(Baptista Bastos, in Jornal de Negócios, 09/09/2016)
“Pelo sonho é que vamos”, escreveu António Ramos Rosa. Pelo sonho, pelo sonho. E o país com que sonhamos está em nós. Podem fazer-nos as maiores indignidades. Pelo sonho é que vamos.
Que país desejamos fazer? Pedro Passos Coelho, ao obedecer a normas absurdas das chefias da União Europeia, mandou embora mais de quatrocentos mil jovens portugueses. Muitos deles certamente não voltam, atraídos por uma vida mais segura e com mais acentuado futuro. Obedecia, o português, a instruções das chefias da União Europeia. E está por alinhar a responsabilidade da Alemanha nesta jogatana sórdida. Nada do que somos e fomos foi resguardado. Não é de espantar que António Costa suba nas sondagens, e que Coelho patine nos números, no que diz e como diz. Claro que tudo está em causa. Mas os quocientes de aceitação do que faz o Governo parecem ser convincentes. Claro que o peso deste Governo se acentua com a presença do Bloco e do PCP. E as veladas e claras ameaças à estrutura do Governo não deixam lugar a dúvidas.
“Que Portugal se espera em Portugal?”, perguntava assaz inquieto Jorge de Sena, que nos conhecia bem e às nossas falências, mas também não ignorava a força obscura, por vezes calamitosa, tanto quando agíamos como quando nos calávamos. Estamos numa situação semelhante. Expectantes e um pouco angustiados quanto aos resultados. Porém, sabemos um pouco do que desejamos e do que queremos. Sempre assim fomos, como povo e como expectativas. Três séculos de Inquisição, cinquenta anos de fascismo e do receio que se lhe seguiram marcaram este povo frequentemente admirável.
Queremos ser felizes, é isso. E as mágoas que trazemos da família e do resto que nos rodeia e limita e catalisa marcam os nossos destinos e a nossa maneira de ser e de agir. Quando milhares e milhares de jovens abandonaram o País, em procura de um destino melhor e mais aconchegante, o extraordinário Miguel Relvas disse uma coisa semelhante a esta verdade insofismável: enfim, uns vão e outros ficam. Nesta frase quase obscena, aquele bizarro ministro sublinhava o desinteresse que o caso lhe despertava. E revelava a falta de capacidade redentora e de respeito que possuía. Miguel Relvas anda por aí, muito pimpão, e volta e meia surge nas reuniões organizadas pelo PSD.
Há, em Portugal, com o correr do tempo e sob a capa de um aparente esquecimento, uma casta que se sobrepõe a tudo o que de mais honrado e honesto ainda subsiste em muitos de nós. Na política, o assunto torna-se mais evidente, mas em todas as razões do nosso viver, a indignidade, de vez em quando, sobreleva as mais elementares regras de comportamento social.
Nas comemorações do 25 de Abril, nas ruas e nos discursos, percebemos que a indignidade ainda não baralhou as pessoas. Apesar do sufoco em que vivemos, das dificuldades por que atravessamos, dos desgostos que nos afogam, de tudo o que temos de suportar. A velhice toca-nos à porta e entra pelas nossas janelas, é verdade. Reduz a uma melancolia trágica as nossas conversas, os nossos ideais e os nossos sonhos, também é verdade. Porém, há qualquer coisa de sublime de mágico que nos faz sobreviver.
Pessoalmente, sei muito bem do que falo. Quando a nefasta melancolia me invade vou-me aos livros escritos por aqueles que nunca desistiram. Recordo, com frequência, aqueles, todos aqueles que me ensinaram a pensar no sonho. “Pelo sonho é que vamos”, escreveu António Ramos Rosa. Pelo sonho, pelo sonho. E o país com que sonhamos está em nós. Podem fazer-nos as maiores indignidades. Pelo sonho é que vamos.