Os moralistas da Ucrânia e do Catar

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 19/11/2022)


O moralista é alguém que transforma os sacrifícios alheios em lucro próprio em nome de belos princípios na defesa do Bem.

A Bíblia, que é uma fonte de conhecimento sobre a perversidade dos seres humanos, já execrava os falsos moralistas e verdadeiros vigaristas, para alerta dos crentes: “Pois se alguém vos disser: Eis aqui o Cristo! ou: Ei-lo aí! não acrediteis; porque hão de surgir falsos cristos e falsos profetas, e farão grandes sinais e prodígios; de modo que, se possível fora, enganariam até os escolhidos” (Mateus 24:23–24).

A guerra na Ucrânia o o Mundial de Futebol no Catar são os mais recentes exemplos do falso moralismo vendido aos crentes dos princípios do “Ocidente”. A propósito da Ucrânia, o “Ocidente” através de políticos de grandes responsabilidades nos Estados Unidos e na União Europeia, classificava aquele regime como uma democracia de farsa (iliberal) gerida por uma oligarquia das mais corruptas do planeta. A importância da localização estratégica da Ucrânia, na fronteira com a Rússia, para o domínio da Euroasia alterou essa afirmação de ofensa aos princípios de administração política em vigor no Ocidente e o regime ucraniano transubstanciou a sua essência. Somos todos Ucrânia! — O Ocidente defende os seus princípios na Ucrânia! — daí até o Ocidente pagar o funcionamento de um Estado vassalo, o enriquecimento de uma oligarquia corrupta e apresentar como virtuosos políticos e militares vindos das milícias nazis, herdeiras das tradições da Segunda guerra foi um passo que está dado. O dinheiro escorre, os negócios de armas e de exércitos privados vão de vento em popa, já se fala em contratos de reconstrução de infraestruturas, de fornecimento de novas armas. Nem uma palavra sobre paz, direitos dos cidadãos, respeito por princípios de humanitarismo, de compromissos políticos. O princípio do Ocidente na Ucrânia é o de pagar a uma oligarquia local para fazer uma guerra ao seu povo e colocá-lo a render lucro aos investidores. Quanto dinheiro precisam para fazer a nossa guerra?

No Catar, quanto ao Mundial de futebol, a FIFA é o Ocidente, e a FIFA, tal como a Comissão Europeia ou a Casa Branca em Washington, defende os mesmos princípios que o Ocidente defende na Ucrânia: fazer negócios com os chefes de bando que se vendem e vendem o que é de todos. O Catar é governado por uma elite de antigos cameleiros que foram nobilizados pelos ingleses — são agora príncipes! — e que vivem da venda o petróleo que a natureza colocou por debaixo dos pés dos camelos. Uma mina que o Ocidente da bola — a oligarquia da FIFA — não podia deixar de explorar na medida do possível. E assim foi. Fabulosos contratos de construção civil para erguer uma cidade do futebol à custa de trabalho escravo. Mas contratar escravos para fazerem os trabalhos duros e arriscados faz parte dos princípios do Ocidente.

A evocação de princípios para justificar a guerra na Ucrânia (como antes no Iraque, ou no Vietname, ou na Líbia, ou no Afeganistão) é tão sério e respeitável como um taberneiro lamentar as mortes por cirrose, ou um proxeneta clamar contra as doenças venéreas e elogiar a virtude da castidade! Lamentar a morte dos emigrantes asiáticos no Catar foi assumido como um mal menor. Podiam ter morrido nas inundações das monções, por exemplo. Os príncipes do Catar não são mais cruéis que a natureza!

O artigo do The Guardian (ver aqui), intitulado “Beer ban, Beckham and a vagina stadium: the World Cup in inglorious technicolor” — Proibição de cerveja, Beckham e um estádio vagina: O campeonato do mundo numa vergonhosa pelicula em technicolor. Uma parte deliciosa do texto refere a opinião de Beckham sobre o melhor que o Catar tem para oferecer: um mercado de “spices”. Logo ele, casado com uma spice girl!

“Infelizmente, a única coisa que alguém agora quer ouvir de Beckham é uma resposta à pergunta “quanto dinheiro é suficiente?”. Algumas estimativas colocam o lucro da sua atividade promocional do Qatar em 150 milhões de libras ao longo de 10 anos, o que dá cerca de 12 milhões para cada hora em que ele fez de relações públicas na fila para a homenagem à falecida rainha Isabel. Cínico? Ei, não sou eu que sou um metrossexual auto-comercializado cuja fortuna familiar foi recentemente estimada em £ 425 milhões, mas que de alguma forma quer ainda mais dinheiro de um regime que aprisiona e brutaliza os gays e mulheres…

São estes os princípios do Ocidente. Segundo os nossos políticos e propagandistas estamos a defendê-los na Ucrânia e no Catar!

A resposta a esta verificação de hipocrisia é os seus adeptos dizerem que os outros são iguais, ou piores. que o Ocidente. Talvez sejam. Mas é uma coxa justificação, pouco racional, até, pois quer dizer que defendemos os mesmos princípios deles, dos inimigos. Não nos distinguimos e por isso escusamos de gritar que somos Ucrania, ou que somos Catar, de usar bandeirinhas na lapela ou sobre as fotos. E razão tem, então, o presidente português ao afirmar que o que interessa agora é ajudar o esforço de guerra na Ucrânia e apreciar o futebol, mesmo com a garganta seca.


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As milícias do fascismo, isto é a sério

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 17/11/2022)


Foi hoje publicada na revista Visão um trabalho de jornalismo de investigação da autoria de Miguel Carvalho sobre as milícias organizadas clandestinamente nas Forças de Segurança e identificadas com um partido político. O título está escarrapachado nas montras: O Braço Armado do Chega.

O Chega é, embora não pareça, um partido político que existe na ordem constitucional portuguesa, que proíbe milícias partidárias e religiosas. Sobre o assunto, que se saiba, nem a Procuradoria da República, nem o Presidente da República, nem o Presidente da Assembleia da República, nem qualquer dos partidos parlamentares, nem o Tribunal Constitucional agiu: Uma investigação criminal, uma investigação parlamentar? Moita, carrasco! São cúmplices?

Se a Polícia Judiciária mobiliza uma centena de agentes para arrestar a adega de um inofensivo (embora amante do bom da vida)antigo banqueiro, que diabo, não haverá meios para expurgar das forças de segurança potenciais inimigos da ordem em que vivemos? Ou não haverá vontade? Ou os aparelhos políticos portugueses (e europeus) já estarão tão contaminadoss de fascistas como a PSP e a GNR?

Sem fintas semânticas: Um órgão de comunicação social com tradições de seriedade chama para a sua capa este facto: Um partido político tem uma milícia que defende o racismo, a violência, a xenofobia, o ódio organizada no interior das forças de segurança! E o Estado, senta-se e contempla.

Também é da história que, na ausência da autoridade do Estado, a sociedade se organiza para se defender. Temos em Portugal exemplos recentes.

Mas qual a reação da opinião pública (a massa inorgânica que sustentou o Estado Novo) que urra perante a nomeação (dentro da lei) de um jovem licenciado para o gabinete de uma ministra, que urrou durante meses contra um ministro que seguia num carro oficial que teve um acidente, que exigiu a demissão da ministra da saúde por causa de um parto mal sucedido de uma cidadã estrangeira que chegou nos últimos dias da gravidez a Portugal para obter a nacionalidade, qual a posição dos grandes órgãos de manipulação da opinião sobre o facto?

A demagogia tem, nesta ausência de reação uma boa prova da sua eficácia. A massa é serena: continua a suportar com resignação a pedofilia de católicos romanos, o esbulho através dó dizimo dos evangelistas americanos e brasileiros, as violências contra as mulheres dos islâmicos e, pelo que vemos, aceita agentes policiais fascistas, racistas, xenófobos, sem caráter, que utilizam a força do uniforme e da arma para imporem a sua lei.

Qual a reação das mais altas instâncias do Estado Democrático a este estadp de coisas? Uma comissãozinha de inquérito?

É conhecida a origem destas milícias fascistas nas sociedades ocidentais e está bem estudada. É conhecida a organização dos operários e dos camponeses no início do século originadas pela revolução industrial e pela revolução russo, é conhecida a resposta das classes possidentes, com o nazismo e o fascismo, o aproveitamento que fizeram recrutando o lupmen proletariado. (É neste meio que são recrutados estes jagunços que ganham a vida como psps e gêéneres — PSP e GNR, instituições que merecem respeito e apoio da sociedade, mas que têm de se expurgar desta sarna, destes vermes que as corroem.)

Estas organizações, como estes azoves da PSP e da GNR portuguesas, estão estudadas, sabe-se que interesses está por detrás do chamado Movimento Zero, como quem está por detrás do Chega. Como se sabia quem estava por detrás das SS e dos camisas negras de Mussolini, ou, mais recentemente dos GRAPO, de Estanha, ou da OAS em França. Estamos perante organizações com grandes financiamentos, com grandes meios e com objetivos conhecidos. Não estamos perante amadores de lutas de ginásio, nem de garnisés apanhados a esmo porque falam de bola nas TVs e mandam gafanhotos para os microfones como fazem o Ventura nacional e o Zelenski pelas bases da Ucrânia.

A guerra na Ucrânia é uma prova real para os regimes democráticos e para os democratas. Quando aceitamos defender milícias nazis do AZOV, sem nada ter aprendido com a cumplicidade que Reagan estabeleceu com a Al Qaeda de Bin Laden, crismando os fanáticos de “combatentes da liberdade” estamos a fazer o nó na corda que nos vai enforcar. Estes azov do Chega são um inimigo da nossa sociedade. É como um perigo e um inimigo que as autoridades portuguesas têm de os tratar.

Já tivemos as milícias da Legião Portuguesa, as FAC (Formação Automóvel de Choque/Força Anticomunista de Combate, comandada por Casal Ribeiro), parece existir quem os queira de volta, com carros novos, claro, mas com os mesmos princípios de cães de fila dos poderosos.

Julgo que estes jagunços gritarão Viva a Ucrânia (Slava Ucrania!) e que serão fervorosos seguidores de Zelenski!

Os comandantes e dirigentes da GNR e da PSP, o governo e os políticos com consciência têm de agir e matar no ovo esta bicheza.


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João Miguel Tavares e André Ventura, unidos à nascença

(Por Valupi, in AspirinaB, 10/02/2022)

Os siameses

João Miguel Tavares e André Ventura são dois casos miméticos de sucesso meteórico e retumbante na sociedade portuguesa.

O primeiro, até Sócrates o ter processado em 2009 por causa do artigo “José Sócrates, o Cristo da política portuguesa”, era um banal e irrelevante colunista sem conotação ideológica definida. Depois desse episódio, extremado por Sócrates que esgotou todos os meios judiciais na procura de uma reparação, este Tavares tornou-se numa super-vedeta da indústria da calúnia e do laranjal. Rapidamente, saltou do DN para o esgoto a céu aberto. Os 10 anos seguintes foram de crescente, sistemática e maníaca exploração do filão. A um ponto tal que, chegados ao início de 2019, ele já era uma anedota desvairada no seio da própria direita, a começar a perder a paciência para a sua obsessão disfuncional por ser agora fétida canalhice que se ia voltando contra os direitolas que não o coroassem como magno herói das Grandes Guerras Socráticas. Foi nessa fase de esgotamento da fórmula que lhe caiu na vaidade, ex machina, uma das mais altas honras da República: presidir à comissão das comemorações do 10 de Junho. À esquerda ouviram-se raríssimos e abafados protestos de indignação pela degradante afronta. À direita não se conseguiu esconder o espanto com o atrevimento burlesco de Marcelo e soltaram-se alarves gargalhadas com a justificação dada pela Presidência para a escolha, isso de ser uma homenagem ao “jornalismo”. O regime, portanto, validou e celebrou um caluniador profissional apenas e só por ser um caluniador profissional ao serviço do assassinato de carácter de Sócrates e do maior número de personalidades socialistas, e afins, que conseguisse apanhar na sua linha de tiro mediática.

O segundo, até Passos Coelho lhe ter oferecido o PSD como plataforma política, não passava de um comentador chunga que aparecia num canal por cabo chunga a falar de futebol com outros chungas. Qual o seu o currículo, à data, para Passos o escolher como cabeça de cartaz na importantíssima Loures? Uma simples publicação no Facebook em 2016, onde atacava os muçulmanos na Europa no contexto de um atentado em Nice, juntamente com as técnicas de emporcalhamento afinadas na CMTV, fizeram de Ventura o espécimen ideal para uma experiência inovadora em Portugal: testar junto de um eleitorado onde existissem conflitos sociais, insegurança e racismo larvar um discurso securitário e de xenofobia populista sob a chancela de um dos partidos fundadores da democracia. A obscena intenção foi tão descarada que o CDS-PP, honra lhe seja, decidiu romper a coligação com o PSD para essa autarquia. Nada que perturbasse o vale tudo de Passos e seus tenentes, bêbados de rancor por causa de 2015, que subiram para o palco com Ventura e lá ficaram a chocar o ovo. Depois Passos recolheu-se em Massamá à espera de uma manhã de nevoeiro e Ventura saiu do PSD para ir a Fátima aprender a fazer milagres. 5 anos mais tarde, o Chega é a terceira força política no Parlamento e a normalização de quem despreza os direitos humanos, de quem ameaça destruir os pilares constitucionais e de quem pretende instituir uma ditadura policial vai de vento em popa na “imprensa de referência” e no consulado de Rui Rio à frente do PSD.

João Miguel Tavares e André Ventura cultivam com fanatismo babado e asinino a imagem de Passos Coelho. Pintam-no como chefe mítico de uma direita triunfante, imperial. Uma direita capaz de correr os piegas a pontapé para além-fronteiras e de prender os adversários políticos por razões políticas.

Daí a sinergia de agendas, o trabalho de influência que o Público e a TVI/SIC (até ao ano passado também a TSF) exercem ao darem ao caluniador profissional um prestígio máximo como moralista da Grei. Acham que o podem controlar, por não passar de um videirinho, e que entretanto a chicana contra o PS justifica os métodos mais sórdidos.

Enquanto o linchamento de Sócrates for mais importante do que o Estado de direito democrático para a comunidade que somos, o Chega continuará a crescer pois não passa da evolução lógica do que a oligarquia ordenou que o PSD fizesse a partir de 20 de Junho de 2008. Há um ecossistema político e mediático cristalizado onde se pratica o ódio político e se despreza a coragem constitucional. João Miguel Tavares e André Ventura enchem os bolsos à conta dessa decadência, dessa desonra colectiva.


Fonte aqui


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