A síndroma Tolstoïevsky

(Slobodan Despot, in Despotica, 8/8/2014, trad. José Catarino Soares)

2017. Slobodan Despot, durante a apresentação do seu romance, “Le Rayon Bleu

Nota Introdutória do tradutor

O autor deste texto, Slobodan Despot, é um escritor e editor sérvio por nascimento, suíço por adopção e francês pelo idioma que escolheu para se exprimir. O texto “A síndroma de Tolstoïevsky” foi escrito em 2014, mas parece ter sido escrito hoje, em 2024, tão grande continua a ser a sua actualidade. O seu alvo é a russofobia, da qual tivemos e continuamos a ter mil e uma manifestações em todo o “Ocidente alargado” (Portugal incluído). Despot desenterra e expõe as raízes dessa fobia: a ignorância crassa e a sobranceria ensimesmada relativamente a um país imenso, que é também uma civilização de primeira grandeza. “Tolstoïevsky” não é uma palavra inventada por Despot. É o resultado risível da confusão frequente entre Tolstoi e Dostoïevsky, verbalmente fundidos numa só pessoa — uma confusão sintomática da ignorância crassa e sobranceria ensimesmada com que o “Ocidente”, tanto o estreito como o alargado, olha para a Rússia.

O problema da abordagem ocidental da Rússia não é tanto a falta de vontade de compreender, mas sim uma vontade excessiva de não saber nada.


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Esta é a nação que produziu Pushkin e Guerra e Paz, Nijinsky e O Lago dos Cisnes; que tem uma das mais ricas tradições pictóricas do mundo; que classificou os elementos da natureza; que foi a primeira a enviar um homem para o espaço (e a última a fazê-lo); que produziu pazadas de génios no cinema, na poesia, na arquitectura, na teologia, na ciência; que derrotou Napoleão e Hitler; que publica, de longe, os melhores manuais de física, matemática e química; que conseguiu encontrar um modus vivendi secular e pacífico, baseado no respeito e na compreensão mútuos, com os seus tártaros e os seus inúmeros muçulmanos, Casares, budistas, Chukchis, Buriates e Tungúsicos; que construiu o caminho-de-ferro mais longo do mundo e que ainda o utiliza (ao contrário dos EUA, onde os lendários carris acabam comidos pela ferrugem); que explorou e cartografou meticulosamente as terras, os costumes, as etnias e as línguas do espaço euro-asiático; que constrói temíveis aviões de combate e submarinos gigantescos; que reconstruiu uma classe média em menos de quinze anos após a terceira mundialização de Gorbachev e Ieltsin; esta imensa nação, que governa um sexto da superfície terrestre, é subitamente tratada, de um dia para o outro, como um bando de brutamontes que precisam de se livrar do seu caricato e sangrento ditador antes de serem educados para servir a “verdadeira” civilização!

O Ocidente recorre ao mesmo odioso teatro de fantoches em todas as crises, de Ivan, o Terrível, a Putin-“Putler”, passando pelo czar Paulo, pela Guerra da Crimeia, pelo pobre e trágico Nicolau II e até pela URSS, onde todos os êxitos eram ditos “soviéticos” e todos os malogros denegridos como “russos”.

As nações servis, que dão aos americanos um crédito ilimitado pela sua traição e banditismo “porque nos libertaram em 1945”, não têm uma palavra ou um pensamento de gratidão pela nação que mais contribuiu para derrotar a hidra nazi… e que pagou o preço mais alto por isso. Os seus representantes eleitos são tratados como intrusos, o seu presidente é caricaturado com um ódio obsessivo e a liberdade de circulação e de comércio dos seus cidadãos, cientistas, académicos e homens de negócios é suspensa por capricho de obscuras comissões europeias, de cujos membros os povos que eles dizem representar não conhecem sequer o nome, nem por que razão ele ou ela tem nelas assento, em vez de outro qualquer fantoche das multinacionais.

Mas tudo isto não é nada. Faz parte da ordem das coisas. O Ocidente e a Rússia estão simplesmente a prolongar ad infinitum o conflito Roma-Bizâncio, alargando-o aos continentes vizinhos e até ao espaço interplanetário. Esta é a verdadeira e única guerra de civilizações. Bárbara como o saque de Constantinopla, apocalíptica como a sua queda, antiga e insidiosa como os cismas teológicos que encobrem pérfidas tomadas de poder. Escondido nas dobras do tempo, mas pronto para atacar e morder como uma armadilha para lobos. É a única armadilha, aliás, que o império ocidental não montou sozinho e não consegue desarmar. (No pressuposto de que a ameaça islâmica é apenas o produto das manobras coloniais anglo-saxónicas, da ganância do petróleo e das acções de serviços estatais ocupados a cultivar espantalhos para assustar os seus próprios súbditos, abatendo-os depois para os convencer do seu próprio poder e necessidade).

A ameaça russa, por outro lado, é de natureza diferente. Trata-se de uma civilização praticamente gémea, enraizada nas suas terras, consciente de si própria e totalmente aberta aos três oceanos, ao Ártico e aos Himalaias, às florestas da Finlândia e às estepes da Mongólia. Aqui há soberanos que ‒ desde a batalha de Kazan, ganha pelo mesmo Ivan que nos serve de papão ‒ ostentam o título de Cãs tártaros, bem como imperadores cristãos sentados na derradeira Roma, a terceira, Moscovo, que floresceu numa época em que Bizâncio gemia sob os Otomanos e o Papa sob a verga dos seus favoritos. Eis uma terra de horizontes infinitos, mas cujos contornos estão gravados na história do mundo, invioláveis embora difusos. E, por último, mas não menos importante, aqui estão os povos mais diversos que se possa imaginar, misturando os cabelos louros dos vikings com os olhos oblíquos e as peles bronzeadas da Ásia. Os russos não esperaram que a miscigenação começasse, têm-na no sangue, tão bem assimilada que já nem sequer pensam nisso.

Os cabeças-rapadas obcecados pela raça que passam nos canais de televisão anglo-saxónicos têm a mesma função que os relógios de cuco suíços: artigos para turistas.

[A Rússia] É tão parecida com a Europa. E está tão longe dela! Tão longe que os infatigáveis navegadores dos mares ‒ genoveses, ingleses, holandeses, espanhóis ‒ que conhecem o cheiro da fava tonka e a variedade das madeiras de Sumatra, nada sabem sobre a composição de um borsch [sopa de beterraba de origem ucraniana, n.t.]. Nem sequer como se pronuncia o nome desta sopa. Não é que não o possam aprender. É só que não querem. Nem querem realmente conhecer o espírito, os costumes e a mentalidade dos imigrantes exóticos que agora acolhem aos milhões e que deixam amontoar-se em guetos, porque não sabem como falar com eles.

Como criança sérvia, tive de aprender duas línguas e dois alfabetos para começar a minha vida de imigrante. Aprendi outras para conhecer o mundo em que vivo. Surpreende-me sinceramente que a maioria dos meus compatriotas suíços não saiba os outros dois idiomas principais do seu país [o alemão e o italiano, n.t.]. Como é que se pode conhecer uma pessoa se não se sabe nada sobre a língua que ela fala? É o mínimo de cortesia. E essa cortesia está cada vez mais reduzida aos rudimentos do inglês de aeroporto.

O mesmo acontece com os russos, cuja educação incorpora a cultura da Europa Ocidental e a sua própria. Onde é que se vê o inverso a Oeste do Dniepre? Desde Pedro, o Grande, que os russos se consideram plenamente europeus. Os artistas da Renascença e os pensadores do Iluminismo eram deles. Leontiev, o padre Serge Bulgakov, Repin, Bunin, Prokofiev e Shestov ainda são nossos? Claro que não. Durante dois séculos, falar francês era a regra nas famílias cultas — e por vezes ainda é. Os russos acreditavam que eram intensamente europeus, mas a Europa fez tudo o que pôde para dissipar essa ilusão. Quando os jovens russos cantam Brassens de cor, responde-se evocando “Tolstoievski”. A Europa de Lisboa a Vladivostok só era real no Leste. No Ocidente, nunca foi mais do que a projeção livresca de alguns visionários.

A Europa de Lisboa a Vladivostok! Conseguem imaginar o poder, a continuidade, a influência e os recursos de uma tal entidade? Não. Preferimos, sem dúvida, ver-nos reflectidos no Atlântico. Um mundo envelhecido e os seus próprios bandidos, desesperadamente abraçados uns aos outros sobre o mar vazio, recusando-se a ver o mundo exterior como algo mais do que um espelho ou um saque. As suas últimas trocas calorosas com a Rússia datam de Gorbachev. Normal: o zeloso cornudo tinha começado a desmantelar o seu império sem nada em troca para além de um par de botas no rancho de Reagan. Vinte anos mais tarde, os soldados da OTAN [/NATO] ocupavam todo o território, de Viena a Levive, que tinham jurado nunca tocar! No auge da Gorbymania, Alexander Zinoviev lançou o seu axioma que todos os russos deveriam aprender desde o berço: “Eles só amarão o czar enquanto ele estiver a destruir a Rússia!”

“Ah, vocês, eslavos!”, já ouvi muitas vezes dizer: “Que dom para as línguas!” Durante muito tempo, regozijei-me, tomando o elogio pelo seu valor facial. Depois, tendo viajado, compreendi finalmente. Não somos “nós, eslavos” que temos um dom para as línguas: são vocês, “europeus”, que não o têm. Não precisam, porque durante séculos acreditaram que o vosso estojo linguístico (Inglês, Francês, Alemão, Espanhol) domina o mundo. Porquê esforçar-se por falar banto? A vossa língua, o estandarte da vossa civilização, é mais do que suficiente para vós, porque para lá da vossa civilização estão os limes (como no tempo de César), e para lá dos limes, meu Deus… estão as terras dos citas, dos sármatas, dos Caminhantes Brancos, em suma, da barbárie. Ou, para o dizer sem rodeios, o limite do mundo onde os navios mergulham no abismo infinito.

É por isso que, para vocês, o russo é chinês. E o chinês é árabe, e o árabe é o inimigo. No vosso olhar preso ao vosso umbigo, vocês já nem sequer têm os instrumentos cognitivos para compreender o que os outros ‒ que, de repente, começam a contar ‒ pensam e dizem realmente sobre vós. Teriam vergonha se conseguissem compreender o árabe dos pregadores dos subúrbios? Zombariam se conseguissem perceber algumas migalhas do que os empregados de mesa chineses do 13.º arrondissement [bairro em Paris, n.t.] dizem sobre vós? Rir-se-iam se conseguissem perceber a delicadeza do humor negro dos russos, em vez de se autoconvencerem, de cada vez que eles levantam uma sobrancelha, de que as lagartas dos carros de combate deles estão a milímetros do vosso relvado.

Mas vocês não se riem. Já não se riem. Até os vossos vaudevilles presidenciais são agora comentados com caras de pau. Vocês são tão sérios quanto os gatos que ronronam no silêncio do vosso recolher obrigatório, enquanto eles, os russos, ali, riem, choram e festejam nos seus apartamentos minúsculos, no seu metro sumptuoso, nos seus blocos de gelo, nas suas isbas e até sob uma chuva de granadas de obus.

“Tudo isto não é nada”, disse eu, referindo-me ao histórico mal-entendido entre nós. A parte séria está a chegar agora. Vocês não os culpam por três pedaços da Ucrânia que nem sequer sabiam que existiam. Culpam-nos por serem o que são, e por se manterem assim! Têm-lhes ressentimento por eles respeitarem a tradição, a família, os ícones, o heroísmo — em suma, todos os valores que vocês foram treinados para vomitar. Têm-lhes ressentimento por eles não organizarem o ódio a si próprios em nome do amor ao próximo. Invejam-nos por terem resolvido o dilema que vos enfraquece e vos transforma em hipócritas congénitos: até quando defenderemos cores que não são as nossas?

Culpam-nos por tudo o que vocês não conseguiram ser!

O que é mais impressionante é a quantidade de ignorância e estupidez que têm de demonstrar para manterem a vossa fantochada de um bando de brutamontes que precisam de se livrar do seu ditador caricatural e sangrento antes de serem educados para servir a “verdadeira” civilização. Porque tudo o desmente: as excelentes relações da Rússia com as nações que contam e se defendem (BRICs); o dinamismo real do seu povo; a competência dos seus estrategas; a cultura geral do primeiro russo que vos aparece à frente, por oposição à incultura especializada do “investigador” universitário parisiense que pretende explicar-nos o seu obscurantismo e o seu atraso. É porque esta miscelânea de brutamontes ainda acredita na educação e no conhecimento, quando a escola europeia produz a ignorância socializada; ainda acredita nas suas instituições, quando as da UE são risíveis; ainda acredita no seu destino, quando as velhas nações da Europa confiam o seu à bolsa e aos banqueiros de Wall Street.

A propaganda invadiu tudo, até o ar que respiramos. O governo de Obama impõe sanções ao regime de Putin: isto diz tudo! Por um lado, Guantánamo, assassinatos por drones nos quatro cantos do mundo, a suspensão dos direitos fundamentais e a licença para matar os próprios cidadãos sem julgamento — e, sobretudo, vinte e cinco anos de guerras coloniais calamitosas, sujas e falhadas que transformaram o Médio Oriente, da Bósnia a Candaar, num inferno na terra. Do outro, uma potência que está a tentar, passo a passo, limpar as suas próprias fronteiras, as mesmas fronteiras de que nos comprometemos a nunca nos aproximarmos. O vosso governo contra o regime deles…

Sabem do que se estão a privar ao separarem-se da Rússia duas vezes por século? O derradeiro refúgio para os vossos dissidentes, em primeiro lugar e acima de tudo a testemunha-chave, Edward Snowden. Das fontes de uma parte considerável da vossa ciência, da vossa arte, da vossa música, e até, actualmente, do último porta-aviões capaz de levar o vosso povo ao espaço. Mas isso não tem importância, porque submeteram a vossa ciência, a vossa arte, a vossa música e a vossa busca do espaço à lei suicida do rendimento e da especulação. E que serem seguidos e espiados a todo o momento, como vos mostrou Snowden, não vos incomoda por aí além.

Qual é o objectivo de implantar um microprocessador GPS em cães que já estão presos por uma trela? Quanto à dissidência… Só serve para minar a Rússia. Tudo é bom para minar a Rússia. Incluindo os nazis raivosos de Quieve, que vocês apoiam descaradamente e não hesitam em acicatar contra os seus próprios concidadãos. Seja qual for o resultado, haverá sempre alguns milhares de eslavos a menos…

O que é que a Rússia vos fez para estarem tão dispostos a desencadear contra ela as forças mais sanguinárias da maldade humana: os nazis e os jihadistas? Como é que podem pensar em eludir um povo espalhado por onze fusos horários? Exterminando-o ou escravizando-o?

(É verdade que “todas as opções estão em cima da mesa”, como se diz na OTAN[/NATO]). Depor do exterior um chefe de Estado que é mais popular do que todos vós juntos? Estão loucos? Ou o mundo é demasiado pequeno para que o “Ocidente” possa coexistir com um Estado russo?

Se calhar, afinal, é isso mesmo. Actualmente, a Rússia é a guarda avançada de um novo mundo, da primeira verdadeira descolonização. A descolonização das ideias, do comércio, das moedas e das mentalidades.

A menos que vocês, atlantistas e eurocratas, consigam arrastar convosco a toalha de mesa provocando uma guerra atómica, o banquete de amanhã será multipolar. Terão apenas o lugar que merecem. Será a primeira vez na vossa história, por isso é melhor estarem preparados.

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Algumas leituras relevantes:

Jürgen Elsässer : Comment le djihad est arrivé en Europe

A.S. Khomiakov : L’Église latine et le Protestantisme au point de vue de l’Église d’Orient

Naomi Klein : La stratégie du choc

Konstantin Leontiev : L’Européen moyen, idéal et outil de la destruction universelle

C.S. Lewis : L’Abolition de l’Homme

Carroll Quigley : Tragedy and Hope

Steven Runciman : La chute de Constantinople

Eric Werner : De l’extermination, L’avant-guerre civile

Alexandre Zinoviev : La Grande Rupture, L’Occidentisme

Fonte aqui.


Podíamos ter seguido outro caminho

(Whale project, in Estátua de Sal, 26/03/2024, revisão da Estátua)


(Este artigo resulta de um comentário a um texto que publicámos, de Viriato Soromenho Marques, sobre a decadência da Europa e dos valores do Ocidente (ver aqui). Pela sua atualidade resolvi dar-lhe destaque.

Estátua de Sal, 27/03/2024)


Os “valores” ocidentais começaram, logo muito cedo, a ser impostos na expansão europeia dos séculos XVI e XVII. Eram os de civilizar as massas ignaras, muitas delas até canibais, que povoavam o resto do mundo.

Nós íamos levar a luz da civilização, do cristianismo e toda a conversa da treta semelhante. Na realidade, o que se queria era a exploração máxima dos recursos da terra; a população que lá vivia eram tidos como primitivos e brutos, sub-humanos, inferiores e não interessavam nada.

Pelo que, se África e Índia tiveram a sorte de ter climas corrosivos para a população branca – que impediram uma transferência em massa nesses primeiros tempos -, outro tanto não aconteceu na América, Austrália e Nova Zelândia. Aí, as populações residentes foram praticamente exterminadas por valorosos guerreiros cristãos, enquanto os nossos padres discutiam se eles tinham alma.

A população indiana sofreu vagas de fome terríveis, com a imprescindível colaboração de elites vendidas, enquanto os seus recursos agrícolas eram desviados para satisfazer as necessidades e os luxos dos colonizadores. A África sofreu a perda de 20 milhões dos seus filhos para o tráfico negreiro, com a colaboração de bandidos locais recrutados pelos traficantes.

Mas, foi o seu clima pouco ameno que os salvou da campanha de extermínio em massa, que caracterizou a atuação dos colonizadores na América, Austrália e Nova Zelândia. Claro que ninguém os livrou de serem pilhados dos seus recursos – através de capangas locais, e deserdados da sorte, que não se importavam de ir para a África arriscar-se às doenças que por lá havia, porque aqui não tinham nada. Mas, a não ser nas terras mais a Sul, com melhor clima, a transferência massiva de populações europeias nunca ocorreu. E foi isso que os livrou do destino cruel dos nativos americanos.

O problema é que, de algum modo, fomos sempre arranjando forma de achar que os russos eram de bandos de selvagens, não civilizados, a merecer as nossas campanhas civilizadoras – apesar de eles também serem brancos.

O que também lhes valeu foi que, em boa parte do território, o clima também não era bom mas, no Sul e na Crimeia, o caso piava mais fino. Os genoveses foram particularmente implacáveis a criar estações de comércio que compravam escravos aos tártaros da Crimeia e do Sul da Rússia que viviam da pilhagem. A escravidão por terras ocidentais, da Catalunha à Itália, foi o destino de milhares e milhares de desgraçados, enquanto outros iam bater com os ossos no Império Otomano.

Foi para evitar estas razias de pilhagem – de que os ocidentais muito beneficiaram, porque tanto se lhes dava escravizar um negro, que consideravam pagão, como um branco considerado meio selvagem e pagão -, que ditou que a Rússia começasse a achar boa ideia conquistar os territórios à sua volta. O tal pavoroso imperialismo russo.

O problema é que a mentalidade colonizadora, tal como as células terroristas adormecidas, não morreu nem morrerá. Como disse o escritor alemão Gunther Grass “isto nunca acaba, isto nunca acabará”. Podíamos ter seguido outro caminho. O caminho do negócio limpo, honesto, comprar e vender com lisura. Se não temos recursos temos pelo menos indústria, podíamos fazer isso.

A escritora de livros policiais com grande densidade psicológica, Agatha Christie, retratava o que significa, a nível individual, uma mentalidade destas no seu livro “Noite sem Fim”. Um sujeito, em vias de ser executado por assassinato, conta a sua história. Sempre fora adepto de conseguir o que era dos outros, custasse o que custasse. Matando, se necessário fosse. Aos 10 anos matara um colega, afogando-o num lago gelado, para lhe roubar um relógio que cobiçava. Acaba por casar com uma jovem norte-americana, decente e genuinamente apaixonada. Podia aí ter seguido outro caminho, refazer a vida com alguém que o amava, aproveitar os recursos que tinham. Mas optou por, mais uma vez, matar. Acabou, certamente, na ponta de uma corda.

Também nós podíamos ter seguido outro caminho, agora que a tecnologia que temos até nos permite. Temos técnicas de produção com as quais nem sequer podíamos sonhar no tempo das caravelas. A Rússia, até já se tinha deixado disso, de alternativas ao capitalismo.

Mas, tal como o protagonista de “Noite sem Fim” escolhemos outro caminho. Não arrisco prognósticos sobre o destino para onde esse caminho nos vai levar. Mas, tendo em conta o fim de todos quantos até hoje tentaram destruir a Rússia, é capaz de não ser lá muito bom.


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Nunca a Internacional Socialista desceu tão baixo

(Alfredo Barroso, in Facebook, 14/08/2023)

Nunca a Internacional Socialista terá descido tão baixo, dado o fervor belicista sem qualquer esforço pela paz – lamenta Alfredo Barroso, perante o execrável triângulo formado pelo SPD (Olaf Scholz), PSOE (Pedro Sanchez) e PS (António Costa).

Se eu tivesse que dar algum conselho aos jovens socialistas (se é que ainda os há, por aqui) seria o de repudiarem este “mundo” cheio de políticos medíocres e belicistas, supostamente de centro-esquerda, que vos convidam a “agarrar” – como naquele artigo ridículo cheio de lugares-comuns e de vacuidades, com o título “Agarrem o mundo”, escrito e publicado no jornal Público (de 12/08/2023) por uma das “eminências” pouco “pardas” do “socialismo democrático de rosto (des)humano” em Portugal, a atual ministra adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes. Ao que o PS chegou!…

O caso de Olaf Scholz é ainda mais grave. É um caso miserável de extrema cobardia e submissão à vontade do Império “Teocrático” Americano. O taralhouco que preside ao Império, “Donkey” Joe Biden Robinette – na realidade dominado pelo “complexo militar-industrial” com sede no Pentágono (em Washington) – mandou destruir à bomba o gasoduto NordStream 2, umas principais fontes de prosperidade da Alemanha (que investiu na sua construção) e, por tabela, da própria União Europeia. Pois nem um protesto se ergueu na Alemanha ou na União Europeia, e o chanceler social-democrata alemão, Olaf Scholz, apressou-se a “rastejar” até à sede do citado Império, para prestar vassalagem ao presidente Biden, num acto vergonhoso de extrema cobardia política.

Não, não se trata de ser “pacifista”! Trata-se de não ser “belicista”, de não querer esmagar, derrotar e humilhar a Rússia e de, pelo contrário, lutar por uma paz justa para ambos os contendores directos, a Ucrânia e a Rússia, tentando levá-los para a mesa das negociações e fazendo António Costa despir (metaforicamente) o ridículo “colete anti balas” com que andou a ser passeado por Kiev. Fiz-me entender?

Campo d’Ourique, 14 de Agosto de 2023


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