Corbyn e Sanders eram sequer imagináveis há uns anos?

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 16/12/2019)

Daniel Oliveira

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Não vou repetir o texto de sexta-feira sobre aquelas que me parecem ser as razões profundas para a derrota trabalhista. Haverá, como há sempre, muitos fatores que a expliquem. Mas parece-me que qualquer análise séria terá de sobrepor os resultados destas eleições aos votos no referendo do Brexit e concluir que este era o tema que estava na cabeça dos eleitores. E é extraordinário que, com a fuga de eleitores dos trabalhistas para os conservadores e o resultado medíocre dos Liberais Democratas, ainda haja remainers trabalhistas a cobrar a Corbyn um discurso ainda mais vincado na defesa de um referendo que os britânicos claramente não desejavam.

Outros preferem concentrar-se no programa, fazendo por esquecer que, com propostas igualmente “radicais”, Jeremy Corbyn conseguiu 40% há dois anos. Outros elegem traços de personalidade do líder, que não mudaram desde 2017, como o grande problema. Diferente era o contexto desta campanha, onde o Brexit era central e o candidato a primeiro-ministro andou a defender sem qualquer convicção a repetição de um referendo. Quem defende uma proposta derrotada em que ainda por cima não acredita dificilmente é mobilizador. E quando não se é mobilizador, o resto vem por arrasto. Por fim, há o antissemitismo de alguns trabalhistas que Corbyn não terá atacado prontamente. Podia e devia tê-lo feito há uns meses, sem deixar que a coisa se arrastasse para a campanha. Mas não deixa de ser revelador que o primeiro-ministro eleito tenha feito da xenofobia uma imagem de marca (sua, não de outros que ele estivesse obrigado a desautorizar) e seja a Corbyn que muitos trabalhistas passaram os últimos meses a pedir explicações.

Enquanto a guerra civil se instala no Labour, gostava de ver a coisa mais de longe. Recordar que, não há muito tempo, os trabalhistas eram incapazes de balbuciar qualquer coisa que lhes parecesse vagamente socialista. O discurso de Corbyn e Sanders ganhou espaço de disputa onde ainda há pouco tempo não tinha lugar para ser sequer notado

Este debate corre quente dentro do Labour e não se deve esperar qualquer sinceridade na análise dos resultados. Os que achavam que a repetição do referendo deveria ser o alfa e o ómega do discurso trabalhista continuarão a atribuir à falta dessa clareza a derrota, mesmo que isso desafie todos os factos. Os que querem ver o New Labour de Tony Blair (que Thatcher disse um dia ser a sua principal vitória) continuarão a dizer que o problema foi o radicalismo, fingindo que essa mesma agenda não teve 40% há dois anos. Os que só querem mudar líder ficar-se-ão por leituras simplistas sobre o carisma do candidato. E os apoiantes de Corbyn tentarão culpar os opositores internos, ignorando que também foi na base jovem mais empenhada de apoio à ala esquerda do partido que nasceu essa ideia absurda de repetir um referendo porque não se gostou do resultado. E que da mesma forma que Corbyn tinha de ser rápido perante o mínimo sinal de discurso antissemita, matando o assunto à nascença, deveria ter sido claro na afirmação democrática de que o voto dos britânicos tinha decidido a saída da UE. Sem passar três anos neste jogo do empata que só deu força a Boris Johnson.

Mas enquanto a guerra civil se instala no Labour, gostava de ver a coisa mais de longe. Recordar que, não há muito tempo, os trabalhistas eram incapazes de balbuciar qualquer coisa que lhes parecesse vagamente socialista. Isto apesar da sua história. Que Blair se limitou a ser a consequência lógica dos conservadores e que, com Schroeder, foi um dos obreiros da traição política da Terceira Via, aliada intencional da desregulação do capitalismo e da destruição do Estado Social. Hoje, poucos são os trabalhistas que se atrevem a atacar a viragem à esquerda do partido, mesmo que defendam que ela tenha sido excessiva. Até Boris Johnson foi obrigado a fazer promessas que não pretende cumprir em defesa do Serviço Nacional de Saúde.

Seja por culpa própria ou da estratégia que aceitou para o Brexit , o que valorizo em Jeremy Corbyn é o que valorizo em Bernie Sanders, também ele derrotado há quase quatro anos e provavelmente a caminho de nova derrota, até porque a sua idade e saúde não ajudam. Um e outro deslocaram o discurso das forças hegemónicas à esquerda para uma clareza impensável há poucos anos. Não é certo que esse caminho se salve depois das suas derrotas, sobretudo quando são expressivas. Mas é certo que esse discurso ganhou espaço de disputa onde ainda há pouco tempo não tinha lugar para ser sequer notado. E é este caminho que pode devolver à esquerda a radicalidade de propor horizontes mobilizadores, disputando à direita xenófoba a representação do crescente descontentamento em sociedades onde se aprofunda a desigualdade e a frustração. Já esteve mais longe do que hoje. Não se conquistam vitórias sem muitas derrotas.

Teoria da democracia limitada

(José Pacheco Pereira, in Jornal Público, 14/11/2015)

Pacheco Pereira

             Pacheco Pereira

1. Em 1968, a URSS e um grupo de países do Pacto de Varsóvia invadiram a Checoslováquia em nome da teoria da soberania limitada. Frente aos interesses prioritários do “campo socialista”, a independência da Checoslováquia era secundária. Hoje, a teoria da soberania limitada é a essência daquilo que se chama a “Europa”, ou as “regras europeias”, que nada tem que ver com a intenção original dos fundadores da União Europeia. Não se faz com as lagartas dos tanques, mas com a torneira do dinheiro.

2. Todos os fundamentos do processo de integração europeia estão de há muito abandonados, e o que existe é uma coisa muito diferente e contrária ao projecto inicial dos fundadores que veio com as tropas americanas para a parte da Europa que ficou fora da ocupação soviética e que foi consolidado com o gigantesco esforço de solidariedade do Plano Marshall. A Guerra Fria ajudou a consolidar a vontade de construção de uma outra Europa, de democracia, paz e cooperação, mas estes fundamentos não existem na “Europa” que hoje se invoca para pôr na ordem os países mal comportados. E esses princípios originais eram claros: a “comunidade” era em primeiro lugar uma construção política para acabar a guerra na Europa; todos os membros da “união” eram iguais em poderes e direitos, mesmo que cada um soubesse que era desigual; nunca se dava um passo sem que isso correspondesse à vontade colectiva de povos e governos; esses passos eram “pequenos” e prudentes, porque havia a consciência de que na Europa as nações têm muita história e interesses diversos, e, também por isso, deixavam-se de fora políticas de defesa e segurança (que ficavam para a NATO), e negócios estrangeiros que deviam ser minimalistas. A “alma” da “comunidade” era a Comissão e não o Parlamento, e muito menos o Conselho.

3. O outro aspecto essencial era o de que a política da “comunidade” era solidária, como tinham sido os americanos com o Plano Marshall e, com Delors, instituía-se a ideia da “coesão social”, ou seja, uma deslocação de recursos dos países mais ricos para os menos desenvolvidos. Sendo assim, com os “pequenos passos” de Jean Monnet, a “comunidade” deu grandes passos.

4. O que aconteceu depois foi que tudo isto foi mudado: o experimentalismo político vanguardista substituiu os “pequenos passos”; à medida que as coisas falhavam em baixo, acelerava-se em cima; o medo ao voto foi crescendo à medida que “projectos europeístas”, como a Constituição Europeia, caíram aos pés do “canalizador polaco”; o receio de que os países do centro e do Leste na Europa pusessem em causa o poder do “motor franco-alemão” (e que os agricultores polacos quisessem receber o mesmo que os agricultores franceses…) foi criando uma hierarquia, depois um directório e depois um poder solitário da Alemanha; o crescimento do poder da burocracia de Bruxelas, que acha que sabe melhor como governar os países do que os parlamentos e governos; as divisões sobre o Iraque; o cepticismo inglês que cresceu com a ideia de que “um buldogue inglês é melhor do que uma couve-de-bruxelas”; e uma patética e perigosa política externa que destruiu a Líbia ajudou ao incêndio sírio e gerou a guerra civil da Ucrânia. Chega?

5. Não chega. Há mais e, agora, cada vez mais é no cerne da soberania e da democracia que a “Europa” suga como um vácuo. Deu-se então a tempestade perfeita, a crise bancária de 2008, chocando com uma Europa dominada pelos partidos conservadores do PPE, a começar por esse tandem altamente capaz Merkel-Schäuble, acolitado pelos anões em que se tornaram os partidos socialistas europeus. A resposta à crise financeira foi transformá-la artificialmente numa crise de outra natureza, a das dívidas soberanas, e tornar essa crise num poder sólido dos alemães que se exerceu sempre como poder político. Tudo começou com a punição à Grécia, que o PPE, aliás, governava com a Nova Democracia e o Pasok, e depois Sócrates, mais a “coligação negativa” que o derrubou, entregou-lhe, com regozijo do PSD e do CDS, Portugal numa bandeja.

6. Depois é que se sabe: da troika ao Governo dos não “piegas”, a utilização de uma ideologia da austeridade e do “não há alternativa” para proceder a uma engenharia social que destruiu uma parte da classe média, desequilibrou as relações laborais, transformou o desemprego num meio de baixar salários e acelerar a precariedade, tornou os velhos um fardo e violou todos os contratos com os mais fracos para manter aqueles que eram sacrossantos com os mais fortes. Portugal retrocedeu dezenas de anos, sem que haja uma única mudança estrutural que possa ser creditada a esta governação. E, pior que tudo, disseminou com sucesso, mas como um veneno, uma concepção egoísta entre os portugueses, que passaram a olhar para o vizinho do lado com ressentimento e inveja, ou porque tinha emprego, ou porque tinha direitos e força para os manter, ou porque tem uma pensão “milionária” de mil euros, em vez de olharem para cima. Pergunta-se “quem paga” a quem é aumentado 1,80 euros na sua reforma de 600 euros, e não a quem meteu milhares de milhões para salvar um banco ou para comprar um parecer a um escritório de advogados, ou a uma consultora financeira, depois de ter atirado para fora da função pública os funcionários competentes que o podiam fazer. Quem paga? Nós. Mas a pergunta certa devia ser: quem é que não paga e devia pagar?

7. Daqui resulta que, na Europa de hoje, apenas no espaço da soberania é que ainda há uma possibilidade de democracia. Quanto mais soberania, mais democracia. Daí a pressão contínua, nunca sufragada pelos povos, para tornar a “Europa” e “Bruxelas” numa sede de poder que obedece à sua burocracia e aos partidos do PPE, para retirar aos parlamentos nacionais e aos governos qualquer poder de decidir sobre o destino dos povos e das nações. O meu voto vale quase nada e, quando o uso para valer alguma coisa, há que pedir novas eleições. Tantas quantas forem precisas para haver um resultado “europeu”, amigo dos negócios, amigo do “não há alternativa”, amigo de colocar na ordem sindicatos e partidos desalinhados.

8. É essa possibilidade que hoje está a ser atacada com aquilo a que chamo “a teoria da democracia limitada”, forma de interiorizar e materializar a soberania limitada. Com mais ou menos sofisticação, significa que votem os povos como quiserem, quem manda são os mercados. Na verdade, a frase mais correcta é “mandam os partidos dos mercados”. E os “partidos dos mercados” são a expressão orgânica dos grandes interesses financeiros – o eufemismo é “os nossos credores” –e representam a desaparição do primado do poder político sobre o poder económico, ou seja, da autonomia do poder político assente no voto numa democracia.

9. Portugal está nessa encruzilhada. O governo do PSD-CDS é o que a “Europa” do PPE quer e precisa para não haver contágio em Espanha. O governo do centro-esquerda do PS, com apoio do PCP e do BE, não só não pode ter sucesso, como nem sequer pode existir como possibilidade, para o caso miraculoso de mostrar que “há alternativa”. Não é um jogo a feijões – é um jogo, se se pode chamar assim, em que estão todos os grandes interesses europeus e nacionais que agitam fantasmas, que vão da CGTP ao PREC, para gerar o medo e impor o monopólio político da direita.

É verdade que o mecanismo ideal da teoria da democracia limitada é ver os partidos socialistas a fazerem a política da direita e com a direita. Mas isso parece falhar em Portugal, como já falhou no Partido Trabalhista inglês. Não é porque Costa seja um Corbyn – não é certamente –, mas porque a recusa visceral de que “os mesmos” continuem a governar, traduzida em 62% dos votos, mudou as regras do jogo e levou o PCP a abrir uma porta que nunca tinha sido aberta e pela qual entraram o PS e o BE.

10. Não sei se vão falhar, tudo aponta para que as dificuldades sejam imensas. Mas há quem deseje ardentemente que falhem, mesmo que isso signifique dar cabo da economia que resta, criar um sério conflito institucional entre um governo em gestão a testar sempre os seus limites (como fez com a TAP), um Presidente que será pressionado para meter na gaveta tudo o que uma Assembleia hostil decidir e uma Assembleia a ter de “governar”, sem ter o governo que apoia em funções. Isto, sim, é o PREC. Aliás, nada é mais parecido com a linguagem e as atitudes do PREC do que o que diz e o que faz a direita radicalizada que hoje temos. Obra da “Europa” da soberania limitada, a querer impor à força uma democracia limitada. E não é com “eles” – é connosco.

O anátema sobre os não-TINA

(José Pacheco Pereira, in Revista Sábado, 25/05/2015)

Pacheco Pereira

            Pacheco Pereira

Embora eu já não me espante com quase nada – uma excepcional experiência que Portugal dos nossos dias dá a todos –, fiquei um pouco perplexo quando, por duas vezes, António Costa, nos debates, não conseguiu dizer que era… socialista. Não é dizer que era do PS, mas dizer que era… socialista. Uma foi quando, confrontado com a semelhança de algumas das suas propostas políticas com as de Sócrates (e não me refiro às que são mais controversas), não dizer que isso era normal, visto que ambos eram socialistas e isso implicava uma certa maneira de ver a sociedade e a política e as suas prioridades. Por exemplo, serem keynesianos, ou qualquer variante dessas posições. A outra foi dizer que era “social-democrata”, a única autoclassificação ideológica que fez de si próprio, em vez de dizer que era… socialista. Em bom rigor o mesmo se passa com a maioria dos membros do PS, que parecem ter medo de dizer que são… socialistas. Ou que o seu socialismo não é… socialista.

É proibido ser socialista?
A mim, que não sou socialista, preocupa-me esta caução que, pelo silêncio e incómodo, os socialistas dão ao pensamento dominante, a célebre “não há alternativa”, a TINA da senhora Thatcher, “there is no alternative”, porque esta maneira de pensar e falar com medo é a mais forte legitimação que se dá a essa mesma TINA. Hoje, há ideias de primeira e de segunda, partidos de primeira e de segunda, há os bons, de rating A, que são os da TINA com mais ou menos nuances, os de rating B, que são os sociais-democratas e os socialistas que não dizem que são socialistas (e quase nunca o dizem) sem precisar logo que são moderados, pacíficos, que aceitam as “regras”, e os de rating “lixo”, que estão fora do “arco da governação”, como o BE e o PCP e um número substancial de partidos europeus, uns mais radicais do que outros, alguns aliás bem pouco radicais, apenas críticos da Europa da TINA. Já para não falar desse perigoso radical que é o Presidente Obama.

Porque é que os defensores da TINA precisam dos partidos socialistas

O que aconteceu com os partidos socialistas nos últimos anos, subservientes ao Tratado orçamental, à política de “austeridade” e à salvação do sistema financeiro a todo o custo, é vital para reforçar a TINA. Deu aos seus partidários uma enorme força e legitimidade, visto que até os socialistas se convertiam ao “não há alternativa”.

É por isso que o caso grego, com todas as suas peripécias, fez soar todos os alarmes e suscitar uma punição exemplar, mesmo que não conseguissem, como não conseguiram, lá pôr a Nova Democracia. E a eleição de Jeremy Corbyn para o Partido Trabalhista é também preocupante. Leia-se a sucessão de artigos que aparecem na imprensa e na Rede, que mostra como não se pode ser… socialista sem se ser um monstro de sete cabeças.

Corbyn e o trabalhismo
O Labour Party, o Partido Trabalhista inglês, é um dos grandes partidos socialistas europeus. Mesmo nos seus momentos mais complicados, mesmo nas suas grandes derrotas eleitorais, ele representa um dos partidos históricos da esquerda europeia, ou melhor ainda, uma das tradições da esquerda europeia que mais moldou a história do seu país, dotada de uma base social, de uma autonomia política, de uma identidade, que deixa na sombra muito do socialismo europeu. Não é comparável a quase nada, nem ao PSOE espanhol, nem ao SPD alemão, nem aos partidos sociais-democratas nórdicos, e muito menos ao PS francês. Enquanto em vários países como a França e a Itália, os partidos comunistas tinham importantes posições sociais e políticas, o Partido Trabalhista inglês foi daqueles que melhor resistiu aos cantos de sereia do comunismo, num país em que o Partido Comunista sempre foi muito pequeno. Pelo contrário, foi um terreno fértil para várias correntes de extrema-esquerda, que tocavam a base social e política do trabalhismo, os trotskistas por exemplo, assim como para múltiplas causas desde a luta contra o apartheid na África do Sul até à solidariedade com os presos políticos portugueses no tempo da ditadura.

O Partido Trabalhista inglês era também um exemplo das peculiaridades da história inglesa, pela relação única com o movimento sindical, que era “parte integrante” do Labour com grande poder interno, até que a combinação da Thatcher e de Blair “libertou” o trabalhismo do domínio dos grandes sindicatos do Trade Unions Congress (TUC), a começar pelos mineiros e pelos trabalhadores dos estaleiros. Com o declínio da indústria britânica, fez uma transição difícil e não inteiramente conseguida para outros sectores da sociedade como os professores, os trabalhadores da saúde, os funcionários, o pessoal dos serviços, cuja radicalização substituíra a dos sectores operários tradicionais. Implantou-se igualmente entre os emigrantes que, vindos das nações da Commonwealth, chegavam ao Reino Unido, principalmente à Grande Londres.

O Labour conheceu uma história complicada nos últimos anos, que incluiu o seu processo de “social-democratização” com Blair e a “terceira via”, com sucesso eleitoral, e depois ficou, como muitos partidos socialistas europeus, numa espécie de limbo político com a crise da “austeridade” virando cada vez mais à direita na competição com os Conservadores. Com o crescimento do nacionalismo escocês perdeu um dos seus grandes bastiões eleitorais, e com o carácter errático da direcção dos sucessores de Blair, a começar em Gordon Brown e passando pelos irmãos Miliband, conheceu sucessivas derrotas eleitorais.

O Labour teve sempre aquilo que os ingleses e americanos chamavam “lunatic fringe”, mas Corbyn está mais dentro da cultura do trabalhismo do que Blair. Aquele que a imprensa conservadora chama “o bolchevique”, é um típico membro da esquerda trabalhista, sucessivamente reeleito sete vezes na sua circunscrição e, em 2015, com uma maioria considerável.

No Reino Unido não se é tradicionalista apenas à direita. A esquerda tem também um conjunto de tradições que são únicas numa Europa em que o movimento operário perdeu muita da sua identidade. Em Inglaterra, ricos e pobres podem ser diferenciados pelo sotaque e por uma série de outros “costumes” que, vistos de fora e nos tempos de hoje, parecem anacronismos. Corbyn representa também muitos desses costumes, do seu republicanismo à sua maneira despreocupada de vestir, até à recusa de algumas práticas que rompem com a tradição conservadora, do hino até ao ajoelhar perante a Rainha. Mas, também aqui, se deixarmos o domínio recente dos homens de pin stripes no trabalhismo, Corbyn está longe de ser solitário.

Mas, o que verdadeiramente não lhe perdoam é ele romper o consenso com a TINA, visto que não acredito que os articulistas do Observador, do Economist, ou os “europeístas” da TINA, estejam muito preocupados com a sorte eleitoral do Labour Party.