Desta vez, a infâmia não saiu vencedora

(Baptista Bastos, in Jornal de Negócios, 29/07/2016)

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Baptista Bastos

Este longo episódio, que macerou os portugueses, espantadíssimos com a absurda punição de Bruxelas, testifica que a “União” Europeia é um maléfico imbróglio.


Durante longas semanas, Portugal foi vítima de obscuros propósitos, e de enganosas ameaças. Os portugueses foram castigados, diariamente, por notícias caudalosas de pagamento de uma dívida, afinal inexistente. Foi um massacre muito bem preparado e melhor cautelado. O semblante dos senhores de Bruxelas estava carregado de medonhas ameaças, veladas e mesquinhas. A Imprensa estrangeira reduzia o que era considerado rotundo a meras meia dúzia de linhas nas páginas interiores. A portuguesa, por seu turno, puxava o que entendia serem factos para as primeiras páginas. Letras fortes, conteúdos medianos. O português comum, esse, já trucidado pela vida medíocre a que o obrigava a situação, mordia os lábios e estancava a sua miséria.

Por outro lado, membros do Governo viajavam de cá para lá, tentando minimizar a natureza de um problema cuja importância aparecia como medonha, enorme e assustadora. Especialmente um diário português, muito dado a aumentar factos perversos e em reduzir a quase nada a natureza fundamental dos casos reais.

Eu próprio, longo de vida e longo de trabalho insano e diário, andava baralhado, sem saber como resolver um problema que me impunham. Ocultava à minha mulher as características violentas da situação, mas certos jornais, sem pudor nem grandeza, aumentavam os parágrafos do meu desespero. Pelos vistos, tinha de pagar a Bruxelas por um crime, ou uma ofensa, que não cometera.

Nesta angústia que nos levava a um desespero incontido, surgiu a notícia benéfica. Portugal nada tinha a pagar. Aliás, vários tinham sido os países, a Alemanha e a França, por exemplo, que, em condições semelhantes, haviam escapado à punição.

Este longo episódio, que macerou os portugueses, espantadíssimos com a absurda punição de Bruxelas, testifica que a “União” Europeia é um maléfico imbróglio. Apenas destinado a punir os países europeus mais débeis. E adverte-nos, com a solenidade determinada pelos factos, que não podemos estar constantemente à mercê de uma política que age consoante o que pensam alguns dos seus mandantes.

Portugal e os portugueses não podem estar constantemente sujeitos a uma clique de madraços, que mandam impunemente na Europa. Nós sabemos quem são. Os seus nomes e as suas acções surgem nas televisões com o ar de coelhos desavergonhados, e desprovidos de qualquer resquício de cultura e de entendimento. Temos, urgentemente, de pôr cobro a esta infâmia. Ela está à espreita em cada esquina da nossa desatenção.

A Europa estremece cada vez mais

(Baptista Bastos, in Jornal de Negócios, 17/06/2016)

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Baptista Bastos

A eventual saída do Reino Unido acentua a decadência de um império anacrónico, sustentado por um sistema económico notoriamente em desmoronamento, mas com estipendiados a soldo e despudorados inanes.


Há sempre alguém que resiste
Há sempre alguém que diz não
Manuel Alegre. Trova do Vento que Passa

Tudo parece indicar que o Reino Unido vai abandonar a “União” Europeia, organização económica que tem beneficiado os países mais poderosos (a Alemanha, sobretudo) em detrimento dos mais pequenos (Portugal, por exemplo). Há muito que a “União” deixou de o ser, para se transformar num condomínio do capitalismo. Foi boa a ideia de uma Europa feliz, muito amiga e sem guerras. Nem uma destas generosas proposições foi cumprida. As chamadas “guerras regionais” não param de acontecer, aqui e além, numa soma de carnificinas resultante da natureza dos domínios e da expressão hegemónica de nações contra nações.

A natureza, digamos humanista, da União Europeia cedo se dizimou. O Partido Popular, que tudo manda, assenhoreou-se das direcções, sem ter sido submetido ao critério geral da apreciação. A Alemanha, neste caso a senhora Merkel, tomou conta das operações, com a benevolente subserviência dos dirigentes do resto das nações. O desfile de chefes de Estado ante a chanceler alemã tem sido, é, o mais repelente cenário de obséquio a que assistimos nas últimas décadas.

A eventual saída do Reino Unido acentua a decadência de um império anacrónico, sustentado por um sistema económico notoriamente em desmoronamento, mas com estipendiados a soldo e despudorados inanes. Há tempos, essa irrelevância sorridente que dá pelo nome de Durão Barroso declarou que Portugal tinha beneficiado, e muito, com a “União.” E citou, como preclaro exemplo, o novo túnel do Marão. Este cavalheiro, antigo e agitado militante maoísta, declarou, a seguir, num indecoroso diálogo com Ricardo Costa, que ia abandonar a “política activa” e consagrar-se a quê?, aos negócios, está bem de ver.

Claro que esta situação desigual não pode continuar, e o caso do Reino Unido é um dos muitos tijolos que abalam a estrutura. Mas nem todos os povos aguentam este poder. O Podemos, em Espanha, parece cada vez mais sólido, apesar da criação falaciosa do Ciudadanos, que outra coisa não é senão um ramo dissimulado do partido de Mariano Rajoy, que vai estrebuchando sem grandeza nem dignidade. Também o PSOE, de tantas tradições de luta e sacrifício, está a ser engolido pela sarjeta onde se colocou.

Cercada por uma força descomunal, que a asfixia sem que o resto das nações europeias proteste ou se insurja, a Grécia resiste; mas até quando? Portugal, este Governo, é apertado por mil ameaças e ciladas. A troika que governa a Europa não pode com António Costa, e com o projecto que ele representa e incorpora. Mas esta Europa actual não é vencedora. O mal-estar europeu revela-se por todo o lado: manifestações, graves, movimentos de massas, confrontos de toda a ordem, espalham-se pelos países. E nem a estratégia global de enfraquecimento dos sindicatos está a resultar inteiramente. A consciência dos povos desperta sempre que a pretendem sufocar.

NOTA A TEMPO: durante duas semanas, talvez menos, vou estar ausente deste espaço. Uma pequena cirurgia a isso me obriga.
Mas voltarei. Obrigado aos Dilectos.

A cabisbaixa feira portuguesa

(Baptista Bastos, in Jornal de Negócios, 09/06/2016)

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Baptista Bastos

Na minha malvada ingenuidade, pensava que Marcelo não enfileiraria no cortejo subserviente que costuma ir ao beija-mão de Merkel.


Marcelo Rebelo de Sousa foi a Berlim, caminhou pela passadeira vermelha, conversou, durante meia hora, com a senhora Merkel, e regressou muito feliz com o que a alemã lhe dissera. E o que lhe disse a alemã para o deixar tão feliz? Esta frase módica: “Compreendo Portugal.” Quanto a essa “compreensão”, é um enigma que comporta tudo: até a mais atroz ignorância. Despachou o expedito Presidente com o mais expedito dos comentários, configurando a imperatriz das cortes antigas, que nada diziam quando nada queriam dizer.

Há qualquer coisa de ignominioso nesta e em outras cenas semelhantes. E Portugal poderia muito bem passar em claro esta visita tão absurda como subalterna. Consta por aí, com os gritantes alaúdes da Direita, que Portugal vai ser sancionado não se sabe bem porquê. Quem manda nesta Europa amolgada e desacreditada é o Partido Popular Europeu, agremiação que reúne (nunca é excessivo dizê-lo) o que de pior existe nessa área, e à qual pertencem o PSD e o CDS. Marcelo teria ido lá pedir alteração nas datas da punição. O que não deixa de ser vergonhoso e desacreditante, para um país cansado de sanções e de exigências. Na minha malvada ingenuidade, pensava que Marcelo não enfileiraria no cortejo subserviente que costuma ir ao beija-mão de Merkel, que não passa de um factótum de interesses que se não revelam, e que transformaram a Europa num condomínio privado do capitalismo mais perigoso porque a pode conduzir a um cataclismo de resultados imprevisíveis.

Podemos hoje dizer que somos europeus livres? Não. Estamos a soldo e a mando de regras que nada têm que ver com a natureza específica de cada nação. Marcelo sabe-o muito bem. Ele mesmo, quando comentador, dissolveu a senhora Merkel num amontoado de absurdos: na ocasião, ela não passava de uma ignorante sem grandeza nem destino, provinda de uma toca misteriosa e sombria. Referia-se, certamente, à ex-RDA onde a senhora nascera e fora criada. A verdade é que, ao longo dos anos, sem escrutínio, sem eleição, por livre arbítrio, Angela foi transformada na dona de um império que tem, sobretudo, servido a Alemanha, e deixado de rastos muito países, como aquele de que o seu Presidente foi pedir não se sabe o quê.

A situação na Europa está a tornar-se cada vez mais ameaçadora, e não é com salamaleques dos governos à Alemanha que as coisas vão melhorar. Não sou somente eu a advertir destes perigos. Jornais importantes como o The Guardian não se cansam de repetir a natureza desses perigos e o que eles comportam. O capitalismo, tal como hoje está, aguerrido e beligerante, é uma organização tenebrosa pelos seus mistérios, que, inclusive, tem levado o Papa Francisco a tomar sérias posições de aviso.

Há ameaças cada vez mais visíveis no horizonte das nossas vidas