(João Ramos de Almeida, in Blog Ladrões de Bicicletas, 22/01/2019)
Atenção, cidadãos. Os órgãos de comunicação social portuguesa parecem querer arranjar rapidamente um caso semelhante aos vividos em países europeus onde a extrema-direita surge impante.
E nem é preciso ver isso num programa televisivo de informação – como foi o caso do programa SOS TVI – em que o pivot apresenta um líder convidado como Mário Machado dizendo algo como: “Dizem que a extrema-direita é xenófoba, racista e violenta. O que tem a responder a essas pessoas?” O convidado rebate a ideia, mas finaliza dizendo – sem que o pivot conteste – que, quando esteve na cadeia, quem lá estava em maioria era a raça negra e que isso se deve talvez porque “essa raça tem um problema com o crime”.
Nem é preciso ir tão longe. Face aos “desacatos” – palavra muito repetida pelos jornalistas que estão a cobrir o que se passou nos últimos dias no bairro Jamaica, no centro da cidade de Lisboa, e esta noite em Odivelas – a SIC passou uma peça com excertos de uma entrevista ao presidente da Cáritas em que ele frisava que era preciso afastar este ambiente de criação de uma insegurança que levava a um esforço securitário porque, ao longo da História, se provou que não respondeu aos problemas. A nota de rodapé frisava: “Presidente da Cáritas diz que casos acabam por criar relutância à imigração”.
Ao arrepio desses cuidados e aproveitando os “desacatos”, a SIC Notícias decidiu escolher para tema de debate da manhã:
“Estamos ou não num momento particular de tensão entre as populações mais desfavorecidas e as forças de segurança? Olhamos também para a investigação SIC, revelada ontem, sobre a falta de meios na PSP e na GNR. Parece-lhe que fica em causa a capacidade de resposta das forças de segurança? Que medidas são necessárias para fazer face às necessidades tanto da PSP como da GNR?”
A primeira senhora que falou no fórum acabou por dizer: “Eu não era racista, mas agora sou. (…) Queremos uma polícia com a devida segurança“. A pivot rematou no final: “Esta senhora quer se sentir segura e reclama mais meios para a polícia”. Um condutor de meios de Loures disse: “O racismo não passa de um mito que estes senhores utilizam para se desculpar, é hábito neles usarem – julgam que são donos e senhores destes bairros e não respeitam ninguém, nem nada nem ninguém e quando as forças da ordem são chamadas por norma a intervir nestes bairros, facilmente acusam as autoridades de xonofobia, racismo, perseguição. Infelizmente, não passam de uns cobardes, escondem-se atrás de umas associações, pagas e ajudadas pelos contribuintes.” A pivot: “É a opinião do António… a falar aqui dos problemas de racismo que existem no país”. A palavra passa para a Fátima em Genebra, que é porteira. A sua opinião é contra os políticos que “desrespeitam a polícia que combate os bandidos”. Outro cidadão disse: “Esses senhores da raça negra é que são racistas. Cometem o crime e depois culpam a polícia de certas situações”. A pivot: “Vivemos de facto tempos específicos. Estamos num momento particular da discussão… Mas os números dizem que Portugal é um país seguro. Como se justifica? (…) O racismo é o principal problema da polícia?”
Mas o porta-voz da PSP, convidado e presente em estúdio, não se demarcou suficientemente.
Frisou que na maioria das vezes, a PSP “é confrontada com situações que nada têm a ver com racismo”. Palavras que, mesmo sem o desejar e porque não contestou as intervenções do fórum, acabaram por encaixar com o racismo demonstrado pelos cidadãos: “A PSP não é uma instituição racista (..) mas muitas vezes somos conotados com racismo quando intervimos (…) é uma capa, uma desculpa, para desvalorizar aquilo que é uma actuação da polícia”.
E a pivot mais nada disse. Pôs ponto final ao programa.
Há uma frase irónica que diz: “Errar é humano, repetir o erro é jornalismo”. Mas esta ideia diz pouco sobre os mecanismos comportamentais dos jornalistas que os levam a insistir no erro.
Por que razão, os jornalistas insistem em criar um ambiente de tensão entre “as populações mais desfavorecidas e as forças de segurança”?
Primeiro, poder-se-ia frisar as palavras usadas e o posto de visão em que o jornalista se coloca. O termo “classes mais desfavorecidas” pressupõe que o jornalista se coloca acima delas, e é verdade: Quem está à frente das câmaras, geralmente já não sabe o que é ser desfavorecido. E já nem se está a falar da palavra favorecida que merecia todo um comentário. Segundo, parece correr o pensamento de que, mais tarde ou mais cedo, a extrema-direita será dominante na Europa e que, por isso, o mesmo acontecerá em Portugal. E isso é notícia ou vai ser. E tudo o que possa cheirar a isso entronca no que vai ser notícia e torna-se notícia já hoje. Um movimento como os coletes amarelos foi promovido pelas televisões, com uma certa ajuda da PSP, apesar de ter sido um fracasso. Terceiro, existe o fenómeno de mimetismo: se todos fazem, eu vou fazer o mesmo, porque se não o fizer, o espectador muda para o concorrente. Quarto, sabe-se lá se os jornalistas não pensem mesmo que algo como a extrema-direita – anti-política, autoritária e anti-comunista – seja necessária em Portugal.
Tudo isto faz esperar o pior. Resta saber qual vai ser a força política que, aos olhos das televisões, assumirá essa forma.