Tal como nos submarinos…

(Por Carlos Esperança, in Facebook, 14/11/2017)

tecno

O arquivamento e prescrição de crimes parecem sofrer de uma inclinação partidária que, sendo certamente aparente, deixa os portugueses perplexos.

Podem ser coincidências, mas o silêncio que se abateu sobre a investigação da Visão a Câmaras do grande Porto, onde altos dignitários do PSD estavam comprometidos, ou à gestão danosa de bancos, que enlamearam políticos do bloco central, especialmente da direita, é suspeito. Raramente se fala dos bancos GES/BES, Banif, BPN, BPP e BCP. Há um sentimento de desconfiança perante a impunidade que levará ao ressentimento.

Enquanto o ministro da Saúde pede desculpa por mortes causadas por uma bactéria que mata, o cardeal renuncia às rezas contra a seca e o PR acha em Lisboa os sem-abrigo que no tempo do antecessor seriam hospedados em hotéis, a comunicação social silencia o que pode lesar os interesses dos seus donos e reincide nas imagens dos incêndios.

O arquivamento do processo contra Dias Loureiro, por falta de provas, quando o prazo se esgotou, não mereceu uma explicação da Procuradoria Geral da República, relativa a quatro anos em que a investigação esteve parada.

Marcelo Ronaldo

In Blog 77 Colinas

Entretanto, os fogos, as bactérias e um jantar no Panteão, com o aluguer a preços fixados por um secretário de Estado que quis vender os quadros de Miró, são o ruído contra as boas notícias no campo económico e o mérito do Governo.

O Ministério Público, em dois processos distintos, um no DCIAP e outro no DIAP de Coimbra, nada encontrou de censurável na conduta de Relvas e Passos Coelho no caso Tecnoforma, e o gabinete europeu antifraude faz acusações de burla e exige a devolução de 6.747.462 euros, provenientes do Fundo Social Europeu. O País tende a privilegiar a investigação da Comissão Europeia ou da Justiça alemã em detrimento da autóctone.

Se a Tecnoforma, empresa especializada a preparar técnicos de heliportos e aeródromos para municípios da região centro, tivesse sido gerida por algum amigo de um primo de António Costa, já a Dr.ª Assunção Cristas teria chamado à AR o ministro da Economia e o líder parlamentar do PSD exigido a demissão do PM.

Ó faxavor, juros baratinhos

(Francisco Louçã, in Público, 19/08/2017)

louça1

Mensagem no telemóvel. “Sr. fulano, transfira mil euros para a sua conta à ordem, sem juros, um ano (TAN de 0%). Acresce comissão de 59 euros na primeira mensalidade. Ligue o número tal, prima 2 e fale com um consultor de crédito. TAEG 17,5% para um limite de cinco mil euros”. Percebeu? Não é para perceber, mas o juro são 17,5%.

Toca o telemóvel.

“Está? É o sr. fulano? Daqui fala João Silva, da agência financeira Tudobom, queria falar-lhe do nosso cartão de crédito…”

“Quem lhe deu o número do meu telemóvel?”

“Bem, está aqui na base de dados.”

“Quem lhe deu a base de dados?”

“Vou perguntar, é um momento… Obrigado por ter esperado. É a base de dados Todostelefones, que regista pessoas que concorreram a sorteios de automóveis.”

“Mas eu nunca na vida concorri a um sorteio de automóveis, não posso estar nessa base de dados. Sabe que é punível por lei utilizar uma base de dados ilegal e há uma Autoridade para vigiar esses abusos?”

“Pois então pode apresentar queixa à tal Autoridade. Mas entretanto vou apresentar-lhe o nosso novo cartão de crédito…”

Toca outra vez o telemóvel.

“Bom dia, sr. fulano. Sou Luís Silva, da Boasaúde, quero apresentar-lhe um plano financeiro que lhe garante todos os cuidados de saúde…”

“Não estou interessado.”

“Porquê? Porque é que não quer um plano que lhe garante todos os cuidados de saúde?”

“Não tenho de lhe dar explicações, não estou interessado.”

“Vou então registar, sr. fulano, que não está interessado num plano que lhe garante todos os cuidados de saúde.”

Saio do Metropolitano e encontro uns jovens vestidos com coletes reflectores cor de laranja. As farpelas têm Idosossós escrito em letras garrafais. Aproximam-se de todos os adultos que não tenham ar de estrangeiro.

“Bom dia, sabe que há idosos sós que vivem abandonados?”

“Sim.”

“E acha que eles devem ficar abandonados?”

“Não.”

“Somos da Idosossós e estmos a proteger os idosos abandonados. Se quiser apoiar o nosso trabalho para proteger os idosos abandonados, tenho aqui um folha para que desconte pelo banco só 60 cêntimos por dia para proteger os idosos abandonados.”

“Portanto, pede-me um contributo de cerca de 200 euros por ano, mas eu nunca ouvi falar da vossa organização, importa-se de me dar algum folheto que descreva a vossa actividade, quem são os corpos gerentes, e referências de onde trabalha com os idosos abandonados?”

“Isso não temos.”

“Site da internet com essas informações?”

“Isso também não temos.”

Chego a casa, toca o telefone fixo.

“Bom dia, é de casa do doutor fulano?”

“Que deseja?”

“É para lhe comunicar que ganhou um prémio na agência de viagens Todomundo e que o pode vir levantar a partir das 9h dos dias de semana.”

“Mas não concorri a nenhum prémio.”

Não lhe aconteceu nada disto? Adivinho que é todos os dias. A sua vida, como a minha, é uma aventura em que navegamos no meio de manipulações, truques, extorsões, seduções e juros baratinhos. Dizem-nos que tudo é fácil, prémios, sorteios, viagens, cartões de crédito, telemóveis. As empresas não vendem, distribuem. A finança não empresta, entrega. Não há contratos, há palavras doces. É um mundo maravilhoso.

Ética e combate à evasão fiscal

(In Blog O Jumento, 04/03/2017)
evasao
Uma das reacções dos partidos da direita ao escândalo das transferências para as offshores foi a tentativa de promover Paulo Núncio como um herói nacional pelo combate à evasão fiscal. O próprio director-geral da DGCI e depois da AT, que exerceu funções durante a maior parte do mandato fez o elogio dos resultados quando foi ouvido no parlamento, chegou mesmo a exibir um PC com um gráfico invisível, onde se demonstrava que os resultados nos impostos eram superiores aos da evolução da economia.
É verdade que os resultados das receitas fiscais ficaram acima da evolução da economia, a questão agora é saber se este “milagre” terá resultado das decisões de gestão do DG, dos dotes político-partidários de Paulo Núncio ou de outros factores. É um facto que uma boa parte desses resultados resultam do e-Fatura, projecto que não foi invenção nem do DG, nem do governante. Curiosamente o e-Fatura poderia ter ido mais longe na promoção do combate à evasão fiscal, mas talvez tenha faltado a coragem.
Mas a grande verdade é que o aumento da receita fiscal, indicador de sucesso para dirigentes e governantes em tempos de crise, esconde outra realidade,  combate à evasão fiscal, que devia promover a justiça e a equidade fiscal podem esconder uma realidade perversa, ao aumento das receitas fiscais em resultado do combate à evasão fiscal não corresponde necessariamente mais equidade e justiça fiscal.
O aumento das receitas fiscais ocorre nos dois impostos onde mais subiram as taxas, IRC e IVA, o sucesso nas receitas não resulta apenas dos dotes do DG e da visão do governante. O governo aumentou os impostos mais suportados pelos menos ricos e mais fáceis de cobrar. Não é preciso o e-Fatura para cobrar o IVA sobre a electricidade, e muito menos para ajudar a cobrar imposto automóvel ou ISP.
Não há registo de um grande sucesso na cobrança do IRC, imposto que devia baixar, como meio de promover a desvalorização fiscal. Também não há notícia de grandes sucessos na detecção de fraudes fiscais. Compreende-se, é mais fácil cobrar impostos a pobres do que a ricos, os pobres não tugem nem mugem, não recorrem aos tribunais e são fáceis de assustar por uma estratégia de terror fiscal.
Uma das medidas mais significativas deste período foi o aumento para 5.000€ do patamar a partir do qual se pode recorre das decisões do fisco para os tribunais. Isto significa que se  um pobre se sentisse lesado e na possibilidade remota de recorrer dessa decisão o seu juiz seria o director-geral,  ou seja, o chefe máximo de quem cometeu o erro. Isto significa que durante o mandato de Paulo Núncio, para além de pouco se fazer para cobrar impostos aos ricos, chegou-se ao cúmulo de reservar os juízes independentes da máquina fiscal aos ricos, enriquecendo escritórios de advogados e empaturrando os tribunais com receitas por cobrar, que foram compensadas com uma maior perseguição fiscal aos menos ricos, influentes e poderosos.
A máquina fiscal impôs-se pela modernização resultante de grandes investimentos feitos antes desta geração de políticos e dirigentes, beneficiou da modernização da economia, mas também tirou proveito do medo dos contribuintes. Há dois tipos de contribuintes, os ricos que não receiam a máquina fiscal e que podem recorrer aos juízes, e os pobres que estão nas mãos das decisões dos chefes dos serviços de finanças e que foram perseguidos de todas as formas possíveis.
Numa democracia ao aumento da eficácia do fisco deveria ser acompanhada pelo aplauso de quem cumpre com os seus deveres de cidadania e vê um Estado a actuar com equidade e justiça. Não foi isso que Paulo Núncio implantou ou mandou implantar, foi criada uma máquina que se impões aos pobres pelo medo, que fez vista grossa aos ricos e que ao mesmo tempo que ganhou credibilidade técnica, perdeu a consideração dos cidadãos. É o preço de se ignorar valores como a ética a justiça e a equidade, na gestão do Estado.