A história do cavaquismo está por fazer

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 08/04/2017)

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A entrevista a Dias Loureiro – “Temos um Presidente com opinião sobre tudo menos os direitos fundamentais dos cidadãos” – oferece duas passagens geradoras de granítico silêncio no comentariado, seja à direita ou à esquerda:

À boca pequena toda a gente diz que há uma central de informação em tal lado, as pessoas são estas e aquelas… Eu não vou dizer porque ainda vou ter outro processo a seguir, porque não posso provar também, não é? Mas nada acontece, a justiça tem sido incapaz de se investigar a ela própria nas coisas mais comezinhas.

– Cortei com um só amigo, um grande amigo. Um amigo a quem devotei uma amizade incondicional nos últimos 32 anos. Um amigo a quem dei, em tudo, o melhor de que fui capaz. Admirava-o como pessoa e como político. Continuo a admirar a sua obra política como primeiro-ministro. Falo do professor Aníbal Cavaco Silva. Da pessoa. Não lhe falei durante todo o segundo mandato presidencial e quando terminou as funções procurei-o para lhe dizer por quê me afastei dele. Disse-lhe que fui sempre leal à amizade que lhe dediquei. Disse-lhe que ele não o foi em relação à amizade que eu esperava dele. Disse-lhe que tenho a consciência tranquila. Agora a vida segue. A dele e a minha. Sem rancor. Às vezes lembrarei a mágoa.

Na primeira citação, Dias Loureiro está a declarar que tem conhecimento dos nomes dos agentes de Justiça que cometem crimes em conluio com jornalistas e órgãos de comunicação social. E acrescenta que essa informação a que se refere está na posse de muitos que a repetem em círculos privados, na “boca pequena”. Na segunda citação, Dias Loureiro humilha Cavaco Silva e mostra qual dos dois é que detém o poder dentro da relação. Pista: não é o orquestrador da “Inventona de Belém”.

Antes de irmos às ilações que estas duas citações legitimam, uma nota sobre a figura. No seio do PSD sabe-se muitíssimo bem como é que o Manuel de Aguiar da Beira subiu dentro do partido. Corriam anedotas ao longo das décadas sobre os tempos de Coimbra que eram contadas por militantes e dirigentes laranjas. Este aparato sórdido, pois as histórias eram sórdidas, ligava-se com a percepção de que ele se tinha tornado na eminência parda do cavaquismo. E o que foi o cavaquismo? Foi algo sem o qual não teria nascido o BPN, por exemplo, daí a teia de relações entre os seus protagonistas, os da corte de Cavaco e os do banco, sendo que nalguns casos eram exactamente os mesmos. Donde, quando rebentou a crise do BPN, e se deu a intervenção do Ministério Público, muito boa gente jurava que seria impossível tocar em Dias Loureiro. A lógica sendo a de que, se ele caísse, inevitavelmente cairia Cavaco. E jamais a oligarquia deixaria que isso acontecesse.

Os factos vieram dar razão a estas profecias, pois Dias Loureiro acaba de ver um bizarro e escandaloso despacho de arquivamento a, para todos os efeitos práticos, ilibá-lo de crimes que o Ministério Público mantém terem acontecido por sua responsabilidade, por um lado, e Cavaco permite-se gozar com o regime e a comunidade, vindo mentir pateticamente a respeito de um crime que igualmente cometeu, pelo outro. Do ponto de vista da opinião, são dois escroques. Do ponto de vista da Lei, dois inocentes. E é a Lei o que mais importa.

Voltando às ilações, a primeira consiste nesta constatação: nem quando um cidadão declara ter conhecimento da prática de crimes e de quem são os criminosos tal impele o Ministério Público a agir caso as implicações corporativas e políticas lhe desagradem. Joana Marques Vidal não quer saber se Dias Loureiro mente ou se está na posse de uma valiosíssima informação que permitiria, finalmente, apanhar um dos criminosos na origem das violações do segredo de Justiça? O corolário é o de que os partidos, o Governo e o Presidente da República ficam automaticamente na categoria de cúmplices pela sua passividade e silêncio. A segunda remete para a História de Portugal e, em particular, para a história de Cavaco Silva primeiro-ministro e Presidente da República. O que Dias Loureiro quis mostrar foi que o seu “grande amigo” o atraiçoou e que, portanto, há uma história secreta entre os dois que nunca veio a público. Conhecer essa história corresponderia a conhecer os meandros da oligarquia portuguesa dos últimos 30 anos.


Fonte aqui

Um ministério pouco púdico

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 07/04/2017)

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O Ministério Público arquivou a investigação contra Dias Loureiro e Oliveira Costa num processo de burla qualificada, fraude fiscal e branqueamento de capitais relacionado com o BPN. O caso estava relacionado com a compra de uma empresa em Porto Rico.

O que eu penso, quando ando num baloiço feito de flores, é que uma pessoa que fez a fortuna que o Doutor Dias Loureiro fez, em tão pouco tempo, num país tão pobre, só pode ser porque é o indivíduo com mais sorte do mundo. Já deve ter ganho seis vezes o euromilhões. O Dias Loureiro é daquele tipo de pessoas que nunca esquece uma cara e nunca se lembra de uma assinatura. Já conheci mais gente assim.

O mais impressionante nesta decisão do Ministério Público é a conclusão final, ao fim de oito anos de investigação: O MP afirma não ter sido possível identificar, “de forma conclusiva, todos os factos susceptíveis de integrar os crimes imputados aos arguidos” . Mais oito anos e eles iam lá. Ou pediam ajuda à Comissão de Camarate. Resumindo, não conseguiram imputar todos os factos e, portanto, arredondaram para zero.

No despacho do MP, e sublinhadas a bold, há frases como: “Pese embora o facto de não ter sido recolhida prova suficiente do recebimento dessa vantagem pessoal, à custa do grupo BPN/SLN, subsistem as suspeitas, à luz das regras da experiência comum.” O que o MP diz, por linhas tortas, é que eles são mesmo aldrabões, mas não deu para apanhá-los.
Ora, mesmo não apreciando Dias Loureiro e Oliveira e Costa, por razões de ter andado a pagar o que eles andaram a fazer e por terem mau gosto para óculos, causa-me alguma estranheza que o Ministério ilibe as pessoas mas que, ao mesmo tempo, lhes atire lama para cima. Tenho o palpite que se o Doutor Dias Loureiro resolver processar o Ministério Público tem a oportunidade de, uma vez na vida, fazer dinheiro de uma forma honesta.

Portanto, das duas, uma, ou o MP leva Dias Loureiro e Oliveira e Costa a tribunal, e então já pode acusá-lo daquilo que diz na conclusão final, ou arquiva o caso e “fecha a matraca”. Não sendo assim, posso ser levado a pensar que, “à luz das regras da experiência comum”, ao dar a entender que são obviamente culpados, mas que não conseguiram provar, ou o MP é incompetente ou fez por sê-lo. É que eu já tinha a certeza de que o Dias Loureiro estava metido em negócios sujos, mas agora passo a desconfiar que o MP não é flor que se cheire. Porque a verdade é que se “quem não tem cabras e cabritos vende, é suspeito”, quem não tem provas não nos pode vender o não acusado como suspeito.

Para terminar, também tenho vontade de me queixar do MP ao Tribunal dos Direitos do Homem por me ter obrigado a escrever uma crónica a defender Dias Loureiro. O mais próximo que já tinha estado disto foi quando tive de reconhecer que o esconderijo que o ex-ministro de Aníbal Cavaco Silva tinha feito lá em casa era excelente. Bem decorado, com uma colecção de arte notável e que até merecia ser capa da Esconderijo e Jardim.


TOP 5

Porto rico

1. António Costa admitiu terça-feira que a solução encontrada para a venda do Novo Banco não é a perfeita – Costa e Centeno podiam ter aproveitado para resolver parte dos problemas do Novo Banco. Era só terem mandado penhorar o indivíduo que estava sentado no meio dos dois na bancada do estádio durante o jogo Benfica-Porto.

2. Marcelo com confiança na actuação do Governo na situação do Montepio – Porque já desistiu de confiar na actuação do Banco de Portugal.

3. Maria Luís não foi ouvida na terça-feira no Parlamento sobre o caso dos “offshore”. A audição foi adiada por “motivos pessoais” – A deputada tinha uma reunião importante na Arrow Global.

4. Comunista João Ferreira, candidato a Lisboa, falhou 54 reuniões de câmara – Hum… querem ver que tem um caso com a Teresa Leal Coelho?

5. “PSD pensa que decisão em relação ao Novo Banco é má” – O PSD detesta decisões.

Somos o que os alemães deixarem

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 15/05/2015)
João Quadros

João Quadros

 

Chegou-me às mãos a biografia de Passos Coelho, “Somos o que escolhemos ser”, uma obra literária que abre novos caminhos ao realismo pós-pindérico. Não é uma biografia, é uma notícia do Correio da Manhã com muitas páginas.

“Somos o que escolhemos ser” é um pensamento de Miss. Porque, a verdade é que não é bem assim. Aposto que há muita gente que não escolheu estar sem emprego. Ou não escolheu ter de sair do país ou não escolheu ser enganada pelo BES. “Somos o que escolhemos ser” só funciona se tivermos um padrinho como o Ângelo. Mas, caso fosse verdade e pudéssemos escolher o que queremos ser, nós já sabemos o que o nosso PM escolheria ser. Passos Coelho escolheria ser um Dias Loureiro, por diversas razões, nas quais podemos incluir o razoável cabelo para a idade. Portanto, o livro podia intitular-se: “Escolho ser um Dias Loureiro”.

No fundo, se formos ver, há até algumas semelhanças entre o que é narrado no livro e a situação actual do ex-conselheiro de Estado. Reparem, e cito a obra: “Fá e Passos dormiam com o colchão no chão e não havia margem para que uma cama não fosse considerada uma extravagância”. Cá está, tal como Dias Loureiro, Passos não tinha nada. Aposto que até o colchão estava em nome da Fá. Aliás, Passos, nessa altura, vivia, como quase todos os jovens: num quarto vazio, só com um colchão, e um poster do Dias Loureiro.

Este exemplo de sacrifício, que inclui um colchão e uma das Doce (numa época em que as Doce eram um Doce), fica a saber a poucochinho em termos de sofrimento. O que Passos nos tem para dar como exemplo de provação é o que queriam 90% dos homens da idade dele naquela altura. Podíamos ficar uma noite a dar exemplos de quão terrível pode ser a vida de um jota da JSD: “Não tínhamos roupa e eu e a Scarlett Johansson tínhamos de andar nus pela praia”. “Passávamos tanta fome que só nos restava o seio da Beyonce”. “O único emprego que arranjei foi como massajador íntimo da Mila Kunis”.

“Somos o que queremos ser” só faz sentido quando podemos escolher alguém do nosso partido para ser nossa biógrafa. Aposto que a autora não escolheu ser biógrafa do Passos. Foram-na chamar. Se eu fosse o Passos, não perdia tempo com a biografia de uma pessoa tão sem história como ele. Se eu fosse o Pedro, pedia à biógrafa que escrevesse a do Dias Loureiro. Depois podiam pôr lá pelo meio um suplemento fininho com a minha, mas, a fazer, era a do Dias. Tudo o que Dias Loureiro tem feito dava um calhamaço, basta ir consultar os arquivos da judiciária.

Conclusão, Passos lava louça, fica bem no sofá, só tinha um colchão, faz papos de anjo, salva a mulher do cancro e bebe vinho enquanto ouve Aznavour – depois deste livro, só queria a nossa dívida indexada à noção do ridículo do nosso PM.