A União Europeia contra a História

(Hugo Dionísio, in Facebook, 19/09/2023)

Apesar de estar titulado como “Respondendo ao chamamento histórico”, O discurso de Ursula Von Der Leyen deixou a história sem resposta. Diria que visa mesmo contrariá-la, pois, afinal, a história humana é a história pela libertação de todas as formas de opressão e exploração. É precisamente contra essa história que luta o discurso da CEO designada para a Comissão Europeia!

Como uma diligente e bem-comportada CEO, a nunca eleita, mas plenipotenciária, Úrsula Von Der Leyen, esgrime todos os pontos e argumentos que era suposto. Um deles é o alargamento da UE. Este alargamento, que pode nunca acontecer – mas isso são outras contas -, por si só seria motivo para a Turquia abandonar, de forma imediata, a NATO e a proposta de adesão. Afinal, por tantos anos foi congelada a adesão da Turquia, usando-se argumentos falaciosos como “os direitos humanos”, e, de uma assentada, a UE abre todas as vias de acesso (fast-track) a um país com uma constituição integralista (que define quem é e quem não é “ucraniano” original, com base numa suposta etnia, que, por acaso até cheira a polaca); um país que persegue e oprime os direitos políticos, religiosos e culturais das etnias que considera forasteiras… Expliquem-me como é que a Turquia não se ressente com isto? Alguém acredita que a Turquia é menos democrática que a Ucrânia? E Portugal? O que beneficiaria com um alargamento destes? Perder a única fonte de investimento público que ainda lhe resta, os fundos estruturais?

O discurso de Úrsula é, uma vez mais, uma denunciada colagem aos interesses dos EUA. O próprio jargão político-administrativo utilizado denuncia essa realidade. O “Parlamento” passou a chamar-se  “Casa” – referência à “House” norte-americana -, os regulamentos e directivas passaram a designar-se “actos” – referências às leis federais norte-americanas “acts” – e até o próprio evento, não sendo a designação nova, não deixa também de denúnciar a colagem – o “estado da União” por referência ao “State of the Union Adress” norte-americano.

Disse Úrsula que “a guerra se ouve nas nossas fronteiras”, o que me leva a questionar que guerra é essa! Será a mesma guerra nas mesmas fronteias que o Presidente Marcelo designou de “nossas fronteiras” com a Federação Russa? É sintomática a conexão orgânica entre todas as figuras de proa do poder político europeu, talvez com excepção de Orban, na Hungria. Em todos ouvimos a mesma cassete…

Disse a CEO da Comissão Europeia que, durante o seu mandato (diria mais “comissão de serviço”), assistimos ao surgimento de uma “União geopolítica – apoiando a Ucrânia, enfrentando a agressão Russa, respondendo a uma China assertiva e investindo em parcerias”.

Vale a pena parar em cada um destes pilares da “Europa geopolítica”. Primeiro, importa, desde logo, dizer que a União Europeia como entidade geopolítica está longe de ser uma construção de Úrsula ou dos seus mestres actuais. A UE sempre foi, desde os primórdios da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, uma construção geopolítica, como não poderia deixar de ser. O papel da chamada “construção europeia”, no quadro da “ameaça vermelha”, constitui o pilar fundador desta entidade “geopolítica”. Hoje, esgotado esse papel, a missão da UE é o de servir de muleta geoeconómica, mercado preferencial e reserva de recursos dos EUA. Ou seja, a “entidade geopolítica” que Úrsula diz ter construído é uma falácia, tratando-se mais de um apêndice geopolítico. Tal como sucedeu no G20, a UE não existe sozinha, só como os EUA; A UE só tem ideias que coincidam com os planos geopolíticos dos EUA; a UE é uma cartada geopolítica jogada pelos EUA, de um baralho que cada vez mais se confina à realidade do G7 e restantes súbditos.

A UE é apenas a mordaça que contém, submete e aniquila, o orgulho e as soberanias nacionais dos países europeus. É a jaula que os prende a uma existência mesquinha, dependente, subserviente e secundarizada aos interesses hegemónicos de Washington.

Não é a UE quem mais financia o “apoio à Ucrânia”, são os EUA, o que denuncia a quem interessa este conflito. Os EUA não pagam um cêntimo – nem através do papel que imprimem a que chamam dólar – por algo que não lhes seja útil; mas pagam todo o papel do mundo, se algo fizer parte da sua estratégia hegemónica. Não foi dos principais países europeus – França, Itália, Alemanha ou Espanha – que nasceu a tentação de fazer da Ucrânia um território NATO. Muito pelo contrário. Foram os países europeus que, no passado, impediram a Geórgia de fazer parte da aliança, precisamente para não acossarem a Rússia, país com que pretendiam manter-se em paz. Do lado da Alemanha, a relação era fundamental para o bem-estar do seu povo, como para a França, Áustria, Holanda e países do Leste. Apenas dois países apareciam repetidamente com esta tentação: EUA e Inglaterra! Este “apoio à Ucrânia” é tudo menos uma pretensão europeia, sendo, este conflito, resultado exclusivo da vontade americana, com a conivência, aí sim, dos “líderes” europeus eleitos a partir de 2007. Líderes cirurgicamente escolhidos, condicionados e instrumentalizados para nos prenderem a todos ao passado e presente colonial e imperialista.

A resposta à “assertiva China” vai pelo mesmo caminho. Todos conhecemos o início do discurso anti chinês, com a guerra de Trump à Huawei e a imposição de tarifas comerciais. A UE, nessa altura manteve-se imóvel, congelada, aprofundando os níveis de cooperação e investimento, o que fez até há muito pouco tempo. O crescimento do colosso oriental e a ameaça que introduz à hegemonia dos EUA – a UE como ponto de encontro de continentes não tem qualquer vantagem nesta estratégia -, constitui a única razão da classificação da China como um risco. Até à estratégia Biden do Indo-Pacífico, do AUKUS e da “contenção da China”, a UE não tinha qualquer doutrina concertada em matéria de “ameaça chinesa”. Portugal aceitou a Huawei, negociou a instalação de uma fábrica de baterias, vendeu-lhes – a meu ver erradamente – a EDP e parte da GALP, adjudicou obras, abriu as portas ao oriente. Hoje, a falta de independência a que governantes submissos como Marcelo e Costa votam Portugal, faz tudo isto perigar, com consequências graves para os trabalhadores e suas famílias.

Outro aspecto do discurso é o “investimento em parcerias”. Não existe uma parceria internacional da UE que não se enquadre: 1. Nas estratégias hegemónicas e geopolíticas norte-americanas; 2. Que não seja estabelecida com países e organizações que têm o beneplácito norte-americano; 3. Cujo resultado do investimento não tenha um retorno directo para Washington, seja económico, militar, político, ou todos juntos! Nada! Seja o corredor económico India-Arábia Saudita-Europa; seja a linha ferroviária entre o porto do Lobito, em Angola e a República Democrática do Congo; qualquer uma destas vias alternativas às rotas da seda chinesas, a que a UE chama de “global gateways” (ligações globais), está integrada na estratégia de Biden “um mundo, uma família, um futuro” e da “Buildbackbetter” (fazer bem outra vez). O benefício é, sobretudo, norte -americano, mas seremos nós que pagaremos os 300 biliões de “investimento”. Tudo para que os EUA tenham os metais raros africanos, de que necessitam, para a sua reindustrialização.

Diz então Úrsula que, agora, estamos mais “independentes” em sectores críticos como a “energia”, os “semicondutores” e “matérias-primas”. O mundo de Úrsula é um mundo fantástico! Nada lhe falta. É como o do CEO do Serviço Nacional de Saúde, que “gere” o SNS e usa serviços de saúde do privado! Uma lástima! O problema destes mundos maravilhosos, desta aristocracia burocrática, é que estão em colisão directa com os mundos das pessoas reais. Ao que julgo saber, a UE continua a comprar energia russa, apenas tendo trocado a posição do principal fornecedor, passando os EUA para primeiro lugar. Em troca, a UE perdeu um gasoduto que garantia fornecimento rápido, em qualidade e mais barato. Agora, tem de receber o gás em barcos. Não percebo que raio de independência é esta e como a UE se tornou mais energeticamente independente, aumentando a sua dependência em relação a um só fornecedor, muito mais caro e recebendo o gás através de logísticas mais complexas e com mais riscos.

A independência em “semicondutores” é caricata. Pois não consta que a UE seja local de produção em massa de “semicondutores”. O que a UE produz, isso sim, são máquinas litográficas, na Holanda, através da empresa ASML. A “independência” é tal que fazemos as máquinas mas compramos os semicondutores a Taiwan, à China (agora menos por causa das sanções – mais independência) e aos EUA. Acresce que, a ASML, como resultado da política de sanções norte-americanas, contra o desenvolvimento tecnológico chinês, se viu impedida – a agravar-se principalmente a partir do final deste ano – de vender as suas máquinas mais caras e avançadas ao seu principal mercado, a China! O que tem provocado uma queda abrupta nas suas receitas. Ora, se prescindir de um dos principais fornecedores de chips baratos; se ter de cumprir uma lei sancionatória que não é europeia, nem do interesse europeu; se assistir à disrupção das cadeias de abastecimento numa área fundamental; se ficar totalmente dependente dos EUA nesta matéria, e não mandar sequer na sua industria para este efeito, significa ser “mais independente em semicondutores”…

E nas matérias primas… O mesmo que no gás! Antes estavam aqui ao lado; baratinhas e boas, rápidas e em quantidade. A UE podia também ir comprar terras raras à China, à Rússia. Hoje, vê-se obrigada a ir buscar o que antes tinha barato e rápido, ao outro lado do mundo (América latina), mais caro e em menos quantidade, disputando o mercado com outros potentados regionais. Acresce que, resultado da política de sanções norte-americanas a alguns metais raros de origem chinesa, a UE, vê-se impedida também de os ir lá buscar. Como é que isto é ser mais independente?

Mas esta farsa continuou ao longo de todo o discurso. É interessante quando Úrsula fala da “resposta ás alterações climáticas” e do papel europeu nesta matéria. Quem a ouviu ficou com a impressão que o mundo pode ser salvo pela própria União Europeia. Um “planeta saudável”, como disse. Alguém explique como é que ir buscar energia e matérias-primas a locais mais distantes, gastando mais energia para os trazer e mais dinheiro, contribui para isto. Como é que substituir gás por carvão salva o planeta? Como é que transferir a base industrial da China para a India, onde as exigências ambientais ainda são menores, salva o planeta? Mas, não vivemos todos no mesmo planeta, ou a CEO da Comissão Europeia vive num planeta à parte? Na Lua, por exemplo? E que tal produzir aqui, na Europa, em Portugal e substituir as importações? Não? Que tal produzir e consumir localmente e apenas comprar fora o que não se produz aqui, taxando como luxo tudo o que seja importado sem necessidade? Também não? Pois…

Mas o melhor estava guardado para a parte da “competitividade” e da “concorrência desleal”. Depois de dizer que as “nossas empresas tecnológicas gostam de competir”, “elas sabem que a competição é boa para os negócios”, “a competição protege e cria bons empregos na Europa” … Ela vem falar em competição “verdadeira” e “justa”. Para atacar quem? A China, claro.

E é neste ponto que temos a confirmação sobre quem é que está aos comandos do drone Von Der Leyen. Se antes víamos uma criatura desprovida de vontade, que se limitava a papaguear agendas pré-determinadas… Nesta matéria conseguimos vislumbrar, por reflexo, a cara do piloto. Biden aprovou um “ACT” para as indústrias estratégicas para a “segurança nacional” dos EUA, que visou beneficiar e subsidiar as empresas norte-americanas de semicondutores e desviar tecnológicas europeias para o seu território. À data, o próprio Scholz deu sinais de poder ficar furioso. Pensou nisso e acordou!

Eis que o ataque é feito à China e aos subsídios que o estado chinês dá às empresas. Eu já nem falo dos mais de 10 triliões de dólares que os EUA enterraram em  empresas e bancos, desde a crise de 2008. A própria indústria automóvel americana recebeu biliões de dólares no tempo de Obama, para se restruturar. Parte dessa restruturação está, hoje, visível na fusão entre a PSA francesa, a FIAT-Chrysler, criando a Stellantis. O próprio estado francês tem 6% do maior construtor mundial de automóveis. Mas a CEO da Comissão Europeia diz que é a China quem financia as suas empresas a partir do estado. E é claro que o faz, todos o fazem. Daí que Úrsula queira aprovar um “acto” “anti subsídios” que investigue o desenvolvimento de veículos eléctricos chineses e possa levar à sua proibição nos mercados europeus. Segundo ela diz, são muito “baratos”. Os chineses cometem o “crime” de querer fazer carros eléctricos para todos!

Assim, querendo que os europeus paguem mais por automóveis, do que devem, Úrsula esconde que, também a UE, financia de forma regular o sector privado. Todos o fazem! E mais, acusa a China de financiar a “investigação” de veículos eléctricos. Isto quando a UE tem um programa temático dirigido ao sector privado chamado “mercado único, inovação e emprego”. Fantástica hipocrisia, certo?

Vamos lá a ver se nos entendemos: eu não sou contra o investimento público; eu não sou contra o proteccionismo dos estados, para defenderem a sua indústria, os seus postos de trabalho. Pelo contrário. Eu sou contra a mentira e os falsos pretextos e, ainda mais, contra a manipulação e a dissimulação. Usar este pretexto contra a China? OK… E os EUA? E o Japão? E a Coreia do Sul? Fazê-lo para proteger a indústria automóvel europeia? Certo! Mas… E então a ameaça americana, japonesa e coreana? Ou, o propósito é defender esses todos? Mesmo contra os interesses do povo trabalhador europeu?

Diz Úrsula que os veículos eléctricos “são bons para o ambiente”. Então…, mas tê-los baratos não é bom? A UE, na Estratégia 2020 aprovou 142 biliões para a competitividade, 420 para o crescimento sustentável e recursos naturais, 371 para a coesão económica, social e territorial. Na estratégia 2030, agora a iniciar o ciclo de financiamento, foram 166 biliões para o mercado interno, inovação e digitalização; 336 para o ambiente e recursos naturais e 392 para a coesão. Uma fatia importantíssima destes fundos vai parar às empresas privadas. Por exemplo, em Portugal, dos 2.9 biliões de euros para empresas, mil milhões foram para as médias empresas e 932 milhões para as grandes. Para investigação, digitalização, internacionalização… Apenas do PT 2020 e sem contar com os fundos da formação profissional (outros mil milhões), para competências, com os fundos para transição energética e ambiental ou os fundos para agricultura, pescas e outros mais. São muitos, muitíssimos milhões, apenas da UE, pagos pelos trabalhadores – não contando também com fundos nacionais que vão dos Lay-off à formação profissional e estágios profissionais – que vão parar às empresas privadas.

O que se passa com a China é um problema bem diferente: É que, pela primeira vez, na história dos últimos 500 anos, os EUA e a UE (o bloco imperialista e hegemónico) passaram a ter um competidor de peso, em todas as áreas, capaz de os suplantar em tudo! Na qualidade e no preço! E, ao mesmo tempo, melhorando paulatinamente as condições de vida do seu povo.

Este desafio demonstra toda a falácia da teoria liberal, do mercado livre e da concorrência. É fácil defendê-lo quando se têm as melhores universidades, as melhores competências, a maior fatia de capital acumulado, a moeda mundial de reserva, o sistema interbancário de trocas, o FMI, o Banco Mundial e tudo mais. Quando se domina isto tudo, e usamos o sistema para manter distâncias relativas, deixando os mais pobres subirem apenas o suficiente para que não sejam ameaça (quando sobem), mantendo as dependências e as interdependências que alimentam a submissão… Assim é fácil ser “liberal”. Logo que surge um competidor a sério, com armas a sério, com capital, conhecimento e capacidade organizativa… Os “liberais” passam logo a proteccionistas. Mas fazem-no à “liberal”, ou seja, mentindo e inventando desculpas. Admitir as verdades não está na sua matriz, pois tudo para eles é marketing, é venda, é logro.

É como dizer-se que a UE é “democrática”. Uma estrutura não eleita, como a Comissão Europeia, manda em tudo, de forma omnipotente, mas é “democrática”!

A UE não “responde à história”. A UE luta contra ela, tentando manter as estruturas de submissão, das quais o Sul global se tenta libertar! A UE, precisamente, não se dá conta de que a sua própria existência, tal como a do capitalismo, é “histórica”, passageira, contextual, transitória…

E é esse o drama de Von Der Leyen e dos seus mandantes!

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Ursula – Hiena da NATO

(Por Uli Gellermann em Sakerlatam.org, 8/042023)

Se acreditamos no jornal britânico THE SUN, então a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, poderá em breve suceder o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg. A informação foi divulgada pelo jornal britânico THE SUN, citando uma fonte diplomática. O SUN é propriedade do bilionário da mídia norte-americana Rupert Murdoch. E o que quer que Murdoch relate, não importa o quão obscuras sejam suas fontes, é também o que ele quer. E o que Murdoch quiser, acontecerá; cedo ou tarde.


Artigo completo em: Ursula – Hiena da OTAN – Comunidad Saker Latinoamérica


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Vítimas de bullying e prisioneiros dos “valores”

(Hugo Dionísio, in Facebook, 11/04/2023)

Se houvesse um instrumento de medição que funcionasse como “pânicômetro”, as galinhas atlantistas rebentariam com a escala. Nem todo o “bullying” saído da fábrica de terror que é a Casa Branca, conseguiria colocar uma ordem na forma como se comporta o galinheiro.

A última “macronada” foi recebida com mais um ataque de pânico em Washington. Ainda atónitos, com o sucesso da cimeira Xi-Putin, e de ressaca incurável pela forma como o mundo além-NATO recebeu as conclusões, Blinken, Nulland e demais cabeças pensadoras, aproveitando a viagem de Macron à China, pensaram: “bem, se eles não nos recebem, talvez possamos instruir Macron a fazer, à China, o que lhe fazemos nós, a ele”, ou seja, bullying. A instrução foi clara, “vais tratar de afastar a China da Rússia”.

Não obstante, face ao histórico narcisismo “macroniano”, os EUA, sempre desconfiados até da sua própria sombra, aparelharam a fiel, leal, missionária e religiosamente crente Úrsula, e introduziram-lhe um algoritmo apenas contendo uma ordem: “vais acompanhar Macron e vais guardá-lo e protegê-lo de si próprio”. Úrsula, preparando-se para uma viagem que claramente não foi planeada, nem pestanejou. “Contas são contas… Ordens são ordens… Leis são leis… Regras são regras e valores são valores…” “O que Deus faz, o ser mortal não questiona”, terá ela pensado, com o seu habitual tom autoconvencido.

Se, depois do que se passou em Moscovo, alguém pensou que uma missionária e um vassalo narcisista seriam suficientes, por muito bullying que fizessem, para levar Xi e o PCC a mudarem de posição quanto ao seu parceiro estratégico… Tiveram a resposta na mesa em que foram recebidos. Uma mesa redonda, de tamanho gigantesco, com as distâncias entre os intervenientes meticulosamente calculadas. Não sendo original (Macron já tinha passado pelo mesmo em Moscovo), sabendo-se do critério, minucia e rigor que caracterizam a actuação chinesa no que toca às relações diplomáticas… Nada disto foi por acaso.

A diplomacia chinesa encarregou-se de mostrar que a distância geográfica entre as duas civilizações é transposta para a sala de reuniões, como que dizendo: “com essa senhora na sala, nem uma reunião presencial vos ajuda a vencer tal distanciamento”. Só esta gente para pensar que um presidente, que leva um país, em 11 anos (de 2010 a 2021), a passar de um PIB de 7,55 para 15,8 triliões (em dólares), ou de 12,38 para 27,1 triliões (em Paridade de Poder de Compra), o tenha feito seguindo a cabeça de outros. E ainda não estão convencidos, porque de seguida já vão para lá Annalena Baerbock e uma delegação da U E. Ou vão para o bullying, ou vão para o beija-mão…

Mas não se pense que a distância simetricamente calculada, entre os três, era equânime. Não! A distância, na mesa, só existe com Úrsula presente. Ou seja, no quadro da U E, a distância é enorme, está a dois oceanos de distância. No quadro nacional, da França, de Portugal, da Alemanha ou da Itália, a distância pode ser curta e nem implicar a navegação por mar. Daí que Macron tenha sido recebido, com proximidade e a sós, com o presidente Xi. Se acham que com Úrsula, a distância era por acaso… então não conhecem a sofisticação da milenar diplomacia chinesa.

Se, na reunião a três –, que a carcereira Úrsula se encarregou de vigiar – só se falou em Ucrânia; já na reunião a dois, a coisa foi diferente. É claro, para a fotografia, a Ucrânia foi um dos pratos principais… mas, na penumbra, no resguardo da intimidade, Macron foi “persuadido” pelos mais gigantescos e magnânimos acordos comerciais, de investigação e cooperação que a sua mente poderia conceber. Todo o “bullying” que a fábrica de dólares consegue produzir, é insuficiente para bloquear os sonhos de quem prometeu “deixar marca na história francesa”. Essa marca depende dos “negócios da China”, local para onde se deslocou o centro da actividade económica mundial. Como disse um Miguel Esteves Cardoso aquando do mundial: “vão para lá com os seus discursos de moral, mas felizmente são corruptos” (qualquer coisa assim).

Os números não mentem: em 1992, ou seja, logo depois do fim da URSS, o PIB europeu era ligeiramente superior ao americano (6,75 para 6,52 triliões); em 1995 já era igual e em 1999, os EUA já nos tinham passado. Dez anos de controlo da Rússia e da Europa de leste e, apesar dos constantes alargamentos, os EUA puderam passar-nos à frente em produção de valor. Talvez um António da Costa da vida não veja a significância profunda destas coisas… Mas, duvido que um francês chauvinista como Macron não o veja. E bem que vê, também, o papel do dólar e do euro no processo.

Três datas chave para a engorda dos EUA à custa dos povos europeus: Tratado de Maastricht em 1993, que introduz um conjunto de critérios orçamentais que visam limitar a capacidade de investimento público, passando os países a dependerem especialmente do investimento privado; a introdução do Euro em 2000, moeda que, como disse Michael Hudson, foi criada para conter as economias europeias dentro e padrões cambiais “aceitáveis” para Washington; Tratado de Lisboa 2009, que reforça os critérios orçamentais e estabelece instrumentos, mais apertados, de controlo central a partir de Bruxelas, totalmente manietada por Washington.

Uma vez mais… os números não mentem: controlando a dívida pública e impedindo, assim, o investimento público (não é “investimento virtuoso”), a distância entre a economia americana e a europeia vai aumentando à velocidade de, mais um trilião de dólares de diferença, a favor dos EUA, a cada 5 anos (em 2000, a U E tinha 11,26, os EUA 13,75, em 2021, a U E 14,68, os EUA 20,53). Os EUA a engordarem também à custa do empobrecimento dos povos europeus.

Se uma personagem como Cravinho, ministro português dos Negócios Estrangeiros (Ministério que deveria ser rebaptizado de Departamento Provincial da NATO) é incapaz de se questionar sobre esta dualidade, em tal nos levando a crer quando diz que “prenderia Putin” se este cá viesse, mesmo sabendo estar a submeter o país a um acto de guerra e conhecendo a forma, conteúdo e natureza da decisão acusatória do TPI; se um dos comentadores mais palavrosos da nossa praça – Marques Lopes de sua graça – agradece a Biden o facto de este ser “um grande presidente”, mesmo arrastando a Europa – e o seu país e povo – para a indigência… Macron, tendo colocado o seu país em chamas, não se pode dar ao luxo de fingir que não vê o extintor económico que o pode salvar!

Os franceses podem ser muita coisa, mas não são servis. E eis que, o mesmo Macron que, com Úrsula ao lado, tanto falou da Ucrânia, foi o mesmo que, chegado da China, disse, a vários órgãos de comunicação, coisas interessantes como: “a Europa tem de resistir à pressão (o bullying, digo eu) para se tornar uma mera seguidora dos EUA”; “o grande risco é a Europa ser arrastada para crises que não lhe digam respeito” … Mas, a melhor de todas, aquela que fez Biden puxar o cordão da campainha de pânico, foi quando ele disse que “a Europa tem de se tornar independente dos EUA e sair da dependência do dólar”!

Ora, não se fez esperar a reacção do outro lado: Marc Rubio, senador republicano pró-guerra, neoconservador, neoliberal e sei lá que mais, não tardou em iniciar o processo habitual: bullying e mais bullying. Marc Rubio questiona: “Macron fala por si, pela França ou pela Europa”?  “É que se fala pela Europa, temos de mudar isso”! Lá vem a “revolução colorida” do costume! Daquelas que a “democracia” americana tão bem prepara… fora e em casa, também!

O que teve mais piada nas declarações de Rubio foi quando ele disse que: “os EUA estão a ajudar a Europa na guerra da Ucrânia”, e que, “vão deixar de ajudar se a Europa não os ajudar em Taiwan”. Esta é das ameaças mais vazias que alguém já fez! Estarem a ameaçar deixar uma guerra – na Ucrânia – que eles próprios fomentaram, prepararam e alimentaram, no seu próprio interesse e contra o interesse dos povos europeus… Seria uma salvação, os EUA, deixarem do nos “ajudar” na Ucrânia. Aliás, tendo em conta as sondagens em Taiwan, parece que a maioria também não quer ajudas que matam centenas de milhares na guerra.

Como se tem provado, em grande parte do mundo, de onde os EUA saem, para se concentrar na “ajuda” ucraniana, os povos desavindos fazem a paz. São vitórias diplomáticas chinesas e russas, umas atrás das outras, ao ponto de, há uns dias, Mr. Burns, director da CIA, ter ido a Riade dar conta do desagrado americano com o reatar de relações com o Irão. Se este acto, por si só, não demonstra o “modus operandi” da Casa Branca, do seu “dividir para reinar…” Já não sei o que é preciso.

Mas se, esta reacção de Rubio é, em si, demonstrativa do estado de espírito da elite que governa os EUA e da forma como usam o “bullying” para resolver os problemas, já a forma como Macron age é também reveladora da posição em que esta gente, que se diz governante, se deixa colocar. Uma total falta de frontalidade; uma total falta de clareza.

Se no caso de Úrsula essa questão nunca se colocaria, afinal, não apenas privilegiou a Pfizer face a empresas europeias no Covid, como negociou acordos de matérias-primas e energia com os EUA nas costas dos povos europeus, e além disso, pagando mais por menos e com menos qualidade, já no caso de Macron ou Scholz, as coisas são muito diferentes.

Gente como Scholz e Macron anda a toque de “bullying”, prisioneiros políticos dos “valores” europeus que, afinal, são americanos – ninguém pode negar o decalque que a comunicação europeia faz a partir das posições públicas americanas. Scholz, mesmo com a carcereira Baerbock no seu governo – financiada por Soros e compincha de Úrsula – é apanhado a negociar acordos no ramo automóvel com a Rússia, a renovar o seguro do Nord Stream e a ir à China negociar a deslocalização de grandes empresas alemãs. Macron, mesmo acompanhado da sua carcereira Úrsula, continua a comprar energia à Rússia, a cooperar com a China, tendo saído da reunião com Xi, com mais um pacote de atraentes negócios entre os dois países.

Lá no fundo, o que estas realidades demonstram é que, os 30 anos seguintes à queda da URSS foram uma prisão para grande parte do mundo. Presos à única alternativa – tão obrigatória como única – que existia, traduzida em danosos acordos comerciais com os EUA e seus apêndices, ou em ruinosos acordos de “restruturação e estabilização macroeconómica” do FMI e Banco Mundial, hoje, o êxodo de fuga do dólar demonstra que ninguém estava contente com o sistema. E, na Europa, não se pense que o movimento de resistência não existe. Apenas ainda não teve condições para se afirmar. Marco Rubio já viu o filme todo, a seguir à França, podem vir outros…

Mesmo um país como Portugal, amarrado que está a esta âncora que cada vez mais nos agarra ao fundo – bem que os “nossos” (deles) governos nos falaram em mar – e que mortalmente nos afoga, poderia – e deveria – começar a fazer contas à vida e assumir, de forma frontal, aquela que dizem ser a sua vocação: fazer de ponte para o mundo. Mas não, os governos da alternância do “vira o disco e toca o mesmo” apenas nos transformam num “digital” beco sem saída.

O facto é que, as nações e povos europeus – leia-se a “Europa” -, deparam-se com uma escolha vital: ou definham com Washington que é quem tem o controlo militar e político; ou recriam-se e crescem com o mundo multipolar. Ou ficam com os “valores” vazios do ocidente colectivo, ou caminham no sentido da concretização dos valores reais, abrindo-se ao mundo, de forma soberana, autónoma e livre de amarras e preconceitos reaccionários, que visam resistir à mudança, ao desenvolvimento, ao progresso e à paz entre os povos.

Esta dicotomia, absolutamente contraditória com o discurso de cartilha feito à medida para ser aplicado em cada revolução colorida, em cada invasão ou em cada guerra por procuração, está, ela própria, bem presente na escolha a fazer. Há uns anos diziam-nos que “a economia é que manda”; quem não se lembra de ouvir Passos Coelho e a sua saída da “zona de conforto”; “o mundo está sempre em mudança”; “temos de aceitar a mudança”, repetiam de forma maquinal. Hoje, rejeitam a mudança, resistem e reagem de forma conservadora, repetindo que, agora, “temos de lutar pelos nossos valores”, “os valores europeus”. É impressionante que nos davam sempre com a Venezuela quando queriam falar de “luta por valores” e nos “EUA” quando se tratava de economia e mudança. Dependendo de para cujos bolsos vão os “valores”, assim mudam eles o discurso.

Enquanto os BRICS se tornam BRICS+ e agora BRIICSS, depois da adesão do Irão e da Arábia Saudita, discutem uma nova moeda, na Alemanha fechou uma siderurgia que já tinha quase 700 anos. Porquê? Porque o gás que têm de comprar aos EUA não presta e custa três vezes mais. E o que vai Úrsula fazer à China? Fazer “bulying” pró Washington e regime de Kiev. E o que faz o nosso governo? Aplaude efusivamente. E há cada vez mais gente a dormir na rua.

Na Malásia celebram-se acordos e propõe-se a criação de um Fundo Monetário Asiático, porque segundo o governo do país – vítima de meses de tentativas de ”revolução colorida” -, “não existem razões para depender do dólar e do FMI”, na Europa e em Portugal, vivem-se crises de habitação, inflação e endividamento… O que faz Úrsula? “Bullying” em nome de Biden contra a China. E Cravinho? Faz coro! E, enquanto isso, mais gente a passar fome, roubada pela ganância da grande distribuição!

Na África do Sul boicota-se a venda de armas à Polónia, porque as manda para Kiev, o México celebra acordos para a BRI que trarão enormes benefícios ao país – a tal da “armadilha da dívida” que todos preferem ao FMI -, por cá somos obrigados a ver a Úrsula a negociar acordos de energia e matérias-primas com os EUA, nas costas dos europeus, a preços muito mais caros do que antes. E o que faz a burocrata de Bruxelas na China? Pois… E o que fazem os daqui? E lá vai mais gente para a sopa dos pobres!

É uma tragédia. Enquanto o mundo se tenta levantar, o nosso insiste em cair. Assistimos, como entusiasmados fanboys num qualquer concerto ou jogo de futebol, a uma caminhada, a qual, a cada passo, mais nos leva ao precipício. Vejam lá que, depois de tanto disparate, agora, nos EUA, está-se a montar uma equipa – tipo mafioso, claro – de “especialistas”, paridos no Departamento do Tesouro dos EUA, “em sanções e financiamento do terrorismo”, que virão para a Europa, “convencer” empresas a deixar o mercado russo e os bancos a não financiarem as que resistirem ao assédio. Ou seja, não contentes, vão dedicar-se a fazer “bullying” às nossas próprias empresas e bancos. “Especialistas americanos”, do departamento do tesouro americano a fiscalizarem “sanções europeias” em países europeus… Quanto mais te baixas…. Já dizia o meu avô!

Muita “liberdade” e “democracia” nos discursos, mas a única coisa a que é dada escolha é a de que ricos mandarão em nós. Serão os ricos “A” ou os ricos “B”? São os ricos, ricos, ou são os pobres corrompidos por ricos? Serão os ricos que já eram ricos, ou serão os pobres que querem ser e estar entre os ricos? No final, é disto que trata a governação por bem comportados e competentíssimos quadros formados nas melhores universidades e colégios que os ricos podem pagar, suportar ou manietar! Passar pela Ivy League (Stanford, Harvard…) leva-te a Bruxelas, ao FMI e à NATO…. É selo de marca. A London Business qualquer coisa, dá-te o Ministério das Finanças ou o Banco de Portugal!

Quanto custará ainda a entender que vivemos numa espécie de “a liberdade de uns é a prisão de outros”. Esta “democracia” que finta a vontade popular, imune as escolhas eleitorais ou mesmo revolucionárias, porque tem natureza transnacional, chama-se “Ordem baseada em regras”. Trata-se de uma “ordem” que nos aprisiona, com “regras” que nos negam a soberania!

E vem gente dizer que “a U E vive de concessões de espaços de soberania” em prol de “um bem comum”! É “comum”, mas não é de todos. Pagamos todos esse “bem comum”, mas ele só é “bem comum” para alguns. Para outros é bullying e prisão!

O próprio povo americano é prisioneiro deste extremismo reaccionário e belicista. É o primeiro a sofrer o bullying e a ser seu prisioneiro!

Haja força para a libertação!


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