(Por Um Cidadão, 10/09/2022)

(Este texto resulta de um comentário a um artigo que publicámos de Miguel Sousa Tavares ver aqui. Perante tanta verdade junta, resolvi dar-lhe o destaque que, penso, merece.
Estátua de Sal, 10/09/2022
O Miguel, porventura, deve estar a brincar.
É que só pode.
Não ia dizer nada, mas esta aleivosia disfarçada de benevolência filatrópico-cronística é de um tal descaramento que é preciso ter-se lata como só alguém que toma banho com melros a olhar para ele pode ter.
Então, no entender do Miguel, a conclusão implícita e não exprimida do artigo é – e não esqueçamos o que ele disse, «raras foram as vezes em que, falando da história do Brasil com brasileiros, não tive de escutar um rol interminável de explicações e lamentações com as culpas dos estrangeiros: portugueses, “castelhanos” ou americanos.» (e o Messias falou, e o povo acatou) – que os Brasileiros são uns preguiçosos e idiotas mal agradecidos que não souberam aproveitar aquilo que os colonizadores lhes deixaram no momento em que estes partiram!
Epa, que eu nesta nem tinha pensado. Como se, depois da saída dos Portugueses, tivesse subitamente nascido um Paraíso na Terra, no qual não existiriam desigualdades, exploração, senhores feudais na forma de latifundiários carniceiros, e uma classe alta que, à semelhança do que aconteceu em Portugal, explorava o país em seu benefício próprio e não em benefício do desenvolvimento das condições de vida da população e da elevação do país!
O Miguel parece que descobriu a marosca – os brasileiros são tão preguiçosos como os Alentejanos (pudera, a levar com tanto sol o ano inteiro) e ainda mais corruptos que as máfias Russas.
E aquela do “quinto real” é mesmo boa. Claro, os portugueses não levaram assim tanto do Brasil.
Daí se explique uma obra como o Convento de Mafra – foi construído com os restinhos do ouro que nos chegou dos simpáticos assaltantes que não desviaram a nossa herança divina (como se atrevem eles ?) para Minas Gerais.
Não se podem culpar os portugueses.
Os brasileiros até têm de estar agradecidos por termos levado escravos que “beneficiaram” o país, apesar da escravatura ser uma “infâmia”, mas «podemos dizer que não existiu nenhuma razão — histórica, económica, social ou política — para que o Brasil não fosse hoje um dos países mais desenvolvidos e mais justos do mundo.»
Pois claro! A exploração dos indígenas, os “ciclos de riqueza” (resultado do “mandato divino”), consequência da exploração dos recursos naturais autóctones por parte dos colonos portugueses, foram todos, indubitavelmente, para benefício do povo brasileiro!
Não foi para benefício dos nobres e colonos portugueses que lá se estabeleceram e que, uma vez cortadas as relações com a Terra Mãe, se aproveitaram da sua posição e consolidaram-na, dando continuidade à exploração de séculos.
Por mais que uma pessoa possa reconhecer que a exploração colonial portuguesa não foi nada em comparação com a exploração colonial, por exemplo, britânica, não se pode pura e simplesmente varrer uma história de exploração para debaixo do tapete, como se nada fosse e não significasse e implicasse grandes fragilidades na integridade de populações indígenas, das suas estruturas sociais tradicionais, modos de vida ou até a própria psicologia de um povo que sofre (e muito!) com exploração colonial da mais repressiva (porque fomos repressivos, mesmo que não tanto como outros o foram nas suas colónias), e, ainda por cima, afirmar-se do alto do cavalo xenófobo que montamos que a exploração e o roubo são coisas perfeitamente naturais e que «eu olho para isso sem complexos nem sentimentos de culpa.»
Então explorar um povo não deve incutir algum sentimento de culpa ? Caramba, ainda bem que há homens rijos como o Miguel para nos guiarem por esta escuridão hodierna, e para a qual ele tanto contribui em entrevistas ao Primeiro Ministro na TVI com apologias ao Chega.
É curioso, por outro lado, que o Miguel venha falar dos Chineses (ah, essoutros malditos explorados durante séculos e que agora se vêm meter nos nossos negócios!) que compram a Amazónia – provavelmente para fazer aquilo que mais ninguém faz, preservá-la – mas não fale dos Americanos a não ser para menorizar o que é e tem sido a intervenção das multinacionais americanas na totalidade da América Latina!
É curioso que o Miguel, por exemplo, não fale do GOLPE DE ESTADO PATROCINADO PELO DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS EUA EM 1962, instaurando uma ditadura militar, e com o qual, sem dúvida, os negócios os mais variados dos sempiternos defensores da “democracia liberal”, EUA, lucraram – e não deve ter sido pouco.
Porventura, o Miguel deve achar que uma ditadura que acabou em ’85 e os seus efeitos altamente danosos se resolvem dum dia para o outro, não esquecendo que as corporações americanas nunca abandonaram os seus esforços de colonizar capitalmente o Brasil desde então e de capitalizar com o feito!
Se o Miguel tem problemas com este argumento, eu pergunto-lhe: então, os Portugueses não se livraram duma ditadura em ’74, 11 anos antes ?
E o Sr. Salazar não construiu muita infraestrutura ? É verdade, reprimia os trabalhadores, mas o país produzia alguma riqueza, não é ? Onde é que está, desde então, esse espírito inovador e empreendedor ? Essa inefável esperança no futuro ?
Não será porque o povo era explorado em benefício duma minoria de aristocratas e capitalistas privilegiados ?
O Miguel que vá para as vinhas, que bêbedo deve ter melhores visões da história do que sóbrio da atualidade.
P.S. Perdão à Estátua de Sal pelo conteúdo mais ofensivo, mas é preciso ter-se lata – para não dizer outra coisa.
Dar uma no cravo e outra na ferradura é uma coisa, mas, como as contas do gás vão ficar mais caras e este decidiu investir numa vinha, parece que é preciso compensar os prejuízos.
O nosso Eça de Queirós, frequentador das “altas sociedades” até certo ponto, chegava a ter mais juízo do que o Miguel, afirmando no livro “As Farpas” (vou parafrasear e não citar) que o brasileiro com que nós gozamos tanto (neste caso, queixamo-nos e repreendemos) é apenas um português que desabrochou plenamente no calor dos trópicos.
Dito de outra maneira: eu não sei o que é que leva alguém como o MST, que escreve crónicas conforme precisa do dinheiro, a pensar que está de alguma forma numa posição mais elevada e que lhe permita julgar os brasileiros quando ele próprio, se lhe oferecessem um milhão de euros por um artigo destes, até escrevia com o Novo Acordo Ortográfico – o que, pode parecer que não, mas diz muito, já que (independentemente de concordarmos ou não) o Miguel acha que é um paladino resistente no meio da corja conformista.
Enfim, MST tem os seus dias.
Agradeço, e muito, o destaque, Estátua de Sal.
Aproveito a ocasião para escrever uma defesa, se me permite, que servirá de resposta a um comentador do Facebook, no qual reparei e ao qual não posso deixar de responder.
A questão em debate é um “pseudónimo” ou a anonimidade com que comento artigos.
Pensei que o mais importante num debate fosse o conteúdo daquilo que é exprimido e não quem o faz.
Muito honestamente, não procuro fazer comparações com outras personalidades, mas não encontro exemplos de pessoas que não tenham sido “celebridades”, ou tenham tido algum tipo de reconhecimento, e que me permitam estabelecer uma base para justificar o meu argumento inicial.
Pessoas como Zeca Afonso, Voltaire, George Sand, ou inúmeros outros autores, artistas, pessoas célebres ou que tenham tido algum reconhecimento por via da sua obra ou intervenção social e política ao longo da história sempre usaram o pseudónimo sem que isso representasse ou resultasse numa diminuição da credibilidade do que afirmavam.
Repito: não estou aqui a estabelecer qualquer paralelo com essas personalidades, uma vez que sou apenas um comentador interessado em esmiuçar as questões para que não me enganem em relação a certas temáticas e problemáticas da atualidade, e que procura, dentro das suas possibilidades (e sempre dado a erros que, reconheço, já cometi nalguns comentários efetuados aqui na página), apresentar “análises” honestas e que incluam ou demonstrem aquilo que penso e com o qual posso concordar ou, neste caso em concreto, discordar.
No caso das personalidades mencionadas em cima, era possível dar a cara. No meu, não.
E, muito francamente, nem sei se daria a cara simplesmente para dar – não tenho nada a provar a não ser aquilo que penso e exprimo nos meus comentários.
Se falho no que alego, não tenho outra hipótese a não ser assumir o que falhei. Se não, que diferença é que faz se me chamo Daniel, Vítor ou Fernando Cabral ?
De qualquer das formas, nos tempos em que vivemos atualmente, com listas Myrotvorets a circularem pela Internet e pessoas tão respeitadas e insuspeitas pelo seu contributo para a Humanidade como Roger Waters a serem difamadas apenas por discordarem do pensamento único instituído nas nossas televisões e redes sociais, para que é que hei-de arriscar oferecer “pistas” à minha identidade quando, no decorrente “ano do Senhor”, já fui apelidado de nazi por pessoas mais próximas do que o senhor António Moura ?
Que eu saiba, vivemos num Estado Democrático com tudo aquilo que isso implica: e nisso se inclui o direito a fornecer, ou não, a minha identidade quando assim o desejo ?
Ou vamos voltar aos tempos de antanho – que têm uma tendência para emergirem novamente praticamente a cada século – em que tem que estar tudo identificado para se punirem os desviantes e os subversivos ?
Posso ainda acrescentar que, em muitos casos, as pessoas que mais moveram a sociedade nas suas diversas metamorfoses são completos estranhos nos manuais de História e, no entanto, sem o seu contributo, nenhum de nós estaria aqui – pense no 25 de Abril.
Repito: não faço comparações e não digo que um único comentário seja uma intervenção que vá abalar as fundações da Terra.
Mas procuram menorizar a minha intervenção pelo facto de não me identificar. Ora, eu digo apenas que há muita gente que fez muita coisa na História e de quem nós não conhecemos absolutamente nada.
De modo que, nesta questão da identidade, estou perfeitamente à vontade contra quaisquer acusações.
Por último, não tenho qualquer tipo de problemas com MST.
Tenho problemas com uma certa desonestidade intelectual que, por vezes, parece não resistir, aparece, escamoteia algumas coisas e procura atribuir culpas onde elas não existem, ao mesmo tempo que se dirigem as lupas analíticas para aquilo que é conveniente apresentar àqueles que nos vão garantir o nosso lucro.
A polémica é apenas resultado de alguém que não quer assumir uma posição clara em relação a um assunto – noto que isto é apenas uma opinião minha e não uma verdade gravada em pedra.
Neste artigo em particular, MST procura atrair a atenção do leitor para o facto do Brasil ser um país disfuncional ao fim de 200 anos de independência, recorrendo a argumentos como “país rico”, “lucrou muito com a colonização” e outras pérolas de sabedoria que, inevitavelmente, muito embora MST nunca o afirme explicitamente, conduzem o leitor a concluir de que há algum problema endémico (até quase racial) que justifique o facto do Brasil ter tantos problemas, mesmo sendo um país com todas as capacidades para ser próspero.
A referência aos “portugueses, castelhanos e americanos”, a referência velada (mas bem clara) aos chineses que compram pedaços de terra na Amazónia e toda a narrativa que se pretende vender acerca dos supostos benefícios da colonização num país que, mesmo tendo muitas qualidades, mesmo tendo sido próspero aqui e ali, nunca ultrapassou “aquele” patamar de desenvolvimento e outras não são referências fortuitas.
Isto tudo são técnicas muito subtis para empurrar o leitor numa direção que o impedem de raciocinar e levam-no a atribuir as culpas (mesmo que estas possam ser mal direcionadas) a um fator em particular: os chineses que compram terreno na Amazónia.
E assim estamos chegados ao objetivo do artigo: demonstrar que a colonização “pode” ter efeitos benéficos para as populações e que, nos tempos que correm, são precisos os tipos “certos” de colonizadores (provavelmente as multinacionais americanas), em detrimento daqueles que são, supostamente, “prejudiciais” – os Chineses.
Com tudo isto, e com a agravante de MST nunca apontar o dedo diretamente a uma causa para os “males” que assolam o Brasil (porque não o faz, concluindo apenas com perguntas retóricas cuja resposta se depreende do que ele expõe), a culpa só pode ser dos brasileiros (que não aproveitam o que têm) e daqueles que a NATO há quase três meses considerou como uma ameaça para a estabilidade global – mesmo que a NATO não tenha nenhuma razão ou “mandato” (até mesmo lógico) para atuar naquela zona da Ásia e do Pacífico.
Dito tudo isto, conservo o anonimato, pois muito me apraz.
Dirigir a atenção para o facto de eu não me identificar, é desviar a atenção daquilo que é importante.
Sobre a questão do anonimato passa-se o mesmo com a Estátua de Sal. Também muitos lhe querem ver a cara. E não seria só para olharem a cara física da Estátua. Seria para lhe irem às fuças… 🙂
Sou solidário com a situação.
São sinais dos tempos em que vivemos! Mas, como outros, também estes passarão.
Basta saber se alguns terão a inteligência necessária para se aperceberem de algumas coisas importantes a tempo – já para não falar da humanidade e decência de não andarem a perseguir os outros só porque esses não querem andar a repetir os soundbites da cartilha que eles consultam todos os dias como uma espécie de totem mágico.
Tudo bem mas com uma falta: MST é um aristocrata que a seu tempo fugiu com a corte para o Rio quando os braganças entenderam que a dinastia não estava segura com junot. Por isso ele sabe de brazil mais que ninguém e não é obrigado a falar na realidade histórica, menos numa que se baseou na subjugação de indígenas e viveu da escravatura o mais que pôde. Não se peça a MST outra coisa que não raciocínios básicos e encadeados num palavreado para inglês ver. Tudo sofismado estilo vargas llosa. Se deixarem o MST à vontade far-lhe-ão um favor, uma mercê a um dos últimos dignatários da corte real de lisboa que embarcou fugida.
Acho este escrito pouco digno.
Não respeita o nível da Estátua de Sal
Não faço censura à forma como cada um se exprime, independentemente de concordar ou não com essa forma.
Bolas! Podemos discordar, mas comentários e subsequentes justificações deste cidadão anónimo quase me fazem deixar de seguir a Estátua de Sal. Luis Vieira de Sá
Não faço censura à forma como cada um se exprime, independentemente de concordar ou não com essa forma.
Estou de acordo com Alfredo Moura. E não me interessa conhecer a identidade do autor do artigo de opinião com o qual concordo em certos aspectos. Com o que não concordo é com a descortesia de certas expressões que quase roçam a boçalidade e não estão à altura dos textos que a Estátua de Sal.habitualmente publica.
Não faço censura à forma como cada um se exprime, independentemente de concordar ou não com essa forma.
Então o cidadão não pode responder com o mesmo tom do mestre da bojarda a quem pensa diferente dele? É da côr do sangue, ou do tamanho da carteira?
Concorde-se ou não com o artigo de MST – e em certos aspectos discordo dele – nesse texto não encontrei nada que possa ser considerado descortês para quem não comunga dos seus pontos de vista. Ao contrário, na resposta do “cidadão” – e não no texto subsequente em que justifica o seu direito ao anonimato – encontrei algumas expressões que, a meu ver, ferem as regras básicas de civilidade. Nada disto tem que ver com o direito à livre crítica mas tão-somente com a forma como esse direito é exercido.
Aceito a sua crítica.
Cumprimentos.
GOSTAVA de saber pq a Estátua ,nunca ou quase nunca publica o que escrevo’ ‘ ?informo que escrevia no Jornal Republica,sabem o que era ? embora sofresse censura brutal ,conseguiamos publicar textos…..mas tem boa memória ! heranças……dizem ,submetemos ,subetem a quem?…..
Até voltei a ler, na íntegra, a (looonga, é verdade) explicação do “Um cidadão” acerca das razões do seu anonimato a ver encontrava o tal conteúdo ofensivo a “roçar a boçalidade” como alguém referiu.
Acho que devo ser “baixo nível” porque nada me chocou. Percebi então o que deu origem à justificação (facebook) que, por não me interessar, tinha parado de ler. O desinteresse manteve-se inabalado.
Agora, se alguém se sentiu ofendido por este senhor em questão ter desmanchado a história de Portugal/Brasil da carochinha, que o Miguelito conta e que tanto gostam de acreditar,…
…temos pena.
Os meus conhecimentos de História do Brasil são limitados mas, juntando esses escassos dados aos que todos temos (creio eu) da História do Mundo, retirando o folclore e juntando uma pitada de lógica, acabo por chegar ao mesmo ponto de vista do “post”.
Se analizarmos a História sem filtros, talvez esta venha a servir para algo de construtivo e não apenas para justificar crimes e enaltecer egos nacionalistas.
Mais ou menos a propósito e para terminar de uma forma positiva, aconselho a leitura de um livro muito interessante entitulado “História de Lisboa” escrito por uma senhora professora lusodescendente, creio, da Universidade de Paris chamada Djanirah Couto.
Atenção: Extremamente ofensivo para chauvinistas e patrioteiros.