 1996 Iéltsin impôs uma moratória “informal” nas execuções com o objetivo de colocar a Rússia dentro do Conselho da Europa. Essa moratória foi formalizada juridicamente pela Corte Constitucional da Rússia em 1999, de modo que há quase 30 anos já não há execuções por lá.

Observe-se, porém, que continua havendo previsão legal para a aplicação da pena de morte. Ademais, a Rússia foi expulsa do Conselho da Europa em março de 2022, de modo que a justificação política para a moratória de execuções não existe mais.

A opinião pública em relação ao retorno da pena de morte é favorável. Uma pesquisa feita por uma agência com vínculos com o Departamento de Estado dos EUA (o Levada Center) apontava em 2019 que 49% dos russos eram favoráveis ao retorno da pena de morte. 19% queriam a sua abolição. É de se esperar que a proporção daqueles que querem o retorno da pena de morte, pelo menos para terroristas e traidores deve ser, hoje, muito maior do que em 2019.

Em atendimento a essas demandas, deputados do Partido Rússia Unidade estão se mobilizando para empreender as mudanças necessárias para reativar a pena capital.

Outro tema abordado é a questão das armas. Em geral, seguranças russos não portam armas. Pelo menos no contexto do atual conflito e das ameaças terroristas, discute-se a necessidade de que os seguranças de locais públicos portem armas para lidar com situações emergenciais desse tipo. É visível que seguranças armados fariam uma diferença significativa nesse atentado.

Quando ao porte de armas em geral na Rússia, ela segue critérios bastante racionais e razoáveis, sendo menos restrito que no Brasil, mas mais restrito que em parte considerável dos EUA.

Existe na Rússia o equivalente ao CAC, mas também a posse de armas para autodefesa, que não obstante deve ser mantida em casa – seu propósito é para defesa do lar, da família, da propriedade, em caso de invasão, roubo ou tentativa de sequestro.

Ademais, para poder adquirir um rifle é necessário ter tido posse de arma mais leve por vários anos sem qualquer tipo de incidente.

O tema mais debatido hoje, porém, é a necessidade de melhor controlar a imigração na Rússia. Não apenas a ilegal, mas a imigração em geral.

Com todos os responsáveis diretos pelo atentado terrorista sendo tajiques que teriam entrado legalmente na Rússia, chama-se atenção para a lassidão da Rússia com suas próprias fronteiras (que são, como todos sabem, imensas).

A Rússia está longe de ser tão frouxa quanto a Europa neste tema, mas é um fato, por exemplo, que nos últimos 2 anos aproximadamente 100 mil tajiques entraram na Rússia por ano. Em geral, a imigração para a Rússia possui natureza temporária, sendo para o exercício de trabalhos temporários, com o migrante tendo que sair do país ao término do visto (o que alguns burlam para ficar ilegalmente no país).

Essas migrações, diferentemente das imigrações na Europa, não possuem o potencial de alterar significativamente a demografia nacional russa, mas pelo pouco controle representam um risco à segurança nacional.

Intelectuais orgânicos da Rússia com influência na sociedade civil, como Alexander Dugin, demandam uma redução drástica e um maior controle estatal sobre esses fluxos, bem como a consagração do caráter essencialmente “russo” do Estado, como núcleo da politeia imperial da Rússia.

Pode-se esperar um aumento nas deportações de imigrantes ilegais, bem como critérios mais rígidos para a concessão de visto e de cidadania, como um maior conhecimento do idioma e um comprometimento explícito com os valores nacionais.


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Podíamos ter seguido outro caminho

(Whale project, in Estátua de Sal, 26/03/2024, revisão da Estátua)


(Este artigo resulta de um comentário a um texto que publicámos, de Viriato Soromenho Marques, sobre a decadência da Europa e dos valores do Ocidente (ver aqui). Pela sua atualidade resolvi dar-lhe destaque.

Estátua de Sal, 27/03/2024)


Os “valores” ocidentais começaram, logo muito cedo, a ser impostos na expansão europeia dos séculos XVI e XVII. Eram os de civilizar as massas ignaras, muitas delas até canibais, que povoavam o resto do mundo.

Nós íamos levar a luz da civilização, do cristianismo e toda a conversa da treta semelhante. Na realidade, o que se queria era a exploração máxima dos recursos da terra; a população que lá vivia eram tidos como primitivos e brutos, sub-humanos, inferiores e não interessavam nada.

Pelo que, se África e Índia tiveram a sorte de ter climas corrosivos para a população branca – que impediram uma transferência em massa nesses primeiros tempos -, outro tanto não aconteceu na América, Austrália e Nova Zelândia. Aí, as populações residentes foram praticamente exterminadas por valorosos guerreiros cristãos, enquanto os nossos padres discutiam se eles tinham alma.

A população indiana sofreu vagas de fome terríveis, com a imprescindível colaboração de elites vendidas, enquanto os seus recursos agrícolas eram desviados para satisfazer as necessidades e os luxos dos colonizadores. A África sofreu a perda de 20 milhões dos seus filhos para o tráfico negreiro, com a colaboração de bandidos locais recrutados pelos traficantes.

Mas, foi o seu clima pouco ameno que os salvou da campanha de extermínio em massa, que caracterizou a atuação dos colonizadores na América, Austrália e Nova Zelândia. Claro que ninguém os livrou de serem pilhados dos seus recursos – através de capangas locais, e deserdados da sorte, que não se importavam de ir para a África arriscar-se às doenças que por lá havia, porque aqui não tinham nada. Mas, a não ser nas terras mais a Sul, com melhor clima, a transferência massiva de populações europeias nunca ocorreu. E foi isso que os livrou do destino cruel dos nativos americanos.

O problema é que, de algum modo, fomos sempre arranjando forma de achar que os russos eram de bandos de selvagens, não civilizados, a merecer as nossas campanhas civilizadoras – apesar de eles também serem brancos.

O que também lhes valeu foi que, em boa parte do território, o clima também não era bom mas, no Sul e na Crimeia, o caso piava mais fino. Os genoveses foram particularmente implacáveis a criar estações de comércio que compravam escravos aos tártaros da Crimeia e do Sul da Rússia que viviam da pilhagem. A escravidão por terras ocidentais, da Catalunha à Itália, foi o destino de milhares e milhares de desgraçados, enquanto outros iam bater com os ossos no Império Otomano.

Foi para evitar estas razias de pilhagem – de que os ocidentais muito beneficiaram, porque tanto se lhes dava escravizar um negro, que consideravam pagão, como um branco considerado meio selvagem e pagão -, que ditou que a Rússia começasse a achar boa ideia conquistar os territórios à sua volta. O tal pavoroso imperialismo russo.

O problema é que a mentalidade colonizadora, tal como as células terroristas adormecidas, não morreu nem morrerá. Como disse o escritor alemão Gunther Grass “isto nunca acaba, isto nunca acabará”. Podíamos ter seguido outro caminho. O caminho do negócio limpo, honesto, comprar e vender com lisura. Se não temos recursos temos pelo menos indústria, podíamos fazer isso.

A escritora de livros policiais com grande densidade psicológica, Agatha Christie, retratava o que significa, a nível individual, uma mentalidade destas no seu livro “Noite sem Fim”. Um sujeito, em vias de ser executado por assassinato, conta a sua história. Sempre fora adepto de conseguir o que era dos outros, custasse o que custasse. Matando, se necessário fosse. Aos 10 anos matara um colega, afogando-o num lago gelado, para lhe roubar um relógio que cobiçava. Acaba por casar com uma jovem norte-americana, decente e genuinamente apaixonada. Podia aí ter seguido outro caminho, refazer a vida com alguém que o amava, aproveitar os recursos que tinham. Mas optou por, mais uma vez, matar. Acabou, certamente, na ponta de uma corda.

Também nós podíamos ter seguido outro caminho, agora que a tecnologia que temos até nos permite. Temos técnicas de produção com as quais nem sequer podíamos sonhar no tempo das caravelas. A Rússia, até já se tinha deixado disso, de alternativas ao capitalismo.

Mas, tal como o protagonista de “Noite sem Fim” escolhemos outro caminho. Não arrisco prognósticos sobre o destino para onde esse caminho nos vai levar. Mas, tendo em conta o fim de todos quantos até hoje tentaram destruir a Rússia, é capaz de não ser lá muito bom.


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Por muito mau que você pense que Israel seja, é ainda pior

(Caitlin Johnstone, in SakerLatam.org, 05/02/2024)

Acontece que as FDI têm administrado um canal no Telegram com filmes caseiros de assassinatos em que os habitantes de Gaza são brutalmente mortos pelas forças israelenses, legendados com celebrações da carnificina e da dor, como “Queimar a mãe deles… Você não vai acreditar no vídeo que temos! Você pode ouvir seus ossos sendo esmagados.” As FDI já haviam negado qualquer associação com o canal, mas o Haaretz agora relata que ele era administrado diretamente por uma unidade de guerra psicológica das FDI.

Esta é uma daquelas muitas, muitas vezes em que Israel é tão horrível que, a princípio, você não tem certeza do que está vendo. Você acha que deve estar interpretando mal o relatório. Então você lê de novo e diz: “Uau, isso é muito pior do que eu teria imaginado.” 

Por pior que você pense que Israel seja, você sempre pode ter a certeza de que informações virão mais tarde comprovando que é ainda pior.

Tucker Carlson foi visto em Moscou, gerando especulações de que ele está lá para entrevistar o presidente Vladimir Putin, e os comentaristas liberais estão perdendo a cabeça a respeito disso.

Não há base válida para os ocidentais se oporem a que Putin seja entrevistado por um especialista ocidental. Não há base moral porque as autoridades israelenses tiveram acesso irrestrito a uma imprensa ocidental extremamente simpática ao longo de quatro meses de administração de um genocídio ativo. Não há base no argumento de que isso prejudique os interesses de informação dos EUA, porque isso seria admitir que os interesses de informação dos EUA dependem de esconder informações do público sobre assuntos tão básicos quanto o que um líder estrangeiro pensa sobre suas próprias ações e, essencialmente, reconhecer que a mídia ocidental deve funcionar como serviço de propaganda para agências militares e de inteligência dos EUA. 

Toda objeção possível também é uma confissão sobre o que o império dos EUA e sua mídia realmente são.

Americanos: assistência médica, por favor.

Governo dos EUA: Desculpe, você disse bombardear a Síria, o Iraque e o Iêmen para facilitar um genocídio ativo?

Americanos: não, assistência médica.

Governo dos EUA: Tudo bem, você está a exigir bastante, mas vamos primeiro bombardear a Síria, o Iraque e o Iêmen para facilitar um genocídio ativo.

Biden não está mentindo tecnicamente quando diz que os EUA não buscam conflitos no Oriente Médio. Os EUA buscam a DOMINAÇÃO no Oriente Médio e prefeririam receber essa dominação voluntariamente de súbditos submissos. Somente quando o Oriente Médio se recusa a se submeter é que há conflito.

Os EUA nunca fizeram nada de bom para o Oriente Médio. Tudo o que trouxeram para a região foi um monte de operações militares assassinas e a operação militar assassina ininterrupta que é o estado de Israel.

Estabelecer inúmeras bases militares em países do outro lado do planeta e depois entrar em guerra com qualquer um que tente expulsá-las é praticamente o oposto de como um exército são e ético seria usado.

A política externa dos EUA é essencialmente uma grande e longa guerra contra a desobediência. Bombardeio, mudança de regimes, fome e desestabilização de qualquer população em qualquer lugar da terra que se atreva a insistir em sua própria soberania em vez de se deixar absorver pelas dobras do império global. 

Eles chamam a diferentes partes dessa política externa Guerra Israel-Hamas, Guerra do Iraque, Guerra ao Terror, mas na verdade é tudo a mesma guerra: a guerra à desobediência. Uma longa operação para brutalizar a população global em obediência e submissão, ano após ano, década após década.

Quando se trata de Israel, a principal diferença entre liberais e conservadores é que os conservadores apoiam Israel porque gostam quando os muçulmanos são assassinados, enquanto os liberais apoiam Israel porque murmuram algo, como o antissemitismo de Israel tem o direito de se defender, mas temos sérias preocupações sobre o humanitário HEY, OLHE LÁ, É TRUMP!

Se o genocídio de Gaza tivesse acontecido antes da internet, teria sido uma questão marginal, da qual quase ninguém saberia nada. A imprensa ocidental teria sido capaz de se safar com exponencialmente mais encobrimentos de crimes israelenses, os políticos ocidentais teriam sido capazes de se safar com muito mais mentiras sobre o que realmente está acontecendo, as autoridades israelenses teriam sido muito menos cuidadosas com suas declarações de intenção genocida em sua própria mídia, e as FDI teriam sido muito mais flagrantes e inequívocas sobre sua campanha de extermínio. 

É apenas porque as pessoas normais estão de olho no que realmente está acontecendo que essa questão está sujeita a protestos e condenações em todo o mundo que colocaram o império em desvantagem. A classe política/mídia nunca faz a coisa certa porque quer, faz a coisa certa quando é forçada por seres humanos normais com consciências saudáveis. O destino da humanidade depende da capacidade das pessoas comuns fazerem circular livremente a verdade.

Fonte aqui.


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