Os velhos hábitos

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 02/06/2023)

Miguel Sousa Tavares

Talvez tenha errado o alvo ao atribuir à PJ o “vazamento” em bruto de todo o processo Tutti Frutti para a imprensa. Talvez a façanha tenha tido origem mais acima e mesmo acima do Ministério Público. Seja como for, desta vez o rol de suspeitos pela fuga é consideravelmente menor, uma vez que não há arguidos, nem advogados dos mesmos, com acesso ao processo. Com um mínimo de esforço e vontade, até agora não demonstrados, a senhora procuradora-geral está em condições de, por uma vez, chegar à origem do mal. A menos que se pense, como já vi escrito, que não são graves actos como colocar o telefone de alguém sob escuta, apreender o seu computador e devassar o seu correio electrónico, que de tal forma violam o direito constitucional à intimidade da vida privada que só podem ser cometidos mediante prévia autorização de um juiz, no âmbito de uma investigação onde existam fortes suspeitas de cometimento de um crime grave que não possa ser investigado de outra forma, mas que sirvam, afinal, não para a instrução de um processo na qual o suspeito é chamado e constituído arguido, sendo então confrontado com as suspeitas e podendo defender-se delas, mas sim para vazar tudo para a imprensa, expondo desde logo à maledicência e condenação popular quem nem sequer sabia que estava a ser investigado. Aqueles que acham que destes velhos hábitos de “investigação” não vem mal ao mundo, pois o que interessa é a “verdade”, presumida ou real, sobretudo quando ela atinge alguém com quem não simpatizamos, ou são perigosamente ingénuos ou malformados. A diferença entre o Estado de direito e o Estado dos magistrados é que, vigorando o primeiro, este controla o segundo; mas, vigorando o segundo, é este que controla o primeiro. E perceberão melhor a diferença no dia em que, inocentes e ­alheios a tudo, mas porque a vida é muitas vezes imprevisível, souberem que alguém anda a escutar as suas conversas ao telefone e alguém foi buscar o seu computador para o vasculhar de alto a baixo e expor tudo nos jornais, talvez porque entretanto entraram para a vasta categoria dos “politicamente expostos” — uma tentação para os arqueólogos da verdade e justiceiros de tablóide. Aí perceberão definitivamente a diferença entre estar protegido pela Constituição e por um “juiz das garantias” ou estar nas mãos do simples impulso de um procurador do Ministério Público e um juiz ao seu dispor.

Saiba mais aqui

 

2 Como seria de esperar por todas as razões à vista, Recep Erdogan fez-se reeleger Presidente da Turquia por mais cinco anos. A Europa e o Ocidente antecipam agora mais cinco anos de divergên­cias e afastamento do seu círculo de influência de um membro da NATO de importância geopolítica fundamental. Vêem, e acertadamente, a Turquia de Erdogan a criar obstáculos à adesão da Suécia à NATO, a manter-se numa posição de neutralidade relativamente à guerra da Ucrânia ou a querer mediar um processo de paz (o que, para o Ocidente, equivale a ser pró-Putin), a manter relações próprias com a China, ao mesmo tempo que se afasta cada vez mais da Europa e do que chamam os valores das sociedades liberais democráticas, e, tal como a Rússia, a revelar uma nostalgia imperial que a eleva já ao nível de potência regional. Tudo verdadeiro, tudo previsível, quase tudo preocupante.

<span class="creditofoto">ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO</span>
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO

Aconteceu com a Turquia o mesmo que aconteceu com a Rússia no mundo unipolar dominado pelos Estados Unidos que sucedeu ao da Guerra Fria. O Ocidente julgou poder determinar sozinho as regras do jogo à escala planetária, fundadas em princípios como o direito à autodeterminação dos povos, o comércio global, a democracia e direitos humanos para todos, etc. Mas não só os princípios enunciados variavam conforme as geografias e os amigos (o Kosovo tem direito à autodeterminação, mas a Catalunha ou a Córsega não, a democracia e os direitos humanos valem para a Rússia, mas não para a Arábia Saudita) como a própria globalização deixou de servir quando o comércio livre começou a beneficiar mais os pobres do que os ricos, para grande espanto dos liberais e dos esquerdistas. Mas, acima de tudo, tanto na Rússia como na Turquia, na China e noutros lados, o Ocidente acreditou que podia ditar as suas regras de conduta universal sem ter em conta a história de cada um, as suas divisões étnicas e diferenças sociais e religiosas. Achou que podia exigir tudo em troca de oportunidades de negócio, que, em muitos casos, como na Rússia ou na Ucrânia, foram apenas oportunidades de parcerias mistas de corrupção. Na Rússia, após a dissolução do Pacto de Varsóvia, ignorando a traumática história dos russos com a II Guerra Mundial e quebrando a solene promessa do secretário de Estado americano de então (“não avançaremos nem uma polegada para leste”), a NATO foi absorvendo novos membros, anteriormente membros do Pacto de Varsóvia, cercando e aproximando-se cada vez mais das fronteiras russas até acabar agora a vangloriar-se de ter conquistado mais mil quilómetros de fronteira com a Rússia através da adesão da Finlândia. À Turquia, membro da NATO e que há uns 15, 20 anos estava a fazer um claro esforço de modernização e aproximação à Europa, apoiada num sector militar ainda herdeiro das ­ideias de Kemal Atatürk, a ­União Europeia prometeu a adesão, mas que arrasta até hoje e que já todos perceberam que adiará eternamente. Mas, ao mesmo tempo, deu urgência ao pedido de adesão da Ucrânia, feito 20 anos mais tarde. Foi esta falta de visão estratégica do Ocidente num momento crucial para os destinos da Turquia que permitiu a Erdogan tornar-se o intérprete do caminho oposto ao da modernização e abertura à Europa, cavalgando o sentimento de despeito e humilhação com que os turcos se sentiram tratados pelo Ocidente: aliados na NATO, sim, dá-nos jeito; membros da UE, não, saía-nos caro.

O Ocidente transformou um potencial aliado, que a Rússia chegou a ser, num inimigo. A China já o é quase oficialmente e a Turquia vai pelo mesmo caminho. E ou muito me engano ou outros se vão seguir: a Índia, a África do Sul, talvez até o Brasil. É o que acontece quando velhos hábitos de pensamento, esclerosados nas mesmas universidades, os mesmos gurus e a mesma imprensa de sempre, persistem em ver o mundo segundo os seus padrões imutáveis de análise e de ética, que julgam exportáveis e eternamente aplicáveis a um mundo que deixaram de querer entender.

3 Utilizando o seu espaço de comentário da guerra da Ucrânia na SIC — verdadeiro modelo de isenção e profundidade de análise —, José Milhazes teve um contributo decisivo para o saneamento por razões políticas do russo-português Vladimir Plias­sov como professor de Língua e Cultura Russas do Centro de Estudos Russos da Universidade de Coimbra. Baseando-se apenas numa denúncia de dois “activistas ucranianos”, Milhazes deu voz e amplitude à acusação, provadamente falsa, de que Pliassov usava as aulas para fazer propaganda a favor da Rússia. Foi quanto bastou para que o reitor da Universidade, Amílcar Falcão, sem sequer ouvir o visado ou o testemunho dos seus alunos, todos desmentindo a acusação, o despedisse sumariamente por delito de opinião — que, a ter existido, seria fundamento inadmissível num país democrático; não tendo sequer existido, é simplesmente escabroso. Longe, porém, de ficar envergonhado ou arrependido com o seu contributo para tão edificante história, Milhazes voltou antes à carga. Agora atirou-se aos artistas que aceitaram participar na Festa do Avante!, acusando-os de serem coniventes com um partido que “apoia um regime de bandidos e assassinos”. Presume-se que se ele mandasse nem os artistas seriam autorizados a participar, nem haveria festa, nem mesmo o PCP estaria legalizado. Usando a sua tribuna televisiva, José Milhazes autoinvestiu-se da função de delator oficial dos “amigos de Putin e da Rússia”. Um papel que lhe assenta como uma luva, não tivesse sido ele um exilado político voluntário na Rússia soviética, onde estes eram velhos hábitos de convivência social: uma vez estalinista, para sempre estalinista. José Milhazes é para mim a demonstração viva daquilo que eu sempre pensei: a desculpa dos 20 anos para justificar passados fascistas ou estalinistas não colhe; aos 20 anos todos temos obrigação de distinguir muito bem o que é verdadeiramente essencial. O estalinismo, ainda que juvenil, não revela apenas imaturidade ideológica, mas sim um defeito de carácter.

4 Antecipando um Verão de fogos terríveis, a ­União Europeia activou a sua recente frota aérea de combate a incêndios, capaz de intervir em cada país conforme as suas necessidades: são 24 ­aviões e quatro helicópteros para toda a Europa. Cerca de um terço ou metade da “coligação de F-16”, a última exigência para a guerra que Zelensky fez e que, como de costume, irá obter dos europeus, Portugal incluí­do. Cada F-16 custa 20 vezes mais do que um dos aviões de combate a incêndios, e Portugal, que já ofereceu à Ucrânia, para a guerra, os seus helicópteros Kamov, que servi­riam para combater os incêndios, está muito satisfeito por ver cá estacionados dois ­meios aéreos da frota de incêndios europeia. É a lógica dos tempos que vivemos: tudo para a guerra, pouco ou nada para o resto.

5 Depois de tanta promoção, lá fui espreitar o “Rabo de Peixe”, a segunda produção portuguesa a ter honras de Netflix. E, tal como com a primeira, a decepção foi absoluta. Os velhos e maus hábitos do cinema português persistem, nada aparentemente se tendo aprendido com as boas experiências alheias. Uma história muito mal desenvolvida, com ligações por fazer ou sem sentido, uma incapacidade recorrente de conseguir contá-la através só dos actores, lá tendo de vir o inevitável e pré-histórico narrador, descrevendo até emoções e sentimentos dos personagens, e, por fim, claro, também o incontornável som digno dos tempos do cinema pós-mudo. Lastimável mistura entre som ambiente e som directo, inenarrável captura do som das falas, não se percebendo nada do que os actores dizem, excepto os palavrões, que, talvez para compensar, são gritados e frequentes. Caramba, como é ainda possível fazer-se tão mal? E como não há um crítico que se atreva a dizê-lo? OK, esta é a minha opinião e de quem só esforçadamente aguentou dois episódios, mas há-de haver alguém mais que pense o mesmo. Ou não: aquilo é magnífico?

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

Vladimir Pliassov: «Até os nazis tiveram direito a ser ouvidos»

(Entrevista a Vladimir Pliassov, in AbrilAbril, 23/05/2023)

Vladimir Pliassov vive e trabalha em Portugal desde 1988. O antigo Director do Centro de Estudos Russos da Universidade de Coimbra foi demitido, sumariamente, sem direito a contraditório, pelo reitor da Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão, a 10 de Maio de 2023. As acusações, infundadas, feitas por activistas ucranianas e amplificadas por José Milhazes, já foram alvo de contestação por vários alunos, antigos e actuais, de Pliassov. A entrevista é de Bruno Amaral de Carvalho.


Trabalha em Portugal desde 1988. Coimbra foi amor à primeira vista e ensinou várias gerações a falar russo. Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, o seu carro foi atacado com ovos e a filha recebeu avisos por telefone. Foi o prólogo das várias acusações que saíram a público num artigo publicado por dois cidadãos ucranianos nos jornais. De um dia para o outro, Vladimir Pliassov viu o seu contrato a título gracioso cessado por decisão do reitor da Universidade de Coimbra sem qualquer inquérito. O professor defende-se dizendo que nunca fez propaganda nas suas aulas e que isto é mais um caso de russofobia.

Como é que se dá o primeiro contacto com a língua portuguesa?

Começou na faculdade. Fui um dos primeiros alunos a aprender português. Depois, mandaram-me para África porque havia acordos com países em vias de desenvolvimento. Outros foram para a Europa mas, como eu não era membro do Partido Comunista, não tive essa escolha, eu nunca estive na primeira trincheira ideológica. Fui para Moçambique. Queria ir para Angola mas a minha esposa escolheu Moçambique. Entretanto,  o contrato não foi renovado e voltei para Moscovo.

Creio que foi em Março ou Abril de 1988 que participei num encontro das associações de amizade com a União Soviética, com a participação de Valentina Tereshkova [primeira mulher no espaço], onde estava António Avelãs Nunes, que assinou um acordo entre as duas partes. Valentina Tereshkova pediu-me para traduzir e depois disse-me que devia ir para Portugal. Eu queria ir para Angola ou Moçambique. Mas acabei em Portugal. A cosmonauta lançou-me para Portugal.

Quando cá cheguei, não queria ficar em Lisboa. Queria uma cidade mais pequena e quando cheguei a Coimbra foi amor à primeira vista. Comecei, então, a dar aulas na Associação de Amizade Portugal-URSS e, depois, o professor Avelãs Nunes recomendou-me à universidade para dar aulas de russo. No período conturbado da perestroika, eu pensei que vinha para trabalhar dois ou três anos e que regressaria à Rússia quando tudo acalmasse. Isto foi em 1988.

Estou aqui muito bem, eu escolhi Portugal para viver e não para ganhar dinheiro. Para ganhar dinheiro seria noutro país, não Portugal. Os meus amigos que trabalham na Áustria e na Suíça ganham cinco vezes mais do que eu e trabalham muito menos.

Em 2012, funda o primeiro centro dos estudos russos da península ibérica na Universidade de Coimbra com o apoio da fundação Russky Mir. Alguma vez esta fundação tutelou o seu trabalho do ponto de vista político ou alguma vez se sentiu pressionado para defender politicamente os governos russos nas suas aulas?

Claro que não. Em 2007, havia problemas económicos na faculdade e propuseram-me reduzir o contrato a 60% ou ir embora. Decidi continuar a trabalhar lá, recebendo menos, porque havia muitos alunos a quererem aprender russo. Depois, em 2009, fui a Moscovo e quis falar com alguém que pudesse ajudar. Ouvi falar na fundação Russky Mir. Expliquei-lhes todo o meu trabalho em Coimbra e como eles estavam a abrir centros em todo o mundo pensei que poderiam abrir também em Coimbra, até porque já havia todas as condições. Só precisava de financiamento.

Em 2011, um representante da fundação apareceu em Coimbra, na universidade, e foi assinado um acordo de colaboração. No ano seguinte, foram feitas todas as obras necessárias e recebemos os livros. Tudo o que estava no centro foi comprado com dinheiro da Russky Mir e a fundação passou a enviar uma verba à universidade. A minha situação económica melhorou porque passei a trabalhar a 100%. Eu quase não tinha dinheiro para pagar a renda da casa, nem tinha dinheiro para alguma eventualidade. Mas os programas letivos foram todos feitos aqui, por mim, e os relatórios do meu trabalho eram apresentados ao conselho científico do departamento das línguas e culturas.

É verdade que quando surgiu esta polémica já não havia o apoio da fundação Russky Mir?

Este apoio de financiamento existiu entre 2012 e 2021. No ano letivo, 2022 já não tivemos nada. Dois meses antes do início do conflito, já não havia qualquer ligação. Aliás, a fundação enviou mais dinheiro do que era necessário e a universidade queria devolver essa verba. Não sei se devolveram ou não. Nunca perguntei e não me interessa.

E alguma vez abordou a questão da guerra nas suas aulas?

A questão da guerra nunca foi tema das aulas. Nunca. Mas, naturalmente, às vezes era obrigado a responder a perguntas dos alunos.

Mas não houve alunos a acusá-lo de fazer propaganda pró-Putin?

Não, mas num jornal de Maio li que um ucraniano afirmou que um português lhe tinha dito que eu fazia propaganda. Perguntei aos meus alunos se sabiam de alguma coisa. Responderam que não sabiam de nada. Também houve quem dissesse que eu era um agente do KGB. Mas um agente não vive como eu.

Você conhecia estes dois cidadãos ucranianos que o acusam agora?

Se és russo, desaparece

Nunca os vi na vida. No jornal Público fizeram a pergunta sobre como é que diziam que eu fazia propaganda se nunca tinham assistido às minhas aulas. Responderam que não era preciso, que bastava passar perto do centro. Uma das acusações era haver, na parede, fotografias do Kremlin, que é património da UNESCO. É curioso porque até 2015 havia imagens de Moscovo na parede feitas pelo então diretor da Faculdade de Letras, Carlos André, numa viagem à capital russa.

E o que tem a dizer sobre as acusações?

Quais? São tantas…

Acusaram-no de expor fotografias de Eduard Limonov, de Zakhar Prilepin, também de oferecer fitas com as cores de São Jorge…

Para nós, as fitas de São Jorge são símbolos da memória, de respeito, de reconhecimento daqueles anos da Segunda Guerra Mundial, da libertação do fascismo. Nós usamos essas fitas só no dia 9 de Maio e eu, na Faculdade de Letras, distribuí essas fitas entre 2010 e 2016 porque, depois, deixei de recebê-las. Só em 2016 é que essas fitas foram proibídas na Ucrânia.

Em relação a haver nomes com Transcarpatia e [República Popular de] Donetsk foram os meus alunos que escolheram como forma de identificação em alguns trabalhos. Um deles era da Transcarpatia e preferiu meter Transcarpatia e não Ucrânia. Outra era da Ucrânia mas identificou-se como sendo da República Popular de Donetsk. Um aluno meu da América Latina identificou-se enquanto italiano. Perguntei-lhe se era italiano e explicou que os pais são italianos assim como os avós. Nunca escolhi nem sugeri nada disto.

E o cartaz com 66 escritores?

Estes escritores foram escolhidos para serem conhecidos, para dar conhecimento, mas alguns deles não têm sequer obras traduzidas em português. No caso dos retratos dos primeiros 20 anos do século XXI, falei, entre outros, de Limonov e Prilepin cerca de um minuto ou dois. Estes dois autores fazem parte do panorama literário russo do século XXI.

Trabalha a título gracioso enquanto professor reformado. Porque é que o faz?

Havia estudantes interessados mas nem todos tinham a possibilidade de pagar. Tenho um contrato gracioso assinado como outros professores. Não sou caso único.

Como soube da cessação do contrato?

Recebi uma mensagem dos serviços centrais onde me informaram do efeito imediato. Eu não percebi. Imprimi e fui ao gabinete do diretor da faculdade. Perguntei-lhe o que era aquilo e ele respondeu-me que também não sabia. Depois, esteve com o reitor e veio ter comigo. «Vladimir, entregue-me as chaves. Não pode entrar mais no centro», disse-me. Podia entrar na faculdade mas não no centro dos estudos russos. Cortaram-me o acesso à plataforma digital interna, também ao correio eletrónico. E eu não compreendo porque há muitos professores aposentados que continuam a usar o endereço eletrónico da faculdade.

Portanto, não houve qualquer inquérito, ninguém o tentou ouvir, ninguém dos serviços o contactou para ouvir a sua versão dos factos?

Não, por isso é que estou surpreendido, como é possível? Tem de se ouvir as duas partes. Até os nazis tiveram direito a serem ouvidos [no tribunal de Nuremberga].

Chegou a falar com o reitor?

Eu queria falar mas o diretor da faculdade disse-me que não valia a pena, que ele não ia mudar de opinião.

Vai recorrer aos tribunais?

Por agora, não. Há uma petição pública, há também na faculdade [uma petição de professores], vamos ver o resultado. De qualquer forma, não quero nada com este reitor. Não quero voltar. Se me tratam assim…

Disse que há abaixo-assinados a decorrer. Também há artigos em diferentes jornais condenando a forma como foi cessado o seu contrato. Tem recebido muitas mensagens de solidariedade?

Mensagens e chamadas. Falo muitas horas ao telefone por dia. Eu nunca antes li a imprensa portuguesa como agora. Eu acho que esta ação contra mim foi muito bem planificada porque aconteceu no dia 9 de Maio [Dia da Vitória soviética sobre o nazismo]. Saiu aquele artigo, depois as declarações de Milhazes. Ele e aqueles cidadãos ucranianos fazem isto porque sabem que agora é o tempo em que podem dizer o que lhes apetecer que ninguém os vai condenar. Também foi atacado o antigo diretor do Conservatório de Coimbra, Manuel Pires da Rocha, por ter participado num evento da Associação Iuri Gagarine [no Dia da Vitória]. Acusam-no de ser pró-Putin. É uma situação triste.

Têm sido noticiados vários casos de ameaças. A comunidade russa sente medo?

Medo não temos, mas temos preocupação com as nossas vidas, os nossos filhos. Por exemplo, na primeira escola eslava, em Lisboa, onde estudam ucranianos, russos, uzbeques, etc, começaram a ter problemas depois do carro de um russo ter sido pintado com a bandeira ucraniana. O meu carro foi atacado com ovos. Ligaram à minha filha a pedir-lhe para falar comigo para eu tirar as imagens do centro de estudos russos. E a minha filha disse-me que tinha medo do que esta gente me pudesse fazer.


2. Sobre esta demissão e sobre o que ela representa e antecipa dos tempos negros para onde, tudo indica, estamos a caminhar perante a indignação apenas de uma minoria, publico abaixo um libelo cruel mas oportuno contra o silêncio cúmplice de quase toda a nossa classe política.

Estátua de Sal, 23/05/2023


Resta ao reitor da Universidade de Coimbra ter vergonha na cara

Resta ao reitor da Universidade de Coimbra ter vergonha na cara e demitir-se porque envergonhou toda a comunidade académica de Norte a Sul do país.

Resta aos dois ativistas serem investigados e interrogados pelas mentiras que difundiram e, se foram propositadas sofrerem as consequências pelo seu radicalismo e racismo. Não se estraga a vida de pessoas íntegras e não se fazem assassinatos ao carácter das pessoas. Aliás, deviam era meterem-se a andar já que deixaram de ser bem vindos ou darem-se como voluntários para a frente de batalha onde são mais necessários em vez de difundirem mentiras. Uma coisa são as redes sociais e as opiniões, outra é assassinarem publicamente o carácter das pessoas e a sua vida com mentiras.

Resta ao José Milhazes e seus cúmplices, onde incluo a Clara de Sousa que está a arruinar completamente a imagem, retratarem-se e publicamente pedirem desculpa aos portugueses que não se reveem nestas atitudes irresponsáveis e racistas, bem como ao Prof. Pliassov.

Resta à SIC responder também judicialmente pela rubrica “Guerra fria” e o camião de mentiras propagadas há mais de um ano, sem qualquer contraditório o que viola a nossa CRP, aliás, não é a primeira vez que se ataca o carácter de pessoas com aldrabices e coscuvilhices e sem quaisquer provas.

Resta à ERC atuar perante não só a SIC como todas as televisões que andam a violar a lei portuguesa há mais de um ano.

Resta ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e ao Governo português terem vergonha na cara e fazerem cumprir as leis, ao invés de andarem a posar em fotos com radicais e a alimentar a confusão que já mina as nossas instituições e o país, colocando o regime ucraniano e mais especificamente a embaixada da Ucrânia em Portugal no seu devido lugar. Haja decência e que se respeitem os valores da democracia, do livre pensamento e da liberdade de expressão, sem que para tal se censurem ou persigam pessoas pelas suas ideologias, opiniões ou nacionalidade. A censura e a PIDE acabaram há 49 anos, o racismo é condenável e a russofobia atingiu níveis dementes, tal como o tratamento privilegiado em relação aos refugiados ucranianos em comparação com os restantes imigrantes ou refugiados de outras nacionalidades, até mesmo em relação aos portugueses, o que é outra violação à igualdade da CRP. As leis europeias não prevalecem em relação às nacionais: leiam os tratados europeus.

A Ucrânia não manda em Portugal, os portugueses não são ucranianos, nunca foram, e chegou ao limite a palhaçada que armaram durante um ano porque não nos vamos calar.

Eu, portuguesa, começo a ter a sensação que quem manda no nosso país é a Ucrânia e a Úrsula Von der Leyen e que o nosso governo é só um bando de vassalos. Portugal é dos portugueses e de todos os que quiserem vir por bem porque somos um povo acolhedor e tolerante mas calma… Quando a palhaçada atinge os nossos governantes que violam e deixam violar as leis nacionais, quando transformam a Assembleia da República num circo, a comunicação social, as Instituições públicas, as escolas e universidades e ainda por cima não têm o mínimo de cuidado com a segurança nacional e a segurança do povo português, permitindo que regimes estrangeiros e agentes do SBU em Portugal se movam livremente e divulguem a identidade de cidadãos nacionais ao seu regime, isto já não é uma Democracia mas sim uma palhaçada e é o fim de linha. Portugueses a serem excluídos e despedidos dos seus trabalhos por liberdade de pensamento e o Governo em silêncio, a viajar para a Ucrânia a financiar e a apoiar radicais, a enviar armas que não temos e que teremos de pagar. Não me refiro a ajuda humanitária. A ajuda humanitária tem todo o meu apoio, seja para ucranianos, sírios ou outros, de igual forma. Refiro-me a financiarem uma guerra.

Resta à maioria dos deputados portugueses eleitos pelo povo, meditarem na anormalidade que andam a apoiar há um ano. Acham mesmo que foi para isto que o povo os elegeu? Ou continuam a acreditar nas sondagens encomendadas e aldrabadas? É que o povo não acredita e sabemos bem o que está a acontecer. Eu conheço milhares de pessoas e nenhuma foi alguma vez questionada sobre a guerra. O vosso universo estatístico deve limitar-se aos partidos políticos ou aos deputados, não? Qual é o universo das vossas sondagens? Deputados e comentadores pagos para a propaganda? Não se esqueçam que Portugal tem muita gente decente e íntegra que se tem calado mas chegou ao limite, já ultrapassaram tudo o que se podia considerar aceitável, tudo…. Tenham vergonha e desempenhem dignamente as vossas funções ou demitam-se.

Ao Sr. Presidente da República que teve o desplante de dizer que os portugueses eram todos ucranianos que fale por ele, eu não sou ucraniana, sou portuguesa e com muito orgulho do meu país e da sua História, com orgulho do meu povo e não me identifico com banderistas, radicais, racistas e gente conflituosa que faz assassinatos de carácter a pessoas decentes, que mentem descaradamente para atingir objetivos e minarem a sociedade e a vida política portuguesa. Estando ou não em guerra não têm esse direito. Resta-lhe fazer o seu trabalho que é aquilo que não faz há um ano, garantir o cumprimento da CRP. Não queremos palhaçadas, se quiser ser modelo fotográfico está na profissão errada mas, nem tenho nada contra desde que faça o que deve e que é da sua responsabilidade ao invés de só debitar disparates e falar por todos os portugueses.

Resta ao Presidente da Câmara de Lisboa explicar bem as influências de uma entidade privada que trabalha com a Câmara a pedido da embaixada ucraniana, já que ainda nem disse uma palavra sobre esse assunto. Resta aos vereadores que votaram a favor de um protocolo com a associação de ucranianos para o recebimento e acolhimento de refugiados que esclareçam como foi tomada tal decisão e como é feito o acompanhamento pelas entidades oficiais e nacionais. Investigaram a associação? Os seus membros? Ligações a grupos da extrema-direita ucraniana, racista e neonazi, e até a movimentos neonazis nacionais que, estiveram a treinar em campos do Azov na Ucrânia e que publicamente agradeceram a Pavlo Sadokha? Investigaram as atividades do Sr. Pavlo Sadokha e atestaram a sua idoneidade? Ou a vossa irresponsabilidade atingiu níveis anormais? Quem acompanha o acolhimento dos refugiados das zonas do leste, do Donbass por exemplo? Da verdadeira zona onde há guerra porque, não são os cidadãos de Lviv que fogem da guerra. Esses, na sua maioria, vêm para a propaganda e em bons carros.

Quem garante que os dados destas pessoas que se refugiam não são enviados ao SBU e as suas famílias, na Ucrânia, não sofrem represálias? E as crianças? Saberão ou conhecerão os senhores vereadores a quantidade de ucranianos em Portugal que vivem amedrontados e nem abrem a boca? Que choram pela segurança da sua família na Ucrânia? É porque a tal associação e o regime de Kiev é democrático querem ver? Tenham vergonha e resolvam com urgência a confusão que armaram e andaram a apoiar, caso contrário terá de ser o povo a fazê-lo e a mandar-vos para o desemprego.

(Por Sófia Puschinka, in Facebook, 17/05/2023)


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

As novas fogueiras da Inquisição

(António Filipe, in Expresso Diário, 15/05/2023)

Mais de 200 anos após a extinção da Inquisição e quase 50 anos após o derrubamento do fascismo há quem queira impor em Portugal uma espécie de inquisição baseada na russofobia.


1. O reitor da Universidade de Coimbra acha que pode despedir o diretor do Centro de Estudos Russos daquela Universidade com a mesma arbitrariedade com que um qualquer patrão de uma empresa de vão-de-escada despede um jovem em período experimental. Não há processo disciplinar, não há factos que o justifiquem. Há o facto de o demitido diretor ser russo e há a delação feita por dois ucranianos de que o diretor recomenda livros de autores russos e tem uma opinião sobre a guerra da Ucrânia que não coincide com a dos delatores.

Em todas as notícias que vieram a público sobre este despedimento, feito à margem de qualquer processo legal, o que é grave numa instituição pública, não há mais factos que o justifiquem a não ser a nacionalidade do autor e a delação acerca das suas opiniões.

É uma evidência que estamos perante uma grosseira violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual ninguém pode ser prejudicado ou privado de qualquer direito em razão da sua língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas.

Saiba mais aqui

 

Que os delatores ucranianos ignorem a Constituição portuguesa e os direitos democráticos que ela consagra não me espanta, mas que seja o reitor de uma Universidade a promover um despedimento sumário de um professor com base na sua nacionalidade e por delito de opinião, é algo que me espanta, me indigna, e que considero ser um enxovalho para uma Universidade cujo prestígio devia ser defendido.

Não vivêssemos nós no clima de caça às bruxas que tem sido imposto a este canto ocidental do mundo e a notícia de um reitor que, num ato de total prepotência, despede sumariamente um professor, violando os seus direitos fundamentais com o mesmo grau de displicência com que proíbe a carne de vaca nas cantinas, seria motivo de escândalo nacional e internacional.

2. Manuel Pires da Rocha é um prestigiado músico e professor de música português. É conhecido publicamente por ser o violinista da Brigada Victor Jara, mas tem um passado e um presente de enorme prestígio no ensino da música, nomeadamente como professor e diretor do Conservatório de Coimbra. Estudou em Moscovo, onde obteve o curso superior de violino e, ao contrário de outros, respeita o país onde estudou e o povo que o acolheu. Na passada semana, Manuel Pires da Rocha foi alvo de um bufo que se identificou como “judeu de origens ucranianas”, que enviou um email aos professores do Conservatório a denunciar a sua presença nas comemorações do Dia da Vitória sobre o nazi-fascismo em Lisboa. A resposta a esta ignomínia foi dada pelo próprio Manuel Rocha com o brilho intelectual que lhe é reconhecido e cuja leitura vivamente recomendo.

3. Estes dois episódios somam-se ao da Câmara de Setúbal, onde cidadãos russos foram vilipendiados e até acusados de serem espiões pelo simples facto de serem russos e de se disponibilizarem para apoiar refugiados ucranianos em Portugal, somam-se a manifestações de cidadãos ucranianos em Portugal exibindo bandeiras de organizações nazis e defendendo a ilegalização do PCP, somam-se a uma deriva de intolerância política e cultural muito perigosa para a democracia. É que, como escreveu Manuel Rocha no seu texto, citando os vampiros cantados por José Afonso que voltam a andar por aí, se alguém se engana com seu ar sisudo e lhes franqueia as portas à chegada, eles comem tudo e não deixam nada.


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.