(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso, 18/04/2015)
Caro leitor, desculpe, mas eu já escrevi isto. Quer continuar, se já leu isto? Já leu isto, já ouviu isto e provavelmente pensava que já tinha pago isto. Mas isto continua, ano após ano, isto a que chamam consolidação que não consolida, equilíbrio que não equilibra, ajustamento que não ajusta. A austeridade não arma crescimento nem desarma de nós. Mesmo o crescer é sempre a perder e de cada vez que anunciam que tem de ser é como nos mandassem à perda.
A perda é até mais de esperança do que de dinheiro. “A década perdida” é uma expressão errada, porque não é uma, são duas: entre 2001 e 2010, a economia portuguesa cresceu 0,8%. E de 2011 a 2020 vai crescer… uns miseráveis 0,2%. Somos o sétimo país com o crescimento mais lento do mundo.
Calma, este não é um texto contra este governo de direita nem contra o anterior governo de esquerda — sim, eu também já escrevi isso, uma e outra coisa, o de Sócrates pela loucura da dívida acelerada sem proveito coletivo, o de Passos pelo falhanço nas reformas que levassem à reconversão da economia. Se for contra o Governo, então este texto é contra o próximo. Porque se o próximo não souber mais do que isto, estamos perdidos; perdidos na alta austeridade e no baixo crescimento como se tivéssemos defeito de fabrico. Não temos. Mas ouve-se Passos dizer que não há nenhuma razão para Portugal não ser dos países mais competitivos do mundo e atira-se com o comando da televisão ao chão. Andam a brincar.
É como se brincassem, quando depois nos apresentam um PEC e um Plano Nacional de Reformas que estende a austeridade por mais quatro anos. Os “cortes provisórios” que começaram em 2010 vão pelo menos até 2019. Mas agora é que é, diz o Governo otimista. Não, responde o FMI pessimista, nem nessa altura.
É por isso que Cavaco deseja que PS e PSD se juntem no próximo governo: para talhar de vez o sistema de pensões e as despesas com salários. Mas funciona? A questão é essa: não funcionou. Nem o investimento público do PS do início da década nem a desvalorização salarial posterior. Não havia alternativa à desvalorização interna, mas como mantê-la depois do havido?
Só em 2019 terão os funcionários públicos o salário bruto que tinham em 2010 e mesmo assim terão perdido mais de 10% com a inflação. Como mostrou ontem Horta Osório na conferência do “Negócios”, entre 2007 e 2014, os salários dos portugueses baixaram quase 25% face aos dos alemães. Se já demos tanto, se já cortámos tanto, se já pagámos tanto, se já nos tornámos “tão competitivos” e mesmo assim não há crescimento, nem investimento, nem emprego, que fazemos mais? Ceifamos?
Na próxima semana ouviremos as originalidades das propostas do PS para a economia, mas dificilmente escaparemos ao degredo do baixo crescimento sem que duas coisas aconteçam: concorrência que dê cabo da má gestão dos instalados (e, já agora, nós também pertencemos ao lóbi dos instalados se queremos manter as nossas pensões à custa de cortar drasticamente as daqueles que ainda não começaram a trabalhar); e políticas macroeconómicas assimétricas na União Europeia, vulgo a Alemanha aumentar os salários e promover a importação de produtos de países como Portugal.
Ainda não ouvi melhor medida do que a que Roubini uma vez metaforizou: que Merkel desse um cheque de mil euros a cada alemão para passar férias no Algarve.
Se não tivermos isso, o que temos é isto. Isto que nunca mais acaba, esta matança lenta de uma sociedade exausta e rasgada, que consome o presente dos velhos e o futuro dos jovens. Não é isto que queremos mas é isto que temos. Ou, pensando bem, é isto que nos tem a nós.