Fillon é a extrema-direita, diz-me hoje um amigo.

(Joseph Praetorius, in Facebook, 29/11/2016)

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Entendo a ideia, mas não. Fillon é apenas o vazio, a falta de critérios, o arbítrio sem freio. Opõe-se ao Socialismo de Direita de Le Pen. É o modo como Le Pen se apresenta, sim. E está errado, também. Le Pen subscreveu o programa económico da esquerda radical – compreendendo as nacionalizações – mas isso não faz dela uma socialista.

É um solidarismo estatista e nacionalista (democrático e republicano à luz da genealogia das ideias, aliás, devendo recordar-se a recusa do – kantiano – “cidadão do mundo” em prol do “cidadão nacional” que a República tão claramente enunciou). Mas é ainda assim a navegação à vista da linha de costa, com todas as degenerescências possíveis e garantida apenas pela fibra pessoal da mulher ao leme que nos promete um maternalismo de mulher com espessura. A “tradição católica” é o arrimo das referências éticas. Era o que nos faltava…
Os franceses estão a gritar pela mãe, bem sei. A miséria infantiliza. E a probabilidade de vitória é, por isso, elevada.
Fillon é um pedaço de plasticina castanha (se acaso não for mais drástico que isso) em mãos nada recomendáveis. Acocorado já diante da nobre Rússia, procura recuar na linha que também ele prosseguiu em seus dias de governo. As mãos que o modelam deram-lhe a forma transitória de uma galinha atingida por um jacto de mangueira. E no plano social tudo aquilo é puro ensejo de vómito. Porque é a miséria. Evidentemente. Quer recuar sessenta anos. Quer, por exemplo, que os sábados de manhã voltem a integrar o horário de trabalho normal. Olho para isto como a massa tumoral de que a estupidez de Balladur foi o primeiro nódulo (foi o primeiro imbecil que se desfez a ideia de França consensual para os franceses).
E enquanto isto, os socialistas de Hollande e Valls mantêm a ditadura policial (stricto sensu) sob o pretexto eternizado do “estado de emergência”. A França já vive sob regime de extrema-direita e estaria condenada à falsa discussão Hollande-Fillon, segundo o regime.
Os franceses responderão em jacquerie eleitoral, plausivelmente. E isso justificar-se-á se daí resultar, como se espera, o encarceramento rápido de Hollande, Fillon e Sarkozy, com a neutralização dos validos respectivos. E será em todo o caso – se assim for – a vitória (transitória) da paz na Europa.
Quanto a tudo o mais, temos bastante trabalho pela frente. De todos os pontos de vista.

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Acabar com a chantagem

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 24/11/2016)

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                         Daniel Oliveira

A escolha das primárias da direita francesa poderia ter sido pior. Podiam ter escolhido Sarkozy, que hoje tem um discurso quase igual ao de Le Pen, somando a ele algumas suspeitas de corrupção. Com uma abstenção da esquerda, que dificilmente conseguirá, com a atual oferta, ir a uma segunda volta, a vitória da líder da Frente Nacional seria bem mais fácil. Mas a escolha poderia ter sido muito melhor: se Juppé fosse o candidato a esquerda votaria nele sem qualquer dificuldade. É um homem da direita centrista tradicional e seria visto como uma concessão da para liderar uma frente democrata contra Marine Le Pen. Ao que tudo indica, não será esse o caminho escolhido.

Os partidos de esquerda podem ser responsabilizados por tudo (e tem quase todas as culpas pelo vazio político que deixou), não podem ser responsabilizados pela escolha de François Fillon. Se uma segunda volta nas presidenciais for entre Fillon e Le Pen, como tudo parece indicar, os eleitores de esquerda, que podem ser fundamentais para saber quem vence, não estarão entre uma tragédia e um mal menor. Terão de escolher entre um candidato com uma agenda neoliberal como a França nunca conheceu, alcunhado como uma Thatcher de calças, que se propõe partir a espinha aos sindicatos, aumentar o horário de trabalho, privatizar e desregular a economia, e uma candidata com um discurso xenófobo, uma agenda autoritária mas um piscar de olho a algumas preocupações sociais, que, não por acaso, vale mais de metade da intenção de votos dos operários.

Não será difícil imaginar que, neste cenário, Le Pen fará o que fez Trump, dirigindo-se a todos os que recusam a derradeira fase da contrarreforma social que é proposta por Fillon. Como deve votar a esquerda? Em tudo o que recusa ou em tudo o que também recusa?

Um debate semelhante está a acontecer no Partido Democrata. Congressistas e senadores da linha que se identifica com Bernie Sanders debatem se devem exigir de Donald Trump o cumprimento de algumas das suas promessas para restabelecer o nível de vida dos trabalhadores e se devem apoiar uma política de investimento em infraestruturas públicas. O mainstream democrata, já esquecido das suas responsabilidades neste resultado eleitoral, diz-lhes, horrorizado, que isso seria legitimar Trump. Como se essa legitimação não viesse com o voto. Devem as correntes mais à esquerda da política americana aliar-se aos responsáveis pela derrota dos democratas, demitindo-se de qualquer debate económico, ou devem ter a sua própria agenda, confrontando Trump com as suas contradições em matéria económica, e assim tentando resgatar o voto que deveria ser seu? Devem criar um cordão sanitário ou entrar no confronto pelo voto dos desencantados? Acho que a resposta é evidente.

Em França e nos Estados Unidos as forças mais progressistas não se devem limitar a aceitar a chantagem do mal menor. Até porque ela não faz mais do que adiar o mal maior. Devem negociar esse mal menor, mantendo uma postura totalmente autónoma da direita liberal e cobrando o seu voto com reais alterações programáticas. Da mesma forma que Clinton teve de ceder ao programa de Sanders para contar com o seu apoio, Fillon deverá ser obrigado a abandonar a sua agenda de liberalização para ter o voto da esquerda numa segunda volta. Ou então assumir as responsabilidades da sua própria derrota. A esquerda só sairá do buraco em que está quando deixar de ser um atrelado de agendas alheias. Foi essa secundarização ideológica, até quando governa, que levou os socialistas franceses à sua atual irrelevância

Claro que nada disto seria assunto se a estratégia tivesse sido outra. Se o centro-esquerda, em vez de ser executora de uma agenda que deveria ter combatido, tivesse optado por impor uma mudança política, liderando o conjunto das forças que lhe são politicamente próximas. Para que toda a gente compreenda: tudo seria diferente se os socialistas franceses ou espanhóis tivessem aprendido com a solução portuguesa.

Não é por acaso que o PS português é dos poucos partidos socialistas ou social-democratas europeus que, estando a governar, cresce nas intenções de voto. Porque lidera o conjunto da esquerda com base num programa que corresponde à sua tradição política em vez de se contentar em ser uma cópia derrotada de tradições que lhe são alheias. E é por isso que fenómenos eleitorais contra a democracia não estão a crescer por aqui. Por uma vez, somos uma boa ilha na Europa. Se não houvesse outra razão, esta seria mais do que suficiente para aplaudir a geringonça.

Do que se trata!

(Joseph Praetorius, in Facebook, 07/12/2015)

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   Joseph Praetorius

De Richard Durn – republicano, laico e emergindo da esquerda, que quis matar a morte por já não estar vivo – até ao Djiadismo, do que se trata – socialmente e politicamente – é do nihilismo.

Richard Durn com os tiroteios norte-americanos demonstram que não é preciso haver radicalização islamita para haver chacinas e há também alguns casos alemães a demonstrá-lo.

Em França, o desabamento do regime face à população que vota massivamente nos malditos e párias da “extrema-direita” pode não se afastar muito deste fenómeno (para desencanto e desilusão de quem aqui quer ver um regresso às fontes do nacionalismo integrista, soberanista e porventura romântico).

Uma coisa parece unir todos os fenómenos: a revolta dos que perderam qualquer perspectiva de vida. Do que se trata aqui – no fundamental – é de uma “jacquerie”. Os seus vectores diverjem e entre-afrontam-se, até, numa perigosa embriaguês da morte, para usar uma expressão de Marx. Mas têm em comum a origem e a natureza.

O sistema fê-los nascer e multiplicou-os por carecer de carne para canhão, preparando o incêndio da guerra que, como se vê, vai em adiantado estado de propagação. Tenciona usá-los como “inimigo” e soldados próprios, em alguns casos “voluntários”, noutros mercenários, noutros ainda simplesmente conscritos que nada têm a perder por irem matar para algum lado, em vez de se deixarem estar no sítio onde serão mortos pela indigência, i.e. pela polícia ou pela doença (se acaso houver uma diferença entre as duas). O sistema político-partidário, porém, não obedeceu com a rapidez necessária à sua direcção político-económica. A guerra fez-se. Mas tardou. E fez-se em casa alheia sem mobilização dos “recursos humanos” gerados em território próprio. E essa gente de “vida irrelevante”, nas terras onde o homem é “fim em si próprio”, segundo o discurso oficial, essa gente não vê vida para si.

O que se temia na extrema direita – o sarcasmo do sistema é portentoso – foi realizado pela corja sob bandeira socialista, demo-cristã, liberal. A extrema direita, propriamente dita, os resquícios do nazismo e fascismo, apelando embora à revolta geracional, não aglutinou em torno da suástiva ou do fasces nada que possa haver-se por significativo, excepção feita aos espanhóis que mantêm o fasces como simbolo operante da guardia civil (sem protesto público que se conheça).

Aquilo a que se chama extrema-direita em França é talvez a expressão mais benigna do fenómeno geral. E a expressão que se aproxima mais da resposta necessária. O sistema é criminoso. Está dirigido por monstros. Deve ser eliminado porque se eliminou a si próprio i.e. usou o inteiro projecto político como máscara para a concretização, por si e em si próprio, do seu contrário.

O sistema julgou-se a si mesmo, portanto. Pese embora a renitência de boa parte da classe média urbana, que ainda recebe pensões e salários sem se dar conta que as suas vidas valem tão pouco como as de quaisquer outros. E a sentença, como o sabem bem os que procuram flutuar entre escombros, a sentença é a morte. O sistema teve até a lucidez de colocar nos seus primeiros planos gente de aspecto execrando. Gente cuja queda valerá apenas o espectáculo que há-de ser: o horrendo Barroso, o execrando Hollande, a degenerescência que é Merkel, o anómalo Rajoy, o repugnante Aznar. Podemos também pensar no asqueroso Portas, no medonho Montenegro, na doentia Teixeira da Cruz. Gente que não é já, sequer, morfologicamente normal. Mas Portugal atravessa hoje um singular tempo de vésperas com refracções próprias destas cruéis luzes.

Esta é a linguagem que plausivelmente se ouvirá a partir de agora e será tendencialmente, a expressão da realidade política e social, institucional, até. Até agora temos visto a morte sem a chamar pelo nome. Agora veremos enfim o significado cabal do que se andou a fazer. A morte. Há todavia duas mortes: a de Nanterre, com Richard Durn nos gatilhos, a querer matar “os responsáveis”; ou a do Bataclan a cujos assassinos serve qualquer morte porque “não há inocentes”.

Quanto a Portugal, soube entretanto que a escumalha continua a penhorar fiscalmente casas de habitação por verbas de 1000 euros – e o faz, de resto, com todo o artifício, para que as pessoas não se apercebam e não possam defender-se. A voracidade das máfias das execuções e da corrupção é a única explicação para isso, porque não há outra explicação. Só a cegueira do lucro na venda de uma casa por dez vezes menos, pode explicar a insistência de se desalojar uma família de surpresa e por meios realmente fraudulentos… Como é que isto sobrevive tanto tempo?