Um fartar vilanagem

(Maria Teresa Botelho Moniz, in Facebook, 29/03/2018)

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Bem podiam os senhores dos “colégios privados”, com contratos com o Estado no tempo do PSD/CDS, sustentados pelos contribuintes, chiarem e promover todo aquele festival a que assistimos, usando centenas de criancinhas enfiadas em T-shirts amarelas, reivindicando a continuidade do bem bom …

Porque, está visto, aqueles anos, foram mesmo muito bons para essa gentinha que nos chulou até ao tutano.

Até mete Secretários de Estado da Educação e muita gente em redor na política de pacotilha desses anos. Não digo que estes, os actuais, (afinal, o centrão, até se trata por “tu”) sejam melhores , que o não são, mas o PSD em roda livre, e a imoralidade em que se tornou esse partido, hoje, abjecto e letal para o país, a todos os níveis.

Mandaram-nos, emigrar, chamaram-nos piegas e todos os nomes, convenceram-nos que andávamos a gastar, no tempo do Sócrates, acima das nossas posses, porque alguns quiseram imitar os ricos e compraram um plasma a prestações, ou porque tiveram a ousadia de comprar umas gambas para a consoada. E a conversa dessa gente chegou ao miserabilismo total, culpando todas as classes médias, desde a mais baixa à mais melhorada, afinal as classes que pagavam os impostos que aumentaram “brutalmente”, para sustentar a corja exploradora e rica, ou aquela que vive de subsídios sem fazer nenhum, e, já agora todo o sistema montado pela classe política, eles próprios, e os amigos do costume.

E, vai-se a ver, e até foi rápido, só foram 30 Milhões que o Ministério Público já contabilizou, que os amigos dos amigos meteram ao bolso, para além de contas bancárias chorudas, dos cruzeiros nas Caraíbas de 25 mil €, das viagens e compras pessoais em artigos de luxo pelo mundo fora, dos jantares de 5 000€, casas, mobiliário, automóveis de alta cilindrada, e por aí fora (Ver notícia aqui). E o Zé, pagava, pagou tudo.

Coitadinhos dos meninos da T-shirt amarela, devem estar a ser vítimas de maus-tratos na escola pública e ter de lidar com todo o tipo de crianças ranhosas, escola onde não praticam equitação, nem esgrima, sem piscinas olímpicas, e, sobretudo, sem custo algum, e estavam muito melhor nas escolas dos amigos dos Relvas e quejandos.

E as mil e tantas escolas privadas, que pertenciam ao mesmo grupo dos quarenta ladrões, construídas em poucos anos, acho até que foram apenas meses, para o efeito do embuste e roubo premeditado e estudado, deixaram de poder continuar a facturar ao Estado e aos contribuintes que não podendo pagar, meteram os filhos nas escolas públicas ou, aqueles que podendo, pagavam e pagam o verdadeiro custo dum colégio privado.

Afinal, era uma burla, uma fraude de aproveitamento de dinheiros públicos, com imensa gente sentada a comer da mesma gamela e ainda fizeram um vendaval, com artifícios e mentiras, esperando virar a opinião pública a seu favor como se razão lhes assistisse.

Párias da pátria.

A grande escola de valores da inconstitucionalidade, da violência e do anacronismo

(Fernanda Câncio, in Diário de Notícias, 12/06/2017)

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Crianças de 10 anos com tímpanos perfurados, queimadas, açoitadas com cintos. Não é no século XIX; é no XXI, em Portugal, em escolas do Estado. Como é possível que não se acabe com esta selvajaria?


Que sucederia a qualquer colégio privado no qual se denunciassem ciclicamente atos de violência por parte de alunos mais velhos sobre mais novos, ritualizados por via de uma “tradição” aceite e promovida pela respetiva direção? E se soubéssemos que nesses episódios de bullying – os conhecidos – um aluno de 10 anos teve o tímpano perfurado, ou que, como denunciado esta semana, outro, da mesma idade, foi parar ao hospital devido a queimaduras e “golpes de cinto”? Exigir-se-ia, no mínimo, uma inspeção do Ministério da Educação para apurar responsabilidades e, no máximo, o encerramento da escola, certo?

Certo. Mas há dois colégios em Portugal, nos quais se leciona o ensino básico e secundário, onde isto se passa e nada acontece – nem se põe fim à tal “tradição”, nem as direções são responsabilizadas, nem se põe em causa o “modelo educativo”. E de encerrá-los nem falar. Aliás, estes dois estabelecimentos de ensino são os únicos nos quais a Inspeção-Geral da Educação não entra a não ser que para tal “convidada” – é o Ministério da Educação que o afirma (em resposta de maio de 2016, ao DN), e é provável que mesmo o MP se sinta pouco à vontade para os investigar.

Porquê? Porque pertencem às Forças Armadas. Trata-se do Colégio Militar e do Instituto dos Pupilos do Exército, que, na génese – no século XIX a do CM e em 1911 a do IPE – eram “escolas de elite”, com o objetivo de educar os filhos (rapazes) primeiro dos nobres e mais tarde dos oficiais, no caso do CM, e dos sargentos no caso do IPE, e de os preparar para a carreira militar. Na era democrática, apesar de definidos na lei como “estabelecimentos de ensino da rede pública”, funcionam como privados de luxo, cobrando mensalidades de centenas de euros e recebendo sobretudo alunos “civis”. Ou seja, continuam a ser escolas de elite segregada, mas agora em concorrência com o ensino privado enquanto custam milhões ao Estado, que assim subsidia, em muitos milhares de euros por cabeça, famílias que põem os filhos numa escola na qual, além da possibilidade de internato, têm aulas de equitação, natação e esgrima sem custo acrescido – assim como “uma educação à antiga”.

Com que justificação? Instada pelo DN a responder a esta pergunta, quer durante o governo de Passos quer no atual, a tutela não conseguiu adiantar que objetivo nacional preenchem as duas escolas, como se justifica o esforço financeiro que representam e como é possível manter o absurdo inconstitucional de estabelecimentos públicos que fazem depender o acesso da capacidade económica dos alunos. É de resto incompreensível que no período no qual supostamente se procuraram extirpar do Estado gastos inúteis e proceder a “reformas estruturais” estas duas caríssimas e aviltantes inutilidades tenham sido mantidas – até se decidiu investir nelas.

Na verdade, subsistem porque ninguém teve a coragem de dizer basta. De resto, qualquer mexida nos colégios militares dá origem a campanhas, insultos e ameaças. Foi assim quando em 2013 o governo Passos decidiu acabar com a segregação de género no CM e fechar o Instituto de Odivelas (que só recebia raparigas) – a Associação dos Antigos Alunos do CM lançou um spot televisivo alegando que isso iria “matar” a escola, e generais na reserva desdobraram-se em artigos de opinião inflamados. E voltou a assim ser quando em 2016, na sequência de uma reportagem do Observador na qual o subdiretor do CM admitia a exclusão e expulsão de alunos homossexuais, o ministro da Defesa reputou a prática de inconstitucional e exigiu explicações. O chefe do Estado Maior do Exército demitiu-se e logo surgiu um coro a exigir a demissão do ministro.

O ministro ficou; foi introduzida nos estatutos do CM a proibição de discriminação em função da orientação sexual e da identidade de género, passando também, pelo menos em teoria, a serem admitidos alunos com necessidades especiais (algo que a direção especificara em 2013, ao DN, não ser possível – outra inconstitucionalidade). O subdiretor do CM foi substituído e o responsável hierárquico pelos dois colégios também. Parece bem mas, na verdade, não resolve nada. Desde logo porque o Exército, sendo suposto ter ouvido falar da Constituição, chegou a 2013 achando que o Estado podia ter escolas segregadas por género e a 2016 a considerar que podia nestas discriminar homossexuais e excluir deficientes, só mudando à força, o que levanta grandes dúvidas sobre a efetividade das mudanças. E sobretudo porque a discriminação, a exclusão, a ausência de espírito democrático são o ADN destas escolas, cujo modelo é o do privilégio de casta – tão típico do espírito castrense. É, afinal, o Portugal velho, do Estado Novo, que ali está, naquelas regras e naquela atmosfera, preservado como num museu; é a ideia de que se pode continuar a fazer as coisas “à antiga”, porque “aqui mandamos nós”. Particularmente simbólico pois que seja da escola e no ano letivo cuja “abertura solene” Marcelo abrilhantou em outubro de 2016 que surja a denúncia dos pais (dos pais, porque nunca são as direções das escolas a denunciar estes crimes à justiça) de um menino de 10 anos queimado e agredido com cinto. “Ser-se de uma instituição como os Pupilos do Exército é pertencer-se a uma grande escola de valores“, proclamou o PR. E que valores.

Os media enganam a oposição

(Daniel Oliveira, in Expresso, 10/06/2016)

Autor

                      Daniel Oliveira

Quem conheça a vida política portuguesa através das televisões vê um governo relativamente impopular, um País sempre à beira do abismo, um primeiro-ministro habilidoso mas que não é especialmente respeitado por ninguém. As polémicas sucedem-se e quando não há polémicas há leituras seletivas dos indicadores económicos e orçamentais, que tornam incompreensível o facto do País ainda não ter implodido. Quando nem esses números existem, há a ameaça de sanção que depois não vêm, a ameaça de veto europeu que depois não chega, a ameaça de descida de rating que depois não existe e previsões que são quase apresentadas como factos. Não é que estas coisas sejam falsas. É o olhar que se faz sempre de um modo e de um lado que nos dá um retrato destorcido da realidade.

Perante este olhar, são sempre surpreendentes, para quem use o ecrã do televisor para ler o sentimento dos portugueses, os resultados das sondagens. As da Aximage, que são as últimas que vi, dão ao conjunto dos partidos da geringonça uma subida quase permanente desde o início do ano. Tinham, em janeiro, 50,9%. Têm, no princípio deste mês, 55,4%. Pelo contrário, PSD e CDS tinham, em janeiro, 39,8% e têm, agora, 36,3%. Não é uma alteração repentina. Tem sido continuada e consistente.

Ajudam a explicar estes resultados as reposições de rendimento do início do ano e o fim dos ralhetes moralistas a quem está a passar dificuldades. As pessoas tendem a gostar de boas notícias. Alguma animação do mercado interno, com o aumento do consumo privado, também. Alguns indicadores gerais explicam-se, muitas vezes, por fenómenos que na realidade são irrelevantes para a vida das pessoas: o aumento do desemprego resulta do aumento da procura de emprego de pessoas que tinham desistido, não da perda de empregos e a descida do investimento tem uma forte contribuição do fim de grandes obras públicas, como o túnel do Marão, só para pegar em dois exemplos. A economia não está a relançar-se, é verdade, muito por causa da quebra nas exportações que tem razões internacionais conhecidas. Houve um aumento do rendimento, um aumento do consumo interno superior ao aumento das importações e, sem medidas de austeridade e com reversões, não temos novos dramas com o défice, que está bem encaminhado. A execução de abril trouxe boas notícias e o cenário de catástrofe iminente é, até ver, nada mais do que um cenário desejado.

Não se pede ao PSD e ao CDS que sublinhem estes factos, até porque há suficientes nuvens sobre o país para não o terem de fazer. Sempre me pareceram bastante patéticas essas exigências. Mas espera-se que tenha uma narrativa para fazer oposição. Não têm. Talvez Pedro Passos Coelho e Assunção Cristas sejam enganados por uma história mediática que não é acompanhada pela perceção direta das pessoas e isso esteja a impedir que compreendam quais são hoje os seus sentimentos.

Este equívoco foi especialmente evidente no caso da polémica dos contratos de associação. PSD e CDS defenderam uma posição tremendamente impopular, mesmo para o seu eleitorado. Convencidos da sua postura ideológica, que despreza tudo o que seja público, ignoram que este não é o sentimento da sua base social de apoio. Nunca foi. Passos foi beneficiado pela crise de 2008-2011 e conseguiu impor medidas impopulares de redução do papel do Estado com base na ideia de que eram inevitáveis. Mas parece ter passado a acreditar que o facto das pessoas as terem aceite implicava a sua adesão ideológica ou emocional a uma agenda de liberalização e desestatização. Engana-se: a maioria da base social da direita portuguesa identifica-se com a defesa da Escola Pública e do Serviço Nacional de Saúde e não tem qualquer desejo de ver privatizadas as principais funções sociais do Estado. O bombardeamento ideológico promovido por uma comunicação social totalmente descentrada do consenso político nacional é que dá ilusão do oposto.

Este descentramento foi especialmente evidente em todos os protestos dos colégios privados. Mais uma vez, quem acompanhasse as notícias acreditaria, como até foi escrito por vários comentadores, que tinha nascido “a rua da direita”. E a rua da direita mobilizava-se, vejam bem, em torno do financiamento público de colégios privados. É preciso ter uma visão muito destorcida da realidade social portuguesa para imaginar, por cinco segundos que seja, que tal fosse possível.

A mesma Aximage tornou pública uma sondagem sobre a posição dos portugueses em relação aos contratos de associação: 78,9% concorda com a posição do governo, 13,7% está do lado dos colégios e 7,3% não tem opinião. Que Passos e Cristas não o tenham compreendido imediatamente, e tivessem de esperar pelas reações das suas próprias bases militantes para refrear a sua excitação, só demonstra como vivem dentro de uma bolha política e social. É a mesma bolha que os levou a acreditar que o discurso do “golpe” de esquerda, já meses depois de António Costa ter tomado posse, dizia alguma coisa a quem não fosse um indefetível.

Claro que todo o ambiente pode mudar. Os bancos podem rebentar, a Europa pode impor novas medidas, a economia europeia e nacional podem colapsar. E aí, como sempre, quem estiver no governo será fortemente punido. Mas o PSD e o CDS podem contar com a desgraça nacional para se transformarem em alternativa. O problema é que quando tem um discurso seu, que não seja a profecia da tragédia, a oposição compra as guerras erradas. Talvez não devam não acreditar em tudo o que veem nos telejornais.