O Mundial do Catar, e o catar da história… o preconceito e o racismo – Parte II

(António Jorge, in Facebook, 21/12/2022)

Um conto cruel feito por uma mulher, médica argentina, sobre como desapareceram os negros na Argentina. E que tanto quanto sei… no essencial, bate certo com a história real!

À medida que eu ia assistindo a um jogo de futebol pela TV, entre a Argentina e a Islândia, e que eu… ainda hoje, me pergunto, porque não havia jogadores negros na equipa da Argentina, quando todas as outras equipas sul-americanas tinham jogadores negros e outros mestiços de africano, lembrei-me de uma conversa que tive no ano passado.

Foi enquanto estava num cruzeiro na Florida, às Ilhas Grand Cayman do Caribe, numa conversa entre mim e uma médica argentina.

Conhecemo-nos um certo dia durante um almoço no barco e ficamos na conversa. Ficamos amigos e muito ligados para sempre.

No convés do navio, naquele dia, ela manteve comigo uma conversa sobre como ela gosta de gente da etnia africana… e que gosta de viajar por esse motivo também. Perguntei-lhe então: “Vocês não têm negros na Argentina?” Ela respondeu-me e disse sem reservas. “Não. Há muito tempo atrás, após a escravatura, matamos todos eles.” Eu fiquei surpreso.

Ela sorriu… E continuou. É uma história muito ruim. Estou com vergonha do meu povo. Foi de facto muito sistemático o extermínio deles. Muito bem elaborado. Primeiro foi forçar a maioria dos homens para lutarem pela Argentina contra o Paraguai. Eles conscientemente enviaram-nos para as batalhas que eram mal planeadas e, mal armados intencionalmente, para que o exército paraguaio fizesse deles o que eles não poderiam fazer por razões óbvias: matar os negros em massa. A maioria deles morreu lá na guerra. Os restantes foram forçados a viver numa província atingida por uma praga.

Uma doença que o governo se recusou a combater para que esta também pudesse fazer por eles… o que eles não poderiam fazer, matar os negros. A Argentina recusou-se a montar hospitais, clínicas e abrigos condignos, e mesmo a dar-lhes alimentos.

Recriaram o melhor ambiente para a doença se propagar. Está doença matou o resto dos homens que sobreviveram à guerra. Quanto mais escuro você era, maior era a chance de ser enviado para esse lugar para morar ou para morrer na guerra. As mulheres de tez mais clara eram forçadas a dormir com os homens brancos, para que seus filhos fossem mestiços, e depois estes forçados, quando adultos, a dormirem com homens brancos, de modo a que os traços da pele negra das crianças se tornassem cada vez mais brancos, até que não fossem mais visíveis quaisquer sinais de origem de negritude. Foi tão ruim que os negros fugiram para o Chile, Peru, Bolívia e Brasil e até mesmo para o Paraguai onde eram melhor tratados. Pelo menos esses não os queriam matar, aceitavam-nos e davam-lhes proteção, trabalho e um meio de sustento.

Com efeito, no Chile, havia uma cidade chamada, Arica onde os negros eram aceites e respeitados, e que, no ano 1700 dois negros, homens livres, um deles chamado Anzuréz, foram eleitos prefeitos. Mas os colonos brancos vindos de Espanha, seis meses mais tarde, anularam as eleições. Eles temiam que outras cidades dessem aos negros os mesmos direitos. Mas os negros que tinham encontrado proteção não reclamavam, mandavam mensagens para os outros fugirem da Argentina e virem juntar-se a eles. O que era ou representava o cancelar de eleições em comparação com a morte certa?

Em seguida, a senhora argentina e médica, ficou em silêncio, como se a tentar reproduzir novamente a magnitude dos crimes guardados na sua mente. De seguida, ela continuou num tom sombrio: “Os argentinos não só matavam através da guerra ou das doenças, pelo estupro e a violação… forçavam os negros à fuga do país… e foi assim que se livraram dos negros.”

Ouvi com atenção e tristeza. Ela continuou de forma académica: “Embora a escravatura tenha sido abolida em 1815 na Argentina, continuou até 1853, depois do qual a principal preocupação dos líderes foi como se livrarem dos escravos negros e seus descendentes. O nosso presidente, que governou de 1868 a 1874, Domingos Faustino Sarmiento, escreveu em seu Diário em 1848 – muito antes de se ter tornado presidente e quando a escravidão terminou -, que nos Estados Unidos 4 milhões são pretos, e dentro de 20 anos serão 8 milhões. O que deve ser feito com tais negros, odiados pela raça branca?”

Isto mostra como ele já estava pensando como eliminar os negros antes de se tornar presidente e, quando se tornou presidente, ele o conseguiu. “O mundo não disse alguma coisa? ” Não… nada – Eles ignoraram. Tenho a certeza que a maioria deles queria fazer a mesma coisa que foi feita na Argentina, mas falharam.

Naquele tempo, eles admiravam-nos. Lembro-me quando fui para o Brasil, ainda criança, o amigo do meu pai dizer com desgosto, como ele olhava para os pretos brasileiros: – Nós deveríamos ter a vossa coragem e exterminá-los a todos eles.

Façam um Brasil branco como o fez a Argentina. E os europeus? – Perguntei. Ela riu.

Isto é um segredo, assim como o Rei Leopoldo da Bélgica e o seu genocídio de muitos milhões de africanos no denominado Congo Belga,  atual Congo. Ninguém fala sobre ele, e os seus crimes bárbaros, mas eles sabem sobre isso. Pelo menos os mais velhos sabem. Os mais jovens não tanto. Por que você acha que quase todos os nazis da Alemanha, correram para a Argentina após a 2ª. Guerra Mundial?

Eu permaneci calado. Ela continuou: “Porque este era o local perfeito para o mais atroz dos racistas viver”. Então ela olhou para o infinito do mar azul ao redor do navio e suspirou audivelmente.

Importante: Da mesma forma do Brasil, a Argentina passou pelo mesmo processo de escravidão. O país foi povoado por negros oriundos do continente africano, tanto que, em meados de 1780, a sua participação chegou a ser de 50% da população e agora em 2012, passou em menos de 200 anos, para cerca de 3%.

Depois dos Estados Unidos, que foi a ex-colónia da Inglaterra que mais emigrantes europeus recebeu, a Argentina, então colónia espanhola, foi a segunda colónia a receber mais emigrantes europeus, nomeadamente espanhóis e argentinos.

Violência, Massacres e Unicistas

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 20/12/2022)

Passaram no dia 16 de Dezembro de 2022 cinquenta anos sobre o massacre de populações de Wiriamu, um conjunto de aldeias no centro de Moçambique. Segundo os testemunhos de sobreviventes e relatórios de várias entidades e instituições terão sido mortas por militares portugueses 385 pessoas, homens, mulheres e crianças em situações de crueldade extrema.

O essencial dos factos é conhecido, está descrito em várias publicações: No âmbito da progressão das forças de guerrilha da FRELIMO para sul do rio Zambeze e em direção à cidade da Beira, da tentativa da FRELIMO criar o máximo de dificuldades à construção da barragem de Cahora Bassa, e perante informações táticas da PIDE/DGS da reunião de grande número de guerrilheiros da FRELIMO, da ordem dos 600, o comando militar português da zona operacional de Tete (ZOT) decidiu realizar uma operação de heli-assalto — «Operação Marosca» — com uma companhia de comandos, apoiada por meios aéreos de ataque ao solo. O assalto do que, segundo as informações da PIDE/DGS (a quem o governo português atribuíra a função de órgão de informações táticas e estratégicas), deveria ser uma base militar era, afinal, uma vulgar aldeia.

A ação da força de assalto foi realizada com grande violência, bombardeamento prévio e a prática de atos de chocante crueldade durante o assalto, que estão relatados.

A revelação desses atos foi efetuada em primeiro lugar por organismos missionários católicos e depois por jornalistas próximos do engenheiro Jorge Jardim. Causaram um fortíssimo impacto internacional, que perturbou o governo de Marcelo Caetano, nas vésperas de uma viagem de Estado ao Reino Unido. O governo português inicialmente negou as acusações, vindo a admitir mais tarde a ocorrência de factos criticáveis, atribuindo responsabilidades ao general Kaúlza de Arriaga, comandante-chefe das Forças Armadas em Moçambique, que seria demitido no Verão de 1973, ao brigadeiro Armindo Videira, comandante da Zona de Tete, com responsabilidades civis e militares e ao major Jaime Neves, comandante do Batalhão de Comandos a que pertencia a companhia que realizou a ação.

O massacre de Wiriamu tem sido apresentado por alguns militantes mais dados à propaganda do que à análise histórica como uma consequência direta da violência do colonialismo. Como um fruto estrutural do colonialismo. É uma falácia que desvirtua a análise histórica e ilude a essência do colonialismo, da natureza humana e da história da humanidade. Mas é hoje politicamente correto e atrativo como produto promovido pelos meios de comunicação. E isso é que conta. Constituem a versão laica dos Unicistas, uns religiosos cristãos que defendem a doutrina da Unicidade absoluta do seu Deus, rejeitam a pluralidade de apreciação dos factos.

A violência é um dos conceitos mais esquivos e mais difíceis das ciências sociais, afirma o «International Handbook of Violence» no seu introito, adiantando que a forma expedita de abordar um ato de violência é reduzi-lo ao confronto direto e pré-estabelecido entre agressor e vítima. Em regra, a abordagem dos atos de violência no contexto do anticolonialismo tem seguido esta metodologia redutora e ideologicamente pré-determinada, assumindo que a raiz da violência é o colonialismo, apresentado como a origem da violência em África, tomada esta e os seus povos como entidades homogéneas, sem passado e sem conflitos, um espaço de humanidade a-histórico! Fixada a causa da violência na natureza do colonialismo, a maioria dos militantes unicistas na sua versão de historiadores não discute nem analisa o papel que nela pode desempenhar a natureza dos homens, nem as circunstâncias em que ocorre, nem as fraturas e conflitos que podem existir no interior das organizações que a exerceram, nem os fatores que a desencadearam. É uma abordagem simplista, centrada na exploração das imagens chocantes, no sofrimento das vítimas e na condenação sans merci, de preferência com frases muito adjetivadas. No campo oposto, a violência é relativizada, por vezes até à negação da evidência dos atos e à responsabilização das vítimas pelos seus males. É igualmente redutora e ideologicamente enviesada. Defender uma análise racional das causas deste massacre é, para uns, branquear o colonialismo, e para outros diabolizar a “ação civilizadora” dos europeus em África.

Apesar dos preconceitos e das emoções é possível analisar racionalmente os fenómenos de violência, seja em África, no contexto do colonialismo, seja na Palestino no contexto do sionismo, na Alemanha durante o nazismo e na Terra Santa durante as cruzadas. Em «Representações da Violência», obra coordenada por António Sousa Ribeiro, são levantadas algumas questões essenciais, como a distinção entre violência estrutural e cultural, violência institucional e violência individual.

A análise do que ocorreu em Wiriamu durante a «Operação Marosca» exige o domínio dos conceitos destes três níveis de violência. Neste caso, existe uma violência estrutural que é inerente ao conflito de interesses entre sociedades humanas desde que o homem se tornou um ser social que luta por território e recursos, mais, nesta região o conflito estrutural entre a sociedade portuguesa e as sociedades locais era tão antigo quanto a instalação de portugueses nos “prazos da coroa”, em Tete, logo no século XVII! Existia também uma violência institucional entre os interesses de várias instituições, os do governo português amarrado aos compromissos de segurança da construção da barragem de Cahora Bassa, os do general Kaúlza de Arriaga, das suas aspirações e ambições políticas, os de engenheiro Jorge Jardim e das suas conceções de organização política para o futuro de Moçambique, os da Igreja Católica e até os da PIDE/DGS enquanto órgão zelador de ideologia do colonialismo do Estado Novo. Existe, por fim, uma violência individual, inerente às respostas do ser humano a situações de tensão. A violência individual é a que tem mais explorada pelas sociedades do espetáculo informativo e pelos militantes que sabem ser a exploração das emoções a mais rentável forma de promover causas, em detrimento da racionalidade.

A análise sem preconceitos do comportamento daquela companhia e dos agentes da PIDE/DGS que participaram no massacre poderia ajudar a compreender o colonialismo português, a perceber porque durou tanto a guerra e porque acabou com uma revolta dos militares que comandavam unidades deste escalão, que se viram envolvidos em situações com caraterísticas de guerra civil, pois eram moçambicanos 54% dos efetivos militares portugueses que em Moçambique combatiam a FRELIMO, cerca de 50% os angolanos nas forças portuguesas de Angola e 30% dos guineenses que lutavam contra o PAGC.

Isto é, a abordagem dos massacres de Wiriamu deveria ser mais do que o aproveitamento de um ato escandaloso para concluir o que é evidente: o massacre é moral e incondicionalmente condenável. Mas isso todos o são desde que o homem se reuniu em bandos para atacar outros bandos! O que teve este massacre, ou conjunto de massacres de específico?

Wiriamu não pode, ou não deve ser apenas um memorial nem uma fonte de reportagens ou trabalhos de doutoramento académico. Acordar os mortos de Wiriamu deveria servir para nos interrogarmos sobre a questão colonial portuguesa, a questão que levou um regime a conduzir um exército à perda de força anímica, e daí à descrença de uma solução militar, a um exército a recusar ser o instrumento do vergonhoso caos para onde o arrastava um governo que apenas tentava sobreviver à desagregação dos grupos de interesses que representava.

O massacre de Wiriamu foi um acelerador da tomada de consciência dos militares portugueses, que se estavam a ver, tal como em 1961, na Índia, na situação de bodes expiatórios de um desastre adivinhado. É uma das causas do 25 de Abril de 1974. Os militares de média patente que estiveram na origem do Movimento das Forças Armadas tinham a consciência, mesmo que pouco estruturada, de que, seguindo a política de prolongamento indefinido da guerra outros Wiriamus se seguiriam, cada um causando feridas mais profundas na relação entre povos. As vítimas de Wiriamu contribuíram para o fim da guerra, mas infelizmente não para o fim da violência nem em Moçambique, nem em qualquer parte do mundo.

A análise sem preconceitos do comportamento da companhia que praticou aqueles atos e homenagem devida às vítimas que, segundo a tradição africana continuam a viver junto dos seus familiares, devia ajudar-nos a compreender que não é a guerra que gera a violência, a guerra é o resultado do acumular de violências por causas identificáveis. Decidir desencadear uma guerra é o ato que desencadeia a violência e esse é um ato eminentemente político, da responsabilidade dos políticos. Os agentes da violência — os agressores e as vítimas — são apenas instrumentos.

Cinquenta anos passados sobre o que se passou em Wiriamu e em Tete continua a faltar uma análise que enquadre esse chocante acontecimento na história da violência resultante de conflitos entre fações no interior das sociedades e dos regimes — traduzidos em traições, em falsas notícias para levar os adversários a cometer erros. Esses processos ínvios de obter vantagens estiveram presentes na origem do massacre e no seu aproveitamento a posteriori. Seria importante abordar o massacre de Wiriamu sob um ponto de vista que ultrapassasse a condenação primária, de nada existir entre o colonialismo por natureza mau, violento, opressor, explorador e os movimentos nacionalistas, por natureza bons, libertadores, criadores do novo homem africano.

Sobre Wiriamu escreveu Lídia Jorge no romance «A Costa dos Murmúrios»: “Eu conhecia o significado desse cheiro… será esse cheiro que se desprenderá de Wiriamu, Juwau, Mucumbura, será esse cheiro que se desprenderá dos abatidos, dos queimados dos que ficaram a arder ainda vivos…” O comandante da companhia de comandos confessou que tinha usado um lenço impregnado de Old Spice para disfarçar o cheiro dos corpos queimados e em putrefação e que nunca mais suportou esse perfume. Continua a ser importante procurar a origem deste cheiro.


O Miguel, porventura, deve estar a brincar

(Por Um Cidadão, 10/09/2022)


(Este texto resulta de um comentário a um artigo que publicámos de Miguel Sousa Tavares ver aqui. Perante tanta verdade junta, resolvi dar-lhe o destaque que, penso, merece.

Estátua de Sal, 10/09/2022


O Miguel, porventura, deve estar a brincar.

É que só pode.

Não ia dizer nada, mas esta aleivosia disfarçada de benevolência filatrópico-cronística é de um tal descaramento que é preciso ter-se lata como só alguém que toma banho com melros a olhar para ele pode ter.

Então, no entender do Miguel, a conclusão implícita e não exprimida do artigo é – e não esqueçamos o que ele disse, «raras foram as vezes em que, falando da história do Brasil com brasileiros, não tive de escutar um rol interminável de explicações e lamentações com as culpas dos estrangeiros: portugueses, “castelhanos” ou americanos.» (e o Messias falou, e o povo acatou) – que os Brasileiros são uns preguiçosos e idiotas mal agradecidos que não souberam aproveitar aquilo que os colonizadores lhes deixaram no momento em que estes partiram!

Epa, que eu nesta nem tinha pensado. Como se, depois da saída dos Portugueses, tivesse subitamente nascido um Paraíso na Terra, no qual não existiriam desigualdades, exploração, senhores feudais na forma de latifundiários carniceiros, e uma classe alta que, à semelhança do que aconteceu em Portugal, explorava o país em seu benefício próprio e não em benefício do desenvolvimento das condições de vida da população e da elevação do país!

O Miguel parece que descobriu a marosca – os brasileiros são tão preguiçosos como os Alentejanos (pudera, a levar com tanto sol o ano inteiro) e ainda mais corruptos que as máfias Russas.

E aquela do “quinto real” é mesmo boa. Claro, os portugueses não levaram assim tanto do Brasil.

Daí se explique uma obra como o Convento de Mafra – foi construído com os restinhos do ouro que nos chegou dos simpáticos assaltantes que não desviaram a nossa herança divina (como se atrevem eles ?) para Minas Gerais.

Não se podem culpar os portugueses.

Os brasileiros até têm de estar agradecidos por termos levado escravos que “beneficiaram” o país, apesar da escravatura ser uma “infâmia”, mas «podemos dizer que não existiu nenhuma razão — histórica, económica, social ou política — para que o Brasil não fosse hoje um dos países mais desenvolvidos e mais justos do mundo.»

Pois claro! A exploração dos indígenas, os “ciclos de riqueza” (resultado do “mandato divino”), consequência da exploração dos recursos naturais autóctones por parte dos colonos portugueses, foram todos, indubitavelmente, para benefício do povo brasileiro!

Não foi para benefício dos nobres e colonos portugueses que lá se estabeleceram e que, uma vez cortadas as relações com a Terra Mãe, se aproveitaram da sua posição e consolidaram-na, dando continuidade à exploração de séculos.

Por mais que uma pessoa possa reconhecer que a exploração colonial portuguesa não foi nada em comparação com a exploração colonial, por exemplo, britânica, não se pode pura e simplesmente varrer uma história de exploração para debaixo do tapete, como se nada fosse e não significasse e implicasse grandes fragilidades na integridade de populações indígenas, das suas estruturas sociais tradicionais, modos de vida ou até a própria psicologia de um povo que sofre (e muito!) com exploração colonial da mais repressiva (porque fomos repressivos, mesmo que não tanto como outros o foram nas suas colónias), e, ainda por cima, afirmar-se do alto do cavalo xenófobo que montamos que a exploração e o roubo são coisas perfeitamente naturais e que «eu olho para isso sem complexos nem sentimentos de culpa.»

Então explorar um povo não deve incutir algum sentimento de culpa ? Caramba, ainda bem que há homens rijos como o Miguel para nos guiarem por esta escuridão hodierna, e para a qual ele tanto contribui em entrevistas ao Primeiro Ministro na TVI com apologias ao Chega.

É curioso, por outro lado, que o Miguel venha falar dos Chineses (ah, essoutros malditos explorados durante séculos e que agora se vêm meter nos nossos negócios!) que compram a Amazónia – provavelmente para fazer aquilo que mais ninguém faz, preservá-la – mas não fale dos Americanos a não ser para menorizar o que é e tem sido a intervenção das multinacionais americanas na totalidade da América Latina!

É curioso que o Miguel, por exemplo, não fale do GOLPE DE ESTADO PATROCINADO PELO DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS EUA EM 1962, instaurando uma ditadura militar, e com o qual, sem dúvida, os negócios os mais variados dos sempiternos defensores da “democracia liberal”, EUA, lucraram – e não deve ter sido pouco.

Porventura, o Miguel deve achar que uma ditadura que acabou em ’85 e os seus efeitos altamente danosos se resolvem dum dia para o outro, não esquecendo que as corporações americanas nunca abandonaram os seus esforços de colonizar capitalmente o Brasil desde então e de capitalizar com o feito!

Se o Miguel tem problemas com este argumento, eu pergunto-lhe: então, os Portugueses não se livraram duma ditadura em ’74, 11 anos antes ?

E o Sr. Salazar não construiu muita infraestrutura ? É verdade, reprimia os trabalhadores, mas o país produzia alguma riqueza, não é ? Onde é que está, desde então, esse espírito inovador e empreendedor ? Essa inefável esperança no futuro ?

Não será porque o povo era explorado em benefício duma minoria de aristocratas e capitalistas privilegiados ?

O Miguel que vá para as vinhas, que bêbedo deve ter melhores visões da história do que sóbrio da atualidade.

P.S. Perdão à Estátua de Sal pelo conteúdo mais ofensivo, mas é preciso ter-se lata – para não dizer outra coisa.

Dar uma no cravo e outra na ferradura é uma coisa, mas, como as contas do gás vão ficar mais caras e este decidiu investir numa vinha, parece que é preciso compensar os prejuízos.

O nosso Eça de Queirós, frequentador das “altas sociedades” até certo ponto, chegava a ter mais juízo do que o Miguel, afirmando no livro “As Farpas” (vou parafrasear e não citar) que o brasileiro com que nós gozamos tanto (neste caso, queixamo-nos e repreendemos) é apenas um português que desabrochou plenamente no calor dos trópicos.

Dito de outra maneira: eu não sei o que é que leva alguém como o MST, que escreve crónicas conforme precisa do dinheiro, a pensar que está de alguma forma numa posição mais elevada e que lhe permita julgar os brasileiros quando ele próprio, se lhe oferecessem um milhão de euros por um artigo destes, até escrevia com o Novo Acordo Ortográfico – o que, pode parecer que não, mas diz muito, já que (independentemente de concordarmos ou não) o Miguel acha que é um paladino resistente no meio da corja conformista.

Enfim, MST tem os seus dias.


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