(Por Estátua de Sal, 16/03/2019)
Na sua coluna de opinião, no Expresso desta semana, 16/03/2019, Miguel Sousa Tavares publica um artigo com o sugestivo título “De como a luta de classes vai matar a democracia”, (https://estatuadesalnova.com/2019/03/16/de-como-a-luta-de-classes-vai-matar-a-democracia/ ), o qual reputo da pior peça que li assinada pelo conhecido colunista.
O tema é as redes sociais que são para o MST uma espécie de diabo furibundo, responsáveis por todos os males do mundo actual. Assim, as redes estão a matar o jornalismo, a colocar no poder os políticos populistas de que o Miguel não gosta (eu também não), Trump, Bolsonaro, Matteo Salvini, originaram o Brexit, e irão liquidar, segundo ele, a democracia – suponho que se estará a referir à democracia parlamentar.
Mas vai mais longe. MST pinta os frequentadores das redes sociais como uma turba de trogloditas a espumar ódio pela boca, violência, boçalidade alarve, exibicionismo impante e voyeurismo vicioso e viciante, uns cobardolas seguidistas que se acoitam no anonimato para expandir as suas opiniões primárias. Perante esta aguarela pintada a negro, só me resta manifestar a minha discordância:
- Pois bem, caro MST, eu frequento as redes sociais, coisa que tu não fazes, e por isso opinas com base naquilo que tens ouvido dizer, ou então frequentas disfarçado de Pai Natal, para que não te topem, o que ainda é pior.
- E nas redes sociais vejo de tudo, o que é uma verdade elementar já que as redes não passam de um espelho, cada vez mais abrangente da sociedade em geral. Se existem lá os trogloditas que tu vês, não é o Facebook que os fabrica: eles existem no dia-a-dia das nossas vidas. Poderás dizer que, atrás do teclado do computador, poderão esses tais alarves exprimir opiniões e ataques que de outro modo não fariam e, nesse ponto, talvez tenhas razão. Mas, estará o mal na opinião que se expressa ou na existência do sentimento íntimo que a motiva? Adiante, fica para refletires.
- O mais grave da tua argumentação, e de muitos fazedores de opinião que pululam no espaço público, é acharem que as redes sociais são as responsáveis pelo populismo, pelos Trumps e companhia.
- Se o capitalismo não estivesse numa fase de refluxo das conquistas sociais da humanidade, se a desigualdade não fosse cada vez mais gritante, se o desemprego não fosse uma realidade para muitos e uma ameaça para muitos mais, se as políticas neoliberais de gestão da economia e de ataque aos Estados Sociais do pós Guerra não fossem cada vez mais acutilantes, achas mesmo que o populismo e a ascensão da direita teriam sucesso só porque a direita faz publicar fake-news no Facebook atacando os seus “bem-comportados” adversários políticos? Se a tua resposta for positiva eu direi que é uma idiotice completa.
- O que acontece é que, durante décadas, foi possível aos políticos do sistema gerir as opiniões das multidões e condicionar os resultados eleitorais através do controle da comunicação social, a tal que tu dizes ser “de referência” e que está a morrer. E sabes porque está a morrer? Porque, em grande parte, as redes sociais permitindo uma disseminação da informação num nível que não existia em décadas anteriores, vieram pôr a nu o papel de subserviência e venalidade de muitos dos ditos jornais de referência em relação a determinados grupos económicos e/ou partidos políticos. Já há muito que não eram isentos, só que agora, tal falta de isenção tornou-se gritante e os leitores fogem. Em Portugal, o caso do Expresso, onde tu escreves, é paradigmático deste fenómeno.
- Ou seja, a comunicação social mainstream, durante décadas teve o monopólio das fake-news (lembras-te das armas químicas do Saddam? Todos os respeitáveis jornalistas as tinham visto!), e agora tem que repartir tal missão com os clientes do Zuckerberg e companhia. É, de facto, um grande aborrecimento. Na verdade, os defensores do capitalismo passam a vida a louvar os mercados, mas na hora da verdade todos querem mesmo é ser monopolistas, até na produção de fake-news e na manipulação da opinião pública!
- E chegámos à parte final da tua prosa que é a maior parvoíce que alguma vez escreveste. A parte em que dizes que a luta de classes vai liquidar a democracia. Poder-se-ia pensar que estavas a referir-te ao conceito marxista de classe, conceito estribado nos diversos níveis económicos de acesso à propriedade (capitalistas versus proletariado, burguesia versus rentistas, etc), mas não. Tu descobriste uma nova categorização. A luta de classes dos tempos modernos é a luta entre aqueles que exprimem opiniões canhestras e primárias no Facebook, que não estudam os assuntos mas que acham que tem o direito a dissertar, em oposição àqueles eruditos como tu (suponho que te consideras inserido neste grupo) que fazem os trabalhos de casa e emitem opiniões abalizadas.
- Pois bem, neste caso das redes sociais, cometeste exatamente o mesmo pecado de que acusas os opinantes do Facebook e afins. É que não fizeste mesmo os trabalhos de casa. Se os tivesses feito ficarias espantado com a qualidade de muitos textos que são publicados nos murais dos seus autores no Facebook, e que não ficam em nada a dever aos que tu publicas. Eu, no meu blog, publico muitos desses textos e também escrevo para as redes sociais.
- Sabes, há muita gente a escrever nas redes e nos blogs porque nem todos somos privilegiados como tu, com os ascendentes de família que tiveste e que te permitiram ter acesso fácil à publicação nos jornais e à opinião nas televisões. Eu, se fosse convidado a escrever no Expresso, por exemplo, achas que ficaria atrapalhado por não saber o que escrever? E como eu, muitos outros.
- É por isso que te digo que nada sabes de redes sociais, as quais permitiram a muitos publicar os seus pontos de vista e debatê-los. É lamentável que te tenhas colocado numa posição de “comentador iluminado”, uma espécie de representante da aristocracia dos jornalistas portugueses, em oposição à plebe ignara e ululante que OUSA querer ter opinião. Sinceramente, deve ser mal da época, mas deves ter sido também atacado pelo vírus da supremacia, no teu caso a supremacia das luzes e da erudição. Há outros que cultivam a supremacia da cor da pele, do sexo ou de outras características físicas.
- Assim, concluis que a democracia está em perigo porque o jornalismo de referência está em perigo e a turba está nas mãos das redes sociais e tu não vês como se pode resolver isso.
- Pois eu explico-te. Talvez seja preciso que os iluminados como tu venham para as redes sociais fazer pedagogia e deixarem o pedestal onde se colocam, pondo de lado o distanciamento e a sobranceria com que tratam aqueles que os leem, combatendo assim aquilo que dizes ser o “obscurantismo organizado das massas” (sic).
- Esse é um tipo de ação para o qual tenho dado o meu contributo, divulgando textos de carácter político e económico, nomeadamente os teus, aqui e nas redes sociais.
- Já agora, em jeito de consolação, para que percebas que as massas não são tão estúpidas como apregoas, dir-te-ei que o segundo texto mais lido neste blog, desde a sua fundação há quatro anos, é da tua autoria, “Cavaco Silva: vinte anos perdidos”,
https://estatuadesalnova.com/2016/03/12/cavaco-silva-vinte-anos-perdidos/ e teve até ao momento, 39256 leituras. É este poder das redes sociais que te escapa e este número de leitores deveria levar-te a refletir sobre aquilo que se está, de facto, a passar neste admirável mundo novo da sociedade da informação e sobre as consequências que daí irão advir no plano da política e da organização das sociedades. - No fundo, ninguém sabe para onde este trajeto e este uso da tecnologia irá conduzir as sociedades humanas. Mas não é pôr – como a avestruz e como tu -, a cabeça na areia que nos irá desvendar o fim do percurso que estamos a trilhar.
- Para terminar espero que me reconheças o direito a ter uma opinião crítica em relação às tuas posições, apesar de talvez achares que, fazendo eu parte das “massas ignorantes”, não deveria ter o direito à opinião.