Então, porque não descem o salário mínimo?

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso, 26/09/2020)

Pedro Santos Guerreiro

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É evidente que quanto mais baixos forem os salários mais empregos haverá. Mas então desafio Rui Rio a levar o seu argumento ao absurdo e a propor uma descida do salário mínimo para 500 euros líquidos, o limiar de risco de pobreza. Pois então não haveria mais novos empregos? Claro que sim, o chão de fábrica ficaria repleto de gente. Gente meio-morta ante a legitimação da miséria.

Rui Rio — e muitos economistas — pode discordar da subida do salário mínimo, até porque os seus argumentos não são estúpidos. O que não pode é acusar quem defende o contrário de demagogia. Demagogia teve o Governo com a redução do horário de trabalho da função pública, mas não a tem com a (sublinhe-se) pequena subida do SMN que prepara. E que assim não suspende nem ameaça a tendência dos últimos anos, que teve impacto na vida de centenas de milhares de pessoas e reduziu a desigualdade, que ainda assim prevalece brutal no nosso país.

Com a subida do SMN, de 30% desde 2014, o número de trabalhadores a recebê-lo foi aumentando, para mais de 22% do total. Hoje haverá cerca de 750 mil pessoas a ganhar 635 euros (565 líquidos 14 meses por ano), com grande peso na restauração e alojamento, comércio, indústria transformadora e construção – setores muito sovados pela pandemia. Com a crise, que já ninguém esconde que será longa, os rendimentos já estão a cair e os quase 170 mil postos de trabalho que já foram varridos serão ainda engrossados por mais falências e empresas que já não querem ou não podem beneficiar do lay-off ou de linhas de crédito. Os salários médios descerão através do desemprego.

Um economista fala assim: o problema dos salários baixos está na baixa produtividade, que resulta das baixas qualificações e pouca acumulação de capital. Um assalariado mínimo ouve assim: trabalho que me farto, estou na mesma há anos e não saio da cepa torta porque há sempre uma crise.

É melhor ganhar pouco do que nada, diz Rui Rio. Vamos legitimar a desigualdade?

Pois, a produtividade. Mas produtividade não é apenas “trabalhar mais para produzir mais” como se fosse preciso chicote: em Portugal ela é muito prejudicada por falta de investimento, que faz empresas trabalhar com maquinaria e tecnologia antiga ou de segunda. Foram as exportações que nos tiraram da crise anterior e foi o turismo que alimentou milhares de bocas, mas criando trabalhos precários ou mal pagos. O salário mínimo é um nivelador mínimo pela dignidade da vida dos trabalhadores.

Abdicar de combater as desigualdades por causa de uma crise que por natureza já as aprofunda é aceitar que os mais desfavorecidos ficarão entregues a si próprios. É como dizer que não vamos legislar mais sobre a desigualdade salarial entre homens e mulheres (elas ganham menos 17% do que eles) porque agora, enfim, não dá jeito.

Quando se sai do estirador analítico para essa coisa chamada vida real, topa-se com um país com salários baixos e impostos altos, com uma desigualdade gritante e níveis persistentes de miséria, em que ou se sai daqui para fora ou se fica preso em elevadores num prédio com demasiados fogos no rés do chão, poucos pisos no meio e algumas penthouses a arranhar o céu. E se o Estado está tão preocupado com as empresas, baixe as contribuições para os salários mais baixos. Não pode, não é? Pois, mas pode o trabalhador, ou como dizia um banqueiro há uns anos, o país “ai aguenta, aguenta”.

635 euros. Menos do que até aqui, mas aumente-se o salário mínimo.


Nem no salário mínimo o diabo apareceu

(Ricardo Paes Mamede, in Diário de Notícias, 29/07/2019)

Paes Mamede

Entre 2015 e 2019 o salário mínimo nacional (SMN) subiu de 505 para 600 euros, melhorando em 14% o poder de compra dos trabalhadores abrangidos. A medida constava do programa de governo aprovado pela maioria parlamentar em 2015 e foi recebido com cepticismo pelas instituições internacionais e pela direita portuguesa. Apesar do alarme, revelou-se uma escolha acertada.

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A necessidade de empurrar para cima o valor mínimo que se paga em troco de trabalho em Portugal é sentida desde há muito. Foi preciso esperar pelo 25 de Abril para que o SMN fosse estabelecido. Nas décadas seguintes, porém, as actualizações anuais do valor de referência foram insuficientes para preservar o poder de compra dos trabalhadores mais pobres. Na viragem do século, o valor do salário mínimo era 20% inferior ao que deveria ser caso a sua actualização tivesse sido feita em linha com a inflação.

Um acordo de concertação social obtido em 2006 abriu perspectivas de um crescimento mais rápido do SMN. O valor de referência encontrava-se então em 386 euros, prevendo-se que aumentasse todos os anos até atingir 500 euros em 2011. O acordo acabaria por não ser integralmente cumprido, tendo o SMN para esse ano sido fixado em 485 euros. Nos anos seguintes o salário mínimo foi congelado, no quadro do programa de ajustamento, só sendo actualizado para 505 euros em 2015.

O compromisso com o crescimento acelerado do SMN foi retomado após as eleições legislativas daquele ano, estabelecendo-se então como meta atingir os 600 euros em 2019 (como veio a acontecer).

A fixação de uma meta de médio prazo para o valor do SMN não se fez sem resistências, internas e externas. No programa eleitoral da Coligação Portugal à Frente o tema era tratado com reserva: PSD e CDS propunham-se “determinar as condições de evolução do salário mínimo nacional” em função da “evolução da produtividade do trabalho”. Já em 2016, nas habituais recomendações anuais dirigidas a Portugal, o Conselho Europeu alertava para os riscos do aumento do salário mínimo, que poderia “comprometer as perspetivas de emprego e competitividade”.

Dizia-se que o aumento do salário mínimo iria impedir a criação de emprego, pôr em causa a competitividade externa das empresas portuguesas e impedir o crescimento dos salários dos trabalhadores com rendimentos medianos. Em breve, afirmavam os mais relutantes, a maioria dos trabalhadores estariam a ser pagos pelo nível mais baixo permitido por lei.

Como mostra o relatório “Salário Mínimo Nacional – 45 Anos Depois“, recentemente publicado pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, não foi isto que aconteceu.

O emprego cresceu desde 2015, tendo sido criados mais de 300 mil postos de trabalho em termos líquidos até 2018. A taxa de desemprego caiu de 12,4% para 7% neste período; no primeiro trimestre de 2019 era já igual à da União Europeia (6,8%) e inferior à da zona euro (8,1%). Ao mesmo tempo, as exportações continuaram a crescer e as quotas de mercado da produção portuguesa nos países estrangeiros a aumentar.

O aumento do SMN não impediu o crescimento dos salários logo acima do valor mínimo. Em 2015, 50% dos trabalhadores por contra de outrem recebiam no máximo 790 euros por mês; em 2017, último ano para qual existem dados, esse valor mediano subiu para 822 euros. Dentro de cada empresa, os salários têm crescido mais para os trabalhadores de menores rendimentos, o que corrige desigualdades sem exercer uma pressão excessiva nas empresas.

Como seria de esperar, inicialmente a actualização mais rápida do SMN fez aumentar a proporção dos trabalhadores abrangidos (de 13,2% em 2014 para 25,7% em 2017). No entanto, essa proporção tem vindo a diminuir desde então, mostrando que uma grande parte dos empregadores tem condições para pagar salários mais elevados. De facto, a maioria das tabelas salariais negociadas entre associações patronais e sindicatos fixam níveis inferiores de remuneração que estão acima do salário mínimo, incluindo em sectores mais expostos à concorrência internacional.

Em boa medida, os efeitos benévolos do aumento do SMN até aqui explicam-se pelo facto de haver uma concentração elevada de pessoas que recebem o salário mínimo num número restrito de sectores – alojamento, restauração e serviços de apoio (por exemplo, segurança e limpeza) – que têm crescido muito à boleia da forte expansão do turismo. Os baixos salários praticados nestas actividades (que afectam principalmente as mulheres trabalhadoras) reflectem mais o poder negocial dos empregadores face à abundância de mão-de-obra pouco qualificada do que a pressão da concorrência externa.

Reequilibrar o poder negocial das partes de uma relação laboral é um dos objectivos centrais da existência do salário mínimo e da sua actualização. Nos últimos anos, em Portugal, foi também importante para estimular a procura interna, num contexto em que a política orçamental está muito condicionada pelas regras europeias.

Ou seja, as consequências perversas não se verificaram e tudo indica que o aumento do SMN desempenhou um papel positivo na recuperação da economia portuguesa. Mas o trabalho não está concluído. Portugal continua a ter o salário mínimo nacional mais baixo da Europa Ocidental. Apesar do aumento verificado, a taxa de risco de pobreza entre a população que trabalha manteve-se quase inalterada.

Os efeitos do aumento do salário mínimo não são sempre tão favoráveis, pelo que é positivo que a sua implementação continue a ser monitorizada e ajustada às circunstâncias. Os dados disponíveis sugerem que a opção tomada na actual legislatura foi acertada. Às vezes vale mesmo a pena não paralisarmos com o medo do diabo.

Economista e professor do ISCTE-IUL. Escreve de acordo com a antiga ortografia.

Conhecem o Ferra(braz) da Costa?

(Vítor Lima, in Facebook, página Democracia e Dívida, 03/01/2019)

ferraz

(Eu responderia a este tipo dizendo-lhe o seguinte: salário mínimo de 600 euros é um luxo para patrões incompetentes.

Comentário da Estátua de Sal, 03/01/2019)


• É um homem coerente, pois já era ultra-reacionário quando estudante, antes do 25 de Abril e, continuou a sê-lo mas acrescentando o ressaibo, a saudade dos bons tempos do fascismo. Como primeiro líder da CIP, representou o entulho empresarial português cuja característica, única na Europa, é ser aquele que apresenta menos habilitações do que os trabalhadores. Daí a aposta no baixo salário, no baixo investimento (excepto quanto a carros de luxo, como bons saloios) e a baixa produtividade… de onde resulta ser Portugal o país mais atrasado da Europa Ocidental. (Ver declarações de Ferraz da Costa aqui).

• Fala pouco mas diz sempre barbaridades. Na Europa há muitos países com horários inferiores a 35 h e que não são ricos – Bulgária, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Hungria, Rep. Checa, Roménia e Croácia.

• Um patrãozeco português paga anualmente 25709 (pps)* contra uma média europeia de 36221 e, 35919 em Espanha ou 49711 na Bélgica, por exemplo… onde até se trabalham menos horas.

Se em Portugal o trabalho é mais barato e para jornadas de trabalho superiores é porque o empresariato é um conjunto de incapazes rascas, geradores de subdesenvolvimento.

• Não diz o Ferra(braz) que, segundo inquérito da Deco, 42% dos trabalhadores trabalha mais de 40h/semana; e que 64% do total não recebe pelas horas extraordinárias. Nem diz que o patronato – em conluio com os governos – deve de contribuições para a Seg Social, o equivalente a 12 meses do total das pensões… coisa inconcebível na Europa civilizada.

Se houvesse uma imprensa decente, tê-lo-iam confrontado com estas questões, não?


(*) PPS – Paridade de poder de compra. Para os menos conhecedores dos temas económicos podem consultar o  conceito Aqui.


Fonte aqui