(Nicolau Santos, in Expresso, 18/04/2015)
Pedro Passos Coelho foi esta semana ao Conselho Nacional do PSD defender a descida da Taxa Social Única (TSU), uma afirmação de que há várias ilações a tirar. A primeira é que o primeiro-ministro é coerente. Quer baixar os custos de trabalho para as empresas, diminuindo a sua contribuição para a Segurança Social. A primeira tentativa foi a 7 de setembro de 2012, quando Passos anunciou ao país numa comunicação televisiva uma descida de sete pontos na contribuição das empresas para a TSU, compensada por um aumento da mesma dimensão da contribuição dos trabalhadores. A estupefação, inclusive do líder do parceiro da coligação, Paulo Portas, foi geral, perante a medida gizada por Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque, então ministro das Finanças e secretária de Estado do Tesouro.
A segunda ilação é que o primeiro-ministro é corajoso. A medida gerou uma recusa unânime por parte dos parceiros sociais e deu origem à maior manifestação desde abril de 1974, que juntou mais de um milhão de pessoas a 15 de setembro. Por isso, é preciso ter muita coragem para a revisitar a seis meses de eleições legislativas.
A terceira ilação é que a estratégia agora é diferente. Com efeito, o primeiro-ministro não pretende compensar a descida da TSU para as empresas com a subida das contribuições dos trabalhadores ou do IVA, mas recorrendo à flexibilidade que as novas regras europeias permitem, i.e., desvios orçamentais, desde que tenham a ver com reformas estruturais que potenciem a competitividade e o emprego. Ou seja, o défice aumentará por esta via mas não contará para Bruxelas. A quarta ilação é que esta medida é para patrões verem. É que ela só pode ser aplicada em países que não estejam com défices excessivos — e Portugal, se tudo correr bem este ano, só em 2016 poderá colocá-la em vigor. Mas entretanto há eleições legislativas pelo meio e desconhece-se se será Passos Coelho que sucede a Passos Coelho.
Passos diz que “precisamos como de pão para a boca de aumentar o investimento e criar emprego”, mas cortou 700 milhões de investimento em 2014.
A quinta ilação é que Passos ou não fez contas ou a medida não é “one shot”. É que uma descida de um ponto na TSU equivale, grosso modo, a €300 milhões. Sete pontos são portanto €2100 milhões. Não se vê que Bruxelas, mesmo acreditando que daqui vai resultar um aumento da competitividade e do emprego, permita uma tal derrapagem do défice num único ano. A sexta ilação é que o dr. Passos está a esconder-nos o mais importante. E o mais importante é que se a medida visava descer os custos unitários de trabalho em 7%, então isso já foi conseguido, porque eles já se reduziram 6,1% entre 2010 e 2012 (contas de Bagão Félix). Insistir nesta via é duplicar o bónus de que as empresas já beneficiaram.
Finalmente, é com uma lágrima ao canto do olho que ouvimos o dr. Passos dizer que a descida da TSU é necessária porque “precisamos como de pão para a boca de aumentar o investimento e criar emprego”. Para um Governo que só ano passado cortou €700 milhões de investimento público para compor o défice e que já tinha feito o mesmo em anos anteriores; para um Governo que assistiu a uma quebra de 40% do investimento durante o período de ajustamento, sem nada ter feito para a contrariar, como não nos comovermos com esta descoberta do dr. Passos?
Sobrinho Simões e a ciência
Como deve ser avaliada a produtividade e a competência dos centros de investigação? Através da produção científica, número de citações em revistas reputadas e na repercussão internacional das descobertas? Ou através do valor acrescentado, da aplicação real das investigações, como pretende o Governo e a Fundação para a Ciência e Tecnologia? O dilema não é fácil porque, usualmente, estas atividades são altamente subsidiadas. É verdade que há países onde a filantropia tem um peso muito relevante no financiamento. Não é o nosso caso. E por isso o modelo que existia (Estado, institutos e filantropia, cada um com um terço) parecia o mais adaptado a Portugal. Porque, como diz Manuel Sobrinho Simões, presidente do Ipatimup, embora a Universidade do Porto seja aquela que, a nível mundial, mais citações tem em investigação em cancro da tiroide e do estômago, “não consigo vender isto a ninguém. Nem ao Governo nem aos filantropos potenciais”. Mas talvez seja isso que se pretende. Que fiquem apenas dois ou três centros de investigação de excelência. Privados, de preferência, embora apoiados por dinheiros públicos.
A TAP não vai ser vendida
A greve dos pilotos da TAP, anunciada para o período entre 1 e 10 de maio, e podendo vir a custar €70 milhões à companhia, terá surpreendido o Governo e a administração, mas não é inesperada. E não é porque o acordo assinado no final de dezembro entre o Governo e a administração e nove sindicatos teve como objetivo óbvio comprar a paz social na empresa. Ao mesmo tempo, contudo, as condições que o Executivo aceitou tornam quase impossível que qualquer interessado na TAP avance para a compra da companhia. Foi aliás isso que fez desistir o grupo espanhol Globalia: a elevada dívida da transportadora (mais de mil milhões de euros) e a impossibilidade de a gerir com “critérios privados”. Esta greve anunciada é pois o passo que faltava para não haver privatização da TAP. Porque quando chegar o momento, o Governo só terá do outro lado da mesa o mesmo interessado a quem não quis vender antes a TAP: Germán Efromovich.
Volta não volta, saio de casa sem certeza de voltar.
Olho para as paredes, para o sofá,
para todas as fotografias espalhadas ordenadamente,
para o feixe de luz branca que entra pela janela
há quase uma hora.
Pergunta-me a minha filha onde vou,
respondo que vou trabalhar
e ela “volta, não volta?”
e eu olho para ela, para as paredes, para o sofá,
para todas as fotografias e para o feixe de luz,
e “claro que volto”.
E volto a dar-lhe um beijo.
Volto a entrar no comboio,
volto a abrir o livro de capa amarela,
volto a fechar os olhos que mal dormi.
Volto a sonhar meios-sonhos,
e sair à pressa que estou sempre atrasado,
a ser uma ovelha de rebanho,
a subir num elevador pequeno,
volto a cara para o espelho, volto a não me reconhecer
e a sentar-me à secretária cinzenta voltada para o armário.
Volta não volta, saio de casa sem certeza de voltar.
Olho para a dona Antónia que fica,
para a máquina das fotocópias,
para um letreiro antigo
de quando o escritório era na baixa que ainda existia,
para a minha cadeira vazia e gasta.
Volto a descer a rua,
volto a olhar para o relógio,
volto os olhos para o céu que hoje ainda não voltei,
volto a ouvir as buzinas,
volto a deixar de fumar,
volto a cara a um velho, volto a não me reconhecer,
e volto a voltar para casa.
Pergunta-me a minha filha onde fui,
respondo que fui trabalhar,
e ela à volta da boneca, e eu à volta do jantar.
Volta não volta, quase consigo parar.
Pergunto-me a mim onde vou, e onde penso chegar.
E a cada “volta, não volta?”,
penso que só sei voltar!
Frederico Ferreira,
‘Em voltas’, in “Anuário de poesia de autores não publicados — 2015”, Assírio & Alvim