O Escorpião

(Por André Lamas Leite, in Facebook, 12/03/2023)

Nunca votei em Marcelo Rebelo de Sousa, pelo simples facto de me parecer uma pessoa em quem não se pode confiar.

Deu-me algumas aulas na Faculdade de Direito do Porto, nas quais se limitava a contar estórias, sem qualquer conteúdo programático, fazendo gala em chegar como o grande sábio com direito a todas as mordomias.

Bastava estar minimamente atento ao seu percurso como comentador para perceber que foi sempre um cata-vento e que, não duvidando que se considere católico, existe uma clara falta de sintonia entre o que prega e o que faz e nunca se importou – pelo contrário – em capitalizar alguma simpatia apenas por via da religião que professa. Deste prisma, está muito longe de Guterres, esse sim, alguém que sabe separar as águas.

Marcelo não tem amigos e inimigos, mas peças de xadrez que vai movimentando consoante as suas conveniências de poder, de popularidade, outras que desconhecemos ou simplesmente porque se diverte imenso com conversas e jogadas palacianas. Ninguém se esquecerá de episódios como o da “vichyssoise” ou do “lelé da cuca”, dirigido a Balsemão e que lhe valeu um corte de relações deste último e um gatinhar de Marcelo atrás de Balsemão para o perdoar, pois certamente lhe interessava.

Ninguém conhece verdadeiramente Marcelo, nem ele próprio, pois que, como é já um lugar-comum, o que tem de inteligência, tem de maldade. Acha que se preocupa com os interesses dos portugueses, mas, na verdade, não consegue desligar-se da paixão narcísica que sente e pelo culto da auto-personalidade. Marcelo deve beijar frequentemente a sua imagem ao espelho e considerar todos os demais como seres menores em torno de um ser de luz. Uma espécie de Nossa Sra. de Fátima cercada pelos pastorinhos.

Tanto não o conhecemos – ou melhor, conhecemos a sua interesseira volatilidade – que, esta semana, desfez o Governo a que sempre “pôs a mão por baixo” (nas suas próprias palavras). Não me recordo de ver um Presidente da República (PR) fazer comentários tão diretos à atuação de um Governo. Talvez algo só comparável ao “Portugal, que futuro?” organizado por Mário Soares contra Cavaco.

Uma clara demonstração de propositado incumprimento das competências constitucionais do Chefe de Estado, que nunca conseguiu largar o fato de comentador e que, por isso, cada vez que fala, menos gente o ouve. Quando disser algo realmente importante, todos pensarão: “lá está o Marcelo com as suas coisas”. Nada de pior pode acontecer a um PR que perder o instrumento mais importante da sua magistratura de influência.

Bastante fragilizado, o Governo já não é uma carta segura para Marcelo que, por isso, diz que este foi um ano perdido, fala no executivo como de comida requentada se tratasse ou de um cavalo cansado. Definitivamente, os sinais que se tornaram ostensivos com o inadmissível puxão de orelhas a Ana Abrunhosa ou com o simulacro recente de sintonia à porta aberta entre Belém e São Bento, pelos vistos transformada em elevada tensão quando os jornalistas desapareceram, tudo devido à fraca execução do PRR, são agora fraturantes.

Já não compensa apoiar o Governo. Mas, sobretudo, já não importa o país, ainda que Marcelo tenha achado todos estes anos que devia viver em relação simbiótica com o executivo. E isto é assustador, por demonstrar uma total falta de projecto político para o país, que também cabe ao chefe de Estado. Marcelo sempre foi muito melhor comentador calculista que executor – na verdade, nunca executou nada, e talvez ainda bem. Faz lembrar os militares que elaboram milhares de cenários, escrevem sobre a guerra, participam em exercícios, mas nunca sequer dispararam uma arma. Marcelo é, nesse ponto, a personificação perfeita dos portugueses: um eterno treinador de bancada – e talvez isso explique a simpatia de que foi gozando com os seus “bitaites” da política ao futebol, passando pela religião e culinária.

Não discordando do diagnóstico do PR, estas coisas não se dizem em público, abrem crises desnecessárias e são até caricatas com o chefe de Estado a dizer que não dispensa o poder de dissolução parlamentar. Mas por que carga de água havia de o fazer? Não se encontra o mesmo constitucionalmente previsto? Ou terá sido um acto falhado em que Marcelo se traiu a si próprio ao admitir que a sua atuação nada mais é que uma navegação populista à vista?

Quando a extrema-direita tiver assento num futuro Governo, Marcelo será tido como um dos seus principais responsáveis. E a essa acusação sempre fugirá e argumentará, pois que o voto de silêncio não é o seu forte.

Se o católico Marcelo tivesse tomado tal voto, há muito teria deixado o hábito. Pena é que o hábito de não se saber nunca o que realmente pensa sobre nada, por ser capaz de defender tudo e o seu contrário, façam dele o personagem político que, nos futuros livros de História, mais difícil será de catalogar. Marcelo é Marcelo e as suas “marcelices”. E ele adora ser assim.

Quando o país mais precisava de um Presidente com espinha dorsal, temos este ser cuja coluna vertebral é mais flexível que a interpretação abjeta de vários bispos sobre as claras orientações de Francisco.

Citando o grande filósofo luso-descendente Baruch Espinoza, “o que Paulo afirma sobre Pedro diz-nos mais sobre Paulo do que acerca de Pedro”.


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A “ominosa” Praça do Império

(Amadeu Homem, in Facebook, 26/02/2023)

Vão por aí raios, coriscos e trovões a propósito da Praça do Império e dos seus brasões “colonialistas”. O pensamento vanguardista exige que a praça mude de nome e que se retirem os brasões, sejam eles feitos de buxo ou reproduzidos por pedrinhas da calçada à portuguesa.

Pelo que me respeita, o que eu tenho a dizer é que sempre tentei respeitar o pensamento dos meus semelhantes, por muito que ele possa diferir do meu. Por isso, compreendo muito bem que os anticolonialistas queiram modificar a praça e suprimir os brasões.

Dito isto, o que eu mais gostava era que este pensamento pudesse ser levado ao seu grau máximo de coerência. Analisados os pressupostos desta lógica, chegaremos à conclusão que o presente e todas as suas realidades se deva substituir ao passado e a todas as suas infâmias.

Não se vê motivo para travar o pensamento iluminado, a meio do seu caminho intelectivo. O mosteiro dos Jerónimos, bem vistas as coisas, também está a mais e é um ultraje. Recorda os tempos ominosos em que Portugal foi clerical e monárquico. Ora, isto não pode ser! O presente, todo ele validamente laico, exige que esta lepra da ilusão religiosa e do poder concentrado sejam raspados com a telha do bom senso.

Portugal falhou deploravelmente o seu Destino e a sua História. Olhe-se bem para esse Portugal português do nosso tempo. Que vergonha! Um país do século XXI coalhado de ermidas, igrejas, conventos, mosteiros! Pode lá ser! Apliquemos a todo o Portugal o sabão da fúria com que se pretende retirar da Praça, vergonhosamente chamada do Império, os brasões “colonialistas”! Abaixo as igrejas! Destruam-se os mosteiros e as ermidas! Pode lá tolerar-se que num Portugal lavadinho e modernaço sobrevivam estes lixos de épocas obscurantistas. Pode lá conceber-se que exista em Portugal uma Torre dos Clérigos, um mosteiro do Lorvão e da Batalha, uma Torre de Belém, evocando os inícios desse deplorável colonialismo. Os Poderes Públicos deverão agir prontamente, decretando para muito breve a lei do camartelo para aquilo tudo.

Mas há mais: a própria Cultura Portuguesa necessita imperativamente de correções “joacínicas”, de surtidas antirracistas, carecendo e suplicando um banho lustral de desalienação. Pode lá admitir-se que se possam ensinar nas escolas poesias e prosas tão reacionárias como “Os Lusíadas”, de um tal obscuro Camões, como a “Peregrinação, desse mentiroso compulsivo, que dava pelo nome de Fernão Mendes Pinto, como a Carta de Pero Vaz de Caminha, como a “Mensagem” desse badameco imbecil chamado Fernando Pessoa! Pode lá tolerar-se que se diga, em fraseologia sem suporte dialético e sem largueza de apreciação, que um jesuíta palavroso como o Padre António Vieira seja apresentado como o “imperador da língua portuguesa”! Cá está a palavrinha “imperador” a denunciar tudo o que é retrógrado, regressivo, aprisionado ao ontem!

O que Portugal está carecido, como pão para a boca, é de uma “revolução cultural” idêntica à que foi feita por um génio chinês da política, chamado Mao Zedong, infelizmente já falecido. Esse prodígio mental lançou uma campanha, no seu tempo, contra os pardais que comiam muito grão nas searas. Toda a China andou atrás dos famigerados pardais. Nos anos seguintes as colheitas caíram a pique na sua produtividade, porque o portento intelectual não se lembrou que os pardais também comiam as lagartas. Morreram milhões de pessoas, mas salvou-se um dos nomes axiais do comunismo. Ou seja: nem tudo se perdeu!

Também entre nós, iremos salvar o Bairro da Pampulha, mas não a Praça do Império; o Borda d’Água, mas nunca os “Lusíadas”; o estádio do Benfica, mas jamais a Torre dos Clérigos; os discursos das Manas Mortágua, mas com exclusão autoritária do aranzel de Pero Vaz de Caminha…e assim por diante.

Quando nos falarem de Afonso Henriques, haveremos de dizer, sensatamente: “esse bruto até na mãe batia” ; se ouvirmos o nome de D. Dinis, iremos obtemperar: “era tão atrasado que nunca soube organizar eleições”; no caso de falarem na “Ínclita Geração dos Altos Infantes”, obtemperaremos: “nunca ganharam o torneio de futebol dos Campeões Europeus”; e se nos vierem com a crueldade de D, João II, responderemos: “teria de estagiar com Estaline ou Putin, para ser coisa que se visse”.

A Praça do Império, onde hoje se deslocam estrangeiros, por ser um local próximo da fábrica dos Pastéis de Belém, necessita ser suprimida com a máxima urgência. A bem da nossa Cidadania e a bem do Progresso. Ponham lá um monumento ao futuro. Sugiro que tenha a forma de um manguito. E depois coloquem lá o Beijocas a vender “selfies”.

Com esta gente, acho que não iremos merecer mais!


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A atribuição da Ordem da Liberdade a Zelensky revela um abuso de poder

(Por António Justo, in Geopol.pt, 24/02/2023)

Não estará MRS a alinhar no carnaval político a que nos acostumaram, transformando a Ordem da Liberdade numa distinção de Ordem Carnavalesca?


O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa decidiu atribuir a ordem da Liberdade a Zelensky, o que tudo indica ser um abuso do poder.

Atribuir o mais alto grau dessa ordem (Grande-Colar da Ordem da Liberdade) no dia 24 de fevereiro,  a um presidente que proibiu onze partidos, andou metido em embrulhos de questões oligárquicas, e seguidor de uma política em desacordo com o cumprimento dos acordos de Minsk que pretendiam estabelecer a paz entre grupos nacionais rivalizantes na Ucrânia, num período  em que a Ucrânia se poderia ainda tornar-se numa república federal, revela-se como abuso e pleno desconhecimento do que se passou na Ucrânia e do que a História dirá sobre ela, sobre o actuar dos seus presidentes e dos beligerantes geoestratégicos. Ou será que o poder e os interesses de alguns cegam?

Será que o senhor presidente Rebelo de Sousa não estará a meter o carro à frente dos bois por mera razão de proselitismo do próprio cargo ou para alinhar no carnaval político a que nos acostumaram, transformando a Ordem da Liberdade numa distinção de Ordem Carnavalesca?

A Ordem da Liberdade destina-se a galardoar «serviços relevantes prestados em defesa dos valores da Civilização, em prol da dignificação do Homem e à causa da Liberdade»  O papel de Zelensky não enquadra em nenhum destes serviços!

O facto de servir interesses anglo-saxónicos, num conflito que explodiu em 2014 na guerra civil que matou 17.000 pessoas, pressupõe um conceito de liberdade emoldurada numa cultura guerreira e não pacífica.

Colocar-se de um lado ou do outro de um povo ucraniano dividido não significa lutar pela liberdade dele, mas sim pelo serviço de interesses, chamem-se eles russos ou ocidentais. O senhor Presidente da República é-o de todo um povo e como tal não se deveria sentir legitimado a colocar-se ao lado dos EUA nem da Rússia!

Esta é uma guerra suja que deixa sujos todos os os que nela intervêm!


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