O sublime a que temos direito

(António Guerreiro, in Público, 22/09/2017)

Guerreiro

António Guerreiro

As catástrofes naturais anunciadas com hora marcada, como é o caso dos furacões, provocando o êxodo temporário de populações urbanas, são sempre uma “decepção”. O mundo inteiro prepara-se para o espectáculo da destruição radical, actualizam-se as narrativas e representações do Dilúvio, o tom milenarista e teológico sobe a um elevado nível de amplitude, abrem-se instruções ao processo da teodiceia, como fez Voltaire, no século XVIII, depois do terramoto de Lisboa de 1755, mas tudo acaba mais ou menos em cálculos para as seguradoras, nos países ricos, e em prolongamentos da catástrofe regular e permanente, nos países pobres.

Já as catástrofes não anunciadas, contra as quais não foi possível activar os sistemas de imunização e segurança, são geralmente muito mais incalculáveis. A palavra “decepção”, na primeira frase, foi colocada ente aspas para significar que as coisas geralmente não sucedem conforme são anunciadas (ainda na semana passada fomos avisados de que iríamos ficar sob a influência de uma massa de ar polar, mas afinal a temperatura não desceu, durante o dia, abaixo dos 20 graus). Previstas por quem? Pelos sistemas mediáticos de amplificação, que se preparam sempre para o grande espectáculo do Dilúvio e do sopro colossal (mas nunca para a morte lenta e silenciosa provocada pela seca, que é certamente a catástrofe mais comum do nosso tempo). Há “decepção” no sentido em que fomos instigados a sentir aquele “prazer negativo” que retoma a história moderna do sublime kantiano, um delicioso frisson que já antes Burke, na sua ideia do sublime, definiu como um “delight of horror”.

O sublime é uma categoria estética. Mas são as catástrofes, pelas suas faculdades videogénicas, telegénicas e fotogénicas, que proporcionam actualmente a experiência do sublime ou a figura ambígua de um absoluto. Mal nos colocamos na posição de espectadores, ficamos logo reféns dessa incitação perversa.

E é por saberem que ela funciona e é difícil oferecer-lhe resistência – o mesmo acontece com essa “dura cicatriz” a que chamamos estupidez – que os media anunciam as catástrofes naturais com júbilo e demagogia. Nesse momento, eles jogam aos dados com os cidadãos, tal como Deus com as suas criaturas. São os grandes encenadores e anunciam que vamos assistir a um espectáculo transcendente. É o sublime a que temos direito, aquele sentimento que dantes era experimentado durante a representação da tragédia clássica, onde a emoção sentida pelo espectador se transformava em capacidade de resistência moral. Tal como na tragédia, a catástrofe exprime o conflito entre a vontade e a lei, entre o homem e a natureza. Estas perigosas afinidades com a esfera da arte deram muitas vezes origem a deslizes fatais. Os aviões de passageiros desviados pelos terroristas no 11 de Setembro para provocar a derrocada das Twin Towers (mas aí não se tratava de uma catástrofe natural, foi obra de humanos demiurgos) provocaram no músico alemão Stockhausen uma afirmação que lhe iria sair muito cara: “Foi uma realização da obra de arte total”. Ou seja: uma obra metafísica que se dá sob a forma da reunião e da síntese de todas as artes particulares.

No tempo das vanguardas, os artistas podiam cometer e dizer coisas monstruosas ou, pelo menos, com os limites morais muito mais alargados. Mas nem é seguro que a arte tenha ganhado muito com isso. Quanto aos artistas, esses, perderam os privilégios do sadismo e submeteram-se à condição de masoquistas como nos explica Boris Groys num pequeno livro sobre a condição do artista contemporâneo, chamado Retrato do artista enquanto masoquista.

Um calor de santanás

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 09/09/2016)

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      João Quadros

A previsão foi feita no início da “silly season”, Passos disse aos seus seguidores: “Gozem bem as férias que em Setembro vem aí o Diabo.”


Desde a primeira vez que vi o exorcista e o vestido de kiwis da Assunção Cristas, que não me sentia tão assustado. Passei Agosto atento aos indícios que anunciam a chegada da Besta, mas na verdade não imagino maior inferno que umas férias na Manta Rota com Passos Coelho e três caniches.

O líder do PSD é um daqueles indivíduos que andam com cartazes pela rua a anunciar o fim do mundo. O calendário político do ex-PM é o calendário Maya. O PSD é uma daquelas seitas que anuncia o fim do mundo ano após ano, com a variante de o apocalipse ter uma periodicidade mensal. Cheguei a ter receio (ou esperança) de que a Universidade de Verão do PSD fosse um pretexto para um suicídio colectivo.

Há várias razões que podem justificar o aparecimento de Mefistófeles em Setembro no nosso país, e vou excluir os cruzeiros e o crescimento do turismo. Temos de ser honestos, o Inferno, nesta altura do ano, não pode competir com a temperatura na Amareleja. Podemos incluir nesta lista a suposta cobrança de IMI das igrejas. Lúcifer, uma invenção da Igreja Católica, teria de se manifestar mais tarde ou mais cedo caso tivesse de pagar imposto pela cave que lhe foi atribuída.

Passos deixou de fazer papos de anjo e começou a fazer missas negras. Pedro apela à Besta que apareça, mas Schäuble não lhe atende o telefone. Está disposto a vender a alma ao Diabo, apesar de a proposta dos chineses ser melhor. Mas tal como – “ninguém quer investir num país governado por comunistas” – o Diabo torce o nariz a este Fausto, adepto da austeridade.

O que me parece é que Passos Coelho está no limbo, mas não o descrito por Dante. No Inferno de Dante o nosso ex-PM estaria no quinto círculo, onde estão os iracundos, “imersos em lama ardente do Pântano do Estige”, a fazer companhia aos insolentes e soberbos. Pedro está no pior dos limbos. O limbo político. Ninguém sobrevive no limbo político, um local inóspito, sem comunicação social e onde é obrigatório jogar duas horas de mahjong todas as manhãs com o Tó Zé Seguro.

Já lá vai o tempo em que as avaliações da troika eram o décimo céu, e até o Presidente da República atribuía à intervenção divina de Nossa Senhora a nota positiva dos cavaleiros do apocalipse. Esse mundo de esperança e luz acabou. O líder do PSD decidiu apostar tudo no preto. Meteu as fichas todas no maior número de desgraças na esperança de ser feliz. Quer que o mundo acabe antes que acabem com ele – “ou o mundo cai, ou cai a tua liderança no partido”. O maior problema de Passos não é o constante adiar da vinda do Demónio, é a pressa dos que querem fazer um exorcismo na liderança.


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3. CDS quer política de educação estável durante seis anos – já chega a confusão que é a vida do filho do Magalhães.

4. Taxistas: “Vai haver uma desgraça e a responsabilidade é do Governo” – É igual ao discurso do Passos. Sempre tiveram um discurso parecido.

5. Selecção portuguesa campeã europeia perde na Suíça por 2-0 – Faltou o apoio dos convidados da Galp nas bancadas.

6. A câmara é uma das grandes novidades dos novos iPhone 7 – É frigorífica?!! Vai dar imenso jeito para os iogurtes dos miúdos.