Confusão é o nome do jogo da NATO nos dias de hoje, com a Aliança ainda a recuperar do desastre afegão do ano passado e incapaz de disfarçar adequadamente a impotência mostrada diante da operação militar da Rússia em andamento na Ucrânia. O bloco é apenas uma sombra da sua antiga identidade, uma coleção patética de organizações militares subfinanciadas, mais adequadas para os desfiles do que para o campo de batalha. Nenhuma organização militar representa mais este colossal colapso em credibilidade e capacidade do que o Exército Britânico.
Não vou repetir o texto de sexta-feira sobre aquelas que me parecem ser as razões profundas para a derrota trabalhista. Haverá, como há sempre, muitos fatores que a expliquem. Mas parece-me que qualquer análise séria terá de sobrepor os resultados destas eleições aos votos no referendo do Brexit e concluir que este era o tema que estava na cabeça dos eleitores. E é extraordinário que, com a fuga de eleitores dos trabalhistas para os conservadores e o resultado medíocre dos Liberais Democratas, ainda haja remainers trabalhistas a cobrar a Corbyn um discurso ainda mais vincado na defesa de um referendo que os britânicos claramente não desejavam.
Outros preferem concentrar-se no programa, fazendo por esquecer que, com propostas igualmente “radicais”, Jeremy Corbyn conseguiu 40% há dois anos. Outros elegem traços de personalidade do líder, que não mudaram desde 2017, como o grande problema. Diferente era o contexto desta campanha, onde o Brexit era central e o candidato a primeiro-ministro andou a defender sem qualquer convicção a repetição de um referendo. Quem defende uma proposta derrotada em que ainda por cima não acredita dificilmente é mobilizador. E quando não se é mobilizador, o resto vem por arrasto. Por fim, há o antissemitismo de alguns trabalhistas que Corbyn não terá atacado prontamente. Podia e devia tê-lo feito há uns meses, sem deixar que a coisa se arrastasse para a campanha. Mas não deixa de ser revelador que o primeiro-ministro eleito tenha feito da xenofobia uma imagem de marca (sua, não de outros que ele estivesse obrigado a desautorizar) e seja a Corbyn que muitos trabalhistas passaram os últimos meses a pedir explicações.
Enquanto a guerra civil se instala no Labour, gostava de ver a coisa mais de longe. Recordar que, não há muito tempo, os trabalhistas eram incapazes de balbuciar qualquer coisa que lhes parecesse vagamente socialista. O discurso de Corbyn e Sanders ganhou espaço de disputa onde ainda há pouco tempo não tinha lugar para ser sequer notado
Este debate corre quente dentro do Labour e não se deve esperar qualquer sinceridade na análise dos resultados. Os que achavam que a repetição do referendo deveria ser o alfa e o ómega do discurso trabalhista continuarão a atribuir à falta dessa clareza a derrota, mesmo que isso desafie todos os factos. Os que querem ver o New Labour de Tony Blair (que Thatcher disse um dia ser a sua principal vitória) continuarão a dizer que o problema foi o radicalismo, fingindo que essa mesma agenda não teve 40% há dois anos. Os que só querem mudar líder ficar-se-ão por leituras simplistas sobre o carisma do candidato. E os apoiantes de Corbyn tentarão culpar os opositores internos, ignorando que também foi na base jovem mais empenhada de apoio à ala esquerda do partido que nasceu essa ideia absurda de repetir um referendo porque não se gostou do resultado. E que da mesma forma que Corbyn tinha de ser rápido perante o mínimo sinal de discurso antissemita, matando o assunto à nascença, deveria ter sido claro na afirmação democrática de que o voto dos britânicos tinha decidido a saída da UE. Sem passar três anos neste jogo do empata que só deu força a Boris Johnson.
Mas enquanto a guerra civil se instala no Labour, gostava de ver a coisa mais de longe. Recordar que, não há muito tempo, os trabalhistas eram incapazes de balbuciar qualquer coisa que lhes parecesse vagamente socialista. Isto apesar da sua história. Que Blair se limitou a ser a consequência lógica dos conservadores e que, com Schroeder, foi um dos obreiros da traição política da Terceira Via, aliada intencional da desregulação do capitalismo e da destruição do Estado Social. Hoje, poucos são os trabalhistas que se atrevem a atacar a viragem à esquerda do partido, mesmo que defendam que ela tenha sido excessiva. Até Boris Johnson foi obrigado a fazer promessas que não pretende cumprir em defesa do Serviço Nacional de Saúde.
Seja por culpa própria ou da estratégia que aceitou para o Brexit , o que valorizo em Jeremy Corbyn é o que valorizo em Bernie Sanders, também ele derrotado há quase quatro anos e provavelmente a caminho de nova derrota, até porque a sua idade e saúde não ajudam. Um e outro deslocaram o discurso das forças hegemónicas à esquerda para uma clareza impensável há poucos anos. Não é certo que esse caminho se salve depois das suas derrotas, sobretudo quando são expressivas. Mas é certo que esse discurso ganhou espaço de disputa onde ainda há pouco tempo não tinha lugar para ser sequer notado. E é este caminho que pode devolver à esquerda a radicalidade de propor horizontes mobilizadores, disputando à direita xenófoba a representação do crescente descontentamento em sociedades onde se aprofunda a desigualdade e a frustração. Já esteve mais longe do que hoje. Não se conquistam vitórias sem muitas derrotas.
Os ingleses tiveram de escolher nas últimas eleições, entre um idiota e um incapaz. O Boris Trump pretende recuar à orgulhosa Inglaterra, ainda que sem império mas com muitos offshores para animar a Bolsa. O Corbyn vincou as questões sociais mas mostrou-se neutro em algo mais abrangente como a integração europeia; sem querer ver que as duas coisas estariam absolutamente ligadas, um erro crasso que o vai remeter para a aposentação.
Um terço dos votantes trabalhistas vieram de regiões empobrecidas e apoiaram o Brexit como se o encerramento autárcico seja solução para alguma coisa. E Boris, com a sua maioria de avatares nacionalistas, quiçá lepenistas, tratará de liquidar o sistema de saúde, privatizando-o; e, certamente, de modo mais radical do que vem acontecendo em Portugal, com as célebres PPP, levadas a cabo pelo PS/PSD, com capitalistas a viver do dinheiro dos impostos.
Em termos gerais, calcula-se que a quebra do PIB da GB, para os próximos dez anos, será de 4 a 10% consoante o resultado dos acordos com a UE, nos capítulos do comércio e dos emigrantes.
Uma grande parte do enorme problema que Boris vai ter de resolver é admitir que a Escócia e a Irlanda do Norte (e até Gales, onde o separatismo cresce a olhos vistos) se separem da Inglaterra, transformando esta numa Grande Londres e arredores, centrada na bolsa, na rede de offshores e reportando a Trump.
O que se passa no mundo, muito para além do Brexit, da atrofia da GB, da estagnação da economia e a incapacidade política das classes políticas é a crise do capitalismo.
Acima o novo mapa dos EUA com o seu novo estado federado.