A grande aposta das eleições presidenciais francesas: O Governo Global contra as pessoas

(Por Diana Johnstone, GlobalReaearch, 04/04/2017, Tradução Estátua de Sal)

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Este texto revela quem é Macron e é o retrato lamentável de como está a esquerda socialista francesa. Venderam a alma à grande finança. Agora vendem o que resta do corpo e de passagem o que resta da França. Quando se põem de joelhos a rezar avé-Marias a este sinistro personagem para que seja ele a derrotar Marine Le Pen, está tudo dito. É só encomendar o caixão e uma cova bem funda para o Partido Socialista Francês.

Estátua de Sal, 21/04/2017


As eleições presidenciais francesas de 2017 não são uma brincadeira. Elas estão a erigir-se como um confronto altamente significativo entre duas conceções profundamente opostas da vida política. Por um lado, a governança, que significa a gestão conjunta da sociedade por uma elite cooptada, com base no modelo das corporações empresariais. Por outro lado, o sistema tradicional chamado “democracia”, ou seja, a escolha pelo povo de líderes, através de eleições livres e justas.

Historicamente, os acontecimentos políticos em França tendem a marcar épocas e a clarificar dicotomias, a começar pela distinção em declínio entre a “esquerda” e “direita”. Estas eleições podem ter também essas características.

O que é a “governança”?

É cada vez mais claro que a elite do poder transatlântico há muito decidiu que a democracia representativa tradicional não é a forma de governo apropriada para um mundo globalizado baseado na livre circulação de capitais. Em vez disso, o modelo preferido é a  “governança”, uma palavra retirada do mundo dos negócios, que se refere à gestão bem-sucedida de grandes corporações, unidas num único propósito e visando a máxima eficiência. Essa origem é evidente em aspetos da governança política: uma unanimidade obrigatória sobre “valores”, imposta pelos meios de comunicação corporativos; O uso de comités especializados para fornecer sugestões sobre questões delicadas, o papel desempenhado pela “sociedade civil”; o uso da psicologia e das comunicações para moldar a opinião pública; o isolamento das vozes críticas que questionam o sistema e levantam problemas; a cooptação das lideranças.

Estas características descrevem cada vez mais a vida política no Ocidente. Nos Estados Unidos, a transição da democracia para a governança foi gerida pelo sistema bipartidário, limitando a escolha dos eleitores a dois candidatos, selecionados e controlados pelos principais interesses corporativos do país, com base no seu compromisso de prosseguir a agenda da governança. Tudo isto estava a correr sobre esferas até que Hillary Clinton, a candidata indiscutível de toda a elite, ter sido derrotada de forma chocante por um intruso inesperado, Donald Trump. A reação negativa, sem precedentes, em todo o Ocidente mostra quão pouco a elite da governança global está pronta para ceder poder a um estranho. A situação nos Estados Unidos permanece incerta, mas a revolta refletiu o ressentimento popular crescente, embora mal definido, contra os governadores globalizadores, especialmente devido à desigualdade económica e ao declínio dos padrões de vida de grande parte da população.

Hillary Clinton optou por usar a palavra “governança” para descrever os seus objetivos, em parceria com a Goldman Sachs e outros representantes da “sociedade civil”. Mas nem mesmo ela era um produto puro do sistema de globalização como o é, nas eleições francesas, o candidato Emmanuel Macron. (Imagem à direita)

Governança Personificada

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A primeira forma de identificar o papel atribuído a Macron é simplesmente passar os olhos pela média: as intermináveis capas de revistas, peças sopradas, entrevistas chocantes – e nunca uma palavra de crítica, (enquanto os seus principais rivais são sistematicamente denegridos). Em janeiro, a revista Política Externa apresentou Macron aos seus leitores como sendo “O Inglês-Falante, O Alemão-Afetuoso, o político francês que a Europa estava à espera”.

A trajetória da sua carreira deixa a claro por que a média mainstream ocidental o está a apelidar por o Messias.

Nascido em Amiens há apenas 39 anos, Emmanuel Macron passou grande parte de sua vida na escola. Como a maioria dos líderes franceses, foi educado em algumas das melhores, mas não nas melhores, escolas de elite da França (para os conhecedores, ele falhou a entrada à ENS, mas fez Sciences Po e ENA). Os meios de comunicação dos EUA parecem impressionados pelo fato de ele ter estudado filosofia ao longo do seu percurso, o que não lá grande cartão-de-visita, em França.

Em 2004, passou no exame de admissão para ingresso na Inspeção Geral de Finanças, um dos corpos de especialistas que mais se distinguem ao serviço do Estado francês, desde os tempos de Napoleão. Os inspetores do IGF têm segurança no emprego para a vida e exercem funções de consultoria económica junto do governo ou até de entidades privadas. No IGF, ele chamou a atenção do alto funcionário Jean-Pierre Jouyet, particularmente bem relacionado, que o recomendou a Jacques Attali, o mais espetacular dos gurus intelectuais que, nos últimos 35 anos, tem regalado os governos franceses com suas visões futuristas (Jerusalém Como capital de um futuro governo mundial, por exemplo). Em 2007, Attali cooptou Macron na sua super-elite “Comissão para a Libertação do Crescimento”, autorizada a orientar a Presidência. E uma estrela nasceu – uma estrela do mundo dos negócios.

A Comissão Attali preparou uma lista de 316 propostas explicitamente concebidas para “instalar uma nova governação ao serviço do crescimento”. Neste contexto, o “crescimento” significa, naturalmente, o crescimento dos lucros, através de medidas que reduzem o custo do trabalho, derrubam as barreiras à circulação de capitais, em suma, a desregulamentação. Os 40 membros da elite que planejavam o futuro da França incluíam os chefes do Deutsche Bank e da empresa suíça Nestlé. E assim, foram eles que forneceram ao jovem Macron  um valioso livro de endereços e de contatos úteis.

Em 2008, por recomendação de Attali, Macron foi levado para o Rothschild Bank, ocupando uma elevada posição. Ao negociar uma compra da Nestlé no valor de nove mil milhões de dólares, Macron tornou-se milionário, graças ao montante elevado da sua comissão.

A que é que ele deveu a sua ascensão meteórica, ascensão que há dois séculos teria sido um excelente tema para um romance de Balzac? Ele foi “impressionante”, lembra Attali. Ele deu-se bem com todos e “não antagonizou ninguém”.

Alain Minc, outra estrela especialista em tudo, disse: Macron é esperto, mas acima de tudo, é um bom banqueiro porque é “encantador” – uma qualidade necessária para “a profissão de puta”).

Macron é famoso por palavras de profunda sabedoria como:

“O que a França precisa é de mais jovens a quererem ser milionários”.

Ou:

“Quem se importa com os programas? O que conta é a visão. “

Assim, Macron lançou a sua carreira com base no seu charme e “visão” – certamente ele tem uma visão clara de qual é o caminho para o topo.

Formação da Elite da Governança

Este caminho está cheio de contactos. A elite da governança opera por cooptação. Reconhecem-se, “cheiram-se uns aos outros”, eles são de uma única mente.

Naturalmente, um destes dias, as polícias irão ativamente condenar estas conversas da “governança” dizendo que não passam de teoria da conspiração. Mas não há conspiração, porque não é necessário que o seja. As pessoas que pensam de modo igual agem em conjunto. Ninguém tem que lhes dizer o que fazer.

E as pessoas que condenam cada dica sobre a “conspiração” parecem acreditar que as pessoas que possuem um poder imenso, especialmente o poder financeiro, não se dão ao trabalho de o usar. Em vez disso, sentam-se e dizem: “Deixem o povo decidir”. Como George Soros, por exemplo.

Na verdade, as pessoas com poder não apenas o usam, mas estão convencidas de que devem usá-lo, para o bem da Humanidade, para o bem do mundo. É por isso que David Rockefeller fundou a Comissão Trilateral há quarenta anos, para descobrir como lidar com “demasiada democracia”.

Hoje em dia, os ideólogos mantêm as massas divertidas com argumentos e discussões a respeito de si mesmas, a que grupo identitário pertence, qual o género que podem assumir, quem é injusto com quem, quem é que elas devem “odiar” pelo crime de “odiar”.

Enquanto isso, a elite encontra-se entre si e decide o que é melhor.

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Graças a Jouyet, em 2007 Macron foi cooptado para pertencer a um clube chamado Les Gracques (na senda dos irmãos romanos Gracchus), dedicado aos “valores”, com base no reconhecimento de que o Estado-providência keynesiano não se enquadra na globalização e no desenvolvimento da União Europeia.

Em 2011, Macron foi cooptado para o Club de la Rotonde, que se comprometeu a aconselhar o Presidente Hollande a acordar a França com um “choque de competitividade” – favorecendo o investimento, reduzindo as despesas públicas e os custos de mão-de-obra.

Em 2012, Macron foi recebido na Fundação Franco-Americana, conhecida por selecionar os “jovens líderes” do futuro.

Em 2014, Macron chegou ao grande momento. Em 31 de maio e 1 de junho desse ano participou da reunião anual de Bilderberg, realizada em Copenhaga. Este encontro super-secreto de designers de “governança” foi formado em 1954 pelo príncipe Bernhard da Holanda. Não são permitidos jornalistas na reunião de Bilderberg, mas os principais barões da imprensa estão lá para concordar com o consenso que deve ser difundido e inculcado na mente das massas.

E política? Programa? O que é isso?

Com todas essas credenciais, Macron passou de conselheiro económico de François Hollande para ministro da Economia, Finanças e Indústria Digital, sob a presidência do primeiro-ministro Manuel Valls, onde promoveu vigorosamente a agenda de Attali sob pretexto de promover o “crescimento”. Entre outras coisas, ele reverteu a posição de seu antecessor ao aprovar a venda da joia da coroa da indústria francesa, o setor de energia da Alstom responsável pela indústria de energia nuclear da França, à General Electric.

Como ministro, Macron foi responsável pelas medidas mais impopulares de toda a impopular presidência de Hollande. A sua chamada “Lei Macron”, caracterizada por uma desregulamentação maciça, conformou-se às diretivas da União Europeia, mas não conseguiu obter a maioria no parlamento e teve de ser aprovada recorrendo ao artigo 49.3 da Constituição, que permite ao Primeiro-Ministro aprovar uma medida sem a aprovação parlamentar.

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A sua realização seguinte foi mais velada. Projetou a “reforma” (desmantelamento parcial) do direito de trabalho francês, apresentada ao público como a Lei El Khomri, em homenagem ao jovem ministro do trabalho, marroquino Myriam El Khomri. A Sra. El Khomri não tinha praticamente nada a ver com a lei de seu nome, exceto colocar um rosto bonito e um nome de “diversidade étnica” numa legislação extremamente impopular que enviou trabalhadores a protestar nas ruas durante semanas, dividiu o Partido Socialista e obrigou o Primeiro-ministro Valls a recorrer novamente ao Artigo 49.3 para poder aprovar a lei.

Aqui a história torna-se quase cómica. A divisão e a colisão criada por Macron no governo Hollande / Valls praticamente destruíram o Partido Socialista francês, deixando-o dividido e desmoralizado. Isso abriu caminho para Macron emergir como o campeão heroico de “o futuro”, “nem a esquerda nem a direita”, “a França dos vencedores”, no seu novo partido, En Marche (que pode significar “está funcionando”).

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No momento, Macron está no topo das sondagens, ombro a ombro com o corredor da frente, Marine Le Pen, para a primeira volta eleitoral  de 23 de Abril, e portanto, é o favorito para desafiá-la na decisiva segunda volta de 7 de maio. Ser “charmoso” assegurou a Macron uma carreira bem-sucedida como banqueiro, e os subservientes meios de comunicação social estão a fazer o possível para lhe assegurar a Presidência, principalmente com base em seu charme juvenil.

A média e as pessoas

Como nunca antes, a imprensa e as televisões de onde a maioria das pessoas obtém as notícias  tornaram-se, não só unânimes nas suas escolhas e sem escrúpulos nos seus métodos, mas também tirânico na sua condenação de fontes de notícia independentes reputando-as de “fake” e “false”. Eles devem ser designados por Média de Gestão da Mente. A objetividade é uma coisa do passado.

Há onze candidatos oficiais na corrida para a Presidência da República Francesa. A Média de Gestão da Mente, pródiga em centrar a atenção em Macron, trata os seus rivais mais diretos como delinquentes, atiram alguns ossos aos perdedores, e ignoram os restantes. Apoiado pela Média de Gestão da Mente, Macron é o candidato da governação autoritária a correr contra todos os outros, contra a própria democracia francesa.


Diana Johnstone é co-autora de From Mad to Madness (Clarity Press), um livro de memórias do planeamento dos objectivos nucleares no Pentágono pelo Dr. Paul H. Johnstone, seu falecido pai.


Original aqui

 

França: a esquerda vive, quando não se rende

(Por  Jon Henley, in OutrasPalavras, 14/04/2017)

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Jean-Luc Mélénchon sacode as eleições presidenciais e está a um passo de segundo turno. Segredo: fustigar regressão neoliberal e propor reformas democráticas radicais.


Um avanço dramático, de 7 pontos percentuais nas pesquisas, paraece levar inesperadamente o candidato de esquerda, Jean-Luc Mélenchon para uma disputa entre quatro candidatos, que decidirão o primeiro turno das eleições presidenciais francesas.

A dez dias das votações, em 23 de abril, o candidato de centro, Emmanuel Macron, e a líder direitista Marine Le Pen, ambos com 23-24% de intenção de votos, ainda são os favoritos para seguirem adiante no segundo turno. [Uma nova pesquisa, divulgada nesta sexta-feira, por Le Monde, indica que a diferença caiu para apenas dois pontos. Macron e Le Pen tem 22% dos eleitores; Mélenchon subiu dois pontos e tem agora 20%. (nota de Outras Palavras)]

A ascensão do Mélechon — um político ácido, com uma plataforma radical sobre impostos e gastoús pblicos — ocorre num momento em que  que mais de um terço dos eleitores estão indecisos. Não há duas pesquisas totalmente iguais, por isso é impossível dizer com certeza quem seguirá para o segundo turno.

A extrema imprevisibilidade da disputa está sacudindo tanto o mercado financeiro quando os observadores. A campanha “cheira mal”, disse o presidente que deixa o posto, François Hollande, aos amigos, segundo informou Le Monde. Temendo o que alguns analistas chamam de onda destrutiva entre os eleitores, Hollande também alertou os perigos da “simplificação e falsificação” numa eleição marcada por raiva anti-estabilishment.

Muitos analistas estão agora contemplando o inimaginável confronto entre Mélenchon e Le Pen, um confronto entre extrema-esquerda e extrema-direita que poderia representar um abalo sísmico na política francesa e europeia.

Mélenchon, de 65 anos, saiu do Partido Socialista — de centro- esquerda e ao qual está ligado o preesidente Hollande — em 2008. Formou e passou a liderar um movimento de base, A França Insubmissa [La France Insoumisse]. Aos poucos, atraiu os votos do candidato socialista oficial, Benoît Hamon.

Ajudado pela sua retórica casuística, performances fortes nos debates pela TV e uma ágil campanha, que inclui manifestações com holograma e Fiscal Combat – um jogo para “caçar os ricos” — sua aprovação pessoal saltou de 22 pontos para 68 em um mês, fazendo dele o político mais popular da França.

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“Ele inventou o stand-up político — disse um aliado ex-aliado do Partido Socialista, Julien Dray — ele tornou-se um showman”. O próprio Mélenchon afirma que se tornou uma figura “tranquilizadora” e “menos cabeça quente”.

As políticas de Mélechon incluem redução das jornadas semanais de trabalho de 35 para 32 horas; redução da idade mínima para aposentadoria para 60 anos; aumento do salário mínimo e benefícios de segurança social — além de uma vasta reforma tributária, que inclui alíquotas de 100% sobre qualquer rendimento que ultrapasse 33 mil euros por mês (R$ 110 mil).

Ele também quer deixar de usar energia nuclear, que hoje responde por cerca de 75% da geração elétrica da França, e reformar radicalmente a Constituição francesa, abolindo o regime presidencial da Quinta República. Embora sua posição sobre a imigração seja oposta à de Le Pen, Mélenchon não está tão distante da líder da Frente Nacional na política exterior, ao defender um “novo papel” para a França na UE, sua retirada da OTAN e laços mais calorosos com a Rússia.

Seus planos incluem ampliar os gastos públicos em 173 bilhões de euros em cinco anos e retirar a França dos tratados da União Europeia, se Bruxelas não concordar com reformas fundamentais. É o que mais irritou os conservadores e investidores. “Mélenchon: o programa louco do Chávez francês”, dizia a manchete de capa do diário conservador Le Figaro de quarta-feira, comparando o candidato apoiado pelos comunistas ao ex-líder venezuelano.

Pierre Gattaz, líder do principal grupo empresarial francês — o Medef — disse esta semana que um segundo turno entre Mélenchon e Le Pen seria “uma catástrofe” para a França, ao forçar os eleitores a escolher entre “o desastre econômico e o caos econômico”.

Pesquisas recentes sobre modelos hipotéticos de segundo turno preveem que Macron – um ex-ministro da economia e banqueiro de investimentos que nunca ocupou um cargo eletivo, mas diz que deseja transcender a divisão tradicional entre esquerda e direita e governar “de maneira justa e eficiente” — derrotaria Le Pen, Fillon e Mélenchon.

Fillon, um ex-primeiro ministro conservador que nega as alegações de que pagou à sua mulher centenas de milhares de euros de dinheiro público por um trabalhinho como assistente parlamentar, venceria Le Pen, mas perderia para qualquer um dos outros dois, enquanto Mélenchon venceria Le Pen e Fillon, mas perderia para Macron.


Fonte aqui

Dois pesadelos e dois sonhos

Primeiro pesadelo francês. Três candidatos dominantes de direita, duas faces da mesma moeda europeia, concebida para destruir as esquerdas: variantes de euro-liberalismo (Macro e Fillon), por um lado, e protofascismo (Le Pen), por outro….

 

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