Duelo ao pôr do sol entre Costa e Centeno

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 07/04/2020)

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Já não é a primeira vez. Em dezembro, a reunião do Conselho Europeu assistiu a um confronto aberto entre as posições do primeiro-ministro português e as do presidente do Eurogrupo, o seu ministro das Finanças. Centeno apresentou a solução a que se tinha chegado no Eurogrupo sobre o que foi misericordiosamente chamado “orçamento da zona euro”, 17 mil milhões subtraídos de outras rubricas e que foram reclassificados como fundo para responder a dificuldades da moeda única. E Costa desmantelou essa proposta, ao que parece com dois argumentos certeiros: é pouco, portanto a fingir, e, ainda, se for utilizado imporá vantagens para os países do Norte. Mas, como a razoabilidade dos argumentos é indiferente nestes braços de ferro, o primeiro-ministro ficou com a vitória moral enquanto o ministro das Finanças ficou com a medida, afinal de contas tinha o apoio alemão.

No dia de hoje trava-se, à distância, um segundo duelo entre Centeno e Costa. O primeiro-ministro assinou uma carta com outros oito chefes de governo, que foi discutida no último Conselho e que propunha que a resposta comum à pandemia assentasse na emissão de coronabonds, para financiar a recuperação. O Conselho não se entendeu, a frente germânica rejeitou a ideia. Ficou então o Eurogrupo de apresentar uma nova solução (os detalhes são preciosos e talvez alguém se lembre que o primeiro-ministro, à saída da reunião, anunciou que várias instituições iriam trabalhar numa nova proposta; acabou por ser, como seria de esperar, o Eurogrupo a conduzir o processo). E é o que vai tentar fazer, rejeitando liminarmente os coronabonds e a alternativa dos nove governantes, numa reunião que tentarão que seja expedita.

Como Centeno não defende a posição do seu próprio governo, dos que estarão na reunião de hoje só a Itália pode bloquear a proposta, é aliás provável que o faça. Tem razão para isso. Nem se sabe se haverá sequer algum gesto simbólico para salvar a face daqueles governantes e fingir que um dia se pensará na sua demanda, sendo que a subtileza não é costume da casa. Para amenizar o ambiente, Schauble voltou hoje à ribalta, com a sua graça, para dizer ao “La Repubblica”: “calem-se com os eurobonds”.

A bem dizer, muitos dos aliados de Costa já deram parte de fracos. Macron passou depressa a contentar-se com um pequeno fundo de curto prazo, que o governo holandês ofereceu como um ramo de oliveira, se houver um fundo mais nutrido para o final do ano. Sánchez parece contentar-se com qualquer solução que lhe dê algum dinheiro. Entretanto, a presidente da Comissão, o presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade, o presidente do Eurogrupo (que evitou cuidadosamente responder a um qualquer jornalista português sobre o assunto) e os ministros alemães da Economia e das Finanças multiplicaram-se em artigos, declarações e entrevistas apresentando a proposta de Merkel: aumento de capital do Banco Europeu de Investimentos, empréstimos da Comissão aos estados para o lay-off, mais empréstimos do Mecanismo Europeu até 2% do PIB, com um jeitinho para a Itália ser admitida e a promessa de que não haverá memorando de ajustamento.

O total para a União será menos do que o plano da Alemanha para si própria. Para Portugal, isto significaria pouco mais de quatro mil milhões (o Governo calcula que o lay-off gasta metade disso só em março e abril). As contrapartidas são duras: o juro pode ser um problema, a maturidade pode ser de poucos anos e, sobretudo, os países têm de voltar já à disciplina do limite dos 3% de défice. Como a dívida pública dos países do Sul será a maior de sempre, começaria portanto o apertão dentro em pouco.

Para Costa, isto tem vários problemas e o mais importante nem é que Centeno prossiga a agenda alemã. Neste segundo duelo, o presidente do Eurogrupo sabe estar ao lado de quem tem a faca e o queijo na mão e recusa in absentia a posição do seu primeiro-ministro. O problema é que é pouco, é tarde e isto exige pagamento a curto prazo. O primeiro-ministro fica, por isso, com uma escolha difícil: pode regatear as condições (um juro melhor, mais um par de anos, umas verbas no futuro orçamento comunitário), que é o que os seus colegas lhe pedem, aceitando como regra de resposta a punição do Sul com mais dívida, o que anunciou que seria uma ameaça “repugnante” contra a Europa, ou pode esperar que a Itália se revolte e crie um bloqueio negocial (Conte repetiu na segunda-feira que “Mecanismo de Estabilidade não, coronabonds seguramente que sim”).

A vantagem da primeira opção é conseguir dinheiro a curto prazo; a desvantagem é que terá um inferno ao longo do mandato, pois será forçado a medidas de austeridade. A desvantagem da segunda opção é que não sabe quando se resolve o impasse; a vantagem seria poder negociar condições que não dividam a União entre o norte e o sul.

Se o primeiro-ministro só pensar no primeiro semestre de 2020, estenderá a mão a Centeno e agradecerá a Merkel; se insistir no perigo que é o sinal dado pelo modelo de empréstimos aos aflitos do Sul, logo lido pelo mercado financeiro, pelas agências de notação e pela parafernália austeritária como a luz verde para o ataque à dívida soberana desses países, então escolherá a espada e não a parede. De uma coisa pode estar certo, é que será com outro ministro das Finanças que terá que aguentar as consequências da sua escolha dos próximos dias.


Medina nas Finanças? A guerra no PS já começou

(Bernardo Ferrão, in Expresso Diário, 06/11/2019)

A hipótese de Fernando Medina suceder a Mário Centeno à frente das Finanças vem carregada de picante. O cenário avançado por Marques Mendes traz recados em diferentes direções e permite leituras. Passadas as legislativas, e com o Governo empossado, as autárquicas tornaram-se prioridade absoluta. Para continuar a governar, o PS não pode perder essas eleições. Mas há outro aviso: o braço de ferro entre Medina e Pedro Nuno Santos é agora mais do que evidente.

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Nas últimas autárquicas, em 2017, as coisas não correram bem a Fernando Medina. Tinha herdado de António Costa a maioria no Executivo mas perdeu-a. Apesar da vitória com 42%, conseguiu menos 3 vereadores do que em 2013. O delfim de Costa não fez uma grande campanha, e teve uma concorrente feroz: Assunção Cristas. Foi na sequência desse resultado que Medina chegou a acordo com o movimento Cidadãos por Lisboa, que agora ocupa, entre outros, a vice-presidência da autarquia. E aqui está a primeira estranheza deste cenário: que sentido faria Medina sair para o Governo e entregar o poder a uma não socialista do Cidadãos por Lisboa? O cenário até poderia fazer sentido, se na CML ainda estivesse Duarte Cordeiro, líder da poderosa federação socialista de Lisboa, mas Cordeiro deixou a vice-presidência da câmara para ocupar os Assuntos Parlamentares.

O que seria pior para Medina: refugiar-se nas Finanças para estar protegido de uma hipotética derrota ou assumir o combate e o resultado, na primeira pessoa, até ao último dia do mandato?

Nos bastidores socialistas já se diz que esta hipótese foi posta a correr porque Costa teme perder Lisboa e a substituição de Centeno por Medina era a forma de “salvar” o delfim. Boas intenções, portanto! Mas o que seria pior para Medina: refugiar-se nas Finanças para estar protegido de uma hipotética derrota ou assumir o combate e o resultado, na primeira pessoa, até ao último dia do mandato?

A imagem de políticos demasiado calculistas é fatal e Medina não ignora a fatura que teria de pagar se fugisse para salvar a pele. Aliás, ciente de que o mandato é para levar até ao fim, dizia ao Expresso no ano passado – curiosamente quando o seu nome era avançado para outros cargos disponíveis: “vim para Lisboa para ficar, com o mandato que assumi e com o desejo de que ele se prolongue no próximo mandato.”

Mas há outra premissa neste cenário que me parece pouco lógica, pelo menos a esta distância. Bem sei que o calendário eleitoral favorece o PSD, os governos são normalmente castigados nas autárquicas e o PS terá tendência para cair depois dos bons resultados de 2017, mas daí a concluir pela derrota de Medina em Lisboa vai um enorme passo. É certo que não é um peso pesado em campanha, nem um mobilizador nato, mas se até às autárquicas continuar a apostar em áreas chave como a habitação e os transportes – e Costa deu-lhe uma enorme ajuda com os passes sociais – é ousado dizer que pode perder as eleições. Sobretudo quando a direita está em tão mau estado na cidade.

Toda esta história transpira a jogos de poder e cria danos ao partido. Não é novidade que este combate é feito sobretudo de duas caras: Pedro Nuno Santos e Fernando Medina. Escolher este momento para atirar Medina para as Finanças é tentar retirá-lo de cena, é reduzi-lo a coisa pouca. Como reparava e bem José Miguel Júdice, liderar a ala direita do PS terá muito pouca importância neste segundo mandato. Como se depreende, o day after de António Costa já se desenha. Por este andar, e dadas as personalidades em causa, o combate será a doer. Parece-me que Medina não começa mal. Arranca no centro da história, falam dele, outra vez. E se, ao contrário de Costa, cumprir o “palavra dada é palavra honrada”, é já um ganhador. Ficou até ao fim, deu a cara e sem precisar de mandar recados por ninguém. E acima de tudo, não está obrigado a ser candidato à liderança do PS. Ao contrário do ministro Pedro Nuno, que surge cada vez mais amarrado ao objetivo que traçou.


A medir Centenos

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 24/09/2019)

Daniel Oliveira

(O que é que o partido que vai ganhar as próximas eleições, o PS, tem para oferecer ao País? Centeno! Porra, é ganhar com fraca ambição, mesmo por pouco, por poucochinho, como disse Costa de Seguro no rescaldo das eleições europeias de 2015.

E o que tem o líder do maior partido da oposição, o PSD, para oferecer? Outro Centeno! Porra, parecem dois putos a medir as pilas, perdão os Centenos: O meu é maior que o teu… 🙂

Moral da história: Estamos feitos com estes dois subservientes dos ditames de Bruxelas.

Comentário da Estátua, 24/09/2019


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O debate entre Rui Rio e António Costa foi entre gestores. No sentido em que não sublinharam grandes clivagens políticas, apenas debateram escolhas de governação com os mesmos propósitos. Rui Rio não aproveitou as grandes discordâncias que diz ter em matéria de impostos. Não desfez o argumento de Costa quanto às razões do aumento do défice externo. Mais importante: não conseguiu mostrar nenhuma divergência de fundo quanto à estratégia económica do Governo. Acabou a concordar com os passes sociais, limitando-se a discutir o timing. E na educação concentrou-se na questão da disciplina, falando ao coração de professores e pais, mas não mostrando qualquer sinal de ter um estratégia para o sector. António Costa falou das conquistas destes quatro anos mas ficámos a saber pouco sobre os objetivos para os próximos quatro. Tem sido esse, aliás, o mote da sua campanha: falar do que fez (com outros, que agora despreza), não mostrar grande caminho para a frente.

O debate foi vivo e Rio, apesar de um momento em que quase se colocou no lugar de futuro líder da oposição, esteve desenvolto. Sei que as baixas expectativas em relação a Rio tornam qualquer prestação normal numa estrondosa vitória. Mas quando o líder da oposição se concentra na discordância de pormenor, sem conseguir vincar uma diferença política clara, é quem está no poder que fica a ganhar.

A medição de centenos exibe a ausência de uma clivagem clara entre os dois candidatos. O momento mais agressivo de Costa no debate com Rui Rio foi para Catarina Martins, confirmando que esta campanha prece ser entre os partidos da esquerda. Porque é no peso relativo destas forças que decidirá o futuro da governação

A melhor metáfora deste debate foi mesmo dada por Rui Rio: “O António Costa tem um Mário Centeno mas eu também tenho o meu Mário Centeno”. A que Costa respondeu: “Olhe, mas eu não troco o meu pelo seu.” Esta medição de centenos exibe bem a ausência de uma clivagem clara entre os dois candidatos. Para Costa é bom, porque em equipa que ganha não se mexe. Para Rio, mesmo que o tom mais aguerrido ajude a animar as hostes, continua a servir apenas para ser candidato à oposição. Não é por acaso que o momento mais agressivo de António Costa foi reservado para Catarina Martins, que nem estava no debate. Tendo o objetivo de a rebater, acaba por confirmar o que ela tinha dito: que esta campanha prece ser entre os partidos da esquerda. É natural que assim seja. É no peso relativo destas forças que decidirá o futuro da governação.

À noite, Catarina Martins acabaria por se atirar para a casca de banana que Costa lhe deixou de manhã. Respondendo à reescrita da História, fez o que ele queria que ela fizesse. O “arrufo” que Costa alimenta, com provocações quase diárias que no meu podcast levou até ao limite, tem três objetivos: passar a ideia que os entendimentos futuros são impossíveis para justificar a necessidade da maioria absoluta, tentar convencer as pessoas que a “geringonça” não teve nada a ver com o BE (um bocado forçado) e agradar ao eleitorado de direita que embirra com o Bloco. A líder do BE não resistiu, apesar de ser tão óbvio. Procurou mesmo o confronto que só servia Costa. Só não estou seguro que esta estratégia seja assim tão boa para o PS. A sensação de arrogância que passa só torna mais preocupante a ideia de maioria absoluta. Mas como a direita não conta, Costa pode arriscar.