A economia portuguesa – a causa das coisas, debate e soluções

(Paulo Marques, 13/03/2019)

(N.E. – Este artigo surge em resposta a um artigo de Vítor Lima aqui publicado (ver aqui). 


 

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Portugal tem, ou não tem, produtos que os consumidores estrangeiros querem consumir? Tem ou não tem recursos para o fazer? O que há de comum nas intervenções do FMI (incluindo a última) é a emissão de dívida e a dependência de moeda estrangeira (muito mais forte) que não se controla, assim não há país que resista.

Nem está em causa o “fechamento ao exterior”, seja lá o que isso for, certamente não seria o dia zero – as regras da WTO mantêm-se. Há que recordar o que já deixei aqui sobre a Ásia (agora parcialmente):

«The popular impression of Korea as a free-trade economy was created by its export success. But export success does not require free trade, as Japan and China have also shown. […], tariff protection and subsidies were not there to shield industries from international competition forever, but to give them the time to absorb new technologies and establish new organizational capabilities until they could compete in the world market.»

De resto, se a Commonwealth sobreviveu ao fim do comércio com o Reino Unido de um dia para o outro, nada impede que um governo preparado (tudo o que May não faz) seja bem sucedido, já que mesmo assim o pior impacto do Brexit apresentado pelo Remain… é muito abaixo dos 10 anos de austeridade. Os exportadores teriam que ser obrigados a pagar impostos como os restantes, acabando-se o casino especulativo da banca financeira e da fuga de capitais.

Quanto à economia, quem a financia é o estado, e não ao contrário. O estado cria dinheiro financiando a satisfação das suas necessidades e dá-lhes valor impondo obrigações fiscais. Com a visão neoliberal, nunca há dinheiro para nada a não ser subsídios ao capital, fazendo explodir as dívidas públicas e privadas. A catástrofe inflacionista é que nunca ninguém a vê, apesar de anunciada durante décadas – nem o zero visto no QE ensinou nada a ninguém.

Isso de o BCE apoiar o país, só se for para rir, já que nem metade daquilo para que está mandatado tenta cumprir (o pleno emprego), e o resto só quando não lhe desagrada o discurso.

Sai o Coelho, mas a TINA continua. Nem o PC, Amaral ou Louçã ouviram falar em MMT, já Mamede vai lá chegando, e ainda é novo. Haja esperança. Há, evidentemente, limites à capacidade dos Estados, mas não são, nem há dados que o sustentem, de criar moeda própria. É sim de recursos, e não é verdade que a desvalorização seja um poço sem fundo – continuamos a ter uma economia moderna com muito para vender e para comprar os recursos que não temos (petróleo).

Ainda agora vi o Sr. Marcelo a falar na roupa, nos sapatos, na cortiça, no vinho,… para pedir mais desvio de recursos do Estado (segundo as regras institucionais, das pessoas) para o capital – para isso há sempre dinheiro, como já disse.

Não é uma questão de deixarmos de ser pobres (mas ainda assim entre os mais ricos do mundo), é uma questão de saber se a possibilidade de uma classe média (cada vez com menos posses e mais dívidas) adquirir a última tecnologia vale o preço da nossa taxa de desemprego (“estrutural”, lol) e emprego precário (e cada vez mais à jorna), bem como tudo o que daí advém (incluindo a falta de habitações bem como a privatização da saúde e da segurança social).

Aliás, nem é essa a questão. Como se vê por todo o lado, o neoliberalismo tem os dias contados pela extrema-direita mercantilista, já que a esquerda nem vai a jogo – sim, o Ventura é uma anedota… hoje. Amanhã teremos a nossa Le Pen, depois de os outros países lá chegarem primeiro, como de costume.

(Já agora, há muitos produtos que têm custos diferentes consoante as capacidades dos compradores do país… o que não é possível em Portugal, pelo que pagamos muito acima de países com ordenados semelhantes – viva o mercado único).

«A União dos povos europeus é uma ideia de superação das pátrias, dos nacionalismos, do capitalismo, dos tentaculares e opressivos aparelhos de estado».

Isso é muito bonito, mas é impossível em termos de igualdade com os mesmos acordos para todos. Não existe, nem existirá tão cedo, um povo europeu que considere o seu vizinho como igual. A tentativa à força gera coisas como os PIGS e os preguiçosos do sul; isto quando não é mesmo para perseguir e matar. Terá que se destruir o que há para refazer grupos separados e cooperantes em diferentes matérias.

«… perante a AT e o aparelho de estado, soberanamente utilizado pela classe política, ninguém escapa à sua supervisão, eunucos políticos ou não.»

E ainda bem. Segundo a ortodoxia, é assim que se financia o estado (e, como se sabe, não há dinheiro), há é que controlar aquilo que a Holanda, Alemanha e Finlândia não querem que se controle. Se prefere que se continue a comprar políticos, governadores do banco central, jornalistas, reguladores e por aí adiante à porta fechada, olhe, eu não.

«Sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança.»

Um sonho de grilhões cada vez mais apertados não é um sonho.

Sobre a moeda

(Por Vítor Lima, 13/03/2019)

(N.E. – Este artigo surge em resposta a alguns comentários aqui produzidos acerca de outro texto do autor (ver aqui). 

Há países com moeda forte, que tem procura no exterior e países com moeda que só tem procura no seu espaço nacional. Suponhamos um Portugal com moeda própria.

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1 – Ou tem uma economia forte, com boa produção de bens ou serviços sofisticados e geradores de rendimentos elevados e a sua moeda é aceite no exterior (caso Suiça) ou não tem essa aceitação mesmo que tenha uma economia sofisticada (Suécia, Dinamarca).

2 – Ou tem uma economia fraca, produtora de bens e serviços não sofisticados cuja venda ao exterior tenderá a servir para comprar bens sofisticados (equipamentos ou de consumo, como por exemplo a enorme importação de automóveis).

No tempo do fascismo, a moeda tinha uma cotação relativamente estável porque a procura de bens importados era escassa ou, mais tarde porque as remessas dos emigrantes pagavam as melhorias no consumo das pessoas
As intervenções externas em 1977, 1983/85 foram acompanhadas de desvalorizações e inflação que chegou aos 28% em 1984 (de memória) e, a falta de remessas ao nível anterior foi compensada pelos fundos comunitários, daí para a frente.

Percebeu-se que a fragilidade económica e financeira portuguesa não permitiria uma réplica da Suíça e daí a integração na UE e no euro. Na altura, somente o CDS, numa fase inicial e o PC até hoje estiveram contra; no último caso com essa coisa duradoura e que só em Portugal não soa a ridícula como a “política patriótica de esquerda”, cuja escalpelização será um tema bem divertido para outra ocasião.

Portugal é um país com uma enorme abertura ao exterior – no caso do povo, bastante antiga – um bom deficit comercial, um baixo nível no perfil educativo, empresários de treta, altos níveis de fuga de capitais e um aproveitamento desconexo da mão de obra barata por parte de capitais estrangeiros.

Num contexto de moeda própria, a procura desta no exterior seria nula e a procura interna de moeda forte elevada; daí valorizando-se estas e desvalorizando-se a primeira.

Os exportadores portugueses o que fariam? Cobrando fora em moeda forte viriam a correr para a trocar pela moeda nacional ? Não iriam deixar fora o possível de moeda forte integrando no espaço português o estrito necessário para continuar o negócio? Inversamente, os importadores inflacionariam o valor a pagar aos seus fornecedores para desviarem moeda forte (saída do país). No turismo, tradicional área de economias paralelas, a subtração de registos de faturação seria ampliada, contribuindo para um florescente mercado paralelo em Portugal; entretanto desligado do Eurostat, do BCE, em pista própria.

Saindo da UE, Portugal ficaria de fora da actual liberdade de circulação de bens e capitais, (sem falar dos emigrantes), o que dificultaria as exportações; sem reduzir as importações a não ser que se enveredasse por um regime autárcico e repressivo.

Seria gerado em Portugal um conjunto de transações em moeda nacional e um outro em moedas fortes; ficando discriminadas as pessoas sem acesso a moeda forte; nomeadamente a maioria dos assalariados – funcionários, professores, operários… todos quantos não tivessem um contacto direto com transações com o exterior.

Por outro lado, onde e quem iria financiar a economia portuguesa? Os valentes empresários e os gatunos oriundos da classe política repatriariam os fundos que têm nos offshores? Duvido.

Sem o amparo de um BCE onde chegariam as taxas de juro para financiamentos correntes e a reciclagem da dívida pública e privada?

Os desequilíbrios reais nas entradas e saídas de dinheiro teriam impactos na inflação, como forma de “equilibrar” os fluxos; e a inflação atingiria negativamente todos quantos vivem do trabalho ou não podem repercutir as subidas da inflação.

Sobre o euro há duas posições de colegas bem conceituados que são interessantes:

O Ferreira do Amaral, que designo por nacionalista romântico, falou pouco da inflação nos seus livros. Quando o questionei pessoalmente sobre isso, rematou, sintomaticamente com um “pois isso seria um problema”.
Quanto ao Louçã vai apresentando posições de acordo com a conjuntura política. No início da crise da troika, defendia a manutenção na UE e no euro, discordando por exemplo do Pais Mamede. Mais tarde publicou dois livros com o Ferreira do Amaral na defesa de um Portugalexit. Mais recentemente afirmou que o fim do euro seria um desastre para Portugal; percebe-se, como conselheiro de estado terá de ter uma postura “responsável”.
O PC, nesta questão tem sido mais coerente, tendo-se colado a Ferreira do Amaral, há poucos anos para defender a sua dama.

Para finalizar este ponto. Se a moeda própria fosse uma solução para a saída do empobrecimento, do caráter periférico e até dos capitalismos regionalizados, há muito Trás-os-Montes teriam declarado a independência.

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Sobre a União dos povos europeus

Distingo totalmente a UE dessa União. O estado-nação tem sido um verdadeiro calvário para a existência dos povos e para o caudal de guerras desde a sua real formação no século XVII, na sequência da herança dos territórios das diversas casas dinásticas. Não nos devemos enrolar na lixeira da conjuntura e das corruptas classes políticas.

A União dos povos europeus é uma ideia de superação das pátrias, dos nacionalismos, do capitalismo, dos tentaculares e opressivos aparelhos de estado, provavelmente mais viável na Europa, do que em outros continentes, tendo em conta o entrosamento entretanto gerado entre os povos – migrações, Erasmus, internet, turismo. É um projeto de constituição de solidariedade entre os povos, sem prejuízo das suas culturas próprias.

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Sobre a comparação entre a Pide e a AT

Não percebo o comentário mas renovo a ideia de que o controlo das pessoas em Portugal por parte da tentacular e invasiva AT vai muito mais longe do que o da Pide do qual, por várias razões, a maioria das pessoas não sentiam na pele a atuação. Bastava-lhes serem eunucos políticos para que a Pide os não chateasse; perante a AT e o aparelho de estado, soberanamente utilizado pela classe política, ninguém escapa à sua supervisão, eunucos políticos ou não.

Para finalizar , Gedeão:

Sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança.


O BCE, a inflação e o diabo nos detalhes

(Alexandre Abreu, in Expresso Diário, 12/07/2018)

abreu

(Excelente análise do papel do BCE na gestão macroeconómica da zona Euro, e dos seus limites, impostos pelos Tratados.

Com o prejuízo que tais limites causam aos países mais frágeis, como Portugal, fica a pergunta se os nossos dirigentes políticos que os assinaram o fizeram por ignorância total de conhecimentos básicos de macroeconomia ou porque Portugal, à época, já não era um país soberano e, qual analfabeto, só lhe restava assinar de cruz por não saber ler.

Comentário da Estátua, 12/11/2018)


O mandato do Banco Central Europeu, estabelecido no Artigo 127 do Tratado de Lisboa, consiste prioritariamente na manutenção da estabilidade de preços e, apenas secundariamente, na prossecução de um conjunto de outros objectivos em que se inclui o pleno emprego. Isto é em si mesmo ilustrativo do viés restritivo e conservador do Tratado de Lisboa, que atribui primazia à preservação do valor do dinheiro relativamente à promoção do emprego. Contrasta, aliás, com o chamado mandato ‘dual’ da Reserva Federal norte-americana, que atribui igual importância aos objectivos de promoção do emprego e controlo da inflação.

Este mandato do BCE tem como consequência que a adopção de medidas de estímulo macroeconómico por via monetária, incluindo através da compra de activos não-convencionais, o chamado Quantitative Easing, tem como limite o aparecimento de uma dinâmica inflacionária. A partir do momento em que esta surge, o BCE vê-se obrigado a carregar no travão, ou pelo menos a deixar de acelerar – independentemente dos níveis de desemprego e de crescimento económico ou, no caso do QE, da dependência da sustentabilidade da dívida soberana dos diferentes países relativamente à sua aquisição pelo banco central.

Tudo isto faz com que a definição de estabilidade de preços assuma grande importância. No caso do BCE, esta foi definida em 1998 pelo Conselho de Governadores como ‘um aumento homólogo do Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) para a zona euro abaixo de 2%’. Ou seja, o BCE guia-se pela chamada inflação global (‘headline inflation’) que, em Junho de 2018, atingiu precisamente o valor de 1,97% após um longo período bastante abaixo de 2%.

Sucede, porém, que, na zona euro, a chamada inflação ‘de base’ (ou ‘core inflation’, que retira à inflação global o efeito da variação dos preços da energia e dos alimentos, mais voláteis e sujeitos a choques independentes da dinâmica da economia) mantém-se em 0,96%, uma vez que a maior parte do aumento do IHPC no último ano é explicado pelo aumento homólogo de 8% do preço dos produtos energéticos, nomeadamente o aumento do preço do petróleo. Desde Janeiro deste ano, a inflação global subiu de 1,36% para 1,97%, mas a inflação de base até desceu, de 1,00% para 0,96%.

O BCE está assim prestes a embater no limite por si próprio imposto para a adopção de uma política monetária expansiva, o que não deixará de afectar a recompra dos activos abrangidos pelo QE à medida que estes forem vencendo. Seguramente, o argumento do IHPC nos 2% não deixará de ser mobilizado pelos ‘falcões’ dentro do BCE e na Alemanha para exigir uma orientação de política monetária mais restritiva e deflacionária.

Só que esta inflação de 2% não se deve à política monetária ter chegado a um ponto em que é completamente ineficaz e apenas gera aumento de preços; pelo contrário, o aumento de preços é fundamentalmente de origem externa e devido à evolução dos preços da energia.

Devido às minudências do mandato do BCE, o aumento do preço do petróleo acaba assim por desferir um duplo golpe: afecta directamente o poder de compra dos consumidores e a estrutura de custos das empresas, e indirectamente a actividade económica por via das restrições que impõe à política monetária. No caso de estados altamente endividados como o português, o golpe é triplo, pois por esta mesma via da inflação induzida e do mandato do BCE constrange ainda a aquisição por este último dos títulos de dívida pública no mercado secundário, pressionando em alta os juros no mercado primário.

Como dizem os ingleses, o diabo está nos detalhes.