(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 27/11/2015)

Daniel Oliveira
A atual situação política deu uma importância insuspeitada às eleições presidenciais. A insistência de Passos Coelho e Cavaco Silva (teve ontem mais um lamentável discurso carregado de ameaças e rancor) na tese de uma suposta ilegitimidade deste Governo tem como principal alvo o candidato apoiado pelo PSD e pelo CDS. Querem que Marcelo se comprometa com a dissolução da Assembleia da República em abril, quando passarem seis meses das eleições, não dando tempo a António Costa para consolidar a sua posição. As presidenciais passaram a ser o tudo ou nada para o futuro de António Costa e de Passos Coelho.
A direita sabe que Marcelo Rebelo de Sousa não cometerá o erro de se comprometer com uma dissolução. Apesar de terem tentado convencer o país do contrário, PSD e CDS valem menos de 40% dos votos. Com isso Marcelo ficaria bem distante de uma vitória na primeira volta. Mas querem garantir que não se compromete com o oposto. Garantir que não diz, como seria normal que dissesse (já disse quase mas ainda não o disse), que, a não ser que esteja em causa o regular funcionamento das instituições, não dissolverá o Parlamento enquanto o Governo de António Costa tiver o apoio parlamentar necessário.
O maior risco para o governo de António Costa não é, no entanto, a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa. Apesar de originário da direita e de militante do PSD, todos sabem que tem uma agenda própria e que essa agenda não passa, seguramente, por fazer favores a Passos Coelho. Pelo contrário, Marcelo é o candidato que Passos nunca quis (e deixou-o bem claro) e Passos é o político que Marcelo não aprecia. São talvez os maiores inimigos destas eleições.
O maior perigo para António Costa é Maria de Belém. Não é dona de uma agenda própria, é a candidata da ala derrotada por Costa no PS e a candidata desejada por Passos para enfraquecer PS e Marcelo em simultâneo. Se há candidato que representa as forças que querem ver fracassar um governo de esquerda é, sem qualquer dúvida, Maria de Belém.
Junta-se a esta agenda política uma agenda programática: da primeira vez que um governo de Costa toque com um dedo que seja nos interesses dos grupos privados de saúde ou tente reverter a entrega de partes do Serviço Nacional de Saúde às Misericórdias encontrará em Maria de Belém, autêntica plataforma logística de interesses privados, oposição mais do que certa.
Perante isto, parece-me incompreensível a estratégia de divisão a que se assiste na esquerda. Não falo de voto útil contra Marcelo. Edgar Silva e Marisa Matias representam o melhor do PCP e do BE – militância social empenhada e abertura para o mundo e para o diálogo. Mas estas candidaturas são especialmente difíceis de explicar quando, numa área política contígua, se encontra um candidato independente, claramente situado à esquerda (à esquerda de Jorge Sampaio, que PCP e partidos que deram origem ao BE apoiaram sem qualquer problema) com a possibilidade de chegar à segunda volta e que representa naturalmente o espaço político que garantiu o apoio maioritário ao próximo governo.
Numa situação normal, as candidaturas de Edgar e Marisa seriam uma ajuda ao conjunto da esquerda. Ao contrário do que se costuma pensar, mais candidatos é mais escolhas, mais escolhas é mais gente a votar à esquerda, mais gente a votar à esquerda é menores possibilidades de maioria absoluta de Marcelo à primeira. Acontece que estas candidaturas só podem existir e crescer à custa de eleitorado potencial de Sampaio da Nóvoa e só por via desta divisão Maria de Belém, mesmo ficando abaixo dos 20%, surge como candidata a uma segunda volta com Marcelo. E numa segunda volta entre Marcelo e Belém a esquerda teria de fazer uma escolha irónica: ou eleger uma representante dos que no PS (e no PSD) se opõem ao Governo de esquerda ou dar a vitória à direita nas presidenciais.